INTRODUÇÃO
Para se falar de extinção de punibilidade, é necessário ates limitar o objeto do que vai ser extinto. Afirmamos isto porque a punibilidade pode ser vista além do sentido material penal, também no sentido formal (ex reparação de dano). Limitando nosso pequeno estudo a extinção da coerção materialmente penal.
A extinção da punibilidade pode ter causa em atos ou fatos, ou circunstância do agente ou de terceiros, ou, ainda de natureza posterior ao crime.
Estas causas fazem desaparecer a pretensão punitiva do Estado, porque atuam no dizer de Mirabete, no sentido de impedir seja a persecutio criminis instaurada, ou até mesmo de executa-la depois da condenação proferida.
O artigo 107 de forma alguma esgota o rol das causas de extinção de punibilidade, pois não é taxativa inclusive estando presente em outros artigos do código tanto na parte geral como na especial.
A possibilidade jurídica do Estado exercer o seu exclusivo jus puniendi (é dogmaticamente vedada a punição privada) em muitos casos está condicionado a "ações privadas" no sentido de dar início, ou de prosseguir como veremos no caso da decadência e da perempção.
De todas as causas da extinção da punibilidade, a que mais nos deteremos é a prescrição, até porque ela está ligada diretamente a ação estatal.
De grande relevância para o estudo do direito, este tema polêmico, por muitos estudiosos não aceito, está presente em nosso código e ao longo dos anos este "instituto" vem sofrendo modificações.
Esta perda do poder de punir do Estado, denominada prescrição, que no nosso código se apresenta em quatro modalidades, é matéria penal no nosso entendimento, e esperamos ser convincentes neste ponto de vista no decorrer do trabalho.
EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE E PRESCRIÇÃO
PUNIBILIDADE
Punibilidade é a aplicabilidade da pena cominada em abstrato na norma penal pela prática de um fato definido na lei como crime.
Para Mirabete(1) a punibilidade é sempre uma conseqüência jurídica a partir da verificação da conduta culpável do agente nesta fase o "jus puniendi" estatal sai do abstrato e se materializa na sanção ou na possibilidade desta.
No mesmo sentido João José Leal(2) afirma que a lei penal incriminadora define uma hipótese que se mantém no plano genérico e abstrato até o agente infringi-la.
Como vimos no semestre passado, a punibilidade está associada a elementos inseparáveis como a conduta típica, antijurídica, culpável, punível.
Zafaroni(3), seguindo a escola alemã trata a punibilidade em dois sentidos uma podendo significar o "merecimento da pena" e uma segunda como a "possibilidade de aplicar a pena".
EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE
Existem condições que impedem a operatividade da coerção penal, são aqueles fatos ou atos jurídicos que impossibilitam o Estado de exercer o seu "jus puniendi". A extinção da punibilidade se diferencia da "exclusão de antijuricidade" pois neste caso não há crime.
Mirabete divide em duas as causas da extinção da punibilidade: as gerais ou comuns que atingem todos os delitos, como por exemplo a morte do agente; e as especiais ou particulares relativo a determinados delitos como por exemplo a retratação do agente nos crimes contra a honra, o casamento com a ofendida...
Sendo o crime, elemento constitutivo ou agravante de outro crime a extinção deste não extingue aqueles (art. 108 CP), exemplo: furto e receptação a extinção do crime em relação ao furto não se estende a receptação.
Quando as causas da extinção da punibilidade ocorrem antes do trânsito em julgado dizemos que a pretensão punitiva, exemplo disto a decadência e a perempção.
Quando a extinção da punibilidade ocorre após o trânsito em julgado da sentença condenatória, a pretensão executória exemplo clássico a abolitio criminis.
AS CAUSAS DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE
PREVISTAS NO ART.107 E FORA DELE
O Art. 107 enumera 13 causas de extinção: morte do agente, anistia, graça, indulto, abolitio criminis, prescrição, decadência, perempção, renúncia, perdão do ofendido, retratação, casamento com a vítima ou terceiros nos casos definidos neste artigo, perdão judicial.
Apesar da enumeração, não é taxativo, há várias causas de extinção espalhadas pelas leis e no próprio código. Citando alguns: ressarcimento do dano no peculato culposo (art.312 § 3); morte do cônjuge ofendido no adultério (art. 240 § 2) ; na lei 9099/95 os artigos 74 § único; 84 § único; a ausência de representação no 88 e 91; 89 § 5 dentre outros.
A extinção antes de transitar em julgado tem efeitos absolutórios, assim mesmo o agente não sofrerá qualquer efeito da condenação.
PRESCRIÇÃO IN GENÉRICO
Inserida no Título VIII da parte geral do Código Penal, é uma das causas da extinção da punibilidade.
Conceito fundamento e modalidades
A maioria dos autores (Mirabete, Damásio, Delmanto, Leal, Salles Jr, Bastos) a definem como: a perda do direito de punir do Estado pelo decurso do tempo, ou seja pelo seu não exercício no prazo previsto em lei. Beccaria(4) sustenta que o prazo da prescrição deve ser proporcional à gravidade do delito "nos delitos mais atrozes(...)deve crescer o prazo prescricional(...)mas nos delitos menores, sendo menor o dano da impunidade será menor o prazo da prescrição". O penalista catarinense João José Leal traduz bem este pensamento beccariano ao afirmar, de uma forma poética, que o decurso do tempo que apaga da memória individual ou coletiva fatos acontecidos na vida social, também ocorre no crime: "não há dúvidas de que o decurso do tempo cicatriza chagas, enxuga lágrimas, aplaca ódios acalma revoltas e faz desaparecer sentimentos de vingança."(5)
Segundo Mirabete é "matéria criminal"(6) de ordem pública portanto deve ser decretada "ex offício" ou a requerimento de uma das partes em qualquer fase do Processo como manda o artigo 61 do Código de Processo Penal (CPP).
Existem dois grandes "munus" estatais atingíveis pela prescrição: o "jus puniendi" e o "jus punitionis".
É de grande relevância para o mundo jurídico estas incidências pois afeta tanto a persecução criminal contra o autor de uma infração = prescrição da pretensão punitiva , como afeta a sanção em função do lapso temporal determinando pela obra = prescrição da pretensão executória.
Esquema - o decurso do tempo pode afetar:
Jus puniendi pelo art. 109
Jus ponitionis - pela art. 109 c/c 110 §§
I - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA E SEUS PRAZOS
Art. 109 , 111 e 119
Ocorrência
Quando o Estado perde o "jus puniendi" antes de transitar em julgado a sentença, em decorrência do decurso de tempo, entre a prática do crime e a prestação jurisdicional devida pelo poder Judiciário, pedida na acusação, para a respectiva sanção penal ao agente criminoso.
Neste caso os prazos prescricionais expresso, são taxativos e obedecem a uma escala rígida, enunciada, sendo regulados pela quantidade máxima da pena em abstrato para cada crime, conforme a tabela extraída do art. 109:
Se a pena cominada é: |
A prescrição ocorrerá em: |
Mais que 12 anos |
Em 20 anos |
Mais que 8 até 12 anos |
Em 16 anos |
Mais que 4 até 8 anos |
Em 12 anos |
Mais que 2 até 4 anos |
Em 8 anos |
De 1 até 2 anos |
Em 4 anos |
Menos de 1 ano |
Em 2 anos |
Aos crimes previstos na lei de contravenções penais como não dispões em contrário aplica-se a mesma regra.
Nas penas restritivas de direito que virem a substituir a privativa de liberdade tem a mesma duração desta. Como só são conhecidas após a sentença, acaba valendo a regra do artigo 110 e seus §§.
Verifica-se que quanto mais grave o crime maior será o prazo de prescrição da pretensão punitiva.
Dois exemplos práticos
- João Falador cometeu crime de injúria contra um funcionário público em razão de suas funções (art. 140 c/c 141 I) cuja pena máxima seria de 8 meses, passados dois anos da prática do crime, sem ter sido iniciada a ação penal ou iniciada, esta, sem que a sentença condenatória tenha sido prolatada, dar-se-á a prescrição da pretensão punitiva, nos termos do artigo 109 IV.
- João Facada, cometeu crime de homicídio qualificado (art. 121 §2) cuja pena máxima é de 30 anos de reclusão; passados vinte anos sem ter sido iniciada a ação penal, ou sem que a sentença de pronúncia tenha sido prolatada após esta denúncia, dar-se-á a prescrição nos termos do art. 109 I.
Leva-se em conta na contagem do prazo as causas de especial aumento ou diminuição de pena constante da denúncia.
Não se considera as agravante e atenuantes da parte geral (art. 61,65...) a tentativa é regulada pelo máximo do crime tentado, e reduzido o mínimo da sua variável (1/3).
A prescrição como afirmamos é matéria de direito material, aplica-se pois os princípios do artigo 10 do CP : conta-se o dia do início não estando sujeito a suspensão por férias, domingos, feriados etc.
A regra geral está prevista no art. 111, o termo inicial da prescrição punitiva é a data da produção do resultado. Não importa a data em que foi descoberta a sua existência, (exceção para o os crimes previstos no inciso IV), num homicídio qualificado que venha a ser descoberto 20 depois estará prescrito. Se alguém ferido de morte, vir a óbito 5 meses depois, será nesta data o início do prazo.
No caso de crime permanente, como seqüestro por exemplo, conta-se o prazo prescricional a partir do momento em que a vítima readquire a liberdade ( Art. 111 III), pois a conduta contínua se prolonga no tempo.
A prescrição do crime de bigamia, começa a correr na data em que se tornou conhecido por autoridade pública.(geralmente será conhecido diante da queixa do cônjuge ofendida(o) )
No concurso de crimes, a regra é simples e não há controvérsia cada delito tem seu prazo prescricional.
Há controvérsias quanto a formalidade do ato de conhecimento, alguns tribunais entendem que é suficiente o conhecimento presumido do fato por parte da autoridade pública, outros tribunais decidem pelo formalismo do conhecimento da autoridade pública.
II - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA
Art. 110 caput
Se o Estado obteve a sentença condenatória surge agora o direito-dever de executar a sentença contra o condenado. Novamente o Estado está sujeito a prazos definidos em lei, para executar a sanção.
Os prazos prescricionais são os mesmos da pretensão punitória, mas como já existe a sentença condenatória irrecorrível, eles se baseiam na pena em concreto, conforme determina expressamente o artigo 110 caput." A prescrição depois de transitar em julgado a sentença regula-se pela pena aplicada...)
Assim se João Falador foi condenado a 8 meses de detenção por qualquer crime que comportar esta pena, e se esta não for executada em dois anos, ocorrerá a prescrição da pretensão executória, nos termos do art. 110 c/c 109 V.
As causas de aumento ou diminuição de pena são considerados na contagem do prazo prescricional salvo nas hipóteses do concurso formal e crime continuado, em que o acréscimo deve ser desprezado.
A Sumula 497 do STF expressa " a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação" (prevista no artigo 71 do CP). No entanto no concurso material cada delito tem seu prazo prescricional isolado ainda que as penas tenham sido impostas na mesma sentença, explica Damásio(7)
No "caput in fine" é taxativo que para o reincidente que tem o prazo da prescrição aumentado em um terço, o que não se verifica na pretensão punitiva.
Efeitos
Enquanto na prescrição da pretensão punitiva o agente nada sofre em relação ao efeito da pena, na prescrição da executaridade resta-lhe o lançamento no rol dos culpados, custas, reincidência etc..)
PRESCRIÇÃO SUPERVENIENTE À SENTEÇA
CONDENATÓRIA OU PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - 110 § 1
A prescrição punitiva na modalidade superveniente é causa da extinção da punibilidade, que impede o conhecimento do mérito do recurso e torna isubsistente os efeitos da condenação.
Ela ocorre entre a sentença recorrida e o julgamento do recurso, pois a sentença não chega a transitar em julgado, antes de decorrer um novo prazo prescricional, cujo termo inicial é a própria decisão condenatória. A sentença só pode transitar em julgado para o condenado depois que este receber a intimação e tomado conhecimento pode exercer seu direito constitucional de recorrer a instância superior. Neste recurso pode ocorrer a prescrição superveniente, subsequente ou intercorrente, (são sinônimas).
A sanção não pode ser executada enquanto couber recurso e nesta fase o prazo é regulado pela pena aplicada, e não mais pela pena em abstrato. Se o tribunal demorar para julgar poderá ocorrer a prescrição superveniente.
Damásio comenta que a razão reside em que ou porque somente o réu apelou ou não tendo apelado pode faze-lo ou porque a decisão transitou em julgado para acusação, ou foi improvida sua apelação, a condenação, quanto à quantidade da pena, não pode mais ser alterada em prejuízo da defesa. Diante disso, a partir da sentença condenatória não existe fundamentos para que a prescrição continue a ser fixada pelo máximo em abstrato.
Os efeitos
São basicamente o mesmo da prescrição da pretensão punitiva: sem custas, sem rol, sem reincidência, mas pode ser usado como antecedentes nos elementos do artigo 59 (apostila)
Alguns julgados do STJ levam em conta a reincidência do agente para efeito de contagem do prazo por esta expresso no caput (Mirabete, Damásio, Zafaroni) muito embora a prescrição intercorrente ser de natureza "puniendi" e não "punitionis" (Mirabete)
Zafaroni(8) comenta que a prescrição punitiva, de criação eminentemente brasileira causa espanto aos penalistas estrangeiros muitos dos quais são incapazes de entender seu mecanismo.
O STF com a súmula 146 (de 1961) "a prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença quando não há recurso da acusação" apoiada por Nelson Hungria, entendeu que se a acusação não teve interesse em majorar a pena, com recuso, seria inadmissível a "reformatio in pejus" assim a sentença passou a ser base de cálculo da prescrição da pretensão punitiva e com a reforma da lei 7209/84, consagrou-se a jurisprudência dando-lhe conteúdo normativo transformando na norma penal do artigo 110 § 1º.
PRESCRIÇÃO RETROATIVA - art. 110, § 2º
É uma segunda espécie de prescrição da pretensão punitiva e tem também o seu prazo regulado pela pena aplicada na decisão condenatória e não na pena em abstrato.
Conta-se o prazo para o passado, da decisão de 1ª ou 2ª instância à data em que foi recebida a denúncia ou queixa ou desta aos fatos. A origem é a mesma da superveniente, já explicitada acima.
Damásio(9) ensina que "desde que transitada em julgado para a acusação ou improvido seu recurso verifica-se o quantum da pena imposta na sentença condenatória, a seguir adequa-se tal prazo num dos incisos do artigo 109 do CP. Encontrando o respectivo período prescricional, procura-se encaixa-lo entre dois pólos: data do termo inicial de acordo com o art. 111 e a do recebimento da denúncia ou queixa, ou entre esta e a publicação da sentença condenatória." Assim por exemplo se o prazo prescricional couber, contando retroativamente, entre a data em que a sentença condenatória foi publicada e data em que houve o recebimento da denúncia, caberá a extinção da punibilidade nos termos do art. 110 § 2 do CP.
Desde que transitada em julgado para a acusação, seja da sentença até a denúncia ou da denúncia até a data da consumação ou prática do último ato de execução no caso de tentativa (111) extingue-se a pretensão punitiva.
Damásio enumera nove princípios da prescrição retroativa:
- a ausência de recurso do réu não impede a P.R.
- o prazo pode ser considerado entre a data do recebimento da denúncia e a publicação da sentença
- pode ser considerada pena privativa de liberdade reduzida em 2ª instância.
- É aplicável aos casos de condenação impostos em 2ª instância.
- O recurso da acusação que visa agravação da pena, impede a P.R.
- Julgado improcedente, o recurso da acusação não impede o princípio retroativo, podendo ser reconhecido no tribunal.
- A prescrição retroativa atinge a pretensão punitiva, rescindindo a sentença condenatória e seus efeitos principais e acessórios.
- Não pode ser reconhecida na própria sentença condenatória .
- É portanto de competência superior, em apelação, revisão, habeas corpus.
Exemplo 1 - caso em que não houve recurso da acusação
Se "João Res Furtivo" cometeu um crime de furto simples (pena em abstrato 1 a 4 anos 155 caput ) no dia 30-05-1992, sendo sua denúncia recebida em 10-08-1992. No dia foi condenado 10-08-1996 foi condenado a 1 ano de reclusão, transitado em julgado a sentença sem recurso da acusação, esta pena está prescrita nos termos do art. 109 V c/c art. 110§ 2º, pois entre a sentença e a denúncia passou-se mais de quatro anos.
Exemplo 2 - caso em que houve recurso da acusação
Se houver recurso da acusação fica suspenso provisoriamente o reconhecimento da prescrição retroativa não pode ainda se consumar. Se o recurso não é provido, o Tribunal decreta Prescrição Retroativa. Se reformar aumentando a pena e não atingir um patamar que a impeça também a decretará.
Se "João Lesão" comete crime de lesão corporal leve, cuja denúncia é recebida em 30-05-95 sendo condenado a seis meses de prisão em 15-08-1997; se o promotor apelar da sentença por entender que a pena não foi aplicada na quantidade suficiente para a reprovação do crime, e o tribunal der provimento aumentando a pena para 8 meses, isto não será suficiente para desenquadrar dos "pólos prescricionais" e evitar a prescrição retroativa, e decretará ele próprio a prescrição da pretensão punitiva, retroativa, porque entre a data da sentença e da denúncia transcorreram mais de dois anos nos termos do art. 110§§ 1º e 2º combinado com o art. 109 VI. Mas se o tribunal tivesse aumentado a pena para um ano não prescreveria pois necessitaria de um prazo de 4 anos de acordo com (art. 110§§ 1º e 2º c/c 109 V)