INTRODUÇÃO
O presente estudo foi motivado pela análise do artigo 8º da Lei 9.099/95[1] que impõe exclusão em rol taxativo de possibilidade de o preso ser parte no Juizado Especial Cível. A jurisprudência, até o momento, é uníssima quanto a expressa vedação legal e à incompetência absoluta do Juizado Especial Cível.
Com o advento da possibilidade do uso de novas tecnologias, principalmente para as audiências, nova discussão vem à tona quanto à possibilidade ou não do preso ser parte nos Juizados Especiais Cíveis, existindo especulações da real razão do legislador em excluir o preso da possibilidade de ser parte no procedimento sumaríssimo.
A questão restou superada nos procedimentos dos Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei 12.153/2009). Contudo, a lei especial não traz um rol taxativo quanto à possibilidade de ser parte, diferentemente do que ocorre com a Lei 9.099/95[1].
Destarte, o objetivo deste artigo é a análise do comportamento jurisprudencial atual e a possibilidade de o magistrado permitir por analogia a possibilidade do preso ser parte no Juizado Especial Cível, notadamente quanto às normas de competência e do livre convencimento do Juiz.
DA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL
O Juizado Especial Cível é regido por legislação própria, trazendo princípios importantes como da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, de acordo com o artigo 2º da Lei 9.099/95[1].
Por esse prisma mostra-se importante entender que informalidade não impõe liberdade irrestrita na aplicação de normas e inobservância aos ritos processuais. Mesmo que se entenda que os juizados especiais tratam de causas de menor complexidade, não se pode negar que, em determinadas situações, o rigor da lei deve ser respeitado, principalmente aquelas proibitivas, cujo rol é taxativo, com expressa vedação legal. De igual forma possui o juizado especial cível rito processual próprio, cuja doutrina denomina como sumaríssima, e a não observância de procedimentos objetivos impõe a extinção do feito, independente de prévia intimação da parte contrária.
A Lei 9.099/95 dispõe em seu art. 8º. in verbis Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.. [1] [grifo nosso]
Nesse sentido, deve-se analisar o dispositivo acima como norma proibitiva na qual não cabe interpretação sistêmica. Existem discussões doutrinárias sobre a possibilidade do preso ser parte nos Juizados Especiais Cíveis, contudo, não trata de mera liberalidade do juiz em entender se deve ou não ser parte, mas de uma vedação que está acima de convicções subjetivas do magistrado.
Não se pode negar a discussão existente no que tange ao preso não poder ser parte nos Juizados Especiais Cíveis. Sabe-se que esta discussão gira em torno de infundadas especulações da razão do legislador entender pela expressa vedação legal. A fundamentação de decisões de declínio de competência está na grande maioria atrelada ao fato do preso encontrar-se em cárcere, pois seria necessário uma movimentação de todo o sistema prisional, com destacamento de policiais e demais agentes para a condução do preso até a sede do fórum, uma vez que neste rito a participação de pessoa física deve ser presencial, impossível optar por representação. Trata do principio da pessoalidade imposta pelo artigo 9º da Lei 9.099/95¹ replicada no enunciado nº 20 do FONAJE[2], que reproduz que o comparecimento pessoal da parte às audiências é obrigatório.
Para discorrer sobre este tema, é imprescindível abordar acerca da capacidade de parte, amplamente discutida na doutrina quanto do estudo do Direito Processual Civil, contudo, por ser o juizado especial informal, não se encontra posicionamento doutrinário consolidado.
Consoante Edilson da Silva Costa[3] a vedação expressa de o preso ser parte no juizado não está atrelada à possibilidade ou não de estar pessoalmente nas audiências designadas, mas estará na perda ou suspensão do exercício de seus direitos:
Segundo aspecto da capacidade refere-se à capacidade de estar em juízo, isto é, não basta que alguém seja pessoa, é necessário também que esteja no exercício de seus direitos. Esta capacidade, perante a lei civil, costuma ser chamada capacidade de fato. Assim, por exemplo, o menor de idade é pessoa natural e, portanto, capaz de direitos, podendo ser parte, mas não tem ele capacidade de estar em juízo porque não está no exercício de seus direitos. A capacidade de estar em juízo equivale, portanto, à capacidade de exercício dos direitos, nos termos da lei civil. Aqueles que, por acaso, não estejam no exercício de seus direitos devem ser representados por via da representação legal. (grifo nosso).
Assim, o preso não goza da capacidade irrestrita de seus direitos civis, sendo, portanto, o verdadeiro entendimento legislativo à época em excluir o preso de ser parte no Juizado Especial Cível. Logo, deve ser representado em Juízo, esbarrando na vedação expressa imposta pelo artigo 8º acarretando na consequência prevista do inciso IV, do artigo 51, ambos da Lei 9.099/95, qual seja, a imediata extinção do feito.
Percebe-se que, alguns direitos dos presos ficarão suspensos em virtude do encarceramento até que seja solto e volte a gozar de todos os direitos cíveis disponíveis. Nessa linha, entende Thainara Dias[4] (2020, s/p.):
Sendo assim, por óbvio alguns direitos ficarão suspensos em virtude da privação do direito de ir e vir diante da situação de cárcere, até que o indivíduo seja solto e possa voltar a desfrutar de todos os direitos que trazem a dignidade da pessoa humana, no entanto alguns direitos são fundamentais não podendo o Estado se ocultar de fornecer o básico para esse atendimento. (grifo nosso).
Não se trata de uma limitação da garantia constitucional do acesso à justiça garantida ao preso, mas de uma proteção ao próprio preso que deverá se socorrer do procedimento ordinário para fazer valer o seu direito, garantindo o contraditório e a ampla defesa de forma ampla, principalmente quanto à especificação de provas e produção dessas provas.
Malgrado diversas interpretações, o judiciário tem abraçado o tema, na grande maioria interpretando que a exclusão do preso do rol taxativo de possibilidade de ser parte estaria apenas pela impossibilidade de comparecimento pessoal nas audiências. Tem-se, aqui, entendimento jurisprudencial, como exemplo:
Dada a necessidade de comparecimento pessoal do autor nas audiências do Juizado Especial, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito (art. 51, da Lei nº 9.099/1995), seriam exigidos atos concertados com o Juízo da Execução Penal sem mencionar o estabelecimento penal e uso de escolta policial para o efetivo comparecimento do autor, o que, é certo, poderia se afastar da desejada celeridade colimada pelos Juizados Especiais. (TJ-PR - CC: 00091531620188160031 PR 0009153-16.2018.8.16.0031)[5]
Por outra banda, na contramão de entendimento doutrinário e jurisprudencial, uma decisão inusitada quanto ao tema chama atenção. Nos autos nº 0006405-65.2021.8.16.0173[6] em trâmite perante o Juizado Especial Cível da Comarca de Umuarama/PR, entendeu o magistrado que o preso pode ser parte no Juizado Especial Cível fundamentando que o único impedimento estaria na locomoção do preso para as audiências, existindo dificuldades por exigir aparato policial, gerando despesas para o Estado. Por tal razão, complementa a decisão que com o advento da Lei 11.419, de 19/11/2006 (lei do processo eletrônico), bem como pela Lei 13.994 de 24 de abril de 2020, alterou a Lei 9.099/95[1] para possibilitar a conciliação não presencial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis que acrescentou o § 2º, ao artigo 22, da citada lei. Pela exposição da decisão abaixo o Magistrado ultrapassa os limites impostos, entendendo de forma arbitrária que a vedação expressa quanto à participação do preso se torna superada com os avanços tecnológicos o que permitiria assim a sua participação. Leia-se trechos da decisão:
7. E, como é sabido, não há empecilho para que o preso participe das audiências virtualmente, uma vez que, por força do disposto no artigo 185, § 2º, do Código de Processo Penal, e mais recentemente, por consequência da pandemia da Covid-19, as audiências com pessoas presas passaram a ser realizadas por videoconferências, portanto, os estabelecimentos prisionais foram (e estão) dotados de equipamentos para tal finalidade.
[...]
9. Não há dúvida, portanto, que os tempos são outros e já não se pensa mais o processo como nos idos dos anos 90. Creio até que, diante da possibilidade, legalmente admitida, da realização de audiências virtuais, impedir o preso de ser parte nos Juizados Especiais implicaria em cerceamento de seu direito de acesso ao judiciário garantido constitucionalmente (CF, art. 5º XXXV).
[...]
11. Todavia, com o máximo respeito às decisões superiores, no modesto entendimento deste Magistrado, a nova sistemática estabelecida para as audiências judiciais, possibilitando que sejam realizadas virtualmente, repita-se, torna letra morta a vedação legal a que o preso possa demandar nos Juizados Especiais.
Com respeito à livre interpretação do magistrado, mas nesse ponto merece ser rebatida a argumentação exposta, pois insurge questionar se cabe ao magistrado entender ou não ser letra morta um dispositivo em vigor, cujo rol taxativo impõe expressa vedação legal. Melhor dizendo, o livre convencimento do juiz não é irrestrito assim como entendido pelo Professor Theodoro Jr[7] (2007, p.476), a saber:
[...] a) embora livre o convencimento, este não pode ser arbitrário, pois fica condicionado às alegações das partes e às provas dos autos; b) a observância de certos critérios legais sobre provas e sua validade não pode ser desprezada pelo juiz (arts. 335 e 366) nem as regras sobre presunções legais; c) o juiz fica adstrito às regras de experiência, quando faltam normas legais sobre as provas, isto é, os dados científicos e culturais do alcance do magistrado são úteis e não podem ser desprezados na decisão da lide; d) as sentenças devem ser sempre fundamentadas, o que impede julgamentos arbitrários ou divorciados da prova dos autos.
Neste prisma, conforme acima, entendendo o juiz de pronto ser uma norma vigente letra morta, revogando-a indiretamente fere princípios fundamentais, bem como fere a segurança jurídica trazendo instabilidade ao próprio direito.
Na concepção de Artur Stamford[8] (2000, p. 101): [...] a segurança não está na fonte, na estrutura normativa, nas condições de validade da norma jurídica, mas antes, nos modelos, no conteúdo material das fontes, no procedimento, no plano de eficácia.
Logo, conclui-se que o livre convencimento motivado reflete tão somente as interpretações das normas e das ausências delas trazerem interpretações sistêmicas, mas não compete ao juiz ignorar expressa vedação legal de norma vigente.
Para Cristiano Chaves Farias[9] a interpretação do Magistrado para formação de seu livre convencimento está diretamente ligada aos casos de ausência de norma para o caso, como segue:
[...] em determinados casos, o legislador estabelece uma ordem preferencial na aplicação da normal legal, tornando subsidiária, residual, a aplicação de determinados preceitos. A partir disso, toda vez que o intérprete não localizar no sistema jurídico a norma jurídica (norma-regra ou norma-princípio) aplicável ao caso concreto, deve promover uma colmatação da norma jurídica (regras e princípios). [...]) A integração das normas jurídicas, portanto, serve para colmatar eventual ausência da norma para um caso, sem que isso implique em eventual caráter obrigatório, não vinculando outras decisões em casos análogos. (2019, p. 139 e 140)
Portanto, a utilização de norma de analogia legis será possível apenas nos casos de omissão legal, quando não for regulamentada por lei específica, não sendo o caso da participação do preso como parte nos procedimentos do Juizado Especial Cível.
Em um estado democrático de direito, deve ser respeitada, acima de tudo, as instituições de estado, especificamente o que dispõe o artigo 2º do Constituição Federal. Com a devida vênia, importante frisar que no caso em discussão não cabe ao magistrado fazer interpretações sistêmicas e por suas convicções julgar ser letra morta o artigo 8º da Lei 9.099/95, posto que o dispositivo continua vigente e, além do mais, competiria exclusivamente ao Legislativo a revogação do mesmo.
Não se pode deixar de lado a defesa do direito, a lei não se afasta por mera convicção do magistrado, principalmente daquelas com expressa vedação legal como o rol taxativo do artigo 8º da Lei 9.099/95. Assim dizendo, deve ser ponderada a separação dos poderes e os seus limites, principalmente a função que cabe, exclusivamente, ao Poder Legislativo e não ao Poder Judiciário em revogar, ainda que indiretamente, entendendo ser letra morta uma norma, que trata, da autonomia do direito e a defesa da legalidade.
Nesse interim, impõe-se análise detida no que dispõe o artigo 51, VI da Lei 9.099/95, que prevê:
Art. 51. Extingue-se o processo, além dos casos previstos em lei:
[...]
IV- quando sobrevier qualquer dos impedimentos previstos no art. 8º desta Lei.
Note-se que o texto da lei não exclui o preso de ser parte com alguma condição suspensiva, mas simplesmente o exclui de ser parte, determinando, inclusive a imediata extinção do feito, sem análise do mérito.
Para que não restem dúvidas quanto ao tema, observa também que há o Projeto de Lei 3796/19[10] em tramitação, que discute a possibilidade do réu ser representado em ação movida no Juizado Especial Cível, mas o projeto em questão não faz referência quanto ao preso ou discute a sua permissão de ser parte nos juizados o que demonstra a rigidez das proibições constantes do artigo 8º da lei 9.099/95, não sendo letra morta, não há sequer atenção do parlamento neste sentido. Resta reforçado que o Poder Judiciário deve ser um fiel aplicador da legislação vigente e nos casos em que se entende necessário a revogação da lei, como dito, compete exclusivamente ao Poder Legislativo, conforme determina a legislação pátria.
Portanto, caso não seja extinto o processo e acarretando final sentença de mérito sendo parte o preso, a sentença será totalmente nula por ser proferida por juízo absolutamente incompetente. A Jurisprudência é unânime neste sentido em entender que trata de incompetência absoluta, como exemplo o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul TJ-RS Recurso Cível: 71008129413 RS[11], conforme ementa:
RECURSO INOMINADO. MUNICÍPIO DE PAROBÉ. RÉU PRESO. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA RECONHECIDA. O art. 8º, caput, da Lei nº 9099/95, aplicável subsidiariamente aos Juizados Especiais da Fazenda Pública por força do art. 27 da Lei Nº 12.153/09, dispõe que não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil. No caso em tela, o autor estava recolhido na Penitenciária Estadual do Jacuí desde 27.11.2007, não podendo, pois, ser parte perante os Juizados Especiais nos termos do art. 8º, caput, da Lei nº 9.099/95. A teor do art. 64, § 1º, do CPC/2015, a incompetência absoluta pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição e deve ser declarada de ofício . Logo, deve ser reconhecida, de ofício, a incompetência do Juizado Especial da Fazenda Pública, com a consequente redistribuição dos autos ao juízo competente, observando-se o disposto no art. 64, § 4º, do CPC/2015. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA RECONHECIDA DE OFÍCIO. EXAME DO MÉRITO DO RECUSO INOMINADO PREJUDICADO. (Recurso Cível Nº 71008129413, Terceira Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: José Ricardo Coutinho Silva, Julgado em 28/03/2019). (TJ-RS - Recurso Cível: 71008129413 RS, Relator: José Ricardo Coutinho Silva, Data de Julgamento: 28/03/2019, Terceira Turma Recursal da Fazenda Pública, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 04/04/2019)
Outro ponto ainda amplamente debatido está no fato de que é permitido ao preso ser parte no Juizado Especial da Fazenda Pública. Ocorre que a permissão acontece em decorrência da Lei 12.153/2009 não trazer o rol taxativo tal qual a Lei 9.099/95[1], havendo, assim, ausência de óbice legal.
O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (autos nº 0055823-40.2020.8.16.0000) entendeu quanto à possibilidade do preso ser parte, porém o incidente citado analisou exclusivamente no âmbito do Juizado Especial da Fazenda Pública e não no âmbito do Juizado Especial Cível. Segundo o Desembargador Relator Rogério Luis Nielsen Kanayama, a Lei 12.153/2009 não possui rol taxativo tal qual a lei específica do Juizado Especial Cível, não excluindo o preso de ser parte. Vejamos fragmentos da decisão:
Significa dizer, então, que, não obstante seja possível ao intérprete analisar os aspectos temporais, espaciais e até sociais da lei, a interpretação está sempre atrelada à norma. E, na hipótese do art. 5º, I, da Lei nº 12.153/2009, o texto normativo é claro e suficiente quanto à legitimidade de toda e qualquer pessoa física de integrar o polo ativo no Juizado Especial da Fazenda Pública.
Logo, eventuais adversidades e não impossibilidades, como quer fazer crer o Estado do Paraná relacionadas ao cumprimento de atos processuais não podem justificar uma interpretação diversa do texto normativo, o qual garante à pessoa presa o direito de litigar no Juizado Especial da Fazenda Pública.
Outrossim, não se pode ignorar que a criação do Sistema dos Juizados Especiais está baseada na democratização do acesso à Justiça e na garantia de uma prestação jurisdicional menos onerosa àqueles que não possuem condições de arcar com os custos diversos que envolvem a tramitação do processo na Justiça Comum.
Destarte, restringir o acesso da pessoa presa ao Juizado Especial da Fazenda Pública, não havendo óbice legal para tanto, é, de fato, limitar o direito constitucional previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.
Por todo o exposto, proponho a fixação da seguinte tese: a pessoa presa é parte legítima para figurar no polo ativo de demanda ajuizada no Juizado Especial da Fazenda Pública.
Conforme o decidido acima, fixou-se o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná a tese de que a pessoa presa é parte legítima para figurar no polo ativo de demanda ajuizada no Juizado Especial da Fazenda Pública, mas pelos fundamentos, repisa-se, por não haver expressa vedação legal na Lei 12.153/2009, diferente do que ocorre no artigo 8º da Lei 9.099/95, não havendo aqui conflitos entre as normas, podendo existir aplicação subsidiária e harmônica entre elas.
CONCLUSÃO
Em consonância com decisões recentes e análise detalhada da legislação vigente, o tema em questão merece uma atenção minuciosa por parte do aplicador do direito, pois o rol taxativo do artigo 8º da Lei 9.099/95 encontra-se vigente e não há nenhuma movimentação legislativa para se revogar ou alterar o mesmo. Logo, qualquer interpretação sistêmica fere diretamente o estado democrático de direito e acima de tudo a estabilidade do próprio direito, uma vez que qualquer interpretação análoga diferente do artigo citado acarretaria em decisão proferida por juízo absolutamente incompetente, o que gera total insegurança jurídica.
Não se discute que os tempos são outros. Com o avanço tecnológico e a modernização do Judiciário, é possível a realização de audiências virtuais, mas a expressa vedação do artigo 8º da Lei 9.099/95 não está atrelada ao principio da pessoalidade, mas à suspensão ou perda dos direitos civis do preso, que o privará de uma defesa ampla, já que os procedimentos nos juizados especiais são informais.
Por fim, resta superada a aplicação da mesma regra da recente permissão do preso ser parte no Juizado Especial da Fazenda Pública, pois a Lei 12.153/2009 (lei especial) não exclui o preso de ser parte, possibilitando neste caso uma interpretação sistêmica, inclusive quanto à subsidiariedade com a Lei 9.099/95. Isso possibilita dizer sem sombra de dúvidas que o preso é parte ilegítima em qualquer procedimento do Juizado Especial Cível e que este é absolutamente incompetente para o processamento e julgamento de todas as ações em que é parte o preso.
REFERÊNCIAS
[1] BRASIL, Lei nº. 9.099/95, de 26 de setembro de 1995 (Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm.
[2] FONAJE, Fórum Nacional de Juizados Especiais. Disponível em https://www.amb.com.br/fonaje/?p=32.
[3] COSTA, Edilson Silva. A representação da pessoa natural nas audiências dos Juizados Especiais Cíveis estaduais, 2005. Disponível em: https:// https://jus.com.br/artigos/7066/a-representacao-da-pessoa-natural-nas-audiencias-dos-juizados-especiais-civeis-estaduais/. Acesso em: 04 jun. 2022.
[4] DIAS, Thainara. Direitos Perdidos e Suspensos na Condição de Preso, 2020. Disponível em: https://direitoreal.com.br/artigos/direitos-perdidos-e-suspensos-na-condicao-de-preso/. Acesso em: 04 jun. 2022.
[5] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. TJ-PR - CC: 00091531620188160031 PR 0009153-16.2018.8.16.0031 (Acórdão), Relator: Desembargador Leonel Cunha, Data de Julgamento: 19/03/2019, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 21/03/2019
[6] BRASIL. TJ-PR Ação de Indenização PR 0006405-65.2021.8.16.0173 (Decisão Interlocutória), Juiz Jair Antonio Botura, Data da decisão: 04/04/2022, Juizado Especial Cível de Umuarama/PR, Data de Publicação: 10/04/2022
[7] THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento, 47. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2007.
[8] STAMFORD, Artur. Decisão judicial: dogmatismo e empirismo, Curitiba: Juruá, 2000.
[9] FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVAL, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB. 17a ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2019. p. 139 e 140.
[10] BRASIL. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 3796/2019. Altera a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, para tornar possíveis, nos Juizados Especiais Cíveis, a representação do réu em audiências realizadas em comarca diversa daquela em que ele resida e o uso da videoconferência ou de recursos tecnológicos análogos para a prática de atos processuais. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2210110/. Acesso em: 05 jun. 2022.
[11] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. TJ-RS - Recurso Cível: 71008129413 RS (Acórdão), Relator: José Ricardo Coutinho Silva, Data de Julgamento: 28/03/2019, Terceira Turma Recursal da Fazenda Pública, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 04/04/2019)