Resumo: Este trabalho acadêmico aborda a Justiça Desportiva em nosso ordenamento jurídico, tendo o intuito de mostrar o universo do Direito Desportivo desde seus primórdios até os dias atuais, focando no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) que é o órgão máximo jus desportivo brasileiro com os casos sujeitos a sua jurisdição, o Tribunal de Justiça Desportiva (TJD), sua composição e função dos respectivos membros, as maneiras de solução de conflitos internacionais através do órgão da Federação Internacional de Futebol (FIFA) com a foco na cláusula de reciprocidade da Lei Pelé (9615/98), a qual possibilita aplicação de normas internacionais de forma imediata, e do Tribunal Arbitral do Esporte (CAS/TAS) que é a instância máxima onde pode chegar uma demanda.
Palavras-chave: CF/88; Princípios; Lei Pelé; CBJD; STJD; TDJ; FIFA; CAS/TAS.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento 2.1 A história do futebol no Brasil 2.1.1 A evolução histórica do desporto e sua previsão na CF/88 2.2 Princípios 2.2.1 Princípio da tipicidade desportiva 2.2.2 Princípio da pro competitione/continuidade 2.2.3 Princípio do espírito esportivo 2.3 Organização da Justiça Desportiva 2.3.1 Superior Tribunal de Justiça Desportiva 2.3.2 Tribunal de Justiça Desportiva 2.3.3 Jurisdição e Competência 2.3.4 Auditores 2.3.5 Procuradores 2.3.6 Defensores 2.4 Infrações disciplinares 2.4.1 Tipos de punições 2.5 Solução de conflitos internacionais. 2.5.1 Câmara de resolução de disputas da FIFA 2.5.2 Tribunal/Corte arbitral do esporte. 2.6. Caso emblemático da Associação Portuguesa de Desportos. 3. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem o objetivo de apresentar o Direito Desportivo, pois não é uma matéria presente nas cadeiras da maioria dos cursos de graduação, mas em contrapartida tem chamado a atenção de inúmeros acadêmicos e também de leigos, por suas peculiaridades e paixão do brasileiro pelo futebol.
A metodologia empregada foram as pesquisas de livros e jurisprudências em diversos tribunais espalhados pelo Brasil e pelo mundo, a fim de abordar os mínimos detalhes de tal área.
O futebol é o principal esporte praticado no Brasil e no mundo, estando no passado, presente e o futuro, qual atrai multidões, por tal motivo tem inúmeras competições, que precisam obedecer às regras para que seja realizado um espetáculo esportivo. Assim, tem previsão expressa no ordenamento jurídico brasileiro.
Tal desporto está previsto principalmente na CF/88, qual podemos destacar o art. 217, que nos diz sobre a autonomia da Justiça Desportiva, independente do judiciário.
A Lei Pelé (9615/98) que nos dá as diretrizes do funcionamento da mesma, estruturando e organizando tal justiça, com regras específicas que diferem da justiça comum.
A problemática envolve a competência dos Tribunais de Justiça Desportiva (TJDs), Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), a maneira que são resolvidos na seara internacional pelo Tribunal/Corte Arbitral do Esporte (TAS/CAS).
2. DESENVOLVIMENTO
A Justiça Desportiva é independente, pois possui regras próprias e também julga apenas o que for relativo a infrações disciplinares, aquelas ocorridas pela/para a prática de um espetáculo esportivo, sendo assim, o que não for de competência de tal justiça é levado a Justiça comum. Deste modo, podemos dizer que a Justiça comum é aplicada de forma subsidiária, utilizando como forma de resolução de conflitos as leis especiais e na sua falta as leis gerais. Temos a título de exemplo o direito de imagem que é aplicado o código civil, constituição de clubes qual é aplicada as regras do Direito Empresarial, o Direito Trabalhista é o que gera a maior confusão, pois temos lei específica tratando de contrato de trabalho por prazo determinado (regra), verbas rescisórias, indenizatórias, dentre outros.
2.1. A HISTÓRIA DO FUTEBOL NO BRASIL
O futebol foi trazido oficialmente para o Brasil aproximadamente em 1894, poucos anos após a Lei Áurea. Os Negros foram deixados de lado e a elite queria provar sua supremacia. O país era dividido, os ricos jogando bola, enquanto o restante da população só podia assistir do alto dos morros, porém o futebol precisava de uma revolução, e isso aconteceu. O país começou a se industrializar, os negros começaram a trabalhar nas fábricas e com isso acabaram entrando no mundo do futebol. Somente na década de 1920 as proibições caíram, entrando o verdadeiro futebol, pois não importava a origem dos jogadores, se tornando profissional em 1933. Assim o Brasil ficou em destaque no mundo, e mundialmente conhecido como terra do futebol, graças aos craques produzidos aqui, devendo destacar como marco dessa era a construção do Maracanã e copa do mundo de 1950.
2.1.1 A evolução histórica do desporto e sua previsão na CF/88
O esporte é um fenômeno que une milhares de pessoas pelo mundo a fora, envolvendo não somente os atletas, e sim todos os responsáveis para realização daquela prática esportiva, movimentando bilhões de reais pelo mundo, tendo como parâmetro que a FIFA tem mais membros que a própria ONU. Assim, o objeto do Direito Desportivo atrela-se à questão do esporte em geral, como ensina Álvaro Melo Filho:
O desporto é, sobretudo, antes de tudo, uma criatura da lei, pois, sem o direito, o desporto carece de sentido, porquanto nenhuma atividade humana é mais regulamentada que o desporto. Com efeito, regras do jogo, Códigos de Justiça Desportivas, regulamentos técnicos de competição, leis de transferências de atletas, estatutos e regulamentos de entes desportivos, regulamentação de doping, atestam que, sem regras e normatização, o desporto torna-se caótico e desordenado, à falta de regras jurídicas para dizer quem ganha e quem perde.(4) Em suma, consiste o Direito Desportivo em instrumento fundamental para o desenvolvimento e manutenção do desporto em suas diversas manifestações e, portanto, essencial à sua constante evolução para a manutenção do esporte organizado1.
Em 1937, Getúlio Vargas institui o Estado Novo através de um golpe. A Constituição deste novo regime trouxe os primeiros dispositivos legais referentes ao desporto qual garantia a educação física, que é uma disciplina escolar ligada a educação, pois o desporto viabiliza a inclusão social e principalmente a saúde, pois tal jovem que pratica atividade física dará poucos gastos ao estado no futuro. Em tal época tínhamos, por exemplo, que o estado deveria autorizar a criação de entidade desportiva, tendo como objetivo a criação de uma identidade nacional.
O Decreto lei 3199/41 foi a primeira norma de tratar do desporto, sendo o embrião das normas desportivas, criando o Conselho Nacional de Desporto (CND) tendo a Confederação Brasileira de Desporto (CBD), qual era uma única confederação de todos os esportes brasileiro.
O Decreto 49639/60 ainda traz resquícios do Estado novo, pois o estado pretendia de certa forma interferir nessa atividade de interesse público, ainda com objetivo de promover uma identidade nacional. Em 1962 o CND criou dois códigos, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva do Futebol CBJDF) e Código Brasileiro de Justiça do demais desportos (CJDD).
A Justiça Desportiva como conhecemos no Brasil é mais completa do mundo, não existindo nada parecido no planeta, ou seja, a Justiça Desportiva brasileira tem a melhor forma de resolução de conflitos, estando exclusiva para questões disciplinares.
A CF/88 em seu art. 6° prevê os direitos sociais, que tem por objetivo dar o mínimo de qualidade de vida de dignidade para o cidadão, do qual podemos destacar o lazer, nesse sentido diz José Afonso da Silva
A constituição declara que a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. Aí estão explicitados os valores da ordem social. Ter como base o primado do trabalho significa pôr o trabalho acima de qualquer outro fator econômico, por entender que nele o homem se realiza com dignidade. Ter como objetivo o bem estar e a justiça sociais quer dizer que as relações econômicas e sociais do país, para gerarem o bem estar, hão de propiciar trabalho e condições de vida, material, espiritual e intelectual, adequada ao trabalhador e a sua família, e que a riqueza produzida no país, para gerar a justiça social, há equanimente distribuída. Nesse particular, a ordem social harmoniza-se com a ordem econômica2.
O art. 24 CF/88 estabelece que há uma competência concorrente entre os entes federativos para legislar sobre o esporte, ou seja, ambos têm competência para legislar sobre o desporto, tendo como exemplo a venda de bebidas alcoólicas em estádios de futebol, onde existe regulamentação por parte de cada Estado. Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: IX - educação, cultura, ensino e desporto;
O art.217 CF/88 dá a Justiça Desportiva autonomia, não pertencendo ao judiciário, só podendo ser discutida em tal após o esgotamento de todas as instâncias da Justiça Desportiva, assim tem uma prioridade de demanda para processar e julgar as questões disciplinares que envolvem as atividades desportivas durante a realização das partidas.
Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:
I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento; II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento; III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional;
IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.
§ 1º - O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotaremse as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.
§ 2º - A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.
§ 3º - O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.
2.2. PRINCÍPIOS
Os princípios são fundamentos ou preceitos gerais os quais possibilitam o norteamento e compreensão dos mais diversificados temas. Compreendem a base de toda a norma, constitucional ou infraconstitucional, sendo os valores básicos da ordem jurídica. Segundo o professor Luís Flávio Gomes (2005) : Princípios são as diretrizes gerais de um ordenamento jurídico (ou de parte dele). Seu espectro de incidência é muito mais amplo que o das regras. Entre eles pode haver colisão, não conflito. Quando colidem, não se excluem3
2.2.1. Princípio da tipicidade desportiva
É a aplicação do tipo infracional ao desporto de maneira definida no CBJD. Álvaro Melo Filho sobre o princípio da Tipicidade Desportiva, ensina que:
O princípio da tipicidade desportiva elide as infrações com tipo em branco ou em aberto que,, ou seja, à falta de delimitação de elementos essenciais da conduta desportivamente ilícita, propiciaria decisões arbitrárias do intérprete e julgador desportivo. Desse modo, somente os atos comissivos ou omissivos, quer dizer, tipificados com suficiente grau de precisão, inteligibilidade e certeza no CBJD são passíveis de apelações pelos órgãos judicantes desportivos. Impede ressaltar que, por força do princípio da tipicidade desportiva, estão vedadas as interpretações extensivas ou analógicas na aplicação do CBJD. Contudo, a tipicidade desportiva não tem a mesma inflexibilidade da esfera penal, já que o CBJD não é exaustivo, de acordo com a redação do Art. 249-A: 33 ART.249-1. As interpretações das infrações previstas neste Capítulo observarão as peculiaridades de cada modalidade desportiva submetida a este Código; sempre que este Capítulo oferecer exemplos de infrações, estes não serão exaustivos, e o pressuposto de sua aplicação será a compatibilidade com a dinâmica da respectiva modalidade desportiva. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).) O mesmo Álvaro Melo Filho (2010) fala em tipicidade aberta ou tipicidade mitigada para que outras hipóteses de infrações possam ser punidas sem prejudicar a segurança jurídica4.
2.2.2. Princípio da pro competitione (prevalências, continuidade)
Significa a aplicação/prevalência do resultado em campo de competição. Para Hudson Luiz França Mancilha
O objetivo do desporto é a competição. As competições, no mais amplo sentido, precisam sempre prevalecer sobre os interesses individuais, pois têm natureza e interesse coletivo. No mais, a título de exemplo, ao passo que as competições são transmitidas por rádio ou televisão para a coletividade tendo esta comprado o ingresso para assisti-la, portanto torna-se consumidora do espetáculo desportivo, o próprio direito do consumidor resguarda direitos de cunho coletivo. O procedimento desportivo não pode sofrer dilação indevida, eis que está respaldado pelo princípio pro competitione. Esse mesmo princípio tem relação estreita com os prazos processuais desportivos, com as circunstâncias que atenuam a penalidade aplicável e com a imediata executividade das sanções desportiva5.
2.2.3. Princípio do espírito esportivo (fair play)
É o jogo limpo (fair play), a ética no esporte, onde os praticantes devem procurar jogar de maneira que não prejudiquem o adversário de forma proposital. Além de observar as regras implícitas (formais, escritas), deve-se observar as regras da sociedade, valores morais (informais, não está escrito), o que todos entendem como correto. Segundo Martinho Neves Miranda devemos observar as seguintes vertentes:
Ter comportamento de honestidade e lealdade na escolha dos meios para alcançar o êxito na disputa, o que implica a renúncia de todos os instrumentos não mencionados pelas regras para consegui-lo, bem como a qualquer tipo de vantagem artificial e indevidamente introduzida no jogo e que prejudique o seu adversário. Nessa vertente violar o fair-play significa introduzir qualquer artifício que busque tirar uma vantagem ilícita num jogo, como fornecer substância que cause topor [sic] ao adversário, simular contusões para forçar a punição do oponente por falta cometida, incitar a violência aos torcedores para interromper uma partida, corromper atletas, dirigentes e árbitros, dentre outros.
Adotar atitude firme e digna ante um comportamento desleal, mantendo os preceitos da boa conduta ética e moral, mesmo após a adoção, por alguém, de uma conduta antidesportiva.
Manter a postura de respeito ao adversário, consubstanciada em modéstia na vitória e serenidade na derrota, bem como ao árbitro, colaborando com ele naquilo que for necessário e aceitando as suas decisões tomadas na mediação do confronto, exceto nas hipóteses de recurso devidamente previstos nos casos regulamentares6.
A Carta sobre o Espírito Desportivo de 1984 editada pela (la Régie de la securité dans lês sports Du Quebec) nos dá uma ideia do que é tal princípio no desporto, e apresenta ao mundo:
Artigo 1- Ter espírito desportivo é, em primeiro lugar e acima de tudo, observar estritamente todas as regras. É procurar nunca cometer deliberadamente uma falta.
Artigo 2- Ter espírito desportivo é respeitar o árbitro. A presença do árbitro ou do júri revela-se essencial de todas as competições. O árbitro tem um papel difícil a desempenhar. Ele merece inteiramente o respeito de todos.
Artigo 3- Ter espírito desportivo é aceitar todas as decisões do árbitro sem pôr em causa a sua integridade.
Artigo 4- Ter espírito desportivo é reconhecer com dignidade a superioridade do adversário na derrota.
Artigo 5- Ter espírito desportivo é aceitar a vitória com modéstia e sem ridicularizar o seu adversário.
Artigo 6 - Ter espírito desportivo é saber reconhecer a boa atuação e os bons desempenhos do seu adversário.
Artigo 7- Ter espírito desportivo é querer competir na igualdade com um oponente. É contar apenas com o seu talento e habilidade para tentar obter a vitória.
Artigo 8- Ter espírito desportivo é recusar ganhar através de meios ilegais e violentos.
Artigo 9- Ter espírito desportivo, para o árbitro, é conhecer bem todas as regras e aplicá-las com imparcialidade.
Artigo 10- Ter espírito desportivo é manter a dignidade em todas as circunstâncias. É demonstrar que temos domínio sobre nós mesmos. É recusar que a violência física ou verbal tome conta de nós7.
2.3. ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA DESPORTIVA
O Código Brasileiro de Justiça Desportiva8 (CBJD, resolução 20/09) foi concedido para atender o art. 42 do Estatuto do torcedor9 (Lei 10.671/2003), e organizado nos termos do art. 11, VI da Lei Pelé10 (Lei 9615/98) para tipificar os tipos disciplinares passíveis de punição e os caminhos processuais para seu andamento legal, sendo criado para ser aplicado a todas modalidades desportivas brasileira. Assim todo Regulamento Geral de Competições (RGC) tem suas regras específicas que não estão no Código, podendo essas serem julgadas na Justiça Desportiva por complementar o CBJD.
Tal código estabelece que as questões relativas as dopagens não serão julgadas de acordo com CBJD, e sim de acordo com Código mundial antidopagem (WADA), pois devem ter caráter internacional a fim de terem as mesmas regras em todo mundo. As federações/confederações devem ter sua própria Justiça Desportiva, logo cada esporte tem sua Justiça Desportiva, com exceção ao doping, que tem uma um Tribunal antidopagem (TAD), qual é o único que julgará questões relacionadas no Brasil, tirando essa competência da Justiça Desportiva, art. 55, A, Lei Pelé (Lei 9615/98).
Tal justiça é mantida pela federação/confederação a qual pertence, sempre destacando sua autonomia, e seus membros recebem ajuda de custo para despesas em geral não tendo uma remuneração fixa, segundo §4º do artigo 50 da Lei Pelé (Lei 9.615/98).
Art. 50. A organização, o funcionamento e as atribuições da Justiça Desportiva, limitadas ao processo e julgamento das infrações disciplinares e às competições desportivas, serão definidos nos Códigos de Justiça Desportiva, facultando-se às ligas constituir seus próprios órgãos judicantes desportivos, com atuação restrita às suas competições. § 4.º Compete às entidades de administração do desporto promover o custeio do funcionamento dos órgãos da justiça desportiva que funcionem junto a si.
Sendo assim, a Justiça Desportiva é composta pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), o Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) e seus Tribunais Plenos e Comissões Disciplinares.
2.3.1. Superior Tribunal de Justiça Desportiva
O Tribunal Pleno é composto por 9 (nove) auditores. A composição do Tribunal Pleno é definida no texto do artigo 55 da Lei Pelé (Lei 9615/98).
Art. 55. O Superior Tribunal de Justiça Desportiva e os Tribunais de Justiça Desportiva serão compostos por nove membros, sendo:
Dois indicados pela entidade de administração do desporto;
Dois indicados pelas entidades de prática desportiva que participem de competições oficiais de divisão principal;
Dois advogados com notório saber jurídico desportivo, indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil;
Um representante dos árbitros, por estes indicados;
Dois representantes dos atletas, por estes indicados;
§2º O mandato dos membros dos Tribunais de Justiça Desportiva terá duração máxima de quatro anos, permitida apenas uma recondução11.
A Comissão Disciplinar é indicada pelo Tribunal Pleno, sendo composta por 5 (cinco) membros, porém 3 (três) auditores são suficientes para obter um quórum. Os auditores da Comissão Disciplinar não podem fazer parte do Tribunal Pleno, por haveria claro conflito de interesses, já que poderia acabar por julgar a mesma causa em duas instâncias
Art. 26. Compete às Comissões Disciplinares junto ao STJD:
Processar e julgar as ocorrências em competições interestaduais promovidas, organizadas ou autorizadas por entidade nacional de administração do desporto e em competições internacionais amistosas;
Processar e julgar o descumprimento de resoluções, decisões ou deliberações do STJD ou infrações praticadas contra seus membros;
Declarar os impedimentos de seus auditores.
2.3.2. Tribunal de Justiça Desportiva
Tem a função e estrutura análoga ao STJD, só que em âmbito regional e municipal com comissão disciplinar e pleno (9 e 5 auditores respectivamente). O Tribunal Pleno corresponde à segunda instância dos TJD´s.
2.3.3. Jurisdição e Competência
O Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) julga competições organizadas por entidades regionais, enquanto o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) competições organizadas pela entidade nacional de administração da modalidade, inclusive aquelas interestaduais.
2.3.4. Auditores
O art. 55 da Lei Pelé (Lei 9615/98) no diz que são os responsáveis do processo na Justiça Desportiva12 precisam ter notório conhecimento jurídico e conduta ilibada, sendo vedado caso seja dirigente EAD ou EPD (exceto membros de conselho deliberativo, pois as estruturas dos clubes são gigantes). Além disso, tem mandado de 4 anos, podendo somente ter uma reeleição. Nesse entendimento esclarece Krieger
São constituídos por auditores que possuem a finalidade de: julgar questões de descumprimento de normas relativas à disciplina e às competições desportivas e constantes das súmulas e documentos similares do árbitro ou, ainda, decorrentes da infringência ao regulamento da respectiva competição13.
2.3.5. Procuradores
Procurador Geral de Justiça Desportiva é escolhido pela federação/confederação através de uma lista tríplice encaminhada ao pleno, qual elege um Procurador que atua como fosse o Ministério Público, e pela grande demanda pode nomear Procuradores adjuntos, conforme diz Gustavo Lopes de Souza
A Procuradoria é dirigida por um Procurador-Geral, que é escolhido por votação da maioria absoluta do Tribunal Pleno, dentre os três nomes indicados pela entidade de administração do desporto, sendo seu mandato de dois anos e permitida à reeleição e após a eleição do Procurador Geral, este deverá escolher procuradores para formação da sua equipe de trabalho14.
2.3.6. Defensores
O pleno pode elaborar lista de defensores dativos para eventuais jurisdicionados na Justiça Desportiva, porém deve-se observar o art. 29 CBJD Art. 29. Qualquer pessoa maior e capaz é livre para postular em causa própria ou fazer-se representar por advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, observados os impedimentos legais.
2.4. INFRAÇÕES DISCIPLINARES
É uma ação/omissão que seja antidesportiva (contrária ao desporto), típica (legalmente prevista) e culpável, pode ser consumada ou tentada (é punida com metade do valor da pena da consumada, tentativa impossível não há pena), dolosa ou culposa (juízo de censurabilidade/reprovável) 15.
2.4.1. Tipos de punições
A penas infracionais tem o objetivo reprimir determinadas práticas realizadas num evento esportivo. O art. 50 da Lei Pelé (Lei 9615/98) e art. 170 CBJD trazem um rol taxativo sobre as penas aplicadas.
Para advertência deve haver previsão legal e anterioridade de 6 meses, ou seja, não pode gozar do mesmo benefício no prazo supramencionado.
A suspensão por partida em regra é cumprida na mesma competição, caso não possa, tem de ser cumprida em partida posterior por competição organizada pela mesma EAD, devendo ser substituída por medida social (critério do presidente, o que raramente acontece), não podendo ser superior a 24 (vinte e quatro) partidas, e se o atleta for para o exterior é suspenso o prazo.
A Suspensão por prazo impede o infrator de agir no meio do desporto, participar de partidas, frequentar praça de desporto, praticar atos para aquela modalidade, exercício para cargo e função das EADs. Pode ser substituída à metade por medida social, a pena não pode exceder 720 (setecentos e vinte) dias, cômputo é suspenso se infrator se transferir para o exterior, e cômputo pode ser suspenso quando não tiver competição (exemplo Inter temporada).
A interdição é mantida até que todas as exigências da praça de desporto sejam cumpridas.
Se tratando de perda do mando de campo, a mesma é válida sempre para aquela competição, caso não possa ser cumprida vale a mesma regra da suspensão por partida.
No caso da pecúnia prazo e condição são estabelecidos pelo presidente do tribunal, pode ser substituída a metade por interesse social, além disso também há previsão do parcelamento, sempre havendo solidariedade da EPD e pessoa natural mesmo se houver desligamento.
Por fim, a eliminação é a mais grave, equivale ao afastamento do infrator do esporte em todo território nacional, não importando a modalidade, (por exemplo, um jogador de futebol não pode jogar futsal mesmo que seja esporte diverso ao praticado), não se aplicando as pessoas jurídicas (PJs).
2.5. SOLUÇÃO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS
Para uma norma internacional ser aceita no ordenamento jurídico brasileiro deve passar por toda uma tramitação para ser válida, a exemplo de um tratado internacional de direitos humanos qual deve haver uma negociação pelo Presidente da República, referendo no Congresso nacional, e por último a homologação.
Já o direito desportivo não precisa obedecer essa regra, pois a Lei Pelé (9615/98) traz no art. 1, § 1, a cláusula de recepção de normas internacionais.
Art. 1º O desporto brasileiro abrange práticas formais e não-formais e obedece às normas gerais desta Lei, inspirado nos fundamentos constitucionais do Estado Democrático de Direito.
§ 1º A prática desportiva formal é regulada por normas nacionais e internacionais e pelas regras de prática desportiva de cada modalidade, aceitas pelas respectivas entidades nacionais de administração do desporto.
Desta maneira, é possível analisar a internacionalização do direito desportivo e seu funcionamento em âmbito mundial.
2.5.1. Câmara de resolução de disputas da FIFA
O futebol é organizado e praticado pelos quatro cantos do mundo, e por essa razão surgiram as normativas supranacionais, com o intuito de regulamentar competições internacionais. Além disso, para termos noção do quão importante é a entidade, o futebol é a única modalidade em que a principal competição não são os jogos olímpicos, e sim a copa do mundo, ou seja, a maior competição futebolística é organizada por sua federação internacional.
Deste modo, com o intuito de resolver conflitos a FIFA tem um poder judiciário que é composto por uma Comissão disciplinar e Comissão de apelação Art. 39 Fazem parte do Poder Judiciário da FIFA: a Comissão Disciplinar; a Comissão de Apelação16.
A comissão disciplinar poderá sancionar desde associações internacionais até os atletas por qualquer infração ao seu estatuto, regulamento ou instruções/ decisões tomadas ou qualquer infração que viole as regras do jogo ou fira seriamente o jogo limpo (fair play)
A Comissão de apelação é o grau recursal da comissão supramencionada de decisões revogáveis, sendo que sua decisão tem carácter definitivo e obrigatório entre as partes envolvidas no litígio.
2.5.2. Tribunal/Corte arbitral do esporte
O Tribunal Arbitral do Esporte (TAS/CAS) foi criado em 1984 pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) como órgão julgador. Porém em 1994 houve grande questionamento a respeito da sua imparcialidade, já que o mesmo fazia parte do COI. Assim, através de tantas críticas, se tornou um tribunal independente.
Para atuação no TAS/CAS deve ser acordado entre as partes que eventual resolução de conflito é competente para processar e julgar tal tribunal.
R27 Aplicação das Regras: Estas regras processuais se aplicam sempre que as partes concordarem em remeter ao CAS uma disputa relacionada ao desporto (sport-related dispute). Tal referência pode resultar de uma cláusula contida em um contrato ou regulamento ou decorrente de um compromisso arbitral posterior (procedimento arbitral ordinário) ou pode envolver uma apelação contra decisão proferida por uma federação, associação ou órgão desportivo em que os estatutos ou regulamentos destes órgãos, ou um acordo específico, disponha sobre recurso ao CAS (procedimento arbitral de apelação). Tais litígios podem envolver questões de princípio relativas ao desporto ou envolver pecúnia ou outros interesses relacionados com a prática ou o desenvolvimento do desporto e pode incluir, de forma mais geral, qualquer atividade ou matéria relacionada ou ligada ao desporto17.
Como relatado, é possível observarmos que o STJD não é o último grau recursal no ordenamento jurídico brasileiro, pois verificamos que em muito caos o TAS/CAS pode eventualmente ser acionado como último grau de recurso (apelação) das decisões do STJD.
2.6 Caso emblemático da Associação Portuguesa de Desportos
No campeonato brasileiro de 2013 o clube foi rebaixado por escalar um jogador de maneira irregular na 38° rodada do campeonato brasileiro daquele ano, pois teve como uma das punições perda de 4 pontos, sendo 1 ponto do empate obtido no jogo que seria retirado e mais 3 pontos a título de punição, com o resultado, a Lusa caiu da 12ª para a 17ª posição e foi rebaixada à Série B, com 44 pontos.
Na Câmara disciplinar (1° instância STJD) houve tal condenação ao clube, qual posteriormente a decisão foi mantida pelo pleno do STJD, ocasionando a disputa no ano seguinte a série B do campeonato brasileiro.
O clube tinha duas opções, a primeira seria recorrer ao TAS/CAS tentando reverter decisão do STJD, qual não foi adotada pelo clube, pois geralmente as decisões são mantidas e levam algum tempo para serem apreciadas. Outra alternativa seria recorrer à justiça comum, conforme previsto na CF/88, atuando a mesma de maneira subsidiária a desportiva, porém não seria uma boa ideia, pois a FIFA proíbe recurso a Justiça comum punindo severamente a EPD.
Assim, com uma crise financeira e o tapetão (ambos correlacionam visto que na série A o clube tem uma maior receita) o clube caiu de divisões B, C, D) até chegar ao ponto de ficar sem divisão no campeonato brasileiro.