DOS PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA INOVAÇÃO LEGISLATIVA
Para Joaquim Leitão Júnior (2022, 08), o delegado de polícia é:
Como se sabe, na moderna concepção investigativa, o Delegado de Polícia é o presidente da investigação e não tem interesse em atuar, em prol da parte investigada (suspeito/acusado/investigado) e nem em prol do Ministério Público (dominis littis), mas sim de buscar a verdade possível (antiga verdade real), com seus reflexos
A autoridade policial, sem dúvida, é um importante ator no cenário jurídico atual. Por ser o presidente das investigações conduzidas pela Polícia Judiciária, também conhecida como Polícia Investigativa, cabe ao Delegado de Polícia conduzir todas as investigações do Estado Investigação, fornecendo ao dominus da ação penal, Ministério Público, nos casos de ação penal pública incondicionada ou condicionada a representação e ao particular, nos casos de ação penal privada, elementos informativos que são fundamentais na futura ação penal correspondente.
Essa peculiar autoridade possui a missão precípua de presidir o inquérito policial e outros procedimentos investigativos que, nas palavras de Márcio Alberto Gomes Silva (CPP para carreiras policiais) correspondem a instrumentos hábeis à elucidação de fato supostamente criminoso e a coleta de elementos de convicção suficientes para a deflagração de um futuro processo penal (2021, 53).
Para Nestor Távora e Romar Rodrigues Alencar (CPP para carreiras policiais), com a ocorrência da infração é salutar que se investigue com o fito de colidir elementos que demonstrem a autoria e a materialidade do delito, viabilizando-se o início da ação penal (2021, 53).
Ora, o crime de estelionato passou a ser condicionado a representação da vítima, alterando a natureza da sua ação penal, que passou a ser pública condicionada com o advento da Lei n.º 13.964/2019. Assim, havendo representação criminal da vítima, ou seja, o preenchimento da condição de procedibilidade para a instauração de inquérito policial e prosseguimento da futura ação penal, cabe a Autoridade Policial, ou seja, ao Delegado de Polícia instaurar inquérito policial para apurar o cometimento do crime e identificar a sua autoria a fim de possibilitar elementos para uma futura punição estatal através da ação penal respectiva.
Ditas tais palavras, a alteração promovida pela Lei dos Crimes Cibernéticos, especificamente a inserção do §4 do art. 70 do CPP, que criou uma nova regra de competência e, por consequência, modificou a circunscrição policial de atuação investigatória dos Delegados de Polícia, constituiu uma verdadeira reviravolta na condução de procedimentos investigatórios pelas Polícias Judiciárias do Estado Brasileiro.
Como explicitado, antes da alteração legal, aplicava-se o entendimento jurisprudencial do STJ, que reconhecia a competência (atribuição investigativa), nos crimes de estelionato mediante depósitos/transferências bancárias, ao local da agência beneficiária da transação, fato que mudou drasticamente com a novel alteração legislativa que impõe como competente a área do domicílio da vítima.
Conforme já citado, essa alteração corresponde, sem dúvida, a uma maior facilidade de cobrança por parte da vítima, que após o registro da ocorrência, poderá, a qualquer momento, se deslocar até a unidade policial responsável, com o fim de cobrar providências em relação a investigação do crime a qual foi padecedor.
Contudo, tal alteração, prejudicou em muito, o objetivo principal de qualquer investigação promovida pela Polícia Judiciária, qual seja, angariar elementos informativos que comprovem a materialidade delitiva e identifiquem a autoria criminosa. Ora, na grande maioria dos casos, os beneficiários das contas utilizadas para depósitos/transferências bancárias residem em outras cidades/estados, distantes milhares de quilômetros da residência da vítima, fato que prejudica de forma significativa a condução das investigações.
A frase a vítima não se esconde, o investigado sim, corresponde a uma verdade no desenrolar de investigações de estelionatos. Tais criminosos correspondem a parcela mais inteligente e astuta do cenário delitógeno. A utilização de contas de laranja para o recebimento de valores, o uso de linhas telefônicas ativadas em nome de terceiros, a criação de sites falsos com impossibilidade de rastreio, entre outras técnicas, torna a investigação do crime de estelionato um dos mais desafiadores para a Polícia Judiciária.
Somado a isso, a distância física entre a unidade policial e o local de apuração do fato, no caso, agência recebedora do depósito/transferência bancária, provável local de residência do golpista, torna ainda mais difícil esse trabalho investigativo.
É claro que a autoridade policial poderá contar com a utilização de uma importante ferramenta no cumprimento de diligências que devem ser efetuadas em outras cidades/estado, qual seja, a carta precatória. Contudo, a realidade, infelizmente, é mais temerária que no mundo da teoria. No universo de cobranças que consomem a Autoridade Policial o cumprimento de cartas precatórias de outros lugares acaba tendo uma atenção pouco prioritária, que somada a escassez de profissionais, resta por prejudicar o andamento das investigações policias dos crimes de estelionato.
DA CONCLUSÃO
Assim, frente aos argumentos apresentados, entendo que a alteração de competência promovida pela Lei de Crimes Cibernéticos, especificamente, o §4 do art. 70 do CPP, apesar de oferecer uma maior comodidade para a vítima, corresponde a um retrocesso para a apuração do crime de estelionato mediante depósitos/transferências bancárias, fato que poderá prejudicar as ações penais de tais crimes e culminar na impunidade de golpistas.
A alteração legislativa não contou com o auxílio técnico necessário na sua confecção, se assim tivesse ocorrido, sopesaria o já consolidado entendimento jurisprudencial do STJ sobre a matéria, bem como levaria em consideração, entidades de classe que representam a figura do Delegado de Polícia, importante protagonista na elucidação de práticas criminosas.
Por fim, a alteração legislativa, como dito, prejudicou em muito a investigação desse tipo de estelionato, conforme as justificativas já expostas, fato que resultará na impunidade e, ao contrário do objetivo da lei, poderá intensificar o cometimento de tais delitos frente as dificuldades enfrentadas para a investigação de tais crimes.
REFERÊNCIAS
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SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA - CC: 169053. DF 2019/0317771-7, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 11/12/2019, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 19/12/2019, 2019b.