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O Provedor de Justiça em Moçambique

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23/03/2022 às 14:25
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Considerações Finais.

O Provedor de Justiça é um órgão de titularidade singular eleito por maioria de dois terços dos deputados da Assembleia da República, de acordo com o plasmado nos artigos 255 e 256 da Constituição e se encontra incumbido da função de receber e apreciar, queixas e petições dos cidadãos, contra acções ou omissões dos poderes públicos, devendo apreciá-las e emitir recomendações aos órgãos competentes com vista à reparação ou prevenção da ilegalidade ou da injustiça, sem qualquer poderes decisórios, à luz do artigo 258 da Constituição.

Do ponto de vista da sua natureza, e dando relevância ao quadro das suas funções, procedentes da Constituição da República, o Provedor de Justiça é concebido como órgão singular com idoneidade constitucional e de assessoria pública aos órgãos da Administração Pública.

Destaque-se que as funções exercidas pelo Provedor de Justiça não se distinguem em profundidade da sua finalidade, com as funções fiscalizadoras acometidas aos Tribunais Administrativos e ao Ministério Público e, pesa sobre elas, a inexistência de força vinculativa. Por conseguinte, trata-se de um órgão que aparentemente, existe no nosso ordenamento jurídico como resposta à necessidade da adopção de órgãos similares aos existentes em outras jurisdições estatais, todavia, do ponto de vista prático, a sua inexistência na estrutura organizativa do país, não causaria qualquer impacto negativo.

A experiência extraída dos Informes anuais apresentados à Assembleia da República nos anos de 2014 e 2017, propiciaram compreender que a actuação do Provedor de Justiça tem sido realizada num contexto de insatisfatório, decorrente da falta do cumprimento do dever legal de prestação da colaboração devida pela Administração Pública, como mecanismo de permitir que as queixas apresentadas pelos administrados obtenham os necessários esclarecimentos dentro de prazos razoáveis.

A falta de aprovação de um regime jurídico sancionatório, nos casos das omissões injustificadas da prestação de esclarecimentos e informações por parte dos órgãos e titulares da Administração Pública constitui um dos principais vectores do desacatamento do dever de colaboração. Como regra em direito, as normas jurídicas são constituídas por uma previsão e uma estatuição, de modo a que, o descumprimento das leis deve ter consequências, sob penas de as leis aprovadas permanecerem ineficazes.

Denota-se a intervenção do Provedor de Justiça em matéria jurisdicional, por necessidade de aferir os fundamentos da morosidade processual. Trata-se de actuação enfermada de fundamentos jurídico-constitucionais, porquanto, o limite da actuação do Provedor de Justiça esgota-se na perquirição dos actos e procedimentos da Administração Pública, de acordo com a estatuição da norma do artigo 255 da Constituição.

Por conseguinte, e perante as constatações acima listadas, recomenda-se que:

  1. Seja repensada a figura do Provedor de Justiça no contexto moçambicano, posto que as matérias de que se debruça são objecto de tratamento vinculado nos Tribunais Administrativos e no Ministério Público;
  2. A existência na Assembleia da República, de uma Comissão especializada para receber e tramitar queixas, petições e reclamações, considerando a relevância da representatividade do povo na Assembleia da República, pode melhor justificar a adequação das suas competências para as funções que pretende atribuir ao Provedor de Justiça;
  3. A concepção de um órgão (Provedor de Justiça), com poder decisório, pode propiciar a ocorrência de conflito de competências, postos que o âmbito do controlo dos actos administrativos já se encontra especialmente atribuído à jurisdição do Tribunal Administrativo e dos Tribunais Administrativos;
  4. A existência do Provedor de Justiça no ordenamento jurídico moçambicano, órgão que actua sem poderes decisórios, pode influenciar negativamente a opinião dos administrados que, poderão deixar de exercitar tempestivamente os seus direitos nos Tribunais, confiantes da resolução pelo Provedor de Justiça; e
  5. Os Tribunais e as Procuradorias ou os respectivos Conselhos Superiores, devem impugnar judicialmente, as solicitações do Provedor de Justiça, recaídas em processos de natureza judicial, sob pena de criação de antecedentes de violação do princípio da independência da actuação dos magistrados.


Referências:

Legislação/Jurisprudência

MOÇAMBIQUE, Constituição da República de Moçambique, Boletim da República, I Série, número 115, de 12 de Junho de 2018.

MOÇAMBIQUE, Lei nº 7/2006, de 16 de Agosto, Boletim da República, I Série, número 33.

MOÇAMBIQUE, Lei nº 7/2014, de 28 de Fevereiro, Boletim da República, I Série, número 18.

MOÇAMBIQUE, Lei nº 14/2011, de 10 de Agosto, Boletim da República, I Série, número 32.

MOÇAMBIQUE, Lei nº 14/2014, de 14 de Agosto, alterada e republicada pela Lei nº 8/2015, de 6 de Outubro, Boletim da República, I Série, número 79.

MOÇAMBIQUE, Lei nº 12/2016, de 30 de Dezembro, Boletim da República, I Série, número 156.

DESPACHO nº 06/GP/TA/2008, de 02 de Julho Instruções de Execução Obrigatória do Tribunal Administrativo.

Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Literatura

CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, 10ª Edição, 10ª Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2010.

DE MORAES, Alexandre, Direito Constitucional, 13ª Edição, Actualizada com a EC nº 39/02, São Paulo, Editora Atlas S.A. 2003.

DO AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 1998.

MAZZA, Alexandre, Manual de Direito Administrativo, 2- Edição, Saraiva, 2012.

MORREIRA NETO, Diogo de Figueiredo, Curso de Direito Administrativo, 16- Edição, Revista e Actualizada, Rio de Janeiro, 2014.

KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito (Tradução: João Baptista Machado), São Paulo, 1999.

Informe do Provedor de Justiça à Assembleia da República, de 2014 a 2015.

Informe do Provedor de Justiça à Assembleia da República, de 2016 a 2017.

Consulta na internet

MEDAUAR, Odete, Acto de Governo, Rio de Janeiro - 191:67-85,1993 (Consulta em 21/06/2020).

RIBEIRO, Manuel, Actos Administrativos, Conceito e Classificação 23649-42926-1-PB.pdf (consulta em 23/06/2020).

PIMENTEL, Menéres, in: https://www.safp.gov.mo/safppt/WCM-003964 (Administração, nº 23, Vol. VII, 1994-1º,39-55), (consulta feita em 10/05/2021).

DE ALMEIDA, Mário Aroso, in: http://www.provedor-jus.pt O Provedor de Justiça Estudos Volume Comemorativo do 30º Aniversário da Instituição, pg. 15. (extraído em 12/05/2021).

http://www.provedordejustica.ao/ficheiros/66.pdf - PRIMEIRA CONFERÊNCIA DA ASSOCIAÇÃO DOS PROVEDORES DE JUSTIÇA E MEDIADORES DE ÁFRICA (AOMA) PARA A ÁFRICA AUSTRAL: Conferência realizada no Hotel Avani, em Gaborone, República do Botswana, de 5 a 8 de Agosto de 2019.

https://www.caicc.org.mz/images/documentos/Informe_Anual_Assebleia_da_República_2016_1017pdf.

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  1. .......
  2. De acordo com o disposto no artigo 235 da Constituição da República de Moçambique, ao Ministério Público compete representar o Estado junto dos tribunais e defender os interesses que a lei determina, controlar a legalidade, os prazos das detenções, dirigir a instrução preparatória dos processos-crime, exercer a acção penal e assegurar a defesa jurídica dos menores, ausentes e incapazes.
  3. Cfr. artigos 257 nº 1 e 258 nº 1, ambos da Constituição.
  4. Cfr. PIMENTEL, Menéres, in: https://www.safp.gov.mo/safppt/WCM-003964 (Administração, nº 23, Vol. VII, 1994-1º,39-55), (consulta feita em 10/05/2021).
  5. PIMENTEL, Menéres, in https://www.safp.gov.mo/safppt/WCM-003964 (Administração, nº 23, Vol. VII, 1994-1º,39-55), (consulta feita em 10/05/2021).
  6. Cfr. DE ALMEIDA, Mário Aroso, in: http://www.provedor-jus.pt O Provedor de Justiça Estudos Volume Comemorativo do 30º Aniversário da Instituição, pg. 15. (extraído em 12/05/2021).
  7. Cfr. Artigo 44 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
  8. In: http://www.provedordejustica.ao/ficheiros/66.pdf - PRIMEIRA CONFERÊNCIA DA ASSOCIAÇÃO DOS PROVEDORES DE JUSTIÇA E MEDIADORES DE ÁFRICA (AOMA) PARA A ÁFRICA AUSTRAL: Conferência realizada no Hotel Avani, em Gaborone, República do Botswana, de 5 a 8 de Agosto de 2019, pg. 4. (Consulta em 13/05/2021).
  9. Ibdem.
  10. Ibidem, pg. 6.
  11. Cfr. DE MORAES, Alexandre, Direito Constitucional, 13ª Edição, Actualizada com a EC nº 39/02, São Paulo, Editora Atlas S.A. 2003, pg. 468
  12. Alínea a) do nº 1 do artigo 15 da Lei nº 7/2006, de 16 de Agosto.
  13. Alínea c) do nº 1 do artigo 15 da Lei nº 7/2006, de 16 de Agosto.
  14. Alínea d) do nº 1 do artigo 15 da Lei nº 7/2006, de 16 de Agosto.
  15. Alíneas e) e f) do nº 1 do artigo 15 da Lei nº 7/2006, de 16 de Agosto.
  16. https://www.caicc.org.mz/images/documentos/Informe_Anual_Assebleia_da_República_2016_1017pdf, pg. 11
  17. http://www.provedor-justica.org.mz/wp-content/uploads/2020/10/Informe-Anual-a-Assembleia-da-Rep%C3%BAblica-2014-2015.pdf, pg. 12
  18. Cfr. o artigo 2 da Lei nº 7/2006, de 16 de Agosto.
  19. Vide o nº 1 do artigo 9 da Lei nº 7/2006, de 16 de Agosto (O Provedor de Justiça está sujeito às incompatibilidades dos magistrados em exercício.)
  20. Cfr. artigo 253 da CRM e artigo 1 da Lei nº 16/2013, de 12 de Agosto
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Sobre a autora
Helder Manuel Naife

Doutorando em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Moçambique em parceria com a Universidade Nova de Lisboa, Juiz de Direito - A no Tribunal Administrativo Provincial da Zambézia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NAIFE, Helder Manuel. O Provedor de Justiça em Moçambique. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6839, 23 mar. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96908. Acesso em: 12 mai. 2024.

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