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As questões políticas nas redes sociais e o direito à liberdade de expressão na pré-campanha eleitoral

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A intervenção da Justiça Eleitoral deve se dar apenas no caso de ser necessário o restabelecimento da igualdade e normalidade.

O ponto abordado está longe de ser uma novidade. Entretanto, o mesmo propicia abreviadas considerações face o número de usuários de redes sociais do país, que ultrapassou 150 milhões de brasileiros num ano eleitoral.

De início, calha demarcar que a palavra posição, originária do latim, positio, expressa a ideia de situar-se, colocar-se. O axioma básico deste direito pessoal especificado pela Lei nº 13.165/15 está em que o posicionamento a ser divulgado por qualquer meio lícito, inclusive nas redes sociais, deve externar o ponto de vista do responsável pela divulgação.

Funcionando como uma autêntica divisora de águas, esta apropriada incorporação ao texto original da Lei nº 9.504/97 foi explícita quando inadmitiu que a manifestação pública acerca de um ponto de vista pessoal pudesse ser equiparada a um ato de propaganda eleitoral antecipada:

Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:

(...)

V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais;

A rigor, o dispositivo é de compreensão meridiana: diante das normas eleitorais assentirem paulatinamente à consagração da denominada sociedade em rede, A liberdade de expressão pode ser compreendida como gênero da qual decorre a liberdade de manifestação do pensamento (liberdade de expressão em sentido estrito), de informação e de imprensa [1].

Sendo assim, por força do viés autorizativo ínsito à norma, resulta equitativo e lógico que mesmo aquelas manifestações políticas mais ácidas ou vigorosas estão asseguradas pela lei, sobretudo porque a locução questões políticas é de conteúdo jurídico indeterminado. Desta feita, é importante pontuar que, na ausência de outras especificidades, todas as opiniões disponibilizadas às pessoas podem ser discutidas livremente na medida em que faz parte do Estado Democrático de Direito (CF/88, art. 1º, caput) debater assuntos públicos de forma irrestrita e aberta.

Para a correta interpretação do tópico, também é necessário ter presente que a dialética democrática - ainda que alguns torçam o nariz ou resmunguem - comporta tanto a desaprovação quanto o elogio, o aplauso e a vaia. Trata-se, aqui, da fruição da garantia da liberdade de pensamento combinada à responsabilidade pessoal pelo conteúdo divulgado. Conforme sintetizou Celso Ribeiro BASTOS com a habitual maestria, A democracia pluralista não visa à unanimidade que, de resto, é sempre impossível. O que ela objetiva é, precisamente, uma institucionalização do dissenso. [2]

Outro aspecto a ser ponderado é que o texto legal não discriminou as ferramentas consentidas. Logo, os posicionamentos pessoais postados no Facebook, Instagram, Twitter, WhatsApp e demais redes, desde que lícitos, são admitidos.

No tocante à caracterização da propaganda eleitoral extemporânea, é imprescindível que haja o pedido explícito de voto.

De outra parte, desnecessário empregar maior esforço intelectivo para se constatar que a opção legislativa levada a efeito foi pela evolução do conceito legal. A partir de novos paradigmas, da mesma forma que os incisos que lhe precedem, o V foi outro que privilegiou a manifestação de opiniões políticas e o debate fora do período eleitoral propriamente dito. E não se cogita fosse diferente. Afinal, em termos de liberdade de expressão, o mote das questões políticas é, sabidamente, dos mais vastos e genéricos, sobretudo diante da enxurrada de temas da atualidade.

Destarte, segundo delineado pela hodierna jurisprudência do TSE [3], a intervenção da Justiça Eleitoral deve se dar apenas no caso de ser necessário o restabelecimento da igualdade e normalidade na disputa eleitoral, ou para corrigir condutas que afrontam a legislação, tais como ofensas pessoais e o denominado discurso de ódio. Para essas hipóteses excepcionais, o Tribunal Superior Eleitoral fixou a tese de que o uso de aplicações digitais de mensagens instantâneas visando promover disparos em massa contendo desinformação e inverdades em prejuízo de adversários e em benefício de candidato pode configurar abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social, nos termos do artigo 22 da LC 64/1990 [Lei de Inelegibilidade], a depender da efetiva gravidade da conduta, que será examinada em cada caso concreto [4]. Dizendo noutros termos: a disseminação de fake news pode resultar em penas drásticas, notadamente na cassação do registro ou diploma e na inelegibilidade do infrator.

Para concluir e exemplificar esta visão panorâmica, vide a ementa do Recurso Especial Eleitoral nº 060009307/PB (DJE de 08/09/2021):

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA NEGATIVA. PEDIDO DE NÃO VOTO. AUSÊNCIA. NÃOCONFIGURAÇÃO.

SÍNTESE DO CASO

1. Tratase de recurso especial eleitoral interposto em face de acórdão que rejeitou a preliminar de inépcia da petição inicial e, no mérito, proveu parcialmente o recurso eleitoral para reformar a sentença e determinar a remoção do conteúdo impugnado constante dos endereços eletrônicos indicados na inicial, assim como aplicar multa aos ora recorrentes no valor de R$ 5.000,00, individualmente, por veiculação de propaganda eleitoral negativa extemporânea, nos termos dos arts. 36, § 3º, da Lei 9.504/97 e 38, §§ 1º e 4º, c.c. o 93 da Res.TSE 23.610, em razão de postagem, nas redes sociais Facebook e Instagram, da imagem de um rato sobreposta à fotografia de agente político.

ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL

2. Na linha da atual jurisprudência desta Corte, para se verificar a configuração da prática de propaganda eleitoral antecipada, fazse necessário, em um primeiro momento, analisar se a mensagem veiculada possui ou não conteúdo eleitoral. Precedente: AI 060080586, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 10.5.2021.

3. No caso dos autos, a partir do teor da propaganda, descrita no acórdão regional, concluise que a mensagem veiculada possui conteúdo eleitoral, haja vista que a imagem em questão faz clara referência a précandidato ao cargo de vereador no pleito de 2020.

4. A jurisprudência deste Tribunal Superior se firmou no sentido de que, em regra, para que se alcance a conclusão de que ficou configurada a propaganda eleitoral extemporânea, seja ela positiva ou negativa, é exigível a presença de pedido explícito de votos ou, mutatis mutandis, de pedido explícito de não votos. Precedente: AgRREspe 060000450, de minha relatoria, PSESS em 23.11.2020.

5. Na espécie, entendo, a partir do contexto fáticoprobatório descrito no acórdão regional, que a propaganda em comento, consistente na imagem de um rato sobreposta à foto do vereador Raimundo Lopes de Farias, divulgada nas redes sociais Facebook e Instagram, não contém pedido explícito de votos ou de não votos, tratandose de mera crítica política que, embora ácida, é assegurada nos termos do inciso IV do art. 5º da Constituição Federal e do inciso V do art. 36A da Lei 9.504/97, que permite expressamente a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas.

6. O caso em exame difere daquele objeto do recente julgamento do AgRREspe 060007223, de 4.5.2021 [[5]], de relatoria originária do Ministro Luís Roberto Barroso, em que esta Corte, por maioria, deu provimento a agravo interno para julgar procedente a representação e aplicar multa ao agravado pela realização de propaganda eleitoral antecipada negativa, no valor de R$ 5.000,00, nos termos do voto divergente do Ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto.

7. Na ocasião, na qual se discutiu mensagem veiculada por meio de vídeo na rede social Instagram, com críticas dirigidas ao Governador do Estado do Maranhão, candidato à reeleição no pleito de 2018, esta Corte consignou a admissibilidade de críticas ácidas e contundentes dirigidas aos cidadãos que ingressam, ou buscam ingressar, na vida pública. Assentou também que a intervenção da Justiça Eleitoral no processo eleitoral, deve se dar apenas no caso de ser necessário o restabelecimento da igualdade e normalidade na disputa eleitoral ou para corrigir condutas que ofendam a legislação eleitoral, a exemplo do discurso de ódio, que entendeu presente no caso, em que se atribuiu o adjetivo nazista ao candidato.

8. A partir do contexto fáticoprobatório descrito no acórdão regional, verificase que a propaganda em análise, consistente na imagem de um rato sobreposta à foto do vereador (...), divulgada nas redes sociais Facebook e Instagram, não contém pedido explícito de votos ou de não votos, bem como não é suficiente para configurar o indigitado discurso de ódio, nos termos do que fora decidido por esta Corte no caso supracitado, pois não vai além de mera crítica política, agasalhada pelo direito à livre manifestação de pensamento, não configurando, assim, a prática de propaganda eleitoral antecipada negativa.

9. Embora alguns precedentes do TSE tenham reconhecido que mensagens anteriores ao período permitido, ofensivas à honra de candidato, constituem propaganda eleitoral negativa antecipada, nem toda crítica ou ofensa à honra é suficiente para caracterização de tal ilícito, sob pena de violação à liberdade de expressão.

10. Na espécie, as críticas veiculadas por meio da imagem divulgada devem ser admitidas no processo democrático, pois estimulam o debate, entre os eleitores, sobre eventuais características negativas dos integrantes da disputa eleitoral e de seus planos de governo.

11. A crítica em questão, ainda que ácida, extrapola a esfera eleitoral, devendo o candidato, caso assim entenda, buscar eventual reparação de danos morais na esfera cível da Justiça Comum, também competente para, na esfera criminal, analisar eventual prática de crimes contra a honra.

CONCLUSÃO

Recurso especial provido.

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REFERÊNCIAS

  1. DJE de 13/09/2017, pp.31/32, por maioria.
  2. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22ª. Ed., São Paulo: Saraiva, 2001.
  3. Com as alterações efetivadas pela Lei nº 13.165/15 escoradas nos fundamentos antes vistos, a antiga construção jurisprudencial desenvolvida pelo TSE em torno da propaganda extemporânea, que já vinha ofegante, não faz mais sentido porquanto agora é exigida a comprovação do pedido explícito de voto para a sua caracterização.
  4. AIJE nº 0601968-80/DF, j. 21/10/2021, por maioria.
  5. ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. MODALIDADE NEGATIVA. PROCEDÊNCIA NA CORTE DE ORIGEM. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DIREITO QUE NÃO É ABSOLUTO. POSSÍVEL CANDIDATO. CARGO DE GOVERNADOR. HONRA. DIREITO DE PERSONALIDADE. OFENSA. CAMPO DA CRÍTICA. EXORBITÂNCIA. PEDIDO EXPLÍCITO DE NÃO VOTOS. CARACTERIZAÇÃO. ARESTO REGIONAL. INTEGRAL RESTABELECIMENTO. PROVIMENTO.  1. A livre manifestação do pensamento não constitui direito absoluto, de modo que o discurso de ódio que não se confunde com críticas ácidas e agudas não deve ser tolerado, em resguardo à higidez do processo eleitoral, da igualdade de chances e da proteção da honra e da imagem dos players. Precedentes deste Tribunal Superior (AgRAI n. 264/SP, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 22.9.2017). 2. Na espécie, o agravado buscou, na rede social, incutir em contingente de pessoas a ideia de que o possível candidato estaria vinculado a regimes inegavelmente nefastos (nazismo) e a práticas criminosas (corrupção), tendo a Corte Regional assentado a presença do pedido explícito de não votos. 3. Agravo interno do Parquet Eleitoral provido para restabelecer integralmente o acórdão regional.
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Sobre o autor
Antônio Augusto Mayer dos Santos

Antônio Augusto Mayer dos Santos. Advogado. Professor de Direito Eleitoral e Improbidade Administrativa do Grupo Educacional Verbo Jurídico e do IGAM. Ex-professor de Teoria Geral do Estado. Autor dos livros "Reforma Política sem fantasias - as mudanças que o país necessita" (2022), "500 Curiosidades sobre o Supremo Tribunal Federal" (2021), "1.000 Curiosidades sobre Política e Eleições no Brasil" (2019), "Ousadia, Utopia e Reforma Política" (2018), "Campanha Eleitoral Teoria e Prática" (3ª ed. - 2022), "Aloísio Filho Cidadão e Vereador" (2012), "Prefeitos de Porto Alegre cotidiano e administração da capital gaúcha entre 1889 e 2012" (2012), "Vereança e Câmaras Municipais Questões legais e constitucionais" (2011) e "Reforma Política: inércia e controvérsias" (2009). Palestrante. Membro-Consultor da Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (2018). Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/RS (2013-2015). Vice-Presidente da Comissão de Combate à Corrupção Eleitoral da OAB/RS (2010).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Antônio Augusto Mayer. As questões políticas nas redes sociais e o direito à liberdade de expressão na pré-campanha eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6777, 20 jan. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96041. Acesso em: 19 abr. 2024.

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