Capa da publicação Injustiça ambiental: as diferenças dos barcos na tempestade da covid-19
Capa: Pilar Olivares / Reuters
Artigo Destaque dos editores

Injustiça ambiental: as diferenças dos barcos na tempestade da covid-19

Exibindo página 2 de 2
15/01/2022 às 10:05
Leia nesta página:

CONCLUSÃO

Pandemias, assim como outros desastres ambientais, entre eles a Covid-19, não atingem a todos de maneira igualitária, cabendo ao Poder Público, na condução de um Estado Democrático e Socioambiental de Direito, o protagonismo na condução de saídas que preservem ao máximo as vidas humanas. É para isso que servem o Estado e o dinheiro público.

A injustiça ambiental não é uma invenção e sim uma realidade firmada no próprio racismo institucional. No Brasil, boa parte da população pobre é empurrada para os locais mais inseguros, expostos aos riscos decorrentes da falta de saneamento básico e muitas vezes constituído por habitações precárias, construídas em encostas de morros ou erguidas em beiras de cursos d'água, sujeitas a enchentes ou próximas de depósitos de lixo.

Portanto, a saída para a atual crise sanitária é apostar nas vidas humanas. Inadmissível nesse momento um dilema entre saúde e crescimento econômico, até porque o país não voltará a crescer enquanto a pandemia não acabar. Em termos práticos, mister a adoção de um plano amplo de garantia de acesso à água, ao saneamento básico e ao acesso universal à saúde básica, além do fortalecimento e ampliação de ações no âmbito da rede pública de saúde.

Por fim, se em curto prazo, o imperativo ético exige fazer o que for necessário para preservar vidas humanas e garantir uma vida com dignidade a todos, imprescindível que em um pós-pandemia a reconstrução econômica do país se faça em novas bases mais sustentável, inclusivo e promotor de justiça social e de todos os objetivos previstos na Constituição Federal de 1988.


REFERÊNCIAS

BOSSELMANN. Klaus. Direitos Humanos, Meio Ambiente e Sustentabilidade. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Estado Socioambiental e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2020. p. 73-109.

BUCCI, Maria Paula. O conceito de política pública em direito. In BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas públicas, reflexões sobre o conceito jurídico, São Paulo: Saraiva. 2006. p. 1-50

CLÈVE, C. M. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. Revista Crítica Jurídica, Curitiba, n. 22, p. 17-29, jul./dez. 2003.

CNS. CONSELHO NACIONAL DE SAUDE. Saúde perdeu R$ 20 bilhões em 2019 por causa da EC 95/2016. 20 de fev. 2020. Disponível em: https://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/1044-saude-perdeu-r-20-bilhoes-em-2019-por-causa-da-ec-95-2016. Acesso: 18 de set. 2021.

COLLUCI, Claudia. Com pandemia, SP registra 25% de mortes a mais entre negros e 11,5% entre brancos em 2020. Folha de São Paulo. 19 de mar. 2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/03/com-pandemia-sp-registra-25-de-mortes-a-mais-entre-negros-e-115-entre-brancos-em-2020.shtml. Acesso: 20 de set. 2021.

CUNHA. Leandro Reinaldo da. População negra como vítima da covid-19 e os deveres do Estado. Medidas necessárias e não efetivadas. Migalhas. 20 de mai.. 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/5/A34F8ED5D54D24_COVIDepopulacaonegra.pdf. Acesso: 18 de set. 2021.

ESTADO DE MINAS. Em meio à pandemia, orçamento federal de 2021 é publicado: saúde perde R$ 2,2 bilhões. 23/4/2021. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2021/04/23/internas_economia,1259827/orcamento-federal-de-2021-e-publicado-saude-perde-r-2-2-bilhoes.shtml. Acesso: 20 de set. 2021.

FARBER, Daniel. Navegando a interseção entre o direito ambiental e o direito dos desastres. In: FARBER, Daniel; CARVALHO, Délton Winter de (org). Estudos aprofundados em Direito dos Desastre: interfaces comparadas. 2ª ed. Curitiba: Appris, 2019. p. 23-57.

FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção ambiental: a dimensão ecológica da dignidade humana no marco jurídico-constitucional do Estado Socioambiental de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

HERCULANO, Selene. O clamor por justiça ambiental e contra o racismo ambiental. Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente; v. 3, n. 1, Artigo 2, jan./abril 2008. Disponível em: https://www3.sp.senac.br/hotsites/blogs/InterfacEHS/wp-content/uploads/2013/07/art-2-2008-6.pdf. Acesso: 15 de set. 2021.

IBGE. Desemprego cai para 11,8% com informalidade atingindo maior nível da série histórica. 2019. Disponível em: https://censos.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/25534-desemprego-cai-para-11-8-com-informalidade-atingindo-maior-nivel-da-serie-historica . Acesso: 20 de set. 2021.

LEMOS, Vinicius. Com estado em colapso, milionários de MT com covid-19 recorrem a jatinhos para buscar tratamento em SP. UOL. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2020/07/17/com-estado-em-colapso-milionarios-de-mt-com-covid-19-recorrem-a-jatinhos-para-buscar-tratamento-em-sp.htm. Acesso: 18 de set. 2021.

NURIT, Besusan. Dos confins ao confinamento: pandemia é consequência das nossas relações com a natureza. ISA. 9 de abr. 2020. Disponível em: https://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-isa/dos-confins-ao-confinamento-pandemia-e-consequencia-das-nossas-relacoes-com-a-natureza. Acesso: 20 de set. 2021.

OXFAM BRASIL. Coronavírus e a desigualdade na saúde: No Dia Mundial da Saúde, Oxfam alerta para os grandes impactos que o coronavírus pode ter entre os mais pobres do país. 7 de abr. 2021. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/noticias/coronavirus-e-a-desigualdade-na-saude/. Acesso: 18 de set. 2021.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

PATZ, J. A. et al. Unhealthy landscapes: policy recommendations on land use change and infectious disease emergence. Environmental Health Perspectives, vol. 112, n.º 10, 2004, pp. 1092-1098.

PINHEIRO-MACHADO, Rosana. Coronavírus não é democrático: pobres, precarizados e mulheres vão sofrer mais. The intercept. 16 de mar. 2020. Disponível em: https://theintercept.com/2020/03/17/coronavirus-pandemia-opressao-social/. Acesso: 16 de set. 2021.

SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense. 2020.

SHKLAR, Judith N. The faces of injustice. New Raven: Yale University Press, 1992.

SNIS. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento. Diagnóstico dos serviços de água e esgoto. 2018. Disponível em: https://www.snis.gov.br/downloads/diagnosticos/ae/2018/Diagnostico_AE2018.pdf. Acesso: 21 de set. 2021.

STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. 3. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017.

SVAMPA, Maristella. Reflexiones para um mundo post-coronavirus. Nueva Sociedad. 16 de abr. 2020. Disponível em: https://www.nuso.org/articulo/reflexiones-para-un-mundo-post-coronavirus/. Acesso: 19 de set. 2021.

UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. UNEP 2016 Report: Emerging Issues of Environmental Concern. Nirobi: UNEP, 2016.

VERCHICK, Robert. (In)justiça dos Desastres: a geografia da capacidade humana. In: FARBER, Daniel; CARVALHO, Délton Winter de. Estudos Aprofundados em Direito dos Desastres: interfaces comparadas. 2. ed. Curitiba: Appris, 2019. p. 59-98.

WINTER, Gerd. Desenvolvimento sustentável, OGM e responsabilidade civil na União Europeia. Campinas: Millennium, 2009.


Notas

  1. No Brasil todo houve um excesso de mortes de 27,8% para pretos e pardos enquanto para os brancos foi de 17,6%.A discrepância é ainda mais drástica quando observador o excesso de mortes nas faixas mais jovens, de até 29 anos. Neste caso, o excesso de mortes entre os negros chega ao quádruplo dos brancos (COLLUCI, 2021).

  2. No Brasil, segundo dispõe o art. 225 da CF/88, o ambiente equilibrado é essencial à sadia qualidade de vida. Além disso, em 2017, o STF reconheceu expressamente o do status normativo supralegal dos tratados internacionais em matéria ambiental, conferindo-lhe o mesmo tratamento assegurado aos tratados internacionais de direitos humanos (§ 3º do art. 5º da CF/1988) (STF - ADI 4.066/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Rosa Weber, j. 24.08.2017).

  3. Muitos fatores explicam o atraso com que as vacinas estão chegando no Brasil. Em meados do ano de 2020, quando fabricantes anunciaram que estavam desenvolvendo vacinas, vários países como Chile, Colômbia, Reino Unido e integrantes da União Europeia negociaram a compra desses produtos ainda na fase de testes. Era uma aposta. Contudo, fechar o contrato antes significava garantir acesso prioritário às doses. O Brasil não fez isso e ainda recusou um acordo proposto pela Pfizer que garantiria 70 milhões de vacinas em dezembro. Como o país largou atrasado na negociação, grandes fabricantes, como Pfizer e Moderna, já venderam para outros países a grande maioria dos seus lotes.

  4. Em julho de 2020, com a saúde do Estado de Mato Grosso entrando em colapso, milionários acometidos com a Covid-19, recorreram a jatinhos para buscar tratamento em São Paulo, nos hospitais mais conhecidos do país (LEMOS, 2020).

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Joana D'Arc Dias Martins

Doutoranda e mestre em Direito pela Universidade de Marília – UNIMAR – Marília - São Paulo (Brasil). Promotora de Justiça do Estado do Acre.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Joana D'Arc Dias. Injustiça ambiental: as diferenças dos barcos na tempestade da covid-19. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6772, 15 jan. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95907. Acesso em: 6 mai. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos