Trata o presente estudo acerca da forma com que estão sendo executadas as contribuições previdenciárias decorrentes das Sentenças proferidas pela Justiça do Trabalho, com base na Emenda Constitucional nº 45 (1), que outorgou àquela Justiça Laboral competência para referidas execuções. A Justiça laboral vem processando as contribuições previdenciárias como se créditos trabalhistas fossem, procedendo com penhoras on line (2), lançando e constituindo crédito tributário sem a presença da autoridade administrativa competente para tal, não possibilitando, dentre outras ilegalidades, a defesa, quer administrativa, quer judicial, do crédito tributário constituído e, sobretudo, fazendo tábula rasa da legislação tributária, principalmente da Lei de Execuções Fiscais – Lei 6.830/80 e do Código Tributário Nacional.
Tal questão tem causado perplexidade no meio jurídico, especialmente quando falamos em princípios e garantias norteadoras do sistema constitucional tributário inerentes aos contribuintes, que são vilipendiadas pelos Magistrados da Justiça do Trabalho, os quais, por desconhecimento do Direito Tributário ou mesmo pela comodidade de executar créditos trabalhistas e contribuições previdenciárias, causam prejuízos de valores inestimáveis às empresas reclamadas e à própria ciência do direito tributário, que há muito tempo não se deparava com tamanhos atos de arbitrariedade e confisco.
Das questões práticas.
Para ilustrar e justificar a elaboração do presente estudo, inicialmente, iremos citar os fatos que ensejaram seu desenvolvimento, convidando o leitor a ter um contato sucinto com a forma pela qual os Magistrados da Justiça do Trabalho vêm conduzindo os processos de execuções fiscais de contribuições previdenciárias decorrentes (incidentes) sobre as sentenças proferidas por aquele Juízo.
Em regra, salvo melhor juízo ou mesmo entendimento pessoal de cada magistrado, os processos têm o seguinte andamento: Após o ajuizamento da reclamação trabalhista, instruído o processo e proferida a sentença condenatória, e transitada em julgado tal decisão, inicia-se a fase de liquidação de sentença e conseqüente execução desta. Os autos são remetidos para cálculo das verbas trabalhistas e previdenciárias, ocasião em que o perito contador elabora um laudo de apuração das verbas trabalhistas e previdenciárias, bem como eventuais reflexos de incidências tributárias.
Homologado o laudo, os magistrados intimam a empresa reclamada para pagamento em 05 (cinco) dias de referido crédito (verbas trabalhistas, previdenciárias e imposto sobre a renda), sob pena de penhora on line.
Não pago o valor nos mencionados 05 (cinco) dias, é procedida a penhora on line das verbas trabalhistas e, pasmem, também das previdenciárias. Isso não somente nas contas correntes da empresa reclamada, como também nas contas dos sócios.
Com isso, vemos um manifesto confisco, dada a ilegalidade na constituição do crédito tributário e na forma pela qual este é executado, ceifando toda e qualquer possibilidade do contribuinte discutir o valor devido.
Da Emenda Constitucional n.º 45 – Equívoco na Interpretação – Da forma de procedimento e condução da execução dos tributos pela Justiça do Trabalho. Lançamento tributário. Impulso dos processos.
É cediço que a execução das contribuições de que tratam o artigo 195, I, "a" e II, da Constituição Federal, a partir da promulgação da Emenda Constitucional 45, passaram a ser de competência da Justiça do Trabalho, especificamente, quando decorrentes da sentença que proferir. (3)
Prescreve a norma inserta no artigo 114 da Carta Política da República Federativa do Brasil, in verbis:
"Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
‘...’
VIII – A execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir".
Inegável, ab initio, a classificação da natureza jurídica de tais contribuições – são, inequivocamente tributos – aliás, esse é o entendimento pacífico e unânime dos Tribunais Superiores (4). De tal feita, o fato da competência para execução destes tributos passar à Justiça do Trabalho não retira a necessidade de tais exações serem lançadas (constituídas) na forma prevista na legislação competente (Código Tributário Nacional), com aplicabilidade de todos os direitos e garantias dos contribuintes, em especial, ao artigo 150, da Constituição Federal. (5)
Ora, em sendo tributos, estas contribuições devem ser lançadas pela autoridade administrativa competente, conforme se depreende da interpretação do artigo 142, do Código Tributário Nacional, in verbis:
"Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível".
Necessário, portanto, haver lançamento do tributo previsto no artigo 195, da Constituição Federal, sendo devida, para tanto, a instauração do devido processo administrativo, bem como ser facultado ao contribuinte/sujeito passivo, repita-se, a efetiva impugnação dos valores apurados pela Autoridade Competente.
É que no lançamento tributário deve haver uma série concatenada de atos tendentes a constituir o crédito do Fisco. É certo que a sentença proferida pela Justiça do Trabalho bem reconhece a ocorrência de um fato gerador (vínculo empregatício e respectivo dever de pagar o salário, culminando, por conseqüência, em recolher as contribuições previdenciárias). Entretanto, embora tais valores sejam apurados pelos experts, não pode haver a constituição definitiva do direito do Estado.
É dizer, sem a devida e seqüencial série de atos tendentes à constituição do crédito tributário, este não estará, efetivamente, revestido das formalidades, garantias e privilégios que a legislação específica lhe garante, notadamente: certeza, liquidez e exigibilidade.
Reconhecemos que a questão se reveste de extrema complexidade, pois estamos diante de um feixe de normas e da inter-relação de ramos até então distintos do direito pátrio, ou seja, Direito do Trabalho (o poder e comando normativo propriamente dito de suas decisões) e o Direito Tributário (especificamente quanto a constituição do crédito tributário, possibilidade de impugnação, defesas e a forma de execução forçada).
Assim, para a devida conclusão do presente estudo, que não tem a finalidade de esgotar o tema, mas induzir os juristas, advogados, magistrados e demais operadores do direito, a entender e aplicar a lei utilizando a devida e necessária relação destes ramos do direito, façamos as seguintes considerações.
Superada a questão de que contribuições previdenciárias e imposto sobre a renda são espécies do gênero "tributo", inegável a necessidade de que os referidos valores (tributos) "apurados" pela Justiça do Trabalho devam se subsumir aos princípios do direito tributário.
Portanto, questões relativas ao vínculo empregatício, direitos individuais e coletivos e demais repercussões trabalhistas devem ser aplicadas e julgadas de acordo com seus princípios. Relativamente aos tributos e contribuições decorrentes das sentenças trabalhistas, não poderão os Magistrados ignorar os princípios do Direito Tributário (dentre eles: legalidade, anterioridade, da subsunção, non olet etc.). Mas infelizmente, não é o que tem ocorrido.
Na prática, não há nenhuma intimação ou participação dos órgãos competentes e responsáveis pela arrecadação e administração dos tributos incidentes sobre as sentenças trabalhistas, não havendo, assim, efetivo e devido lançamento do crédito tributário, que por sua vez não está definitivamente constituído.
É que, pelo que se verifica do texto introduzido pela Emenda Constitucional n.º 45, muito embora haja expressa atribuição de competência à Justiça do Trabalho, não pode o dispositivo legal ser interpretado com a idéia de transformar órgão judicial (juiz) em executivo (quem deveria lançar o tributo).
Sobre o lançamento, invocamos a preciosa conclusão do Mestre Hugo de Brito Machado, que assim nos ensina: "A questão que se coloca, é a de saber se no plano da Teoria Geral do Direito, sem levarmos em conta nenhum ordenamento jurídico positivo, é possível um tributo sem lançamento. Pensamos que a resposta a essa questão deve ser negativa e neste estudo pretendemos demonstrar a impossibilidade de tributo sem lançamento".(6)
Sabendo que tributo é um direito indisponível, a atividade de lançamento é vinculada e obrigatória, não podendo a autoridade competente exercer o ato baseado na arbitrariedade ou discrição, mas sim de forma vinculada. Por tal razão, o artigo 3º do Código Tributário Nacional dispõe que "Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada". (grifo nosso).
É certo que existem três espécies de lançamento tributário (de ofício, por declaração e por homologação), cada uma com sua característica e verificada de acordo com a participação do sujeito passivo. Porém, quando ocorre o pagamento ou recolhimento de um tributo, a autoridade administrativa deve apurar o valor devido e verificar o fato gerador e o respectivo pagamento, o que inocorre no caso em estudo.
Deve a autoridade administrativa, ao menos, verificar o valor lançado e constituído, mas não é o que se colhe da forma procedimental que vem sendo praticada pela Justiça Laboral, que determina bloqueios on line dos valores que entende devido a título de tributos, tudo sem a efetiva ciência da autoridade competente.
Atitudes semelhantes a estas praticadas pela administração (e agora pela Justiça Trabalhista) verificam-se, inequivocamente, a figura lastimável do confisco (7), questão que há tempos é rechaçada por todos os Tribunais e Magistrados Pátrios.
Não estamos estudando, cabe o esclarecimento, dada a complexidade da questão, a introdução da norma jurídica individual e concreta construída através da Sentença proferida em Reclamação Trabalhista, mas sim o ato posterior a tal norma, ou seja, a relação jurídica entre o contribuinte (reclamante ou reclamada) e o Fisco (INSS e Receita Federal).
Deveria, a nosso ver, nestes casos, haver a participação de representantes do INSS e da Receita Federal. Isso geraria um acúmulo de serviço dos servidores públicos? Certamente. Mas a Emenda Constitucional n.º 45 instituiu novas competências à Justiça do Trabalho que, outrora, inexistiam. Levantou, com isto, uma das mais complexas questões tributárias e de afronta aos direitos e garantias dos contribuintes.
Da forma de processamento e execução dos tributos.
Estudando o complexo de normas relativas a execução de verbas trabalhistas, sem deixar de lado as normas do direito tributário, visualizamos outra arbitrariedade em referidos atos de execução (ou condução da execução) das contribuições previdenciárias.
O Provimento n.º 1/96 da Corregedoria do E. Tribunal Superior do Trabalho confere ao "juiz da execução", dentre outras medidas inerentes ao crédito trabalhista, determinar as medidas para o cálculo, apuração e recolhimento das contribuições "devidas pelo empregado" ao INSS. (8)
Mas tal Provimento não dispõe da necessidade de participação do órgão interessado no lançamento, prejudicando e fulminando, no afã de agilizar o recebimento de crédito pelo Estado, a constituição do crédito tributário.
Contudo, é de salientar que o citado Provimento outorga ao juiz do trabalho somente as medidas necessárias a execução das verbas trabalhistas e das contribuições devidas pelo empregado. Assim sendo, no procedimento para execução das contribuições devidas pela empresa, não poderá o magistrado utilizar-se dos meios cabíveis e que lhes são conferidos para a execução forçada dos créditos devidos ao trabalhador (reclamante), ou seja, utilizar-se do expediente para determinar a chamada "penhora on line".
É que há uma gritante diferença entre o crédito trabalhista (direito alimentar – hipossuficiência do reclamante etc.) do crédito do Estado (também importante mas num grau diferente) não sendo conferido, em momento algum, ao Magistrado do Trabalho, a possibilidade de "penhora on line" das contribuições previdenciárias ou do imposto sobre a renda.
É dizer: ao conduzir o processo de execução de verbas previdenciárias, conforme determinou a Emenda Constitucional n.º 45/04, ao redigir o inciso VIII, do artigo 114, da Constituição Federal, o magistrado deverá estar muito atento ao seu modo de proceder e conduzir o processo, pois não está diante de um crédito trabalhista, mas estará, a bem da verdade, diante de um crédito tributário.
Assim como as várias execuções fiscais que tramitam perante os E. Tribunais Regionais Federais, muitas delas ajuizadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (relativa a contribuições devidas pelo empregador ou quando responsável), deverá o Magistrado da Justiça do Trabalho de semelhante forma proceder.
Nas Seções Judiciárias Federais, quase sempre existem Varas Especializadas em Execuções Fiscais Federais (como na Cidade de São Paulo, Guarulhos, v.g.), o que, a princípio, não foi cogitado pelo E. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em criar ou mesmo em especializar seus magistrados a processar tais execuções.
Todavia, em nosso juízo, seria de bom alvitre e de justa condução dos processos executivos previdenciários, enquanto não pacifique a questão sobre a forma procedimental da execução das contribuições nos termos do artigo 114, VIII, da Constituição Federal, proceder da forma menos gravosa ao devedor – inteligência do artigo 620, do Código de Processo Civil, bem como respeitar os princípios do não confisco e os demais princípios relativos ao Direito Tributário e Direito Processual Tributário. (9)
É que na Justiça Federal onde há varas especializadas em execuções fiscais, não se procedem com penhoras on line, faturamento ou qualquer outra medida que seja extremamente onerosa ao devedor/contribuinte, a não ser em raríssimas exceções, nas quais não se vislumbra outra alternativa para recebimento do crédito tributário. Fato que deverá ser respeitado é que, a execução não poderá ser procedida como se crédito trabalhista fosse, ou seja, com penhoras on line ou qualquer outra medida severa e de extremo rigor semelhantemente.
Questão importante, que será objeto, eventualmente, de outro estudo e parecer, reside na possibilidade ou não de apresentação de embargos do devedor à execução fiscal na Justiça do Trabalho, especificamente quando da execução de contribuições previdenciárias decorrentes das sentenças que proferir – art. 114, VIII, CF.
Os contribuintes irão (deverão, ao menos) pagar o que é devido, mas não da forma coercitiva e confiscatória como têm pressionado os magistrados da Justiça do Trabalho, relativamente ao que entendem ser devido ao INSS, mas deverá para tanto, ser possibilitado ao contribuinte o parcelamento do débito, pagamento com anistias e demais privilégios relativos aos créditos tributários, bem como, cobrado com a atenção aos princípios tributários e processuais, possibilitando ao contribuinte todos os meios possíveis a sua defesa.
Do valor apurado a título de contribuições e demais reflexos – laudo pericial versus valor do acordo.
Ponto de divergência e irresignação reside no fato de que os magistrados do trabalho têm determinado que devem ser pagos em 05 (cinco) dias as contribuições previdenciárias incidentes (decorrentes) na sentença, tendo como base de cálculo (fato gerador) o laudo pericial e não o valor de eventual avença ou acordo entre as partes (reclamante e reclamada).
A Ordem de Serviço Conjunta INSS/DAF/DSS n.º 66, de 10 de outubro de 1997, que regula e dispõe sobre procedimentos relativos às contribuições previdenciárias decorrentes de valores pagos em ações trabalhistas, ao disciplinar a matéria, assim normatiza no item IV: (10)
"DO FATO GERADOR E DO SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO.
12. O fato gerador da contribuição previdenciária é o pagamento de valores correspondentes a parcelas integrantes do salário-de-contribuição, à vista ou parcelado, resultante de sentença condenatória ou de conciliação homologada, efetivado diretamente ao credor ou mediante depósito da condenação para extinção do processo ou liberação de depósito judicial ao credor ou seu representante legal.
‘...’
12.2. Caberá, ainda, observar se houve conciliação, mesmo após a sentença e apresentação de cálculos, quando então prevalecerá o acordo homologado, o qual deverá ser confrontando com o pleiteado na petição inicial ou com as parcelas deferidas na sentença, verificando-se a correspondência entre o pedido, o deferido e o acordado". (grifo nosso).
Deve, na apuração das contribuições previdenciárias e do imposto sobre a renda, nos termos das normas vigentes, ser apreciado o valor acordado entre as partes para a quantificação das contribuições devidas ao INSS, e não determinar-se o valor do recolhimento com base no laudo pericial.
Ademais, o Convênio BACEN/Jud (que confere a possibilidade de penhoras on line para créditos trabalhistas) não pode ser utilizado para a cobrança das contribuições previdenciárias, pois, salvo melhor juízo, foi firmado para a rápida e célere cobrança das execuções de créditos trabalhistas e não de tributos.
Em regra, não há sentença que constitui o crédito tributário nem, tampouco, lançamento tributário com este fim. De tal sorte, o laudo pericial que apura e liquida a sentença trabalhista não pode servir como base para o lançamento tributário pois, como já dissemos anteriormente, não há participação nenhuma da autoridade administrativa.
É valido consignar que a Emenda Constitucional nº 45 não revogou nem é conflitante com a Ordem de Serviço Conjunta INSS/DAF/DSS, de 10 de outubro de 1997, que estabelece de forma clara e inequívoca que deve o Magistrado deve observar se houve conciliação, mesmo após a sentença e apresentação de cálculos, quando então prevalecerá o acordo homologado para fins de apuração do fato gerador e do salário-contribuição.