Resumo: O livre comércio e o deslocamento contínuo das riquezas são a gênese do liberalismo econômico vivenciado no último século. Consequentemente, torna-se ainda mais necessária a circulação dos títulos de crédito na contemporaneidade como forma de validar negócios. Este trabalho tem como objetivo expor de maneira concisa a relação da prática do endosso em seu título de crédito mais comum: o cheque. Suas unicidades e requisitos de validade são frequentemente enjeitados pela limitada difusão do conhecimento técnico-jurídico - e esta tem fundamental importância para a aplicação e relevância no contexto econômico. O método para a elaboração desta pesquisa foi baseado nas principais obras bibliográficas e jurídicas sobre o assunto, com passagens e citações da doutrina majoritária em nosso ordenamento jurídico, legislações especiais, jurisprudências e sites da internet abordando questões práticas a respeito das modalidades do endosso e seus efeitos. Com esse breve estudo, espera-se uma maior compreensão e assimilação da essência do endosso no cheque como um dos títulos de crédito que apesar de sua desmaterialização crescente ainda resiste às barreiras da nova era digital.
Palavras-chave: Títulos de Crédito; Desmaterialização dos Títulos de Crédito; Cheque.
INTRODUÇÃO
O estudo a seguir tem por objetivo analisar o endosso no cheque, seu uso e desuso nos dias atuais, como também questões pertinentes a ele relacionadas onde preliminarmente, analisar-se-á as características essenciais do título de crédito em questão, passando de forma apartada a sua evolução histórica, os seus requisitos de validade e a sua utilização no mercado cambiário nos dias atuais; além disso, ponderar-se-á sobre o cheque e o seu papel na economia como forma de circulação de riquezas, analisando por fim o endosso.
O objetivo deste trabalho é dirimir dúvidas sobre a temática e compilar perspectivas de diferentes autores a respeito desse instituto cambiário tão importante desde a promulgação do Decreto nº 57.663, de 24 de janeiro de 1966 conhecido como Lei Uniforme de Genebra (BRASIL, 1966).
A metodologia de pesquisa utilizada foi a dialética, referenciando e contrapondo as principais obras bibliográficas e jurídicas da doutrina de nosso ordenamento jurídico, legislações especiais e sites da internet que abordam questões práticas a respeito das modalidades do endosso e seus efeitos no mundo jurídico. Vale ressaltar que como forma de facilitar o entendimento, o presente trabalho foi dividido em cinco capítulos, sendo estes: o primeiro a presente introdução, o segundo a demonstrar de forma concisa uma noção geral sobre os títulos de crédito, sua origem histórica e evolução temporal, além de seus principais aspectos jurídicos.
No terceiro capítulo, adentra-se na seara expositiva do título em específico - cheque - e suas características formais, para demonstrar de forma breve aspectos relevantes para o entendimento do endosso. Na sequência, trata-se do endosso em específico e por fim, no quinto capítulo, aborda-se o título deste trabalho: Apesar da desmaterialização crescente destes títulos, porque o endosso precisa ser analisado sob uma ótica diferente da convencional?
Ademais, porque o entendimento sobre os institutos do cheque e suas formalidades ainda é tão relevante? Com o crescimento do home-banking e das transações on-line, porque o cheque ainda faz parte da cultura cambial do brasileiro para concretização e movimentação dos seus negócios? São estes e outros extratos que servem como apoio e buscam ser respondidos ao longo de todo o texto.
1. TÍTULOS DE CRÉDITO
Antes de discorrer sobre o tema em específico, se faz mister relacionar de forma clara o que são os títulos de crédito - pois a estes se aplicam especificamente o endosso e outras formas de transmissão do direito. Ao estudar a evolução da história econômica, desde os primórdios das relações e do convívio em comunidades, a grande maioria dos povos utilizou do instituto do câmbio e suas facilidades. Mesmo nos pequenos grupos, o ser humano já demonstrava a efetiva necessidade de se posicionar de maneira mais eficaz para a obtenção de uma vida mais justa, não só para a sua sobrevivência (TOMAZETTE, 2017 p. 291).
Práticas como estas subsistem até hoje, onde efetuar trocas a fim de manter sua própria subsistência fora uma das maneiras encontradas para a manutenção do contexto social e desde então o indivíduo tem se valido de mecanismos para tornar mais fácil o seu convívio em sociedade: seja com o escambo, moeda ou com título efetivamente que transmite a seu portador o poder de alienação e garante o livre mercado que é o título de crédito.
Adentrando na seara expositiva, segundo a definição conceitual mais clássica da doutrina, o Título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado (Vivante, et al., 1922 p. 12)
O título em espécie tem papel fundamental como uma ferramenta para facilitar a troca de determinada mercadoria, produtos ou serviços pelos demais - onde a cédula ou papel moeda muitas vezes não correspondem ao montante disponível atendido pelo mercado globalizado para a materialização das riquezas.
1.1. ORIGEM HISTÓRICA
Com o crescimento do comércio e a partir da necessidade da criação de documentos que firmaram os acordos financeiros da época, surgiram, em meados do século XIII, as primeiras espécies cambiais: manual (onde a troca de moeda é feita com a participação do comprador e do vendedor diretamente) e trajetício (aqui feita de forma remota, onde o comprador entrega a respectiva moeda em determinado lugar para receber em moeda diferente em outra localidade, mas com valor equivalente).
Na divisão histórica doutrinária, quatro são os períodos em que se dividem a criação e o aprimoramento dos títulos de crédito: no primeiro deles, conhecido como período italiano estão englobados a diversidade das transações em moeda corrente entre os mercantes, tendo como principal destaque surgimento da nota promissória e da letra de câmbio, indo aproximadamente até o ano de 1650.
Em sequência, o período Francês tem como ponto relevante a utilização da 'cláusula à ordem' que permitia que o beneficiário de um título de crédito transfere a outrem o seu direito sem autorização do sacador, por volta dos anos de 1848, onde Ramos (2016), diz que:
De 1848 a 1930, o direito cambiário viveu a terceira fase de sua evolução histórica. Trata-se do período alemão, que se inicia com a edição, em 1848, da Ordenação Geral do Direito Cambiário, uma codificação que continha normas especiais sobre letras de câmbio, diferentes das normas do direito comum. O período alemão é bastante destacado pelos doutrinadores por ter consolidado a letra de câmbio, especificamente - e os títulos de crédito, de uma forma geral - como instrumento de crédito viabilizador da circulação de direitos. (RAMOS, 2016, p. 442)
Por fim, na quarta geração de direitos cambiários os títulos de crédito ganham notável importância legislativa em 1930 através da promoção da Convenção de Genebra sobre títulos de crédito, criando assim a Lei Uniforme das Cambiais, aplicável às letras de câmbio e às notas promissórias. Não tão distante, em 1931, foi aprovada a Lei 7.357/85 (conhecida como Lei do Cheque), que serviu de base para a criação dos institutos que embasam o direito cambial em todo o mundo, e evoluiu desde então, até se tornar tal qual conhecemos hoje.
1.2 PRINCÍPIOS QUE REGEM O TÍTULO DE CRÉDITO
Antes de abordar o cheque em específico, é primordial que sejam conhecidos os princípios contidos nos títulos de crédito, pois foi através destes que o legislador definiu como norte a sua validação são estes: cartularidade, literalidade e autonomia.
Em apertada síntese, o princípio da cartularidade nos permite afirmar que o direito creditício mencionado na cártula não existe sem a mesma, não pode ser transmitido sem a sua tradição e muito menos pode ser exigido sem a sua formal apresentação. A literalidade determina que o conteúdo do título de crédito deve estar expressamente grafado nele - em outras palavras, somente o que é lançado produz efeito jurídico perante o portador.
Por fim, mas não menos importante, a autonomia prevista no artigo 817 do Código Civil brasileiro refere-se a determinar que as relações jurídicas decorrentes de título de crédito são autônomas e independentes entre si, e caso possuam algum defeito jurídico acabam não viciando os atos decorrentes desta mesma relação, uma vez que o título pode ser desvinculado da obrigação que o originou (BRASIL, 2002).
2. CHEQUE
Tratando de maneira mais específica do cheque que é objeto deste estudo, retoma-se a sua origem como título de crédito desde o século XVII onde o mais antigo que se tem ciência se encontra em museu para exposição na capital da Inglaterra. O cheque apresenta a mesma origem que outros títulos de crédito em um período semelhante onde as figuras que transacionam em uma relação jurídica próxima buscam a satisfação de um crédito ou obrigação.
2.1 O CONCEITO DE CHEQUE
Diversos autores definem o cheque de maneiras semelhante, mas por definição etimológica, o mesmo é assim descrito:
O cheque é ordem de pagamento à vista emitida contra um banco em razão de fundos que a pessoa (emitente) tem naquela instituição financeira. É, como visto, um título de modelo vinculado, uma vez que só é cheque aquele documento emitido pelo banco, em talonário específico, com uma numeração própria, seguindo os padrões fixados pelo Banco Central. (RAMOS, 2016, p. 534)
Retornando a Marlon Tomazette (2017) sobre o cheque:
Trata-se de uma ordem de pagamento, na medida em que seu criador não promete efetuar pessoalmente o pagamento, mas promete que o terceiro irá efetuar esse pagamento. Esse terceiro deverá ser um banco, no qual o criador do cheque deverá ter fundos disponíveis. À luz desses fundos, o banco efetuará o pagamento das ordens que lhe forem sendo apresentadas, vale dizer, o cheque se tornará exigível sempre no momento em que for apresentado ao sacado com o vencimento sempre à vista. (TOMAZETTE, 2017, p. 292).
De forma concisa, o cheque é uma ordem de pagamento à vista da qual deriva-se algum negócio jurídico que pode envolver duas ou mais pessoas, regido por características próprias por intermédio de suas especificidades previstas na Lei 7.387 de 1985.
2.2 REQUISITOS E FORMALIDADES DO CHEQUE
O cheque figura como uma ordem de pagamento à vista em razão de fundos disponíveis de quem o emite, tendo como intermediária uma instituição financeira que verifica as suas formalidades e características próprias e faz - ou não - o pagamento do título. As figuras presentes nessa vinculação são definidas por três partes assim especificadas na doutrina, sendo: sacador, sacado e o beneficiário.
O sacador é o correntista que emite o cheque para o tomador que é credor da ordem. De outro modo, o sacado é a instituição financeira que faz a mediação após a apresentação do título para pagamento. A transação se satisfaz após o desconto do numerário da contracorrente do sacador sendo entregue ao beneficiário (RAMOS, 2016).
Todos os requisitos necessários para a validade do presente título estão elencados na Lei nº 7.357/85, observe-se:
Art. 1º O cheque contém:
I - A denominação cheque inscrita no contexto do título e expressa na língua em que este é redigido;
II - A ordem incondicional de pagar quantia determinada;
III - o nome do banco ou da instituição financeira que deve pagar (sacado);
IV - A indicação do lugar de pagamento;
V - A indicação da data e do lugar de emissão;
VI - A assinatura do emitente (sacador), ou de seu mandatário com poderes especiais.
Parágrafo único - A assinatura do emitente ou a de seu mandatário com poderes especiais pode ser constituída, na forma de legislação específica, por chancela mecânica ou processo equivalente.
(BRASIL, 1985)
O Cheque que possuir cumulativamente todas as características necessárias supracitadas será considerado pagável e legalmente aceito. Outrossim, é de suma importância ressaltar que, caso haja qualquer diferença entre os valores grafados, permanecem aqueles escritos por extenso.
2.3 MODALIDADES DO CHEQUE
Em nosso ordenamento jurídico, quatro são as modalidades de cheque: visado, administrativo, cruzado e para se levar em conta - cada um com as suas características e peculiaridades - e como forma de dirimir eventuais dúvidas sobre o assunto, toma-se a definição dada por Infanti (2011) a cada um deles, a se dizer:
O cheque visado é aquele em que o banco sacado, a pedido do emitente ou do portador legítimo, lança e assina, no verso, declaração confirmando a existência de fundos suficientes para a liquidação do título(...)
O cheque administrativo é o emitido pelo banco sacado, para liquidação por uma de suas agências. Nele, emitente e sacado são a mesma pessoa(...); ou seja, a instituição financeira ocupa, simultaneamente, a situação jurídica de quem dá a ordem de pagamento e a de seu destinatário.
A terceira modalidade é a do cheque cruzado, onde o cruzamento se realiza pela aposição, no anverso do cheque, de dois traços transversais e paralelos. Tanto o emitente como qualquer portador podem cruzar o título(...) O cruzamento se destina a tornar segura a liquidação de cheques ao portador, já que, uma vez cruzado o título, sempre seria possível, a partir de consulta aos assentamentos do banco, saber em favor de que pessoa ele foi liquidado. O cheque não cruzado ao portador pode ser pago diretamente no caixa da agência sacada, hipótese em que não se poderá conhecer a pessoa que recebeu o correspondente valor. Claro que a utilidade do cruzamento é reduzida, no direito brasileiro, em razão da obrigatoriedade da forma nominativa dos cheques superiores a R$ 100,00.
Por derradeiro, o cheque para se levar em conta é aquele em que o emitente ou o portador proíbe o pagamento do título em dinheiro. A cláusula para ser creditado em conta deve constar do anverso do cheque, na transversal. (INFANTI, 2011)
Entendendo as modalidades deste título de crédito, é possível extrair o entendimento necessário para validar os cheques e as suas formas de utilização.
2.4 FORMAS DE UTILIZAÇÃO DO CHEQUE
O pagamento via cheque, em regra, é aceito em todos os estabelecimentos, pois o Código do Consumidor dispõe que a recusa deste meio deve estar de forma expressa, clara e em uma localização de fácil visualização (BRASIL, 1990). Nos dias atuais, os locais que mais utilizam o cheque são academias, escolas ou trabalhadores autônomos, uma vez que o cheque é isento de taxas, da mesma forma que ocorre em cartões de débito e crédito. Segundo uma pesquisa feita pela empresa SPC Brasil, aproximadamente metade das pessoas que possuem cheque (47,5%) nunca o utiliza na função pré-datada sendo as principais causa: a preferência ao cartão de crédito no parcelamento (35,8%), a falta de praticidade (24,8%) e a opção por quitar a dívida à vista (19,5%).
Em contrapartida, os que continuam a utilizar o cheque como forma de investimento, afirmam que a grande vantagem dessa modalidade é o prazo na maioria das vezes maior de pagamento ofertado nesses casos (38,6%). Logo em seguida, a segunda situação mais apontada é a possibilidade de comprar ainda que não se tenha dinheiro em espécie em mãos (16,6%) e, em terceiro, a possibilidade de parcelamento diversificado nas compras (12%).
Por fim, a pesquisa mostra que a intenção de parcelamento permanece liderando entre os brasileiros, contudo, que a modalidade utilizada para tal está saindo cada vez mais do cheque para o cartão de crédito e meios eletrônicos como o TED (Transferência Eletrônica Disponível) e Pix (SPC BRASIL, 2016).
2.5 PRAZOS NO CHEQUE
Ao se falar em prazo, no instituto do cheque tem-se duas subdivisões: prazo de apresentação e prazo de prescrição. A apresentação de um cheque nada mais é do que o período em que o mesmo deve ser dado na instituição financeira sacada a fim de recebê-lo ou depositá-lo em sua conta título e o prazo de prescrição é o lapso temporal existente e necessário para que, quando não honrado seu pagamento pelo emitente, o portador da cártula de cheque possa promover ação de execução contra ele e contra os eventuais codevedores - como já previsto no art. 47 e 59 da própria Lei de Cheques em nosso ordenamento jurídico (RAMOS, 2016).
Em números, observa-se: cheques dentro da mesma circunscrição ou 'praça' devem ser apresentados em até 30 dias. Já aqueles emitidos em outra 'praça', o prazo será de 60 dias - contados sempre, da data de emissão.
No tocante à prescrição, o cheque somente poderá ser executado contados 6 meses após o término do prazo de apresentação, conforme reza o artigo 59 da Lei 7.357/85, sendo este de 30 ou 60 dias, conforme a praça de emissão (BRASIL, 1985).
2.6 A PRESCRIÇÃO DO CHEQUE FRENTE A OUTROS TÍTULOS DE CRÉDITO
O Código Civil em seu art. 206, §3º, inciso VIII, aduz sobre a prescrição geral dos títulos de crédito em geral; todavia, no âmbito do Direito Empresarial, a prescrição dos títulos de crédito tem previsão em leis especiais, sendo aqueles que se encontram nas determinadas leis, seguindo os termos do Código Civil.
Os principais títulos de crédito podem ser definidos como: a nota promissória, a letra de câmbio, a duplicata e o cheque. Cada um desses títulos possui o seu próprio prazo prescricional e a prescrição do cheque se diferencia do modo em que os demais títulos prescrevem, estando essa especificidade prevista no artigo 59 da Lei do Cheque nº 7.357/85, que assim versa:
Art. 59. Prescrevem em 6 (seis) meses, contados da expiração do prazo de apresentação, a ação que o artigo 47 desta lei assegura ao portador.
Parágrafo Único A ação de regresso de um obrigado ao pagamento do cheque contra outro prescreve em 6 (seis) meses contados do dia em que o obrigado pagou o cheque ou do dia em que foi demandado.
(BRASIL, 1985)
Cabe ressaltar que no caput do artigo supracitado, a previsão é a de que o início da contagem do prazo de prescrição somente se iniciará após o fim do prazo de apresentação do cheque, assim grafado no artigo 33 da Lei 7.357/85:
Art. 33 O cheque deve ser apresentado para pagamento, a contar do dia da emissão, no prazo de 30 (trinta) dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago; é de 60 (sessenta) dias, quando emitido em outro lugar do País ou no exterior.
(BRASIL, 1985)
A contagem de prazo cumpre às ordens do direito comum: reza o artigo 64 na Lei 7.357/85 além de seguir as regras do artigo 184 do Código de Processo Civil. Desta forma, deve-se excluir o dia em que o cheque foi emitido, devendo o cheque ser apresentado até o último dia da contagem de prazo. Caso o último dia para a apresentação for feriado, fica o prazo prorrogado até o próximo dia útil (BRASIL, 2015).
3. ENDOSSO
3.1 A ORIGEM DO ENDOSSO
É bastante debatido na doutrina o instante de origem do endosso, havendo até mesmo doutrinadores que dizem não ser possível determinar uma data para tal. No direito romano já era possível observar a presença do endosso em razão do elo da obrigação, com caráter personalista, desta forma o credor possuía direito em face do devedor (pessoa) e não do patrimônio.
Muito antes das novações trazidas pelo pensamento jurídico ocidental em tempo, o endosso como é conhecido já era utilizado na Itália, na época da evolução histórica cambial - que dura até 1650 - tempos mais tarde foi se desenvolvendo esta prática também na França no século XVI e em meados do século XVII na Inglaterra.
3.2 O CONCEITO DE ENDOSSO
Endosso é a prática de ato cambiário formal e abstrato, consequente de declaração unilateral de vontade e equivalente a uma declaração cambiária eventual e sucessiva, apresentada, no título de crédito, o endossante transfere os direitos dele derivados a outra pessoa que é o endossatário, ficando, em regra, o endossante responsável pelo aceite e pelo pagamento. Nas palavras de Souza (2005):
É um meio normal com o qual o título de crédito é colocado em circulação, transferindo a titularidade para uma terceira pessoa, que passará a ser designada por endossatário, que por seu turno será o beneficiário da ordem de pagamento. (SOUZA, 2005 p. 53)
Adequa-se, pois, o endosso, a uma declaração de apenas um lado e acessória, obtendo a eficácia relacionada no documento por intermédio de quem endossa. Ainda em analogia, o endosso se identifica com a ideia de um novo saque, com a transmissão de todos os direitos ligados à cambial e, sendo assim, o endossador responde de forma solidária pela obrigação assumida, ao ponto de gerar uma garantia maior em prol do endossatário.
É comum haver uma certa confusão entre o endosso e a cessão, visto que ambos tratam da transferência do título de um detentor para outro. No entanto, são dois institutos bastante diferentes, pois o endosso, como já dito anteriormente, é ato unilateral de declaração de vontade que se ordena de forma escrita enquanto a cessão é um contrato bilateral que pode se concluir de qualquer maneira.
3.3 AS FIGURAS DO ENDOSSANTE E ENDOSSATÁRIO
Na relação jurídica da transmissão dos direitos inerentes ao título de crédito tem-se as figuras do endossante e endossatário que são os entes responsáveis pela assinatura no dorso e sua devida apresentação. Por definição doutrinária, endossante é o credor que transmite os seus direitos e põe o título em circulação. O endossatário é aquele portanto é a figura passiva que recebe em benefício do endossante através do dito ato cambiário.
No que tange à responsabilidade do endossante, a doutora Juliana H. Luchtenberg do portal PHMP Advogados diz que:
Ao firmar o cheque para transferência, de acordo entendimento de Silvio de Salvo Venosa, o artigo 914 do Código Civil, modificou o conteúdo da regra que se encontra no artigo 15 da Lei Uniforme Relativa às Letras de Câmbio e Notas Promissórias (Decreto nº 57.663/66), ressaltando que: deste modo, na regra geral do vigente Código Civil, desprezando norma da Lei Uniforme, o endossante não mais se responsabiliza pelo título, salvo menção expressa Contudo, na data de 25 de maio de 2006, o então Senador João Alberto de Souza, propôs no Projeto de lei do Senado (PLS) nº 166, de 2006, mudança no caput do art. 914 do Código Civil, para impor obrigação ao endossante pelo cumprimento da prestação constante do título por ele endossado. (LUCHTENBERG, 2011)
Pela propositura, o texto definido ao novo Código Civil sugerido passa a ser:
Art. 914. Ressalvada cláusula expressa em contrário, constante do endosso, não responde o endossante pelo cumprimento da prestação constante do título.
§ 1º Assumindo responsabilidade pelo pagamento, o endossante se torna devedor solidário.
§ 2º Pagando o título, tem o endossante ação de regresso contra os coobrigados anteriores.
(BRASIL, 2002)
Após todo o rito legislativo, o projeto de lei foi aprovado na CCJ, Justiça e Cidadania com a redação supracitada.
3.4 OS REQUISITOS DE VALIDADE DO ENDOSSO
Como mencionado por Ramos (2016, p. 562): [...] Em princípio, o endosso deve ser feito no verso do título, bastando para tanto a assinatura do endossante. A Lei 7.357/85 prevê ao longo dos artigos 17 e seguintes traz estes requisitos de validade, veja-se:
Art. 17 O cheque pagável a pessoa nomeada, com ou sem cláusula expressa à ordem, é transmissível por via de endosso.
§ 1º O cheque pagável a pessoa nomeada, com a cláusula não à ordem, ou outra equivalente, só é transmissível pela forma e com os efeitos de cessão.
§ 2º O endosso pode ser feito ao emitente, ou a outro obrigado, que podem novamente endossar o cheque.
Art. 18 O endosso deve ser puro e simples, reputando-se não-escrita qualquer condição a que seja subordinado.
§ 1º São nulos o endosso parcial e o do sacado.
§ 2º Vale como em branco o endosso ao portador. O endosso ao sacado vale apenas como quitação, salvo no caso de o sacado ter vários estabelecimentos e o endosso ser feito em favor de estabelecimento diverso daquele contra o qual o cheque foi emitido.
Art. 19 - O endosso deve ser lançado no cheque ou na folha de alongamento e assinado pelo endossante, ou seu mandatário com poderes especiais.
§ 1º O endosso pode não designar o endossatário. Consistindo apenas na assinatura do endossante (endosso em branco), só é válido quando lançado no verso do cheque ou na folha de alongamento.
§ 2º A assinatura do endossante, ou a de seu mandatário com poderes especiais, pode ser constituída, na forma de legislação específica, por chancela mecânica, ou processo equivalente. (BRASIL, 1985)
Além de todos os requisitos formais, também se faz necessário salientar que é possível a realização do endosso no anverso do título cheque, onde este deverá conter, a assinatura do endossante, menção expressa de que se trata de endosso para a configuração de eficácia e validade.
3.5 OS EFEITOS DO ENDOSSO
Ainda segundo Ramos (2016, p. 576), [...] sabe-se que no endosso, o endossante responde pela solvência do crédito, enquanto na cessão civil de crédito (CCC) o cedente responde apenas pela existência do crédito. Desta forma, caso o devedor de determinado título não efetue o pagamento, é permitido ao credor voltar-se contra quem endossa o título (o endossante). No caso no cedente, isso não acontece, o qual apenas poderá ser acionado pelo credor, caso tenha transferido um crédito que não existe.
Nessa perspectiva, não obstante, deve-se unicamente destacar que o Código Civil traz consigo regra inteiramente divergente ao que sempre foi observado na prática comercial brasileira, definindo no artigo 914, por exemplo, que o endossante não responde pela solvência do crédito, salvo cláusula expressa em sentido contrário conforme a seguir:
Art. 914. Ressalvada cláusula expressa em contrário constante do endosso, não responde o endossante pelo cumprimento da prestação constante do título. (BRASIL, 2002)
Acontece que tal disposição do Código Civil não tira a validade supracitada acerca do endosso, dado que o próprio código, no artigo 903, ressalva a aplicação da lei especial. Desta forma, por exemplo, caso o endosso seja praticado numa nota promissória, a pessoa que o endossar irá responder pela solvência do crédito em razão de a nota promissória conforme regido pelo texto supracitado - Art. 903. Salvo disposição diversa em lei especial, regem-se os títulos de crédito pelo disposto neste Código aplicando-se a Lei uniforme, não sendo pelas normas do Código Civil. (BRASIL, 2002)
A cláusula não à ordem é uma espécie de mecanismo de defesa de quem endossa o título a fim de evitar a sua circulação mediante transferência - podendo ser transacionada tão somente por cessão civil. Conforme lembra Ramos:
Os títulos de crédito típicos, nominados ou próprios (letra de câmbio, nota promissória, cheque, duplicata etc.) circulam mediante endosso porque todos eles possuem implícita a cláusula à ordem. Somente quando for inserida, expressamente, a cláusula não à ordem num título de crédito é que ele não poderá circular por endosso, e sim por mera cessão civil de crédito. (RAMOS, 2016 p. 561)
Ao apresentar uma cláusula não à ordem, tem-se: I - Vedação à transferência de título por endosso; II - O título apenas poderá circular pela forma de cessão, via instrumento firmado entre as partes (cedente e cessionário) III - Não respondem, os cedentes, pela solvência do devedor, não são obrigados cambiários, respondendo apenas pela existência do crédito.
Como visto acima, por este motivo, apenas o sacador, aceitante e respectivos avalistas da letra de câmbio podem ter suas obrigações exigidas pelo portador. De mesmo modo, o emitente é o respectivo avalista da nota promissória e do cheque.
3.6 O ENDOSSO EM BRANCO E O ENDOSSO EM PRETO
Há duas modalidades em que o endosso poderá ser feito, são elas o endosso em branco ou em preto. Faça-se então esta separação.
3.6.1 Endosso em branco
Ramos (2016, p. 562) entende que, O endosso em branco é aquele que não identifica o seu beneficiário, chamado de endossatário. Em outras palavras, tem-se que o endosso em branco é aquele que tem somente o nome do endossante, não mencionando o nome do beneficiário que, diante disso, apenas assina no verso do título sem nomear a quem está endossando, o que culmina, na prática concedendo que o título circule ao portador - ou seja: simplesmente pela tradição da cártula. O artigo 20 da Lei 7.357/85 diz que:
Art. 20 O endosso transmite todos os direitos resultantes do cheque. Se o endosso é em branco, pode o portador:
I - Completá-lo com o seu nome ou com o de outra pessoa;
II - Endossar novamente o cheque, em branco ou a outra pessoa;
III - transferir o cheque a um terceiro, sem completar o endosso e sem endossar.
(BRASIL, 1985)
De forma simples, a pessoa pela qual o título fizer menção como beneficiado de endosso em branco poderá tomar três atitudes: I- Transformá-lo em endosso em preto, o completando com seu próprio nome ou de outrem; II- Endossar o título novamente, seja em branco ou em preto; III- Transferir o título sem a prática de novo endosso, ou seja, pela mera tradição da cártula.
3.6.2 Endosso em preto
Tomazette (2017, p. 151) diz que o endosso em preto é aquele em que O endossante indica a quem está sendo transferido o título, isto é, é mencionado o endossatário do título De outro modo, Ramos (2016, p. 562) define que, O endosso em preto, por sua vez, é aquele que identifica expressamente a quem está sendo transferida a titularidade do crédito, ou seja, o endossatário.
Desta forma, apenas poderá haver nova circulação via novo endosso, podendo ser em branco ou em preto. Nesse caso, o endossatário no ato de recolocar o título em circulação, irá assumir a responsabilidade pelo adimplemento da dívida, dado que deverá praticar novo endosso.
3.6.3 REGRAS ESPECÍFICAS
Julga-se não escrita no endosso qualquer condição a que o subordine o endossante. Não possui validade o endosso em parte. Ao endossatário de endosso em branco é permitido a mudança para endosso em preto, completando com o seu nome ou de outrem, é permitido endossar novamente o título, em branco ou preto, ou ainda poderá transferi-lo sem novo endosso.
Além das exceções constituídas nas relações pessoais que tiver com o portador, o devedor só poderá opor a este as exceções referentes à forma do título e ao seu conteúdo literal, à falsificação da própria assinatura, a defeito de capacidade ou de representação no ato da subscrição, e à ausência de requisito constitutivo ao exercício da ação.
Já com relação às exceções constituídas em relação do devedor com os portadores anteriores, apenas poderão ser por ele opostas ao portador, se este, ao obter o título, tiver agido de má-fé. A aquisição de título à ordem, via meio diverso do endosso, possui efeito de cessão civil. O endosso após o vencimento gera os mesmos efeitos do anterior.
3.6.4 A EXECUÇÃO DO CHEQUE E O NOVO CPC
Segundo a lei nº 13.105 de 2015 - ou o novo Código de Processo Civil - no capítulo em que se trata dos requisitos necessários para realizar qualquer execução no tocante aos títulos executivos, o artigo 783 diz que: A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível. (BRASIL, 2015)
Segundo a teoria da execução a certeza da obrigação certa nada mais é do que a real existência de determinado negócio jurídico - e ao se tratar do cheque, não há necessidade de qualquer obrigação em específico em razão do princípio da não causalidade onde o emitente é livre para prover o cheque em qualquer razão de seu interesse. Ao definir uma obrigação como exigível tem-se que um direito sobre determinada obrigação está atrelado a um dever para cumpri-la. Só é passível de exigibilidade aquela obrigação já vencida, ou seja, o devedor está inadimplente para com o credor.
Por fim, a obrigação líquida refere-se à capacidade de determinação do objeto da obrigação - no caso do cheque, o dinheiro. Para a execução do cheque em específico, deverá ser ajuizada uma ação acompanhada do próprio título, seguindo determinados requisitos especiais, como ensina Rios e Lenza:
Além dos requisitos dos arts. 319 e 320 do CPC, o credor a instruirá com memória discriminada do cálculo, indicando o débito e seus acréscimos. A memória tem de ser tal que permita ao réu e ao juiz verificar o valor originário, a data de vencimento, os acréscimos e as deduções. O demonstrativo do débito deve conter todas as informações exigidas pelo art. 798, parágrafo único, do CPC. Se o credor desejar, poderá já indicar sobre qual bem deve a penhora recair, já que hoje é dele a prioridade na indicação. (Rios, et al., 2017)
Ao se tratar da citação todas as formas de citação previstas no CPC são admitidas na execução, inclusive a por carta - que não era admitida na legislação anterior.
Cabe ressaltar que no campo da competência, com o advento da nova redação dada ao artigo 781 do próprio Código de Processo Civil tem-se que a ação de execução de um título executivo extrajudicial deve ser ajuizada no local onde a obrigação deve ser cumprida. Porém, esta regra tem a sua exceção, pois o próprio dispositivo elenca as demais hipóteses do foro competente e existem julgados que entendem ser também o foro de domicílio do exequente competentes:
FORO COMPETENTE PARA EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL. SENDO INCERTO O DOMICÍLIO DO DEVEDOR, E COMPETENTE O FORO DO DOMICÍLIO DO EXEQUENTE, DE RESTO COINCIDENTE COM O DO LUGAR ONDE DEVE CUMPRIR-SE A OBRIGAÇÃO. (STF, 1980)
O Superior Tribunal de Justiça também contou com julgados casos onde os executados alegaram exceção de competência em virtude do foro como uma manobra de defesa para evadirem-se do cumprimento da obrigação, leia-se:
PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA. Se a ação foi proposta no domicílio do devedor, circunstância que evidentemente facilita sua defesa, não pode ele excepcionar a competência ao fundamento de que o foro próprio para a execução de título extrajudicial é o do lugar do pagamento. Recurso especial não conhecido. (STJ, 2001)
Não obstante, fala-se expressamente em competência para julgamento no local do foro onde localiza-se o sacado:
() 3- A interpretação conjunta dos arts. 100, IV, d, 576 e 585, I, do CPC autoriza a conclusão de que o foro do lugar do pagamento (sede da instituição financeira) é, em regra, o competente para o julgamento de execução aparelhada em cheque não pago. (STJ, 2014)
No campo da prescrição, a Súmula 600 do STF pacificou o entendimento de que: Cabe ação executiva contra o emitente e seus avalistas, ainda que não apresentado o cheque ao sacado no prazo legal, desde que não prescrita ação cambiária (STF, 1976) - que neste caso, segundo o art. 59 da Lei 7357/85 é de até 6 meses (BRASIL, 1985).