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Legislação simbólica e recuperação empresarial

08/06/2022 às 15:50
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A principiologia contida no art. 47 da Lei 11.101/05 é bem consistente, mas nem sempre os objetivos do texto legal são alcançados ao se pedir a tutela estatal, via recuperação judicial.

Já escrevi sobre o palpitante tema e a ele volto, uma vez mais, considerando o fato de que me ocorreu a firme necessidade de apresentar novas reflexões.

De início, a legislação simbólica é justamente a terminologia adotada por Marcelo Neves em sua obra, porquanto, legislação simbólica aponta o predomínio, ou mesmo hipertrofia, no que se refere ao sistema jurídico, da função simbólica da atividade legiferante e do seu produto, a lei, sobretudo em detrimento da função jurídico-instrumental1.

A Lei 11.101/05 pode ser considerada simbólica, sem descuidar que é, efetivamente, dirigida às médias e grandes corporações, considerando, inclusive, seu custo (judicial e extrajudicial, inclusive remuneração do administrador judicial), salvo engano. Não é toda e qualquer entidade mergulhada em crise que se pode valer do regime recuperatório, considerando, enfatize-se, seu custo.

O texto normativo de 2005 assenta fundamento, basicamente, nos regimes de insolvência norte-americano e francês, como consabido. Está baseada, portanto, em sistemas jurídicos que nem sempre se coadunam com a realidade pátria2.

Desde o Projeto de Lei n. 4.376/1993 foi dito aos quatro ventos que o vetusto Dec.-Lei 7.661/45 não mais era adequando à realidade social e empresarial, sem descuidar que a economia tinha maior abrangência. De fato, não era.

Com efeito, não obstante a obsolescência do texto normativo de 1945 - redigido por notáveis juristas, diga-se de passagem, que se filiava à Teoria dos Atos de Comércio [França, 1807] -, sem se descuidar do desvirtuamento da concordata preventiva, o fato é que no ano de 2005 deixou-se de importar, por assim dizer, mecanismos jurídico-econômicos ligados à prevenção das dificuldades da entidade jurídica.

Por outro lado, não se desconhece o espírito liquidatório-solutório que havia em tal lei de 19453, mas este aspecto será discutido em outro artigo.

Por exemplo, o processo de alerta4 e a salvaguarda5 do sistema francês não encontram institutos similares na legislação nacional. A regra do art. 20-B, §1º da Lei 11.101/05 não se assemelha ao processo de alerta, existente na França, salvo engano.

É possível afirmar que a constatação prévia [diagnóstico preliminar], prevista no art. 51-A da Lei 11.101/05, é de ser considerada como importante avanço, considerando as idas e vindas em processos de reestruturação, especialmente quando, em sede recursal, o tribunal determinar suspensão dos atos porque não cumpridos os requisitos para propositura da ação.

A constatação prévia pode interromper aventuras daqueles que não reúnem as mínimas condições de estar em juízo, visando a reestruturação da empresa (atividade!).

Não é de hoje que defendo a tese de que, no caso concreto, pode o juiz determinar a perícia prévia. A ideia não é nova, como se possa pensar, porquanto:

A análise firme de todo o conjunto probatório, inclusive de novos documentos que venham a ser juntados no processo, por deliberação judicial, poderá dar ensejo à recuperação do devedor em crise, não bastando, definitivamente, que se cumpra rigorosamente o contido no art. 51 da Lei falencial, sob pena, daí sim, de serem criadas verdadeiras indústrias de recuperação judicial no Brasil, repetindo-se a situação deletéria que vinha ocorrendo com a concordata preventiva6

Não obstante a recente alteração da Lei 11.101/05, segundo dados da Serasa Experian, no mês de abril/2022 foram decretadas 40 (quarenta) falências de micro e pequenas empresas; quanto as grandes, apenas 3 (três).

De fevereiro/2021 até abril/2022 o elevado número de falências decretadas é de micro e pequenas empresas; entre março e abril/2022 caiu o número de pedidos de recuperação judicial 7. Isso é fato. O resumo é que as pequenas e micro entidades, aquelas espalhadas pelo Brasil, estão morrendo.

Demais, consoante lição de Carlos Henrique Abrão,

A inovação legal do diploma 14112/20 foi pouco sentida e impactada na atual realidade da pandemia, primeiro por privilegiar o crédito fiscal, segundo por faltar irrigação de capital para empresa que apresenta um plano consistente e por último e não menos importante a atual conjuntura não permite desenhar o verdadeiro e real retorno das empresas em termos de primar pela normalidade e colimar o lucro.

Açodamento do governo contemplando pelo Parlamento levou à aprovação de uma legislação moderna, envolvendo falência transnacional, e a possibilidade de investimentos com preferencia no recebimento do aporte, venda rápida do ativo, encerramento da falência para vislumbrar situação de regularidade, porém as circunstâncias do mercado muito se diferenciam daquela desejada pelo legislador8

O simbolismo da Lei 11.101/05 reside no fato de que foi ela introduzida no ordenamento jurídico nacional visando a tentativa de reorganização empresarial, mas não é, obviamente, direcionada a toda e qualquer entidade que busca o regime jurídico previsto no texto legal.

Não é direcionada à pequena e micro empresa, mas às médias e grandes entidades mergulhadas em crise; alguns credores do processo de reestruturação não participam e o credor tributário também tem situação privilegiada, por assim dizer.

A principiologia contida no art. 47 da Lei 11.101/05, de fato, teoricamente, é bem consistente, para não dizer eloquente, mas nem sempre os objetivos do texto legal são alcançados ao se pedir a tutela estatal, via recuperação judicial.

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A falência tem sido o caminho de muitas entidades mergulhadas em crise patrimonial, principalmente micro e pequenas pessoas jurídicas.

Demais, enquanto se buscar apenas a recuperação do crédito, dificilmente haverá o afastamento da ideia de lei simbólica. A função social da lei permanece, ainda, latente.


Notas

  1. A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 23. Grifos no original.

  2. Especialmente em relação ao Chapter Eleven do Bankruptcy Code, foi elaborado em conformidade com a crise/realidade empresarial nos Estados Unidos. Tanto lá quanto aqui, certamente se busca a solução de mercado, considerando não apenas a negociação direta das partes envolvidas no processo [devedor e credores e eventual terceiro interessado em socorrer financeiramente a entidade em crise], imperando o nítido poder de barganha. Mas, lembre-se, é o mesmo mercado que permitirá [ou não] o funcionamento regular da empresa e a mantença da pessoa jurídica em operação. A solução para a crise empresarial é de mercado.

  3. Em virtude da Constituição Federal de 1988 e Código Civil de 2002, não mais cabia falar em comerciante, mas sim em empresa, em atividade econômica organizada, nos moldes da legislação italiana de 1942 [Código Civil, art. 2082]. Cabia colocar em degrau superior a Teoria da Empresa.

  4. Trata-se de medida preventiva, quando as dificuldades não se mostram graves. Em vez de aguardar que a crise tome maiores proporções, gerando mais passivo, abre-se tal processo. Visa a descobrir as dificuldades e em breve tempo obter a recuperação, mediante adequadas medidas.

  5. Destina-se a facilitar a reorganização do devedor, a fim de permitir a continuação da atividade econômica, a mantença do emprego e apuração do passivo. O procedimento é instaurado, de forma voluntária, a pedido do devedor, sem que tenha deixado de honrar os compromissos, cabendo demonstrar as dificuldades para cumprimento das obrigações. A abertura interrompe ou impede qualquer ação judicial em face do devedor. O procedimento dará origem a um plano, após o período de observação e, se for o caso, á formação de duas comissões de credores.

  6. CLARO, Carlos Roberto. Recuperação Judicial: sustentabilidade e função social da empresa. São Paulo: LTr Editora, 2009, p. 2009. Prossegue: O tema é deveras instigante e entende-se que, arrimada a Lei n. 11.101/05 nas disposições do Código de Processo Civil, por força do art. 189 daquela, perfeitamente possível ao juiz condutor do feito determinar sejam cumpridas todas as medidas necessárias à perfeita compreensão da matéria, inclusive que se emende a petição inicial, podendo até mesmo ocorrer o seu indeferimento de plano, seguindo todo o regramento contido no Código de Processo Civil. Op. cit., p. 210. A respeito: CLARO, Carlos R.: Apontamentos sobre o diagnóstico preliminar em recuperação judicial. Abordagem zetética. In ABRÃO, Carlos H.; CANTO, Jorge L. L. do; LUCON, Paulo H. dos S. (coord.). Moderno Direito Concursal. Análise plural das Leis nº 11.101/05 e nº 14.112/20, São Paulo: Quartier Latin, 2021.

  7. <https://www.serasaexperian.com.br/conteudos/indicadores-economicos/>. Acesso: 02/06/2022.

  8. A disrupção do direito empresarial: Estudos em homenagem à Ministra Nancy Andrighi. ABRÃO, Carlos H.; TSOUROUTSOGLOU, Irini; WIEDEMANN NETO, Ney; LUCON, Paulo H. dos S.; BENETI, Sidnei. (coord.). São Paulo: Quartier Latin, 2021, p. 220.

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Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CLARO, Carlos Roberto. Legislação simbólica e recuperação empresarial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6916, 8 jun. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98333. Acesso em: 3 nov. 2024.

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