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Direito internacional, direito de guerra e o atual cenário russo-ucraniano

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10/04/2022 às 08:40
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DA (IM)PARCIALIDADE DOS ESTADOS

Observa-se que poucos Estados se mantiveram neutros. A OTAN - Aliança Militar do Ocidente em conjunto com a UE - União Europeia com 30 Estados-membros condenaram severamente a Rússia pela investida militar sancionando-a, pela primeira vez na história, mais do que a própria Alemanha Nazista.

Sabido é que não haveria mais guerras ou hostilidades entre Estados devido a todos os diplomas e tratados que garantiam a paz. No entento, mesmo com a dissolução do Pacto de Varsóvia em 1991 na guerra entre a União Soviética e o Ocidente, a OTAN continuou a existir até hoje sem um motivo legítimo.

C om o passar do tempo, houve então uma evolução proibitiva da guerra no aspecto normativo, pela consolidação de diversos Pactos internacionais, em especial o Pacto da Sociedade das Nações de 1919 e o Pacto Briand-Kellog. Nesses documentos, as nações soberanas que aderiram deixaram de apenas determinar que a guerra fosse evitada, mas passaram a condenar essa prática.

Por fim, a derradeira proibição de guerra veio com a consolidação da Carta das Nações Unidas de 1945 que, de maneira ampla, proibiu a manifestação do uso da força, somente resguardando os casos de defesa legítima à uma agressão.


CONCEPÇÃO DE GUERRA

A Carta das Nações Unidas de 1941, apesar de não utilizar o termo guerra, traz uma previsão bastante abrangente acerca da proibição do uso da força. No art. 2º, nº 3 dispõe que Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais e no nº 4 que Todos os membros deverão abster-se nas suas relações internacionais de recorrer à ameaça ou ao uso da força, quer seja contra a integridade territorial ou a independência política de um Estado, quer seja de qualquer outro modo incompatível com os objetivos das Nações Unidas.

Com a evolução da sociedade e consequentemente do Direito, hoje a concepção de guerra justa, ou legal, somente se admite em duas hipóteses:

  • I. Pela autodeterminação do povo

  • II. Por uma ameaça armada em condições de legítima defesa

Fora essas situações a guerra é considerada um ilícito internacional. Nesse sentido, a Carta das Nações Unidas cuida de disciplinar o uso do instituto da legítima defesa.

O art. 51. da Carta da ONU prevê que:

Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais.

As medidas tomadas pelos Membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais.

O Kremlin alega que a adesão da Ucrânia à OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte seria a possibilidade de ter Estados "inimigos" em seu quintal, o que poderia justificar a guerra como legítima baseada no Princípio de uma ameaça armada em condições de legítima defesa.

Diversos documentos internacionais foram criados com o intuito de disciplinar o direito de guerra. As Convenções de Haia de 1899 e 1907 assim como as Convenções de Genebra de 1949 são alguns dos principais documentos que regulamentam o direito de guerra.

Sempre que se ouça Jus ad Bellum, trata-se do conjunto de normas jurídicas que disciplinam as regras que conduzem e disciplinam as relações entre os Estados em guerra, os combatentes e entre estes e os civis.

Para o Direito Internacional Moderno, o início de uma guerra é formalmente marcado pela declaração de guerra, ato pelo qual o Estado manifesta a sua intenção de iniciar uma guerra contra outro país. Todavia, na prática, nem sempre esse ato formal ocorre, afinal, a Rússia por muito tempo alegou exercícios militares na região de Belarus e onde originou-se a invasão territorial de um Estado soberano, a Rússia invadiu a Ucrânia.

A Constituição Federal Brasileira, no art. 84, inciso XIX, atribui ao Presidente da república a competência para declarar guerra contra outro Estado, desde que autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional.

O professor Alberto do Amaral Júnior ensina que:

O Direito Internacional regula apenas a conduta das partes em conflito, com o objetivo de impedir a proliferação indiscriminada da violência. Não se pronuncia sobre as razões que movem as partes, restringindo-se, antes, a disciplinar o comportamento dos contendores desde o momento em que a guerra foi declarada. (AMARAL JÚNIOR, 2015, p. 218)

Toda a normativa internacional visa amenizar os efeitos da guerra, assim como para os combatentes e os Estados que se mentiverem neutros mantendo seus direitos preservados. O Direito Internacional ocupa-se também da proteção das pessoas atingidas pelos conflitos armados. A este ramo do Direito Internacional dá-se o nome de Direito Humanitário.

O Direito Humanitário teve sua gênese calcada nos costumes. Todavia, já no século XIX, passou a ser positivado. Inicialmente seu objetivo era a proteção de determinados atores de guerra, tratando por exemplo, do necessário cuidado dos feridos e enfermos, dos socorristas e médicos, consagrando princípios para evitar ao máximo a aniquilação e coisas do gênero.

O berço da codificação do Direito Humanitário, ou seja, os primeiros documentos jurídicos que passaram a regulamentar essas foram:

  • I. Declaração de Paris, de 1856;

  • II. Declaração de São Petersburgo, de 1868;

e a mais importante e que delimitou a consagração deste aspecto humanitário no direito de guerra,

  • III. A Convenção de Genebra, de 1864.

Com o fim da Segunda Guerra, a implementação e observância do Direito Humanitário tornou-se um objetivo de todos os Estados. Logo após o término da guerra, já em 1949, foram celebradas em Genebra quatro Convenções que derrogaram muitas das normas até então ainda vigentes no ambiente militar de guerra.

Estas Convenções então estipularam normas de resguardo dos feridos e enfermos, definiram o tratamento a ser dispensado sobre os prisioneiros de guerra; e regulamentaram a proteção dos civis em tempo de guerra. Já no ano de 1977, passaram a tutelar de maneira mais concreta as pessoas civis e seus bens, os bens privados em geral e também a regulamentar as guerras civis internas promovidas por grupos organizados.

No dizer de Jorge Miranda:

O Direito Internacional contemporâneo assenta na conjugação dos elementos vindos deste Direito da Guerra (ou Direito da Haia, como por vezes se diz) e do Direito Humanitário (ou Direito de Genebra) com os princípios proclamados no Pacto da Sociedade das Nações e na Carta das Nações Unidas. E é, naturalmente, marcado pelos traumatismos das duas guerras mundiais, pelo risco de guerra atômica e pela sucessão de conflitos dos mais diversos tipos. (MIRANDA, 2009, p. 234)

A guerra é ainda hoje um importante aspecto regulado pelo Direito Internacional. Com isso, novas ferramentas de proteção internacional tiveram de ser implementadas, o que vem progredindo mais visivelmente desde o término da segunda grande guerra com a criação dos Tribunais Internacionais de guerra, onde crimes de guerra são julgados.


DOMÍNIO PÚBLICO INTERNACIONAL

Ao falar de Domínio Público Internacional, a referência se dá aos espaços que pertencem a um determinado Estado soberano, porém, por diversos motivos despertam o interesse de outro. Parcela da doutrina denomina os primeiros de Domínio Internacional direto e os segundos de Domínio Internacional indireto. Ou seja, espaços que estão sob o domínio de um Estado, onde o mesmo exerce o seu poder soberano, assim como o espaço terrestre, aéreo e tudo que compõe o seu território.

Rezek ensina sobre o assunto: “Segundo a tradição teórica, o termo domínio público internacional refere-se àqueles espaços cujo uso é de interesse de múltiplos Estados soberanos, e às vezes da comunidade internacional como um todo. por isso existe uma disciplina normativa no Direito das Nações no que diz respeito a esses espaços, responsável pelos oceanos - incluindo os diversos setores -, rios internacionais, espaço aéreo, espaço extra-atmosférico e até mesmo o continente antártico."

  • I . Mar Territorial

  • II. Águas Interiores

  • III. Plataforma Continental


DAS ALEGAÇÕES DE NEONAZISMO NA UCRÂNIA E AS EXIGÊNCIAS DE PUTIN

Com imenso poder bélico e nuclear, a Rússia já está a caminho do 50º dia de guerra, algo totalmente inesperado visto que a Ucrânia é um país com menor quantidade de combatentes, armas e equipamentos.

A Rússia tem uma lista de exigências em pauta nas negociações de paz, sendo as mais importantes:

  • A desmilitarização da Ucrânia para que esta não se torne uma ameaça à Rússia;

  • A neutralidade, sendo geopoliticamente neutra e não aderir à OTAN;

  • A proteção da língua Russa na Ucrânia;

  • A "desnazificação" da Ucrânia, condição esta que atinge o presidente ucraniano visto que o mesmo é judeu e teve mortes na família durante o holocausto.

Noutro lado, um dos maiores movimentos na guerra contra a Rússia foi o "Batalhão de Azov", em outras palavras, a guarda nacional ucraniana. No entanto, a contradição do presidente ucraniano e sua guarda se dá pelo motivo em que o fardamento do "Batalhão de Azov" usa o símbolo do Sol Negro e o Wolfsangel que foi usando pela 2ª Divisão Panzer SS Das Reich. É um aspecto bem controverso.


CONSEQUÊNCIAS DA GUERRA

O atual conflito é um embate com reflexos históricos e que estão afetando todo o mundo. Há um claro interesse do ocidente em derrubar a Rússia porém até onde iria o Ocidente vez que a Ucrânia não é um Estado-membro da OTAN? Há realmente possibilidade de uma terceira guerra mundial? Essa guerra é uma demonstração de força que está desafiando a hegemonia dos EUA e a certeza dos eventos até o presente momento é que o mundo não será mais o mesmo.


O GÁS RUSSO: ARMA CONTRA PAÍSES EUROPEUS

A Rússia é o maior fornecedor de gás natural da Europa e um dos maiores exportadores de petróleo do mundo. No entanto, quando as sanções foram impostas pela primeira vez, a Rússia começou gradualmente a cortar o fornecimento de gás para a Europa e a forjar novas parcerias. Por exemplo, em junho deste ano, a China se tornou o maior fornecedor de petróleo da China. O continente europeu é totalmente dependente do gás russo para manter sua produção industrial e aquecer sua população no inverno. Durante muito tempo, a Europa reduziu sua capacidade doméstica de produção de energia com base na proteção ambiental e confiou totalmente na Rússia. Em 31 de agosto, a empresa estatal russa de energia Gazprom cortou o fornecimento de gás para a Europa, alegando três dias de manutenção. Desde então, o fluxo de gás pelo gasoduto Nord Stream 1, principal porta de entrada da Rússia para o mercado europeu, não foi retomado. Para evitar uma crise energética no continente europeu, à medida que o inverno se aproxima, os países europeus tomam medidas políticas. Além do clima frio na Europa, os países da zona do euro também precisam estar atentos ao desequilíbrio de oferta e demanda causado pela redução do fornecimento de gás russo. À medida que o inverno se aproxima na Europa, o aquecimento a gás natural é vital para a sobrevivência das pessoas. Ao suspender o fornecimento de gás para a Europa, a Rússia tem o potencial de afetar diretamente a estabilidade da oferta e da demanda. À medida que a oferta diminui, os preços das commodities naturalmente aumentam acentuadamente, enquanto a demanda permanece a mesma. Como resultado, a Europa agora corre o risco de apagões, racionamento e uma recessão severa.

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O TRÁFICO DE CRIAÇAS E MULHERES EM MEIO À GUERRA

A vulnerabilidade das pessoas em cidades sitiadas e corredores humanitários alimenta a prática do tráfico de pessoas. O povo de um país em guerra enfrenta múltiplas vulnerabilidades, pois seus direitos são constantemente violados no avanço de um exército invasor. Crianças e mulheres são as mais vulneráveis ​​e as mais afetadas por todas as formas de violência em conflitos. Na Ucrânia, por exemplo, entidades denunciam o tráfico de pessoas que ocorre no país desde o início da invasão russa. Pessoas em cidades sitiadas ou corredores humanitários estão expostas e são alvos fáceis para grupos organizados.

Durante a guerra na Ucrânia, as rotas de fuga do país começaram a denunciar casos de tráfico de pessoas. O que se observa, porém, é um êxodo populacional diante da violência decorrente do holocausto e do intenso conflito.

Como resultado do conflito, os ucranianos das cidades afetadas ou próximas deixaram o país o máximo que puderam, apenas para sobreviver. No entanto, quando são acolhidos por outros países, além de serem tratados como refugiados, enfrentam a realidade da falta de emprego, moradia e condições mínimas. Para as organizações criminosas, são criadas condições favoráveis ​​para que ocorra o tráfico de pessoas. O Relatório Global de Tráfico de Pessoas das Nações Unidas 2021, divulgado em Viena, afirma que, com aproximadamente 50.000 vítimas detectadas e relatadas em 148 países em 2018, o potencial de subnotificação é alto. Ainda de acordo com o relatório, os alvos prioritários são os migrantes, os desempregados e as crianças (um valor de 10%, que triplicou nos últimos 15 anos). As crianças são usadas para exploração sexual (meninas) e trabalho forçado (meninos). O fator comum que os une é a promessa de vulnerabilidade e ofertas enganosas.


CORTE DE HAIA: TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL (TPI) EMITE MANDANDO DE PRISÃO CONTRA VLADIMIR PUTIN

A Câmara do Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu mandado de prisão contra o presidente da Rússia, Vladimir Putin alegando que este tenha cometido deliberadamente crimes de guerra pela suposta deportação de crianças ucranianas a Rússia.

Pergunta e maior questionamento, isso é possível? Putin poderia ser julgado pelo TPI no contexto da guerra Russo-ucraniana? A Rússia, bem como os Estados Unidos não são membros do Estatuto de Roma e, portanto não reconhecem sua decisões e sentenças sobre crimes que possam ter sido cometidos na investida militar russo-ucraniana. A Ucrânia não é membro embora tenha aceitado ser jurisdicionada pelo orgão. Isso é importante porque o TPI tem jurisdição territorial apenas entre os Estados-membros do Estatuto de Roma ou aqueles que aceitaram serem tutelados pelo mesmo.

O Tribunal Penal Internacional, com sede em Haia para substituir os “Tribunais de Exceção”, normalmente criados em momentos do século 20 para julgar crimes específicos, como O Tribunal de Nuremberg, por exemplo.

Por fim, observando como pano de fundo o mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional contra Putin, por alegadamente deportar e transportar ilegalmente crianças de territórios ocupados para Rússia é nulo visto que o TPI não exerce influência com Estados que não sejam membros ou sejam tutelados pelo orgão. No entanto, os 123 países que assinaram o Estatuto de Roma podem e devem, prender o presidente russo caso este esteja em seus territórios. Vale ressaltar que a Rússia não é signatária e, portanto, não reconhece a legalidade jurídico-normativa da decisão do Tribunal Penal Internacional ou qualquer ato normativo da Corte de Haia.

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Sobre o autor
Silvio Moreira Alves Júnior

Advogado; Especialista em Direito Digital pela FASG - Faculdade Serra Geral; Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela FASG - Faculdade Serra Geral; Especialista em Direito Penal pela Faculminas; Especialista em Compliance pela Faculminas; Especialista em Direito Civil pela Faculminas; Especialista em Direito Público pela Faculminas. Mestrando em Negócios Internacionais pela MUST University - Flórida - USA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JÚNIOR, Silvio Moreira. Direito internacional, direito de guerra e o atual cenário russo-ucraniano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6857, 10 abr. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96848. Acesso em: 4 mai. 2024.

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