3. Responsabilidade do sócio que ingressa na sociedade em andamento
O sócio que ingressa numa sociedade passa a ser responsável por todos os seus débitos, mesmo que os fatos geradores ou as incidências tributárias tenham ocorrido antes de sua admissão. Portanto, nessas circunstâncias, a responsabilidade do novo sócio alcança os débitos conhecidos e não-conhecidos da empresa, para os quais não deu causa, não proferiu decisão, não teve qualquer participação em sua geração.
Se a empresa for do tipo ‘responsabilidade limitada’, responde pela integralização da totalidade do capital social desta, ainda que seja para solver débitos financeiros constituídos antes de seu ingresso na sociedade. Por outro lado, se a empresa ou se a sua condição na empresa for da categoria ‘responsabilidade ilimitada’, terá o compromisso de responder ilimitadamente, com o seu patrimônio pessoal, para elidir todos os débitos da sociedade, mesmo que, repetimos, tais compromissos tenham sido gerados ou as suas incidências tributárias tenham ocorrido antes do seu ingresso no quadro social da empresa.
Vê-se, pois, que a situação do sócio que ingressa é mais constrangedora, se comparada com a do sócio que se retira, pois a responsabilidade deste limita-se ao prazo de dois anos, a contar da data da averbação de sua saída do quadro social. O sócio que ingressa passa a ser solidário por todas as dívidas sociais anteriormente constituídas. Ou seja, ingressa, ele, participando das benesses de um patrimônio social constituído -- que espera ser fonte geradora de lucros --, mas também passa a se constituir em partícipe pelo pagamento de todos os débitos anteriormente contraídos para a consolidação do mencionado patrimônio, solidariamente com os demais sócios.
O novo sócio, ao ingressar na sociedade já constituída, deve ponderar sobre todas as vantagens e riscos do ato que vai realizar. Há de se perquirir sobre o ativo e o passivo a sociedade, pesar os riscos que irá assumir com o seu ingresso. Gozará dos benefícios e dos reflexos financeiros dos negócios realizados anteriormente; é justo, pois, que se sujeite também aos respectivos riscos. (REQUIÃO, 2004, p. 434)
E, mais:
E, muito embora vasta corrente defenda ponto de vista contrário, cláusula contratual que disponha diversamente não terá valor contra terceiros, só ensejando ação regressiva entre cessionário e cedente. (ALMEIDA, 2004, p. 34)
Pode-se concluir que o ingresso de sócio em sociedade já em andamento constitui-se numa decisão de elevado risco, porque os dados contábeis nem sempre são fontes seguras de informações. Além do mais, a empresa pode ser devedora de débitos ocultos, obviamente não-contabilizados, constituídos no passado distante, que se revestem das características de uma bomba de efeito retardado. Exemplificando, podemos citar as reclamações trabalhistas e os débitos tributários.
4. Responsabilidade do sócio que se retira da sociedade
O sócio que se retira da sociedade continua responsável pelos encargos financeiros contraídos durante o período em que dela participou como cotista, pelo prazo de dois anos. Na verdade, cessa a responsabilidade do sócio que se retira da sociedade somente após dois anos a contar da data do arquivamento no Registro Público de Empresas Mercantis, da alteração contratual que resultou em sua saída, a teor do parágrafo único, do Art. 1.003, do Código Civil.
A limitação de responsabilidade pelo prazo de dois anos não se aplica aos compromissos financeiros pessoais assumidos pelo sócio, ainda que em benefício da sociedade, em títulos de créditos ou em contratos, como é o caso do aval ou de fiança, respectivamente, visto que estes se constituem em institutos que são tratados em lei própria.
O sócio que se retira da sociedade deixa de ter a responsabilidade aqui mencionada, se obtiver, de todos os credores, expressa liberação desse compromisso, fato que, embora previsto em lei, parece ser de difícil aplicabilidade na prática. É possível concluir que cláusulas contratuais que prevêem a cessão de responsabilidade do sócio, a partir do momento em que este se retira da sociedade, sem que se tenha plena anuência de todos os credores, são tidas como pactos inválidos.
Vale dizer que, a exemplo da responsabilidade do sócio que ingressa na sociedade em andamento, a do sócio que se retira é sempre compatível com a do tipo de sociedade da qual participa; isto é, limitada à integralização total do capital social, em se tratando de ‘sociedade com responsabilidade limitada’, ou de sócio comanditário, em ‘sociedade em comandita simples’; ou ilimitada -- em detrimento de seu patrimônio pessoal --, se se tratar de sociedade com responsabilidade ilimitada, como soe acontecer com as ‘sociedades em nome coletivo’ e as ‘sociedades em comandita simples’ (nesta última hipótese, para os sócios comanditados).
Não há que se confundir o patrimônio social da sociedade, com o patrimônio pessoal do sócio, em virtude da plena autonomia que reina entre eles. Desta forma, o patrimônio social não pode ser alcançado por débitos pessoais não-adimplidos, dos sócios, como é o caso, por exemplo, da realização de penhora para a garantia de embargos, em sede de execução judicial ou extrajudicial, conforme previsão legal contida nos Art. 1.022 e 1.024, do Código Civil.
O sócio Tício retira-se da sociedade XYZ Ltda. em 5 de julho de 2005 e a averbação dessa alteração social é levada à Junta Comercial somente em 8 de agosto de 2006. Dessa última data conta-se o prazo de dois anos para que os credores ou a sociedade o acionem pelas obrigações contraídas até 8 de agosto de 2006 (Código Civil, arts. 1.003 e 1.057, parágrafo único. (NEGRÃO, 2005, p. 281)
No mesmo sentido e "nos termos do Art. 1.032, do CC, a saída, morte ou exclusão do sócio não o isenta, ou a seus herdeiros, de responder pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após a averbada a resolução". (FAZZIO JÚNIOR, 2004, p. 62)
5. Responsabilidade do sócio quando da liquidação da sociedade
A liquidação de uma sociedade implica na interrupção da continuidade de novas operações empresariais, as quais ficam limitadas tão somente aos atos absolutamente indispensáveis ao encerramento das contas. Não teria sentido, em sede de liquidação da empresa, manter a continuidade da realização de atos empresariais, de compra, venda e prestação de serviços, de contratação de operações de crédito e outras, eis que incompatíveis com o processo em curso. Se, contudo, os sócios não se abstiverem da realização de novos negócios, durante a fase de liquidação da empresa, responderão, pessoalmente, de forma ilimitada e solidariamente, pelos seus atos, de acordo com os Art. 51 e 1.036, do Código Civil, sem prejuízo das repercussões criminais, mormente se se tratarem de negócios estranhos ou desnecessários à condição da empresa ora em dissolução.
É de responsabilidade do liquidante a promoção de ampla publicidade acerca da dissolução da sociedade, a teor dos incisos I e IX, do Art. 1.103, do Código Civil. O registro do ato deve ser por ele providenciado no prazo de trinta dias, conforme dispõe o parágrafo 3º., do Art. 1.151, da Lei Substantiva, respondendo por perdas e danos em caso de omissão ou demora para fazê-lo. Em ocorrendo a negligência do liquidante, nesse aspecto, qualquer um dos demais sócios poderá realizar as funções que são da alçada deste.
6. Responsabilidade do sócio-gerente
As decisões do sócio-gerente, no exercício de suas funções, têm, como parâmetros, as leis e o contrato social da sociedade. Se forem observados rigorosamente estes limites, nenhuma responsabilidade pairará sobre o sócio-gerente, tendo em vista que demonstrou ser zeloso e fiel, ativo e probo no cumprimento de seu mandato. Se observadas estas limitações, e assim mesmo a sociedade não lograr êxito em suas iniciativas, os eventuais prejuízos, diretos e indiretos, são absorvidos integralmente pela empresa, devendo ser catalogados como riscos naturais da atividade empresarial. Todavia, o sócio-gerente não fica imune à responsabilidade pessoal pelos mesmos danos, se estes forem provocados por excesso de poder por parte dele, extrapolando os limites contratuais ou colidindo com as leis vigentes, como prevê o Art. 1.016, do Código Civil.
Aqui o Supremo Tribunal Federal conteve os notáveis excessos que vinham sendo perpetrados pelo Tribunal Federal de Recursos, pois este órgão entendia que diante da insolvência e dissolução da pessoa jurídica, os sócios respondiam ilimitadamente pelos encargos tributários e previdenciários inadimplidos. Deflui-se, portanto, que inadimplência não é, obrigatoriamente, sinônimo de fraude, ilegalidade ou infração contratual. Nessa proteção legal não se inclui, obviamente, os casos de apropriação indébita, caracterizados pela retenção na fonte de contribuições previdenciárias e de imposto de renda, não recolhidos, à época oportuna, aos cofres públicos, conforme expusemos anteriormente.
Tratando-se de contribuições previdenciárias descontadas dos empregados, e não recolhidas, o sócio dirigente responde pessoal e ilimitadamente pelos atos praticados com violação da lei. (STF-1a. Turma, Rec. Extr. n. 76.289-SP, in DJU 02-01-74)
Na verdade, o sócio-gerente tem responsabilidade pessoal ilimitada não por ser sócio, mas pelo fato de que a negligência em recolher os valores descontados ocorreu no período em que exercia o comando gerencial da sociedade, como enfatiza o inciso III, do Art. 135, do Código Tributário Nacional.
Se no desempenho de seu mister, o sócio-gerente praticar atos que, por culpa dele, trouxer danos à sociedade ou a terceiros, marcados pelo excesso de poder ou por infração da lei, contrato social ou estatutos, será responsabilizado pessoalmente, e obrigado a indenizar o agente passivo, conforme determina o Art. 1.016, do Código Civil. Aqui estão enquadradas, a título meramente exemplificativo, as operações mercantis estranhas ao objeto social ou a prática, sem o consentimento dos demais sócios, de atos de liberalidade, tais como doação de bens da sociedade, venda ou oneração dos mesmos.
Da mesma forma, é vedada ao sócio-gerente a intervenção em decisão social da qual tenha interesse direito e conflitante com os interesses da organização, como preceitua o parágrafo único do Art. 1.017, do Código Civil.
O sócio-gerente responde, também, pela prática de atos que sabe, ou deveria saber, que contrariam a decisão da maioria dos demais sócios.
7. Responsabilidade pelo uso indevido da razão social da empresa
É de se admitir que no pleno exercício de suas funções, o sócio-gerente faça uso regular da razão social da empresa, o que é perfeitamente natural. Contudo, o mesmo não se pode dizer do uso da razão social da empresa para atender interesses eminentemente pessoais do sócio-gerente, o que seria indevido. Em ocorrendo tal irregularidade -- abuso ou uso indevido da razão social da empresa -- o sócio-gerente responde civilmente pelos prejuízos que causar à sociedade, sem prejuízo das penalidades criminais nas quais for enquadrado. Terceiros de boa-fé podem exigir que a empresa se responsabilize pelos desvios que o sócio-gerente praticar, tendo em vista que ela incidiu em culpa in elegendo.
Embora contrariando o contrato, eis que firmado por um só de seus diretores, é válido o aval dado a terceiro de boa-fé, em nome da sociedade anônima. Ainda que o desvio da finalidade da forma, ou a infração do seu contrato social resulte de ato de uma única pessoa dirigente da mesma, o abuso por ela cometido não exonera a sociedade da responsabilidade em face de terceiro de boa-fé. Compete à empresa zelar e observar os atos praticados por seus sócios dirigentes, não lhe sendo lícito alegar ignorância de tais atos, em prejuízo de outros, terceiros. (RE-69.028, Rel. Min. Thompson Flores)
Não seria crível sustentar a hipótese de a sociedade se locupletar da torpeza de seu próprio sócio-gerente, em detrimento de interesses de particulares que, de boa-fé, em nada contribuíram para que ocorresse o ato desafortunado. Antes de ser um preceito legal, isso é um preceito lógico, pois se assim não fosse interpretado, abrir-se-iam perspectivas para que sociedades conduzidas sob a égide da má-fé indicassem sócios-gerentes ‘laranjas’, com a finalidade de que estes praticassem toda a sorte de ilegalidades, delas a sociedade obtendo vantagens diretas ou indiretas, eximindo-se, contudo, de qualquer tipo de responsabilidade, o que proporcionaria imensa insegurança jurídica para os credores.
Impõe-se a ‘desconsideração da pessoa jurídica’, como conseqüência de abuso de poder perpetrado pelo sócio, sócio-gerente ou administrador, desde que haja provas irrefutáveis de comportamento impróprio, em prejuízo dos credores da sociedade. É uma decisão judicial cabível quando constatado abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, podendo tal medida ser requerida pelo Ministério Público ou pela parte que se julgar prejudicada.
O efeito desse remédio jurídico é que as obrigações decorrentes desses atos impróprios são estendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios que a eles deram origem, de forma que estes passam a responder ilimitadamente pelos danos causados à empresa ou a terceiros.
A doutrina anglo-americana, na qual se firmou a teoria da disregard of legal entity, baseia-se no fato de que a personificação das sociedades decorre de um ato individual de concessão do poder político. Assim, nos países que têm esse modelo, a personalidade jurídica pode ser desconsiderada, no caso de abuso, para que os sócios sejam responsabilizados pessoalmente. (HENTZ, 2003, p. 93)
Além disso, "como medida excepcional, não pode ser aplicada indistintamente a todos os sócios, mas apenas àqueles que, comprovadamente, se tenham envolvido com a situação ensejadora da sua aplicação". (CORRÊA-LIMA, 2003, p. 380)
8. Responsabilidade quando da exclusão de sócio
O sócio que cometer justa causa, decorrente de conduta que coloque em risco o conceito e a estabilidade dos negócios sociais, poderá ser excluído da sociedade, por decisão dos demais sócios, desde que estes tenham participação superior a 50% do capital social, e desde que tal iniciativa tenha previsão contratual. Neste caso, é assegurado ao sócio excluído o direito à ampla defesa, para se impedir que ele seja vítima de conduta arbitrária, que extrapole o bom-senso, por parte dos sócios indignados.
Há que se acentuar que não se pode enquadrar como ‘justa causa’ a simples divergência entre sócios, admitida numa base democrática, nem mesmo o direito de um ou um grupo de sócios minoritários fazer oposição a um ou a um grupo de sócios majoritários, pois caso contrário estar-se-ia pugnando pelo engessamento das relações sociais, na busca não-edificante de uma homogeneização dos pensamentos.
A sociedade é a titular do direito de excluir o sócio e o fará através da deliberação majoritária de seus sócios em assembléia (para sociedades com mais de dez sócios), ou reunião especialmente convocada para este fim. Note-se que nesse caso o quórum é de metade mais um dos sócios e não de ¾ ou 75% como para as demais deliberações que acarretem alteração no contrato social. (SOARES, 2004, p. 101)
Ao sócio excluído resta a alternativa de, se assim o desejar, submeter à apreciação do Poder Judiciário a decisão da maioria social.