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Contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública

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16/04/2007 às 00:00

Resumo:


  • A Emenda Constitucional nº 39/2002 introduziu o art. 149-A na Constituição Federal, permitindo a cobrança da Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (COSIP), em resposta à declaração de inconstitucionalidade da Taxa de Iluminação Pública pelo Supremo Tribunal Federal.

  • A COSIP enfrenta críticas de inconstitucionalidade, tanto formal quanto material, incluindo questões sobre a base de cálculo e a falta de referibilidade direta ao contribuinte, levantando debates sobre a justiça e a igualdade da cobrança do tributo.

  • A legitimidade da COSIP e da própria emenda que a instituiu é contestada em diversos âmbitos jurídicos, sugerindo que a contribuição pode, na verdade, ter natureza jurídica de imposto, o que violaria a estrutura tributária constitucionalmente estabelecida.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

5 ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA CONSTITUCIONAL N°. 39/2002 E DA CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA

Diante da inovação legislativa consistente na introdução do art. 149-A na Constituição Federal, a doutrina tem atacado não só a Emenda Constitucional n°. 39/2002 (EC 39/2002), como também a própria Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (COSIP) com diversas objeções.

5.1 Da Emenda à Constituição nº. 39, de 19 de dezembro de 2002

5.1.1 Inconstitucionalidade formal

Após aprovação da PEC n°. 03/2002 no Senado Federal, esta foi remetida à Câmara dos Deputados em 21 de junho de 2002, onde recebeu o n°. 559/2002 e passou a tramitar para regular aprovação.

Ocorre que o primeiro turno para a sua votação somente foi realizado em 18 de dezembro de 2002 e, para que fosse aprovada ainda no exercício de 2002, dispensou-se o interstício de cinco sessões para as votações de segundo turno. Com isso, a PEC 559/2002 foi submetida a segunda votação também em 18 de dezembro de 2002 e, no dia seguinte, já estava sendo publicada no Diário Oficial da União (vide item 3.3).

Tal procedimento fez nascer discussão, não só na própria Câmara dos Deputados como também na doutrina, sustentando a inconstitucionalidade formal da Emenda Constitucional n°. 39/2002 com fundamento na previsão constitucional e regulamentar a respeito da matéria [62].

O art. 60, §2°, da Constituição Federal prevê que a proposta de emenda à Constituição deverá ser "discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros".

O Regimento Interno da Câmara dos Deputados, por sua vez, prevê no §6° do artigo 202 que a proposta objetivando emendar a Constituição "será submetida a dois turnos de discussão e votação, com interstício de cinco sessões" [63].

A supressão de intervalo de cinco interstícios entre as votações de primeiro e segundo turno foi objeto de recursos dentro da própria Câmara dos Deputados. Entretanto, a Presidência dessa Casa Legislativa considerou cabível a dispensa por não ter a PEC 559/2002 sofrido emendas na votação de primeiro turno ao entender que o interstício prestaria ao reexame da matéria pela comissão competente no caso de alteração do texto originariamente submetido à votação [64].

Ao que parece, a norma da Câmara dos Deputados limitou-se a regulamentar uma regra constitucional a partir de parâmetros certos e objetivos, ou seja, a Constituição Federal prevê que a votação se dará em dois turnos e o Regimento Interno da Câmara estabeleceu que o segundo turno somente ocorrerá após um intervalo de cinco sessões. Mas é claro que a regra regimental não foi criada para ser infringida, tanto que não há previsão de que esse interstício pudesse ser suprimido

Em síntese, é possível concluir que o procedimento legislativo para votação da PEC 559/2002 cumpriu a formalidade da votação em dois turnos exigida, mas descumpriu a sua essência, que é oportunizar um repensar sobre o assunto em meio a novos debates e discussões.

Oportuna, assim, a leitura de trecho de acórdão oriundo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que se manifestou a respeito do tema:

"Importante destacar que o Poder Constituinte Originário criou procedimento rigoroso para a aprovação de emendas constitucionais, justamente com o intuito de não permitir que a Constituição da República, de caráter nitidamente rígido, possa ser alterada sem que a sociedade discuta, através de seus representantes, de forma mais abrangente e racional, a mudança que é proposta no texto. Verifica-se, porém, da tramitação do processo legislativo da PEC que resultou na promulgação da emenda constitucional ora hostilizada, que houve violação frontal ao estabelecido pelo §2° do artigo 60 da Constituição Federal. (...).

Depreende-se claríssima a regra ao estabelecer que a proposta de emenda constitucional impõe a discussão em dois turnos em ambas as Casas do Congresso. Destarte, não basta que o projeto seja votado e aprovado em dois turnos, é essencial também, que haja duas discussões pelos congressistas sobre a matéria analisada, para que só após essa ampla reflexão, o processo legislativo possa ser considerado respeitado. Nessa concepção, extrai-se da norma constitucional que é imprescindível que a proposta de emenda seja discutida em duas oportunidades (turnos) em cada Casa Legislativa, tendo como objetivo principal propiciar que a matéria sob análise seja discutida de forma mais completa possível, observando-se, portanto, a inafastável regra atinente a heterogeneidade da composição parlamentar. Assim sendo, e ‘considerando que o nosso sistema constitucional é rígido, só podendo ser alterado mediante processo legislativo solene, não resta dúvida de que apenas deve-se atribuir a tal sistemática, uma interpretação restritiva quanto aos requisitos a serem observados’ (José Afonso Da Silva, in ‘Curso de Direito Constitucional Positivo’, Ed. Malheiros, 1.996), motivo pelo qual seria ilógico e inócuo, se fosse permitida a discussão e votação em dois turnos na mesma sessão legislativa.

(...)

Ou seja, a norma regimental está em manifesta sintonia com o texto constitucional, já que, só com o intervalo de cinco Sessões Legislativas é que sido observada a regra alusiva à heterogeneidade da composição parlamentar. Todavia, ao analisarmos a processo legislativo da Proposta de Emenda Constitucional 39/2002, verifica-se que esta, ao ser encaminhada para a Câmara dos Deputados, após ter tramitado de forma correta pelo Senado Federal, foi levada para primeira discussão e, consequentemente primeira votação, junto ao Plenário da Câmara, na data de 11 de dezembro de 2002, praticamente, no antevéspera do recesso legislativo constitucional, que teve início em 16 de dezembro de 2002. Nesta primeira tentativa, a aludida Proposta de Emenda a Constituição não foi levada a votação, ante a exigüidade do quorum parlamentar. No entanto, ante a grande pressão dos prefeitos dos municípios brasileiros, a apreciação da Proposta de Emenda constitucional n° 003/2002 foi retomada na semana seguinte, já no dia 18 de dezembro de 2002, em Sessão Extraordinária e após ser discutida e votada pelos Deputados Federais foi aprovada em primeiro turno. A partir de então, iniciou-se a flagrante afronta ao Regimento Interno da referida casa legislativa e, por corolário, ao texto constitucional.

A PEC 003/2002 foi colocada em votação (segunda deliberação dos Deputados da Câmara Federal) na mesma Sessão Legislativa em que foi aprovada em primeiro turno, mais precisamente meia hora após a sua aprovação em primeiro turno. Portanto, as deliberações de primeiro e de segundo turno foram realizadas na mesma data (18/12/2002), isto é, na mesma Sessão Legislativa. Ora, ainda no calor da recente aprovação em primeiro turno, seria tranqüilo assegurar o quorum qualificado para a segunda aprovação. E foi justamente o que aconteceu, já que o segundo turno quase que repetiu os números apresentados no primeiro, inexistindo diferença da primeira para a segunda votação, justamente porque não existiram as duas discussões previstas na Carta Magna, quebrando de forma manifesta o procedimento exigido pela regra solene (§2. do artigo 60 da Constituição Federal). Dessa forma, não há que se falar em discussão em dois turnos, se a proposta fora votada duas vezes na mesma sessão, restando claro que a norma prevista não foi observada e, por conseguinte, foi violado o processo legislativo constitucional, padecendo, o ato normativo, portanto, de gritante inconstitucionalidade.

(...).

Em virtude do exposto, depreende-se injurídica a regra constitucional que atribui aos Municípios a competência para instituir a malfadada Contribuição de Iluminação Pública – CIP, haja vista que ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da espécie normativa devidamente elaborada pelo Poder competente, segundo as normas do processo legislativo constitucional’. (Alexandre de Morais, in Curso de Direito Constitucional, 12ª Edição – São Paulo: Atlas, 2002)". [65]

Tem-se, portanto, que a Emenda Constitucional n°. 39/2002 padece de inconstitucionalidade formal [66], em decorrência da inobservância de norma prevista no §2° do art. 60 da Constituição Federal, referente ao procedimento legislativo previsto para as emendas constitucionais.

5.1.2 Ofensa ao princípio federativo

Ao estudar as alterações trazidas pela Emenda Constitucional nº. 39/2002, que introduziu o art. 149-A na Constituição Federal, muitos doutrinadores sustentam que houve ofensa ao princípio federativo e à rigidez constitucional.

Para sustentar esse argumento fundamentam que a COSIP não atende aos requisitos prescritos no art. 149 do Texto Constitucional, pois não tem o condão de excepcionar a competência exclusiva concedida pelo poder constituinte originário à União no que toca a instituição de contribuições. Tal situação implicaria em ofensa ao princípio do pacto federativo, e feriria a autonomia e a independência dos entes federativos [67].

Ademais, a discriminação de rendas moldada pelo constituinte originário admitiria apenas o exercício de competência residual pela União, e em matéria de impostos e contribuições sociais [68], pois a sua intenção seria a de engessar a competência tributária dos entes políticos às hipóteses previstas nos arts. 149, 149, §1º, 155 e 156, o que constitui uma garantia fundamental implícita dos contribuintes de sofreram apenas a cobrança dos tributos previamente elencados na Constituição da República [69].

Sendo a rigorosa outorga de competências tributárias conferidas às pessoas políticas de direito público interno pelo poder constituinte originário um dos elementos a conferir conteúdo ao princípio federativo, a introdução da norma em debate no ordenamento jurídico brasileiro teria modificado elemento conceitual da Federação [70], o qual é cláusula pétrea erigida no art. 60, §4°, inciso I da Constituição.

Em sentido diverso tem-se a doutrina de Adelmo da Silva Emerenciano o qual entende que, após tantas alterações constitucionais confirmadas pelo Supremo Tribunal Federal, não são intocáveis e irreformáveis as faixas de competência tributárias atribuídas às pessoas políticas, pois não pode mais o sistema constitucional brasileiro ser classificado como rígido [71].

Ora, a própria deformação do sistema tributário brasileiro [72] não pode se constituir em fundamento para que novas desfigurações sejam validadas. Ao considerar os posicionamentos do Supremo Tribunal Federal que têm aceitado ilegítimas modificações deve-se ter em conta as palavras de Alfredo Augusto Becker: "O consulente sente-se orientado mais pela quantidade física e autoridade hierárquica dos acórdãos, que pela análise verdadeiramente jurídica do problema" [73].

E, portanto, em que pese o entendimento contrário, parece incontroverso que o sistema constitucional tributário brasileiro é efetivamente rígido, consoante ensina Geraldo Ataliba:

O sistema constitucional tributário é o mais rígido de tantos quanto se conhece, além de complexo e extenso. Em matéria tributária tudo foi feito pelo constituinte, que afeiçoou integralmente o sistema, entregando-o pronto e acabado ao legislador ordinário, a quem cabe somente obedecê-lo, em nada podendo contribuir para plasmá-lo. [74]

Resta analisar, no entanto, se a ampliação da competência tributária dos entes municipais implica em desrespeito ao princípio federativo que aparece como cláusula pétrea no art. 60, §4°, inciso I, da Constituição da República.

É claro que no exercício do poder de reforma constitucional o legislador deve observar as limitações expressas e implícitas inseridas no Texto Constitucional. As expressas estão exteriorizadas nas denominadas cláusulas pétreas (art. 60, §4º, CF) e implicam na retirada de certas matérias da área reformável da Constituição como, por exemplo, a forma de governo, a organização federativa e a igualdade. Já as implícitas decorrem do espírito da Constituição e de uma lógica que deve presidir as suas reformas [75].

Muitos doutrinadores entendem que a repartição de competência tributária posta na Carta Maior não é passível de alteração*. Todavia, apesar da noção de que a nenhum órgão constituído é lícito adotar qualquer medida, resolução ou decisão que conduza ao amesquinhamento da república e da federação [76], a ampliação da competência municipal, por si só, não ofende ao princípio federativo.

Veja-se, de antemão, um conceito aproximado do que se entende por federação:

De qualquer modo, podemos dizer que Federação (de foedus, foederis, aliança, pacto) é uma associação, uma união institucional de Estados, que dá lugar a um novo Estado (o Estado Federal), diverso dos que dele participam (os Estados-membros). Nela, os Estados Federados, sem perderem suas personalidades jurídicas, despem-se de algumas prerrogativas, em benefício da União. A mais relevante delas é a soberania.

(...)

Só que, como mais de uma vez afirmamos, nossa Carta Magna estruturou o País sob a forma de Federação e, para reforçá-la, repartiu as competências legislativas (inclusive as tributárias) entre a União e os Estados-membros. [77]

Sendo o traço mais marcante da federação a sua autonomia (legislativa, econômica e política), apesar do sustentado por alguns autores, não é razoável afirmar que houve efetiva ofensa ao pacto federativo, pois, em que pese a estranheza da contribuição criada, não se suprimiu as competências tributárias da União e dos Estados para beneficiar a União, apenas ampliou-se a competência municipal.

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Logo, a Emenda Constitucional n°. 39/2002 não é inconstitucional por ofensa ao princípio federativo, pois a previsão de competência municipal para criação da COSIP não causou quaisquer prejuízos aos outros entes federativos, embora se tenha criado uma vantagem aos entes municipais que não foi estendida às outras pessoas políticas.

5.1.3 Fraude à separação dos poderes

Há ainda quem sustente que a Emenda Constitucional nº. 39/2002 constitui-se em uma fraude à coisa julgada e, via de conseqüência, atinge a independência do Judiciário e a harmonia dos Poderes, violando assim o artigo 60, inciso III, da Constituição Federal, pois seria norma retificadora da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que entendeu pela inconstitucionalidade da taxa de iluminação pública e afirmou que a iluminação pública deve ser remunerada através das receitas oriundas dos impostos gerais [78].

E ainda, segundo Sacha Calmon Navarro Coelho, o art. 149-A teria sido elaborado para desmerecer a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que repudiava as taxas de iluminação pública [79].

Embora seja fato notório que a referida emenda nasceu por pressão dos municípios sobre os membros do Congresso Nacional, após a derrota sofrida no Poder Judiciário [80], não é possível afirmar que a tentativa do Congresso Nacional de criar uma nova forma para remunerar o serviço de iluminação pública seja uma ofensa à separação dos poderes.

Na verdade, justamente a independência inerente aos três poderes é que permite ao Legislativo que, respeitados os limites próprios do processo legislativo, decida quais as normas que pretende criar. Não seria legítimo impor ao Congresso a obrigação de submeter-se à vontade do Poder Judiciário que decidiu que o serviço de iluminação pública somente poderia ser remunerado com as receitas dos impostos em geral.

E, mesmo que a intenção do Congresso Nacional tenha sido a de contornar a declarada inconstitucionalidade da taxa de iluminação pública pelo Supremo Tribunal Federal, é justamente a independência entre os poderes que permite que o Judiciário submeta a COSIP ao crivo da constitucionalidade, assim como se fez anteriormente com as diversas taxas municipais.

Constata-se, pois, que inocorre ofensa à separação dos poderes (art. 60, III, CF), sendo que a validade da COSIP deve ser submetida à apreciação dos tribunais brasileiros que, a partir do sistema tributário vigente, devem decidir pela legalidade ou ilegalidade da contribuição criada pelo Congresso Nacional.

5.2 Do art. 149-A da Constituição Federal

5.2.1 Ausência de "referibilidade" ao contribuinte

Há autores sustentando que a COSIP não mede uma despesa especial provocada por um grupo de pessoas, e sim uma despesa geral que beneficia a toda a população, logo, não se apresenta como verdadeira contribuição, na qual a base de cálculo deve guardar relação com a ação estatal dirigida a um grupo determinado de sujeitos passivos [81].

Essa peculiaridade das contribuições, que exige a efetivação de um beneficio ou uma vantagem a ser recebida por um determinado grupo de pessoas, torna indispensável a realização de uma ação do Poder Público que alcance os membros desse grupo [82].

Aceitar a ausência de referibilidade implicaria em permitir no amanhã a instituição de contratos gerais sem qualquer correspondência entre a atuação estatal e o contribuinte [83].

Realmente, tem quem acredite que, sendo a COSIP uma nova espécie de contribuição, a falta de referibilidade não é óbice à sua cobrança, pois seria uma exigência típica apenas das contribuições de intervenção [84] no domínio econômico.

Mas, como já dito anteriormente, é fato que a contribuição de iluminação pública não cumpre o requisito da referibilidade aos seus contribuintes, consoante se exige para a instituição de contribuição. E, sendo a sua finalidade um benefício que alcança a toda a população indistintamente, não há que se falar em legítima contribuição (v. capítulo 6).

Na ausência de especiais benefícios aos sujeitos passivos da COSIP, e tendo por critério material da hipótese de incidência um fato qualquer da esfera do contribuinte, tem-se que a COSIP, por sua natureza jurídica, é um imposto. E como os impostos só podem ser exigidos se obedecido o rol taxativo declinado nos arts. 153, 155 e 156 da Constituição, ou a competência residual da União Federal prevista no art. 154 do mesmo diploma [85], a COSIP mostra-se claramente inconstitucional:

O cânone hermenêutico da totalidade do sistema jurídico tanto serve para revelar a existência da regra jurídica (lei válida), como também para acusar a inexistência da regra jurídica (lei não-válida). O intérprete constata a inexistência da regra jurídica, quando o referido cânone hermenêutico conduz o intérprete à antinomia (contradição entre duas ou mais leis) ou à inconstitucionalidade (lei violadora de regra jurídica criada por outro órgão legislativo de grau superior).

Finalmente, cumpre lembrar que não é a interpretação que invalida a lei, na verdade o que o intérprete faz é necropsia da lei morta. [86]

Logo, a ausência de efeito benéfico a determinado grupo de pessoas é apenas mais uma das inconstitucionalidades a alcançar a COSIP e, em vistas disso, a própria Emenda Constitucional n°. 39/2002 [87].

5.2.2 Vedação à identidade de base de cálculo

Com a redação* utilizada no parágrafo único do art. 149-A da Carta Maior, passa-se a idéia de que a contribuição de iluminação pública deve ser cobrada sobre o consumo particular de energia elétrica [88].

Ao debater o assunto, alguns acreditam que ocorre invasão na competência estadual [89] e bitributação [90] ao eleger-se o consumo de energia elétrica como base de cálculo da COSIP e via de conseqüência tem-se a sua inconstitucionalidade [91]. Outros não vislumbram qualquer óbice a que as contribuições tenham a mesma base de cálculo de impostos [92].

Noutro ponto há quem defenda que, sendo a iluminação pública um dos elementos aptos a ensejar a incidência do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), ocorre a cumulatividade de tributos quando a iluminação pública é a causa que faz nascer a obrigação de pagar o IPTU e a contribuição em debate. Mesmo porque a implantação de infra-estrutura, inclusive a iluminação pública, faz parte da peculiar área de atuação do IPTU [93].

Em sentido contrário, outros entendem que sendo a base de cálculo do IPTU o valor venal do imóvel, enquanto a da COSIP é o consumo de energia elétrica, inocorre bis in idem [94].

O questionamento central então é: a base de cálculo da COSIP pode coincidir com a de um imposto de outro ente da federação, no caso o ICMS? E com o IPTU de competência municipal?

De início é importante esclarecer que bis in idem ocorre quando o mesmo fato jurídico é tributado duas ou mais vezes, pela mesma pessoa política num mesmo exercício tributário. Já, na bitributação, o mesmo fato jurídico vem a ser tributado por duas ou mais pessoas políticas [95].

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre o assunto semelhante, entendendo possível a identidade de base de cálculo de contribuição com a de imposto:

Existência de bitributação por ter o FINSOCIAL a mesma base de cálculo da Contribuição para o PIS. Insubsistência. A vedação constitucional prevista no art. 154, I da Carta Federal somente diz respeito aos impostos e não às contribuições para a seguridade social. [96]

No entanto, Roque Antonio Carrazza leciona que o ente político deve observar o princípio da reserva de competência tributária, elegendo, como hipótese de incidência dos gravames, apenas fatos que a Constituição permitiu sejam alvos de sua própria tributação [97]. A partir desse entendimento é possível concluir que inconstitucional a cobrança da contribuição de iluminação pública sobre o consumo de energia elétrica, mas não sobre metragem ou o valor venal da propriedade territorial urbana.

Tal posicionamento já encontra respaldo em julgados de tribunais brasileiros:

"INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. CONTRIBUIÇÃO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA - CIP. Os dispositivos de lei municipal que instituíram a Contribuição de Iluminação Pública (CIP), tendo por hipótese de incidência a operação de fornecimento de energia elétrica (KWH) ao consumidor final, afrontam a Constituição do Estado do Rio de Janeiro por configurar inequívoca bitributação, uma vez que as operações relativas à circulação de mercadorias, entre as quais a energia elétrica, são taxadas pelo ICMS, imposto de competência dos estados-membros. Inteligência dos artigos 199, I, b e §10 e 200, da Carta Estadual. Ademais - ad arqumentandum tantum embora qualquer discussão em torno do artigo 149-A, da Constituição Republicana, ultrapasse os estreitos limites desta representação, é bom deixar esclarecido que o novo tributo a ser criado deverá adequar-se ao sistema tributário constitucional, que é unitário; não havendo, portanto, derrogação do sistema de repartição de competência, tampouco liberdade, ou licença, para a bitributação. Representação, por maioria de votos, acolhida". [98]

Veja também: RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento nº. 70008768202, da 2ª Câmara Cível. Relator: Roque Joaquim Volkweiss, 18 ago. 2004; PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível n°. 291913-7 da 2ª Vara Cível da Comarca de Foz do Iguaçu. 17ª Câmara Cível. Relator: Helio Henrique Lopes Fernandes Lima, 21 set. 2005; e SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ação direta de inconstitucionalidade n°. 109.535-0/6-00, do Órgão Especial. Relator: Wlater de Almeida Guilherme, 03 ago. 2005.

E ainda se reforça nas seguintes lições:

"[...], por exigência do princípio federativo – que o Diploma Máximo considerou um dos pilares sobre os quais se assenta o edifício jurídico nacional -, nem a União pode invadir competência dos Estados, nem estes a da União. Do mesmo modo, aos Estados, porque juridicamente iguais ente si, é defeso se apossarem das competências uns dos outros". [99]

É possível entrever, portanto, que a conta de energia não dimensiona o custo da atuação estatal, razão pela qual é irracional e não serve como base de cálculo para a cobrança exação [100]. O consumo particular de energia elétrica não guarda qualquer relação com a norma padrão de incidência da COSIP [101]:

"Contudo, situações poderão existir – e certamente existirão, como no caso em estudo – nas quais na base de cálculo do tributo tenha sido eleita uma grandeza que não possui qualquer relação com o feto descrito na hipótese de incidência da norma". [102]

Conclui-se, assim, que a COSIP não pode eleger como base de cálculo da COSIP o consumo de energia elétrica, pois é fato objeto de tributação de outro ente federativo. Entretanto, no que toca ao IPTU, a princípio, o único óbice é que, assim como no consumo individual de energia, não guarda qualquer relação com os custos da prestação do serviço de iluminação pública pelos municípios e Distrito Federal.

5.2.3 Ofensa ao princípio da isonomia

Segundo diversos autores, o princípio da isonomia restou violado no que toca ao custeio da iluminação pública, pois "[...] se todos são iguais perante a lei e se todos os munícipes usufruem da iluminação pública, então todos deveriam pagar CIP, sem exceções, [...]" [103]:

[...] estão sendo tratadas desigualmente pessoas que estão nas mesmas condições (todos os que transitam nas cidades em períodos carentes de luz natural são beneficiários da iluminação pública, mas só alguns foram "eleitos", impositivamente, para pagar), e igualmente pessoas em condições totalmente desiguais (tanto os proprietários urbanos como os rurais pagam a contribuição, apesar de muitos proprietários rurais jamais terem usado a iluminação pública – ou seja, pagam um serviço que jamais serão ou foram beneficiários). [104]

E ainda, em face da generalidade do serviço, impossibilitada fica a repartição dos custos da iluminação pública entre os seus beneficiários de acordo com um critério justo, solidário e honesto, ocorrendo, assim, a inconstitucional situação dos sujeitos passivos que são desigualmente chamados a custear o serviço [105].

Passemos à análise da questão.

Segundo disciplina do inciso II do artigo 150 da Carta Magna é vedado aos entes públicos "instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, [...]".

Trata-se do princípio geral da igualdade jurídica projetado expressamente para a área tributária, e que sob a ótica clássica "consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade" [106]. E, assim como nos outros campos do Direito, sua maior dificuldade é identificar as situações que podem ser consideradas discriminatórias: "A dificuldade que sempre existirá reside em saber quais são as desigualdades factuais que a lei pode admitir como critério para a desigualdade jurídica" [107].

Por isso é que eventuais critérios estabelecidos em lei, e que impliquem em tratamento desigual de contribuintes, devem possuir fundamento válido e aceitável a justificá-los.

Não é o que ocorre com a COSIP, conforme lições de Paulo Valério Dal Pai Moraes:

O que parece de total evidência é que a lei não poderá – sob pena de inconstitucionalidade – estabelecer encargos dessa natureza para uma coletividade, retirando-o de outra, sem que haja uma correlação entre ambas, ou entre elas e a atividade sustentada pelos recursos assim auferidos. Nem pode impor contribuição a uma espécie ou faixa de pessoas, para ocorrer a despesas com outra categoria, sem a evidente presença de nítida correlação entre contribuintes e beneficiários, destinatários da atividade ou organismo assim custeado. [108]

É justamente a impossibilidade de aplicar um tratamento dogmático-jurídico específico e isonômico para a remuneração dos serviços públicos uti universi que faz com que sejam remunerados através de impostos [109]. E não pode ser essa dificuldade inerente à própria natureza do serviço que faça com que sejam contribuintes apenas as pessoas que puderam, de alguma forma, ser alcançadas pela tributação municipal.

Então, "[...], uma questão de isonomia se impõe: se todos são iguais perante a lei e se todos os munícipes usufruem da iluminação pública, então todos deveriam pagar CIP, sem exceções, [...]. [110]

Logo, não podem apenas alguns indivíduos se beneficiarem dos esforços e recursos despendidos apenas por outra parte da população, pois a "repartição desigual dos benefícios da atuação estatal ofende aos princípios da justiça sobre os quais o Estado Moderno procura modelar a sua atividade" [111].

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro posicionou-se nesse sentido:

"INDENIZATÓRIA CUMULADA COM REPETIÇÃO DO INDÉBITO. CONTRIBUIÇÃO PARA CUSTEIO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA - COSIP. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ACOLHIDA EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO. SERVIÇO PÚBLICO UTI UNIVERSL TRIBUTO COM ALÍQUOTA PROGRESSIVA. FLAGRANTE AFRONTA A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA. TAXA DISFARÇADA DE CONTRIBUIÇÃO. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CONHECIMENTO E IMPROVIMENTO DO RECURSO". [112]

É também o entendimento contido no teor de acórdão emanado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

"Não bastasse a incoerência, atrelar a cobrança da "contribuição" para custeio da iluminação pública ao quantum de energia elétrica consumida no imóvel confronta diretamente com o princípio da isonomia, que guarda íntima relação com aquele da justiça fiscal. Sendo a iluminação pública um serviço usufruído igualmente por todas as pessoas que moram em determinada via, bem como por aquelas que sequer residem no município, como justificar que uns paguem mais do que os outros, ou, ainda, que apenas uns paguem, enquanto outros gozam do serviço gratuitamente? Não se pode esquecer que não apenas o art. 5° da Constituição Federal prevê a igualdade entre os iguais, mas também, de forma específica, o art. 150, inc. II, da Carta Constitucional". [113]

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina posiciona-se em sentido contrário. Veja: SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Ação Direta de Inconstitucionalidade n°. 2003.007030-3. Relator: Des. Mazoni Ferreira, 20 abr. 2005, e Ação Direta de Inconstitucionalidade n°. 2004.012839-8. Relator: Des. Wilson Augusto do Nascimento, 15 jun. 2005.

Apesar da existência de posicionamentos contrapostos, tem-se que a eleição de sujeitos passivos para custear a iluminação pública, seja qual for o critério utilizado, ofenderá o princípio isonômico, ao passo em que inexiste critério válido ou praticável para a cobrança desse serviço público de todos os seus beneficiados.

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Sobre a autora
Carla Bianca Olinger Rocha

advogada em Curitiba (PR), bacharelanda em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Carla Bianca Olinger. Contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1384, 16 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9741. Acesso em: 23 dez. 2024.

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