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O Direito como arte: o jumento como uma síntese de vários movimentos e expressões sociais, na luta pela liberdade do povo nordestino

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15/01/2022 às 17:20
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Conclusão: a síntese no jumento revelando a arte em busca da libertação de um povo

O Brasil é sem dúvidas, um país rico culturalmente. Não menos rico quando se tratam de guerras, movimentos sociais extremos, revoltas sistêmicas e contrarreformas. O povo sofrido do nordeste tem acento quando se fala em revoluções para conter a exploração dos latifundiários. O sertão brasileiro é um verdadeiro reduto de autoridades políticas poderosas, como José Sarney (no Maranhão), Fernando Collor de Mello e Renan Calheiros (em Alagoas). A região traz insita a história de sofrimento do agricultor nordestino contra os latifundiários, cantado em verso e prosa, e através de ritmos musicais próprios como o baião, o xaxado, o aboio, o repente e o forró. É também retratado de diversas maneiras e formas bem peculiares, como na literatura do cordel, com xilografias ricas.

O nordeste brasileiro é a região mais atacada do Brasil por grande número de xenófobos paulistas, devido ao imenso êxodo rural. O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi um dos muitos retirantes que fugiram da seca e das poucas possibilidades de um trabalho digno. Por conta desse e muitos outros fatores, seus habitantes se sentem inferiorizados, o que faz com que depositem em seus mitos a esperança de dias melhores, onde os espinhos do mandacaru e do xique-xique[21] não mais o machucarão.

Nesta linha de ilação e analisando o período histórico em que se insere a inauguração do Monumento Jumento, cumpre-nos indagar: estaria Adeildo Nepomuceno Marques fazendo um verdadeiro protesto ao golpe militar, tentando agradecer a Antônio Conselheiro que tentou construir uma civilização socialista, homenagear Lampião, que lutou contra o latifúndio e se posicionar contra a igreja católica que declaradamente apoiou o golpe militar de 1964?

Analisando a biografia escassa de Adeildo Marques, mas contextualizando com seu histórico familiar, não nos parece fantasioso concluir afirmativamente a todas essas indagações. Podemos presumir, ou seja, considerar como provável, que o Monumento Jumento de Marques, tem muito mais a dizer do que simplesmente lembrar as origens da cidade de Santana do Ipanema.

Com relação ao poderio econômico e político de sua família, podemos fazer um paralelo com o Presidente Jango, que tinha raízes na grande propriedade e foi um grande presidente progressista. Foram suas ideias socialistas e ações que visavam promover o bem-estar social que não o mantiveram no poder, acabando sendo deposto pelos militares ao tomarem o poder em 1964.

Com certeza, Marques, que era um homem de posturas fortes, não teria mandado fincar na praça principal de sua cidade, um monumento que seria esquecido pelo tempo e que nada mais representasse além do esforço do sertanejo para sua construção. A dimensão da luta do sertanejo é historicamente mais profunda e o Jumento, com seu tangedor, são sua expressão.

A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216, traz toda proteção ao patrimônio e cultura brasileiros. No entanto, no atual governo, há claramente a quebra do contrato social. Portanto, são manifestações contrárias a toda forma de ingerência que possa aventar contra os direitos humanos que nos mostram caminhos a serem percorridos.

O Jumento de Marques, portanto, pode ser adotado como uma síntese de vários movimentos e expressões sociais, na luta pela liberdade do povo nordestino, não restam dúvidas. E como tal, merece admiração e respeito, não podendo ser vandalizado. Afinal, quantas estátuas foram até hoje construídas com Brasil de pequeno tamanho mas enorme importância?


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIGIO, Mariane. O encontro de Luis Carlos Prestes e Lampião ou Quando o Virgulino teve um problema com a Coluna. Revisão de Susana Morais. Postado em 27/11/2012. Disponível no sítio eletrônico https://marianebigio.com/2012/11/27/o-encontro-de-luis-carlos-prestesevirgulino-ferreira-da-silva-ou-quandoolampiao-teve-um-problema-comacoluna/. Acesso em 19.03.2017.

BURGIERMAN, Denis Russo. Antônio Conselheiro: homem comum que virou personagem histórico. Revista Super Interessante. Ed. Abril, São Paulo. Edição de janeiro/2000.

NIETZSCHE, Friedrich. O Anticristo, p. 73-74. Coleção Obra Prima de Cada Pensador. Ed. Martin Claret, São Paulo, 2000.

RAMOS, Jorge Abelardo. História da Nação Latino-americana. Ed. Insular, Florianópolis/Brasil, 2014).

VANDRÉ, Geraldo. Apresentação da música Pra não dizer que não falei das flores, no Maracanãzinho em 1968. Vídeo disponível no YouTube, no link https://www.youtube.com/watch?v=wkEGNgib2Yw.


NOTAS

[1] Uma sociedade similar é retratada por Jorge Abelardo Ramos. Trata-se do Campo de Deus, organização feita pelos jesuítas no Paraguai. Segundo Abelardo Ramos, Constituiu-se um tipo especial de sociedade, que poderia, em síntese, ser descrita da seguinte forma: a terra estava dividida em duas partes uma era o campo de Deus e a outra, o campo do homem. Separado em lotes, este último era explorado individualmente pelos indígenas, para satisfazer as suas necessidades. O capital acumulado no campo de Deus era investido em obras de interesse geral: instrumentos mecânicos, edifícios, sementes, vestidos, etc. Os instrumentos de produção, bestas de carga, arados, etc. eram de propriedade pública. Não existia, naturalmente, o latifúndio. (RAMOS, Jorge Abelardo. História da Nação Latino-americana, p. 127. Ed. Insular, Florianópolis/Brasil, 2014).

[2] Esse episódio da Guerra de Canudos é chamado de Crime da Degola, ou gravata vermelha. Soldados degolaram os conselheiristas remanescentes, porque, na concepção da época, a degola era a forma de separar a cabeça (o pensamento) do corpo (a ação) e com isso exterminar a ideologia.

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[3] BURGIERMAN, Denis Russo. Antônio Conselheiro: homem comum que virou personagem histórico. Revista Super Interessante. Ed. Abril, São Paulo. Edição de janeiro/2000.

[4] Ibidem.

[5] No Brasil a Proclamação da Republica deu-se em 1889.

[6] NIETZSCHE, Friedrich. O Anticristo, p. 73-74. Coleção Obra Prima de Cada Pensador. Ed. Martin Claret, São Paulo, 2000.

[7] A marchinha mostra claramente a segregação de gêneros que ainda hoje é forte no Brasil. Outra marchinha carnavalesca que merece ser sepultada é Cabeleira do Zezé, onde este é transviado, tendo assim forte conteúdo homofóbico.

[8] A data de seu nascimento mais aceita é 4.6.1898 data de seu batizado.

[9] No nordeste brasileiro, é ainda comum atribuir patentes às pessoas, no sentido de impor respeito. E é por isso que existem uma infinidade de coronéis, capitães, majores, tenentes, etc. sem nunca terem ingressado nas fileiras das corporações militares.

[10] Com revisão de Susana Morais, está disponível no sítio eletrônico https://marianebigio.com/2012/11/27/o-encontro-de-luis-carlos-prestesevirgulino-ferreira-da-silva-ou-quandoolampiao-teve-um-problema-comacoluna/. Acesso em 19.03.2017.

[11] Trecho da música Eu só peço à Deus, do grande compositor Raul Ellwanger. A versão cantada por Mercedes Sosa em companhia de Beth Carvalho é divinamente linda.

[12] No candomblé, Santa Bárbara é Iansã, entidade (Orixá) dos rios e das tempestades.

[13] É fortemente defendido que Frei Bartolomeu de Las Casas foi o precursor da Teologia da Libertação que teve inicio na América Latina. Uma vez desligado da Companhia de Jesus, passou a atuar na defesa dos povos indígenas e na luta contra o genocídio dos mesmos, promovido pelos colonizadores. Las Casas era um ferrenho defensor de princípios humanitários. E contrário à lógica aristotélica da escravidão natural, movimentando-se como o sistema de encomiendas, que fundamentalmente escravizavam os índios.

[14] Disparada terminou empatada com A Banda, de Chico Buarque, na voz de Nara Leão.

[15] João Belchior Marques Goulart, conhecido como Jango, era o presidente do Brasil quando do golpe militar de 1964. Sua família (de posses) era dona de estância no Rio Grande do Sul. Daí resulta a metáfora de Vandré, que alude Na boiada já fui boi, boiadeiro já fui boi.

[16] A metáfora diz respeito à percepção de João Goulart sobre os problemas sociais do Brasil à época.

[17] Neste contexto, a letra da música Disparada encontra-se atualizada, tendo em vista a destituição da Presidenta Dilma Rousseff, pelo golpe de 2016, intitulado pela elite política brasileira com o apoio do Poder Judiciário, de impeachment.

[18] O vídeo pode ser visto no canal YouTube, no link https://www.youtube.com/watch?v=wkEGNgib2Yw.

[19] Neste trecho da música, flor tem sinônimo de juventude.

[20] Santana do Ipanema tem o seu viés histórico na religião católica. A região era habitada inicialmente por índios, que foram catequizados pelo padre Francisco José Correia de Albuquerque, responsável pela construção da primeira igreja, de proteção da Santa Ana SantAna. E seu principal recurso hídrico é o rio Ipanema. Daí o nome Santana do Ipanema.

[21] Plantas típicas do sertão brasileiro, na caatinga. São dotados de espinhos e nas estiagens prolongadas, além de fornecer alimento para os animais, fornecem também água.

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Sobre a autora
Rosana Colen Moreno

Rosana Cólen Moreno. Procuradora do Estado de Alagoas. Membro da Confederação Latino-americana de trabalhadores estatais (CLATE). Especialista em previdência pública pela Damásio Educacional e em direitos humanos pela PUC/RS (em finalização). Autora do livro Manual de Gestão dos Regimes Próprios de Previdência Social: foco na prevenção e combate à corrupção, publicado pela LTr. Coordenadora da Comissão Internacional Avaliadora instituída pelo Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO-UNESCO) e denominada “Desigualdades, Exclusão e Crises de Sustentabilidade dos Sistemas Previdenciários da América Latina e Caribe. Educadora, Professora, Instrutora, Palestrante, Consultora. Participante do programa de doutorado em Direito Constitucional pela Universidad de Buenos Aires – UBA. Especialista em Regimes Próprios de Previdência (Damásio Educacional). Autora do livro: Manual de Gestão dos Regimes Próprios de Previdência Social: foco na prevenção e combate à corrupção.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORENO, Rosana Colen. O Direito como arte: o jumento como uma síntese de vários movimentos e expressões sociais, na luta pela liberdade do povo nordestino. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6772, 15 jan. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95952. Acesso em: 4 mai. 2024.

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