A responsabilidade civil do empregador pelos danos oriundos de acidente de trabalho

24/01/2022 às 09:23
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A responsabilidade civil do empregador pelos danos oriundos de acidente de trabalho é objetiva ou subjetiva?

Resumo: Este trabalho tem por objetivo estudar a responsabilidade civil do empregador pelos danos à saúde do trabalhador em face dos acidentes de trabalho. Inicia-se o estudo pela análise da natureza jurídica da responsabilidade civil, bem como sua conceituação objetiva e subjetiva, para posterior elucidação de sua aplicação ao caso concreto. Ademais, também é estudada a importância de um meio ambiente de trabalho equilibrado na prevenção de possíveis acidentes e sua importância para a manutenção da saúde do empregado, porquanto este ambiente de trabalho está associado aos direitos fundamentais ao trabalho. Por fim, o estudo pretende conceituar acidente de trabalho, além de analisar a melhor aplicação da responsabilidade civil subjetiva ou objetiva do empregador para o empregado, em caso de acidente de trabalho, a qual deriva da ponderação na aplicação tanto da responsabilidade subjetiva, como da responsabilidade objetiva do empregador, devendo a escolha subordinar-se à análise do caso concreto, principalmente da existência de desenvolvimento ou não de atividade de risco pelo empregador.

Palavras-chave: Responsabilidade civil. Meio ambiente do trabalho. Acidente de trabalho.


INTRODUÇÃO

Preliminarmente, cumpre salientar que a Constituição Brasileira de 1988 consagrou o direito fundamental ao meio ambiente de trabalho (artigo 200, VIII), a par de assegurar os direitos fundamentais à saúde e ao trabalho (artigos 6º e 196). Assim, o estudo da responsabilidade civil pelos danos causados à saúde do trabalhador tem sua relevância em ser desenvolvido, principalmente, tendo em vista o grande número de trabalhadores que são acometidos por acidentes de trabalho, o que resulta na instauração de diversas ações judiciais objetivando a reparação dos danos, sobre o que há, inclusive, um dissenso jurisprudencial e doutrinário.

Isto posto, cabe elucidar que o presente resumo tem como objetivo investigar a temática da responsabilidade civil do empregador pelos danos oriundos de acidente de trabalho, bem como estudar a influência de um meio ambiente de trabalho equilibrado para a garantia da proteção da saúde do empregado, além de analisar os reflexos das atividades desenvolvidas e definir como se dará a responsabilização deste empregador face a um acidente de trabalho. Para tanto, a metodologia para o desenvolvimento deste estudo reportar-se-á a investigação indireta, por meio do método dedutivo, além de pesquisas bibliográficas e exame da legislação brasileira que trata sobre a problemática em questão.


DESENVOLVIMENTO

Em termos iniciais, o instituto jurídico da responsabilidade civil é invocado para fundamentar a pretensão de ressarcimento por parte daquele que sofreu as consequências de algum infortúnio, sendo, por assim dizer, instrumento de manutenção da harmonia social. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 24): a responsabilidade civil tem, pois, como um de seus pressupostos, a violação do dever jurídico e o dano. Há um dever jurídico originário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo ou secundário, que é o de indenizar o prejuízo.

A responsabilidade civil significa, portanto, a obrigação de reparar os danos ou prejuízos de natureza patrimonial (e, às vezes, moral) que uma pessoa cause a outrem (SILVA, 2007, p. 673-674), tendo natureza jurídica dúplice: de sanção e reparação, sendo a indenização um desdobramento da reparação. Isto posto, cumpre explicar que a responsabilidade civil está prevista na parte especial do Código Civil nos artigos 186 e 927, ss, podendo ter natureza objetiva ou subjetiva. Por assim dizer, faz-se mister distinguir estas mencionadas naturezas da responsabilidade civil. Logo, na seara da responsabilidade civil subjetiva:

Para que a vítima obtenha a reparação do dano, exige o referido dispositivo legal que prove dolo ou culpa stricto sensu (aquiliana) do agente (imprudência, imperícia ou negligência), demonstrando ter sido adotada, entre nós, a teoria subjetiva (embora não mencionada expressamente a imperícia, ela está abrangida pela negligência, como tradicionalmente se entende) (GONÇALVES, 2009, p. 463).

Ademais, a responsabilidade objetiva está conceituada no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil de 2002, como sendo a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Destarte, elucidado o instituto da responsabilidade civil, cumpre também demonstrar a importância da manutenção de um meio ambiente de trabalho equilibrado para o atendimento dos direitos fundamentais à saúde, à integridade física e psíquica do trabalhador. Nesta seara, José Afonso da Silva (2000, p. 23) leciona que:

Merece referência, em separado, o meio ambiente do trabalho, como sendo o local em que se desenrola boa parte da vida do trabalhador, cuja qualidade de vida está, por isso, em íntima dependência da qualidade daquele ambiente. É um meio ambiente no qual se insere no artificial, mas digno de tratamento especial, tanto que a Constituição o menciona explicitamente no art. 200, VIII, ao estabelecer que uma das atribuições do Sistema Único de Saúde consiste em colaborar na proteção do ambiente, nele compreendido o do trabalho. O ambiente do trabalho é protegido por uma série de normas constitucionais e legais destinadas a garantir-lhe condições de salubridade e de segurança. O ambiente do trabalho é um complexo de bens imóveis e móveis de uma empresa e de uma sociedade, objeto de direitos subjetivos privados e de direitos invioláveis da saúde e da integridade física dos trabalhadores que o frequentam (SILVA, 2000, p. 23).

Pelo exposto, depreende-se que o meio ambiente do trabalho é parte integrante do meio ambiente como um todo, assim, a busca pelo desenvolvimento sustentável do trabalho alcança também a responsabilidade civil dos empregadores, pois estes são os responsáveis pela organização do processo produtivo, bem como responsáveis pelo combate preventivo a degradação do ambiente de trabalho, cuja decadência implica no aumento da escalada de acidentes de trabalho e desrespeito aos direitos fundamentais de saúde e vida digna do obreiro.

Como manifestado alhures, a legislação brasileira protege o trabalhador através da defesa de um meio ambiente de trabalho saudável e seguro. A Lei 6.938/91 definiu, em seu artigo 3º, inciso I, meio ambiente de trabalho como sendo o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Assim, depreende-se que as normas pertinentes a proteção do meio ambiente de trabalho procuram manter a saúde do trabalhador e prevenir os riscos de acidentes no ambiente laboral.

Outrossim, a inobservância, por parte do empregador, do desenvolvimento de um meio ambiente de trabalho desequilibrado tende a criar para o obreiro risco de lesões mais acentuados do que o percebido na generalidade de situações normalmente vivenciadas por estes indivíduos na sociedade. Esta acentuação do risco de lesões se dá pelo desequilíbrio do ambiente laboral, que é inobservado pelo empregador, o que tende a aumentar as chances de ocorrência de acidentes de trabalho neste ambiente pouco sadio para o empregado.

Dessarte, cabe conceituar o acidente de trabalho. Logo, conforme o artigo 19 da Lei nº 8.213/1991, acidente de trabalho é:

Artigo. 19. Acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou de perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Por conseguinte, diante deste conceito, impera a discussão jurídica que consiste na dúvida pertinente a quem atribuir a responsabilização pelos danos oriundos deste acidente de trabalho e quais as consequências para este indivíduo. Isto posto, sobre esta temática, assinala Oliveira (2013, p. 63) que:

O acidente do trabalho pode ser o fato gerador de diversas e sérias consequências jurídicas que se refletem no contrato de trabalho, na esfera criminal, nos benefícios acidentários, nas ações regressivas promovidas pela Previdência Social, nas indenizações por responsabilidade civil, na Inspeção do Trabalho, no pagamento de indenização de seguros privados que cobrem a morte ou a invalidez permanente, e na reação corporativa do sindicato da categoria profissional (OLIVEIRA, 2013, p. 63).

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Para esta responsabilização, é de suma importância o instituto da responsabilidade civil e suas naturezas objetiva e subjetiva. Em regra, tanto a Constituição Federal quanto a CLT tratam o empregado como parte hipossuficiente na relação de emprego. Por isso, analisa-se a responsabilidade civil do empregador em caso de ocorrência de acidente de trabalho. De modo geral, portanto, Oliveira (2013, p. 90) explica que existe a responsabilidade subjetiva do empregador com relação ao empregado, nos acidentes de trabalho, quando restar comprovado que o empregador teve alguma culpa no evento, mesmo que de natureza leve ou levíssima. Assim, para a teoria subjetiva, só existe o dever de reparar, por parte do empregador, quando o dano oriundo do acidente de trabalho fundamenta-se pela culpa comprovada deste empregador, que deve ter agido com dolo, com negligência, com imprudência ou imperícia. Dessa forma, para a aplicação da responsabilidade subjetiva deste agente, devem estar presentes os seguintes pressupostos: dano, nexo de causalidade e a culpa do agente, para então, existir o dever de reparar por parte do empregador.

Entretanto, esta não é a única teoria existente acerca da responsabilização do empregador. Em regra, a responsabilidade indenizatória deste tem caráter subjetivo pelos fatos e fundamentos expostos anteriormente. Todavia, ocorre que, em determinadas situações, a responsabilidade do empregador pelos danos oriundos de acidente de trabalho, será objetiva. Para tanto, esta ideia fundamenta-se na teoria do risco, como leciona o emérito Mauricio Godinho Delgado (2010, p. 588): quando a atividade normalmente desenvolvida pelo empregador implicar risco para os trabalhadores envolvidos, ainda que em decorrência da dinâmica laborativa imposta por essa atividade, incide a responsabilidade objetiva. Assim, com base no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, quando a atividade do empregador, por si só, cria riscos aos empregados, a responsabilidade do empregador pelos danos oriundos do acidente de trabalho desta atividade de risco será objetiva, ou seja, independerá de prova de culpa.

À luz do exposto, conclui-se que a responsabilidade civil do empregador pelos danos oriundos de um acidente de trabalho é, em regra, subjetiva, visto que precisa da demonstração de culpa ou dolo deste. Por outro lado, há a possibilidade de prevalecer a responsabilidade objetiva do empregador, que se fundamenta na teoria do risco, segundo a qual este indivíduo que exerce a atividade de risco, responderá objetivamente pelos danos causados por um acidente de trabalho aos empregados, independentemente de prova de culpa.


CONCLUSÃO

À luz do que foi exposto, em um país essencialmente democrático, é legal e moralmente incompatível o enraizamento e a proliferação da condição desumana do meio ambiente de trabalho tratado neste estudo, por parte de alguns empregadores que buscam lucros intermináveis, em detrimento do fornecimento de boas condições de trabalho no ambiente laboral. Como visto, tal circunstância põe em risco não somente a preservação de saúde física dos empregados, como também, a saúde mental, ainda que a longo prazo.

Em razão disso, é imperioso que se busque soluções passíveis de equilibrar esse cenário, integrante do processo de globalização: a procura desenfreada pelo lucro e desenvolvimento econômico exarcebado em face da necessidade de manutenção de um mínimo de dignidade para os empregados. Somente ante esse equilíbrio é que se poderá evitar a perda da humanidade por parte desses sujeitos sociais, alcançando-se, por fim, a implantação e o desenvolvimento de um meio ambiente de trabalho saudável, paralelamente à consecução de uma correta apuração da responsabilização em casos de acidentes de trabalho.


REFERÊNCIAS

BRASIL, Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 09 fev. de 2021.

BRASIL, Constituição Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 09 fev. de 2021.

BRASIL, Da política nacional do meio ambiente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm. Acesso em 09 fev. de 2021.

BRASIL. Lei nº 8.213/1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. Acesso em 09 fev. de 2021.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9.ª ed. São Paulo: Ltr, 2010.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro, Responsabilidade. 7ª ed. São Paulo. Saraiva, 2011. V.7.

OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013.

SILVA, Afonso da. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2007.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 3 ed., São Paulo, Malheiros, 2000.

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Sobre o autor
Gabriel Yan Leite Cunha

Graduando pela Universidade Estadual de Londrina

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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