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Da exigência de comum acordo para a instauração dos dissídios coletivos frente ao princípio da inafastabilidade da jurisdição

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11/03/2007 às 00:00
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3. DAS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA EMENDA CONSTITUCIONAL 45/04 NA SOLUÇÃO DOS DISSÍDIOS COLETIVOS DO TRABALHO

3.1 Inovações para a instauração do dissídio coletivo

A Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, trouxe mudanças significativas no âmbito dos dissídios coletivos. A nova redação imposta ao artigo 114, § 2°, da Constituição Federal estabelece que:

§ 2° Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. (negrito nosso)

A alteração que vem suscitando maiores discussões é o acréscimo da expressão "comum acordo" ao parágrafo segundo do artigo 114 do texto constitucional. O debate gira em torno do consenso mútuo como pressuposto para o ajuizamento do dissídio coletivo.

Muitos doutrinadores vêm se inclinando no sentido de que os dissídios coletivos de natureza econômica só podem, agora, ser propostos com a anuência da parte suscitada.

Ives Gandra Martins Filho (2005, p. 198) entende que, "com a promulgação da Emenda Constitucional n. 45/04, o Poder Normativo da Justiça do Trabalho somente pode ser exercido no caso de ambas as partes postularem a intervenção da Justiça Laboral para a composição do conflito".

Cássio Mesquita Barros (2005, p. 287) igualmente atesta que "não havendo esse consenso, permanece o conflito aberto".

O magistrado Alexandre Nery de Oliveira (2005), que foi membro da Comissão de Reforma do Judiciário da Associação dos Magistrados Brasileiros, considera que o poder normativo é agora admitido apenas "em caráter restrito, nos limites apresentados pelas partes, em petição conjunta, respeitadas as condições mínimas de proteção ao trabalho descritas em norma legal ou em normas coletivas anteriores".

Alguns autores entendem que a intenção do legislador, ao incluir a exigência do comum acordo para o aforamento dos dissídios de natureza econômica, foi estimular as negociações coletivas.

A magistrada Andréa Presas Rocha (2006) manifestou sua opinião:

Nos parece que o Legislador Reformador teve em mente a salutar valorização da composição dos conflitos coletivos diretamente pelas partes envolvidas, uma vez que a alteração do texto constitucional privilegia a negociação direta entre os interlocutores sociais, pondo de lado a intervenção estatal, antes aviada pelo poder normativo atribuído à Justiça do Trabalho.

Com o mesmo ponto de vista, Júlio Bernardo do Carmo (2005, p. 595) explica:

A intenção do legislador constituinte foi acabar radicalmente com o vezo das partes se mostrarem pouco dispostas à negociação coletiva preferindo comodamente aninhar-se no seio protetor do paternalismo estatal, expediente que sem dúvida só contribui para enfraquecer ainda mais os sindicatos dos trabalhadores.

Há muitos anos, alguns autores vêm defendendo uma menor intervenção do Estado e maior incentivo às negociações coletivas. Eduardo Gabriel Saad, em 1994, manifestou sua opinião no sentido de que se deve

abrir campo às negociações diretas entre patrões e empregados para discutir fórmulas que superem suas divergências. E só eles – e não os juízes – sabem ao certo até que ponto a empresa pode fazer concessões sem ameaçar sua sobrevivência. Só assim os empregados ficam em condições de evitar, em muitos casos, o mal maior representados pelo desemprego (SAAD, 1994, p. 472).

O mesmo autor alegava ser forte a presença do Estado brasileiro nas relações de trabalho, sendo necessário fazê-lo recuar, para que a legislação trabalhista possa ser modernizada.

Nesse debate, Bento Herculano Duarte Neto (1994, p. 58) explica que, embora acredite que a negociação coletiva seja o ponto central da dinâmica do direito do trabalho, "faz-se mister que primeiro haja o fortalecimento da estrutura sindical do país". Segundo o autor, a necessidade da intervenção estatal para a regulamentação das relações trabalhistas manifesta-se já a partir do caráter tutelar do direito do trabalho.

Sabe-se que nem sempre é viável a negociação coletiva e, por conseguinte, pode ser muito difícil a proposição do dissídio coletivo em conjunto.

Júlio Bernardo do Carmo (2005, p. 597), por essa razão, tem entendimento um pouco diverso com relação às alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 45, admitindo ser possível, em casos específicos, o suprimento judicial do consenso da parte contrária:

Se o sindicato dos trabalhadores for inexpressivo, tíbio, sem poder de barganha contra o patronato e sem meios de exercer com sucesso o direito de greve, a recusa de consentimento da categoria econômica para o ajuizamento conjunto do dissídio coletivo de natureza econômica pode sim caracterizar a recusa abusiva, injurídica ou de extrema má-fé que obsta potestativamente o exercício do direito de ação coletiva por parte do operariado. Neste contexto parece-me que a parte prejudicada poderá sim, de imediato, ajuizar o dissídio coletivo de natureza econômica e nele requerer de forma incidental o suprimento judicial da recusa da categoria econômica contraposta. (negrito nosso)

De acordo com esse entendimento, o Tribunal poderia outorgar o suprimento judicial e permitir a tramitação normal do dissídio nos casos em que identificar má-fé, abuso de direito ou ilicitude por parte da categoria econômica que denegou o consentimento.

Em razão da grande dificuldade de se concretizar a propositura do dissídio coletivo em consenso, outra parte da doutrina não concorda com a interpretação literal da nova redação constitucional.

Arnaldo Süssekind (2005, p. 1031) entende que é possível a instauração do dissídio coletivo, ainda que por apenas uma das partes, pois "se assim não for e configurado o litígio coletivo de interesse, ter-se-á de concluir que as mencionadas regras resultantes da EC n. 45 impõem à categoria profissional o apelo à greve".

Amauri Mascaro Nascimento (2006, p. 654) também defende que ainda é possível a instauração unilateral, realizando uma interpretação lógico-sistemática, como único meio de se conduzir o intérprete ao verdadeiro sentido do texto.

Assim, juntamente com a nova exigência para a propositura do dissídio coletivo de natureza econômica, nasceu um grande debate, que envolve questões processuais, função normativa, forma de jurisdição alternativa, meios de interpretação do dispositivo e, especialmente, a discussão sobre a inconstitucionalidade do novo pressuposto.

3.1.1 Da questão processual

A doutrina não conseguiu chegar a um consenso sobre qual será a natureza jurídica do "comum acordo" para a propositura do dissídio coletivo e nem mesmo como será o processamento do dissídio econômico na prática jurídica.

Discute-se, se a necessidade de consentimento é uma condição da ação ou um pressuposto processual ou de procedibilidade para a instauração do dissídio.

Conforme esclarece Humberto Theodoro Júnior (2003, p. 55), os pressupostos processuais são requisitos para a validade e eficácia da relação processual, para a constituição e o desenvolvimento regular do processo. Incumbe ao autor atingir esses pressupostos e também atender às condições da ação, sem os quais o juiz se recusará a apreciar o pedido da causa. Se não forem atendidos os pressupostos processuais, a relação processual nem mesmo se estabelece ou não se desenvolve validamente, já as condições da ação são requisitos a serem observados depois de estabelecida regularmente a relação processual, para que o juiz possa solucionar o mérito.

O reconhecimento da ausência dos pressupostos processuais ou da inexistência de condição da ação (carência de ação) leva à extinção do Processo sem resolução do mérito (artigo 267, IV e VI do Código de Processo Civil).

Para Julio Bernardo do Carmo (2005, p. 594), a emenda constitucional

criou iniludivelmente um pressuposto de procedibilidade do ajuizamento do dissídio coletivo

que antes não existia, sendo que sem o atendimento desse requisito o dissídio coletivo de natureza econômica deve sim ser de pronto indeferido pelo Tribunal Competente [...]. (negrito nosso)

Andréa Presas Rocha (2006) também afirma "que o ‘comum acordo’ é pressuposto processual de constituição e desenvolvimento do processo [...], sem o qual não se estabelece a relação jurídica inerente ao dissídio".

O sub-procurador-geral do trabalho Edson Braz da Silva (2005, p. 1038) defende que o "comum acordo" ostenta a natureza de condição específica da ação e não pressuposto processual, por entender que não se deve exigir excessiva formalidade processual na propositura do dissídio, a fim de não se perder sua finalidade que é o restabelecimento da paz social.

Com esse entendimento, não há exigência de petição em conjunto ou em concordância prévia e expressa da parte contrária e a aquiescência do suscitado valeria mesmo quando manifestada tacitamente no curso do processo. Se o suscitado não concordar, deverá manifestar expressa oposição ao ajuizamento unilateral do dissídio na primeira oportunidade, já no início da audiência de conciliação. Conforme Edson Braz da Silva (2005, p. 1042), se participar normalmente da tentativa de conciliação, terá tacitamente suprido a exigência legal do comum acordo.

Já houve manifestações [02] do Tribunal Superior do Trabalho no sentido de que a expressão comum acordo não significa, necessariamente, petição conjunta e tampouco precisa ser prévio, e pode se verificar de modo expresso ou tácito.

Para Amauri Mascaro Nascimento (2006, p. 655), não foi criada uma condição da ação e nem mesmo um pressuposto processual. Como o requisito exige a concordância do réu (comum acordo), será o réu quem irá decidir sobre a possibilidade ou não do processo contra si. Não há, assim, nova condição da ação ou pressuposto processual a ser cumprido pelo autor, mas uma inversão do direito de ação, pois transfere o poder de agir do autor para o réu.

3.1.2 Normatividade ou forma de jurisdição alternativa?

Os dissídios coletivos de natureza econômica permitem o exercício de normatividade pelo Judiciário, que cria, modifica ou extingue normas e condições de trabalho.

Em razão da necessidade da propositura do dissídio em conjunto, a doutrina começou a entender que os dissídios econômicos não serão mais uma manifestação do poder normativo, mas terão natureza de arbitragem, visto que as partes procuram um terceiro – Justiça do Trabalho – para solucionar seu conflito.

Octávio Bueno Magano (2005, p. 290) entende que, pelo novo texto constitucional, o dissídio coletivo de natureza econômica passou a "tratar-se, na verdade, de arbitragem pública".

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Alexandre Nery de Oliveira (2005) considera que a Emenda 45/04

atribuiu inequívoca atuação arbitral (ainda que anomalamente estatal) pelos Tribunais do Trabalho, sempre que provocados pelas partes interessadas, que entregam à jurisdição estatal a decisão sobre o conflito instaurado, nos termos que apresentam, para decisão, inclusive sob juízo de eqüidade.

O autor explica que o novo texto constitucional "deixou às partes a decisão sobre a confiabilidade da decisão acerca do conflito aos Tribunais do Trabalho, que funcionam assim como órgãos de arbitragem, embora providos de toda a força inerente à atuação como órgão de Poder do Estado" (OLIVEIRA, 2005).

No mesmo sentido, Andréa Presas Rocha (2006) explica que "somente haverá dissídio, e, consequentemente, sentença normativa, se os litigantes assim o desejarem, ou seja, se as partes, voluntariamente, se submeterem à atuação da Justiça do Trabalho, cuja atividade correspondente, por tal razão, passa a assumir um caráter de arbitragem pública".

Edson Braz da Silva (2005, p. 1039) acredita que há uma nova concepção para o poder normativo, que fica agora reservado às partes como uma espécie de arbitragem judicial.

3.2 Da inconstitucionalidade das alterações trazidas pela EC 45/04

O consenso para a propositura da ação, por vezes, torna-se impraticável. Se as partes envolvem-se em animosidade suficiente para impedir a concretização das negociações coletivas e da arbitragem, pode isso também impedir o comum acordo para a propositura do dissídio coletivo.

Dessa forma, independentemente de ser considerado pressuposto processual ou condição da ação, e de ser manifestação do poder normativo ou arbitragem pública, a impossibilidade de um acordo para a apresentação do conflito ao judiciário pode levar a uma perpetuação da situação de conflito coletivo e gerar graves repercussões sociais.

Por essa razão, questiona-se a validade da exigência de "comum acordo" para a instauração dos dissídios econômicos frente ao Princípio da Inafastabilidade da Prestação Jurisdicional, com o argumento de que o novo requisito fere o direito de ação, sendo, por conseguinte, inconstitucional.

Percebe-se, assim, que se estaria afastando o conflito de uma tutela jurisdicional, por haver uma exigência na maior parte das vezes impossível de se satisfazer. Não se pode exigir do autor um requisito impraticável, sob pena de se estar cerceando seu direito de agir.

A propositura da ação em comum acordo acaba por transferir o direito de ação ao réu, pois o autor só pode ter sua ação tramitando se o réu assim o quiser. Não existe no ordenamento jurídico qualquer ação que tenha como pressuposto que a parte contrária deva concordar que a ação seja movida contra ela (NASCIMENTO, 2006, p. 656). Estaria surgindo no ordenamento uma figura atípica, uma ação que exige concordância do réu para que possa ser recebida ou julgada.

A doutrina, então, traz inúmeros argumentos para defender ser ainda possível a propositura do dissídio por somente uma das partes. O primeiro deles é em relação ao modo de interpretação do novo dispositivo constitucional.

A interpretação da Constituição não pode levar a conclusões absurdas ou em contradição com o Direito. Amauri Mascaro Nascimento (2006, p. 654) explica que o jurista deve apoiar-se na interpretação lógico-sistemática.

O ex-ministro Carlos Maximiliano (2003) trazia que "o Direito interpreta-se inteligentemente; a exegese não pode conduzir a um absurdo, nem chegar a conclusão impossível". Cabe ao hermeneuta sempre se preocupar com as conseqüências de suas interpretações.

Defendendo as idéias de Carlos Maximiliano, Arnaldo Süssekind (2005, p. 1031) entende que o inalienável direito de acesso ao Judiciário justifica a instauração unilateral do dissídio coletivo, para que não se conclua o absurdo de que a Constituição objetiva estimular a deflagração de greve. Deve, assim, ser possível o ajuizamento por uma das partes, para que não seja imposto o apelo à greve aos trabalhadores, seja para forçar o empregador a consentir com o ajuizamento do dissídio, seja para, sendo atividade essencial, levar o Ministério Público a instaurar o dissídio.

Süssekind (2005, p. 1031) explica em outro artigo publicado sobre o tema que "seria desarrazoado que a Carta Magna se limitasse a proteger o interesse público no suporte fático da greve e deixasse sem solução a lesão ao interesse privado, muitas vezes com repercussão na comunidade, ferindo, portanto, interesses públicos".

Wilma de Araújo Vaz da Silva (2005, p. 1036) também alerta que a condição de comum acordo inviabiliza o dissídio econômico pela via pacífica e tem como efeito colateral indissociável a instigação para a solução mediante greve, como instrumento de pressão cuja deflagração a lei não sujeita à anuência do poder econômico. Segundo a magistrada, só esse argumento já seria suficiente para ser rejeitada a exegese da obrigatoriedade do comum acordo.

Ademais das formas de interpretação do dispositivo, uma Emenda Constitucional, fruto do Poder Reformador, não pode realizar alterações que violem cláusulas pétreas, como o direito fundamental previsto no artigo 5º, inciso XXXV, do texto constitucional, de que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Conforme prevê a Constituição, nenhuma limitação impeditiva de ingresso em juízo pode ser imposta. A instauração mediante comum acordo não poderia, por essa razão, ser a única possibilidade de solução pacífica do conflito, excludente do constitucional direito de ação que é "personalíssimo e insuscetível de ser compartilhado pela parte contrária" (WILMA SILVA, 2005, p. 1035).

A defesa dos direitos coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas, cabe aos sindicatos, conforme prevê o artigo 8º da Constituição Federal. Sendo o dissídio coletivo o meio por excelência destinado à defesa dos direitos e interesses coletivos e sendo vedado o afastamento da tutela jurisdicional, Arnaldo Süssekind conclui ser esta uma outra razão para se admitir a instauração do dissídio por apenas umas das partes. Com suas palavras:

[...] o artigo 5º, XXXV, da Constituição, como cláusula pétrea, assegura o direito da entidade sindical, uma vez malograda a negociação coletiva, de ajuizar o dissídio coletivo, ainda que sem a concordância da entidade patronal – garantia que se harmoniza com o prescrito no art. 8º, III, do ordenamento constitucional (SÜSSEKIND, 2005, p. 1032).

José Carlos da Silva Arouca (2005) também entende ser possível a instauração de dissídio unilateralmente, "porque foi mantido o mais que o poder normativo, ou seja, o inciso III do artigo 8º da Constituição, quer dizer, a defesa pelo sindicato de interesses - e não de direitos - coletivos".

Wilma Vaz da Silva (2005, p. 1034) entende que "não se pode extrair [...] uma interpretação que atente contra o direito de ação e consagre a inserção, nos respectivos requisitos de admissibilidade, de alguma das modalidades de condição obstaculizadas pelos princípios contidos nos arts. 122, 123 e 124 do vigente Código Civil".

Conforme suas explicações, o negócio jurídico resulta inexistente quando sujeito a condições impossíveis, sendo defesas as condições potestativas, que "privarem de todo efeito o negócio jurídico ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes". Logo, a autora conclui que "há de ser tida como inexistente a condição (da ação) que obriga ao impossível", como o "utópico assentimento explícito do poder econômico". Alega ainda que a "distribuição, entre as partes litigantes, de um requisito de admissibilidade que, se não satisfeito, prejudicará apenas uma delas, e precisamente aquela que fica submetida ao exclusivo arbítrio da outra, tipifica a condição potestativa" (WILMA SILVA, 2005, p. 1035).

Seguindo esse entendimento, a exigência de comum acordo é uma condição impossível ou potestativa. Se o comum acordo fosse uma nova condição da ação coletiva, seu descumprimento levaria a uma extinção do dissídio sem julgamento do mérito. Esse resultado favorável ao empregador faria com que ele nunca optasse pela autocomposição ou arbitragem, frustrando como conseqüência também o comum acordo.

Amauri Mascaro Nascimento (2006, p. 649) demonstra a inconstitucionalidade material de norma constitucional, quando esta viola postulados fundamentais do ordenamento jurídico. Nesse caso, a modificação introduzida pela Emenda contraria princípio fundamental da Constituição, que é o direito público subjetivo de ação.

O artigo 170 da Constituição Federal traz que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano, cabendo, dessa forma, ao Estado intervir para sua proteção, seja colaborando para o fortalecimento das entidades sindicais dos trabalhadores, seja por meio da tutela jurisdicional.

Sabendo da grande dificuldade na instauração do dissídio por mútuo consentimento, muitos Tribunais vêm aceitando os dissídios suscitados unilateralmente pelos sindicatos, privilegiando o acesso ao Judiciário e protegendo os interesses dos trabalhadores que acabariam lesados.

Uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região [03], com o relator Paulo Roberto Sifuentes Costa, traz que exigir a propositura em comum acordo retiraria da Justiça do Trabalho o poder de julgar o dissídio coletivo, o que levaria ao total descumprimento da Constituição, pois os dissídios visam realizar um julgamento eqüitativo, buscando compatibilizar os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, que são fundamentos da República, previstos no artigo 1º do texto constitucional.

Várias ações diretas de inconstitucionalidade [04] tramitam no Supremo Tribunal Federal, todas sob a relatoria do Ministro Cezar Peluso, questionando a validade do termo "comum acordo".

A Procuradoria-Geral da República, no entanto, se manifestou pela improcedência das ADIn, alegando, na ADIn 3.432-4/600-DF que:

o poder normativo da Justiça do Trabalho, por não ser atividade substancialmente jurisdicional, não está abrangido pelo âmbito normativo do art. 5°, XXXV, da Constituição da República. Assim sendo, sua restrição pode ser levada a efeito por meio de reforma constitucional, sem que seja violada a cláusula pétrea que estabelece o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário (NASCIMENTO, 2006, p. 648).

Os autos encontram-se com o Relator, aguardando sua manifestação. Não há ainda o desfecho da situação pelo Supremo Tribunal Federal.

Se efetivamente for exigido o mútuo consentimento para a propositura dos dissídios econômicos, os trabalhadores ficarão afastados da tutela do Estado, surgindo um espaço de insatisfação social em razão da litigiosidade contida.

Na falta de negociação e na impossibilidade de acesso ao Judiciário, os trabalhadores terão como única alternativa a deflagração de greve, movimento que causa prejuízos sociais e econômicos ao país e não deve jamais ser estimulado. Cabe ao Estado buscar solucionar as situações de conflito com justiça, tendo como escopo a pacificação social, razão de ser do Judiciário.

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Sobre a autora
Luciana de Miguel Cardoso

pós-graduanda em Direito do Estado pela Universidade Estadual de Londrina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Luciana Miguel. Da exigência de comum acordo para a instauração dos dissídios coletivos frente ao princípio da inafastabilidade da jurisdição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1348, 11 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9582. Acesso em: 26 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho elaborado sob a orientação de Lourival José de Oliveira (doutor em Direito do Trabalho, professor adjunto da Universidade Estadual de Londrina, professor titular da Unopar, professor do curso de Mestrado em Direito Negocial da UEL, professor do Programa de Mestrado da Unimar, professor de Graduação da FACCAR).

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