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Sob holofotes e fachadas

14/06/2022 às 17:15
Leia nesta página:

O excesso de informações policiais fornecidas à imprensa, sobretudo em relação a técnicas e recursos, compromete o bom andamento de investigações.

Tem sido quase que uma constante nos últimos meses a cobertura pela imprensa sergipana de grandes operações promovidas pela Polícia Civil, suscitando, dentre outros, o questionamento acerca do real impacto destas para o efetivo combate à criminalidade, geralmente, tendendo-se à interpretação de que tal iniciativa corresponde apenas peças publicitárias com fins à promoção pessoal do secretário, superintendente ou então da respectiva instituição.

Em que pese o fato de que a atual reclamação é diametralmente oposta à que há pouco se fazia, que no sentido de que não se verificava grande empenho dos policiais no combate à criminalidade, é razoável imaginar que cedo ou tarde algo teria que ser feito para dar um retorno à sociedade quanto ao grande investimento que se fez nessa área. Mas aí retoma-se a questão: até que ponto megaoperações com cobertura pela imprensa resolvem?

Inicialmente, é preciso reconhecer que havia o sentimento de que dúzias de falhas aconteceram ao longo dos anos na gestão da segurança pública sergipana e que isso, provavelmente, teve significativo impacto na sensação subjetiva de aumento dos índices de violência. Não à toa, também, a imagem das polícias chegou a um nível preocupante de desgaste junto à população, contexto que em muito contribui para o aumento da ousadia dos bandidos, assim como à percepção de que o crime em Sergipe compensa.

Lógico nesse contexto que a cobertura pela imprensa de operações policiais, bem como dos seus resultados, tem intenções midiáticas que atendem aos interesses de ambos, jornais e polícias. Contudo, se isso fosse realmente algo negativo, a imprensa jamais teria atingido o reconhecimento de farol da democracia. Assim, é imperioso que o cidadão seja informado das formas e áreas de atuação da polícia judiciária, até para que nunca voltemos aos tempos de porões e extermínios. Mas é lógico também que o excesso de informações fornecidas à imprensa, sobretudo em relação às técnicas e recursos, compromete o bom andamento de investigações futuras. Tanto é verdade que os grandes bandidos do nosso país evitam ao máximo o uso celulares para os seus negócios.

Entretanto, quando o holofote se dá apenas como ferramenta de informação, ou mesmo de publicidade, não apenas se presta contas e mostra-se serviço, como ajuda a melhorar a imagem da instituição. Mas, pode-se perguntar, qual a vantagem disso, senão a de inchar egos? Ocorre que um dos grandes entraves ao trabalho da polícia judiciária diz respeito à chamada cifra negra, ou seja, os crimes que jamais chegam a ser comunicados às autoridades, principalmente em virtude do descrédito quanto às instituições policiais. Até porque, ao ter que procurar a polícia judiciária para registrar uma ocorrência, o indivíduo já foi vítima não apenas do bandido, mas de uma falha do trabalho policial preventivo que, naturalmente, não tem como ser onipresente.

Assim, melhorar a imagem junto à população através da divulgação dos resultados de operações exitosas constitui-se em verdadeiro serviço de utilidade pública, correspondente a incentivar às vítimas para que noticiem os crimes que sofreram, bem como para que cobrem resultados igualmente exitosos, tanto quanto os das operações divulgadas. Isso sem ignorar que, tão importante quanto, é incentivar ao cidadão comum para tenha coragem e disposição de fornecer sua denúncia, ainda que anônima, importantíssima para a elucidação de diversos crimes.

Em contrapartida, no afã de mostrar serviço, não é raro que presos tenham seu nome e imagem expostos à execração pública, o que gera uma gama de situações preocupantes. A cada exibição de presos ou do nome destes à imprensa, fica-se imaginando que a Defensoria Pública e a OAB vão encher de processos os gestores da polícia e os editores do jornal, no mínimo, por violação em tese do princípio da presunção de inocência. Até porque, se a polícia peca em divulgar mais do que seria prudente, até que ponto a imprensa pode ser tratada como neutra e sem responsabilidade sobre o que divulga?

Note que não se defende aqui nenhuma modalidade de censura, pelo contrário, não fossem a liberdade de imprensa, com certeza o Brasil estaria imerso no mar de corrupção e impunidade. O que se discute aqui é o feito prático da exibição cinematográfica das operações policiais. Ou alguém tem dúvidas sobre a relevância da apreensão de 480 mudas de maconha em Nossa Senhora das Dores, realizada em março desse ano? Ou dos resultados da Operação João de Barro, com potencial de sanar uma verdadeira sangria fiscal e, simultaneamente, potencializar em alguns milhões a arrecadação do Estado? Ou ainda da apreensão de dezenas de pedras de crack na outrora pacata Campo do Brito? Ou mesmo da descoberta de uma plantação com cerca de 600 pés de maconha em Monte Alegre? Todas as referências decorrem de operações deflagradas somente neste ano. Enfim, são ou não fatos de interesse público?

Outro ponto que recentemente andou merecendo destaque é o índice de letalidade das polícias brasileiras, dentre elas a sergipana. Antes de mais nada, devemos retomar o que foi dito sobre a antiga morosidade da polícia ter contribuído para o aumento da ousadia dos bandidos e para a difusão da imagem de terra onde o crime compensa, para então perceber, não como desejável e sim como lógico, o aumento das reações dos bandidos frente à ação dos bandidos frente à ação policial, com o consequente aumento das situações de confrontos.

Normal que a primeira reação seja a de jogar pedra nos policiais, historicamente ungidos à posição de Genis da sociedade. Mas, sendo isso verdade, deveríamos juntos cobrar do Ministério Público a representação efetiva contra esses policiais e não apenas a requisição de informações. Sempre tendo a dimensão de que diante de uma situação de matar ou morrer é irrazoável esperar que o policial opte pelo óbito. Assim como é irrazoável crer que todo criminoso vai se entregar pacificamente.

Por fim, é inegável que ainda existem equívocos a serem superados, mas há dois pontos que precisam ser definidos, primeiro se a sociedade prefere uma polícia que vez por outra presta contas dos seus atos e operações, tornando-se visível ao cidadão para que este sinta-se mais seguro e confiante no poder punitivo estatal, ou o modelo de polícia invisível cujos gestores sempre dizem que estão trabalhando, mas que ninguém vê? Segundo, até que ponto a sociedade está madura para legitimar e acompanhar o trabalho policial enquanto política de Estado, voltada ao cidadão, independente dos jogos políticos que costumam dar a tônica do que se divulga sob os holofotes da imprensa como fachada para escusos interesses partidários.

SOBRE HOLOFOTES E FACHADAS PARTE 2

Mais de dez anos da publicação de Sobre Holofotes e Fachadas, assusta o quanto ele continua atual, o que de um lado denota a dificuldade brasileira de reconhecer e enfrentar seus problemas e do outro a insignificância deste autor cujas advertências restaram ignoradas.

Lógico que muitas revisões seriam necessárias, ainda que não na essência, afinal, nos idos de 2009 não tínhamos, por exemplo, os policiais blogueiros que não raro, segundo veiculado pela imprensa, utilizaram e até forjaram operações policiais para autopromoverem-se, e que menos raro ainda usaram a popularidade para galgarem mandatos políticos.

Também seria interessante a referência ao fato de que a nova lei do abuso de autoridade (Lei nº 13.869/2019) tipificou a exposição indevida da imagem do preso, culminando à prática uma pena de detenção que pode chegar até a quatro anos.

Ao invés disso, creio que mais oportuno do que a revisão seria uma continuação, notadamente após a repercussão internacional da morte de Genivaldo de Jesus Santos, sobretudo após, no dia 30/05/2022, representantes da OAB protocolarem junto à Polícia Federal um pedido para que os Policiais Rodoviários Federais sejam presos cautelarmente.

Curiosamente, representantes da mesma entidade, há pouco mais de dois anos, bradavam contra a prisão antes da condenação penal transitada em julgado, inclusive protocolaram junto ao STF uma das ações (ADC 44) nas quais a Corte Suprema voltou a aderir ao entendimento em tela.

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O fundamento para o atual posicionamento da Ordem é que a gravidade em abstrato do crime justificaria a segregação cautelar, tese que há muito é refutada pelos tribunais superiores (vide, como exemplo, a decisão do STJ no HC 616.535, prolatada em 16/12/2020).

Fora esse argumento, que não encontra amparo na jurisprudência, não há nada que justifique o que agora se pede, sobretudo porque não há um único indício de que os policiais estejam atrapalhando de alguma forma à apuração dos fatos.

Assim, sob o discurso falacioso de proteção da sociedade, pleiteia-se exatamente o oposto do que se pedia sob o mesmíssimo argumento, com a diferença de que o faziam em favor de condenados por corrupção (crime, aparentemente, de menor gravidade).

Perceba que nada impede que, ao final de um processo justo, os policiais sejam condenados e presos, mas qual o benefício seria trazido às investigações caso a prisão seja efetivada agora?

Ao devido processo legal, à presunção de inocência e à natureza preservadora do inquérito policial, com certeza, seria nenhum. Nem mesmo às investigações, uma vez que, com as prisões, seu prazo seria reduzido drasticamente.

Sobre esse aspecto, também chama atenção os brados pela celeridade da conclusão do inquérito, não parecendo a quem os ouve que o fato aconteceu há menos de uma semana, de modo que ainda falta muito para o esgotamento do prazo para conclusão do inquérito.

Aparentemente, quando os investigados são policiais e não políticos corruptos, a OAB adota diferentes interpretações em relação a prazos legais, bem como a direitos e garantias processuais.

Note-se que em nenhum momento defendeu-se aqui a impunidade dos policiais rodoviários federais, mas apenas respeito a direitos e garantias processuais, igualmente para todos, bem como coerência (já que não existe defesa da cidadania se ela for seletiva em função da qualidade do réu).

Também não se vai aprofundar aqui no retumbante silêncio da mesma OAB no caso da morte de dois Policiais Rodoviários Federais, ocorrida há mais ou menos duas semanas no Ceará.

Mas pra quem acha que esse silêncio pode ser fruto da distância geográfica entre os dois fatos, saiba que não houve qualquer manifestação de apoio às famílias ou cobrança por prisões, por parte dos mesmos atuais defensores da justiça, no assassinato dos policiais civis Marcos Luis Morais e Fábio Alessandro Pereira Lopes, em 17/12/2020, na mesmíssima cidade de Umbaúba/SE.

Por todo o exposto, tem-se uma ideia do quanto o país tem a evoluir em matéria de proteção aos direitos, sobretudo para que ela um dia seja real e em função dos fatos em si e não da natureza da vítima, do autor, ou do potencial midiático da situação.

Por fim, minha solidariedade aos que morreram e meu desejo de melhoras aos ideais de Justiça, que permanecem no leito de morte (mais uma vez em Umbaúba).

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Sobre o autor
Ricardo dos Reis Tavares

Formado em Direito pela FASE. Aprovado no X Exame Unificado da OAB (2013.1). Formado em Pedagogia. Pós graduado em Direito, Políticas e Gestão em Segurança Pública, pela FASE (2011), Pós graduado em Direito Penal e Processual, pela FASE (2017).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAVARES, Ricardo Reis. Sob holofotes e fachadas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6922, 14 jun. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98570. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Texto originalmente publicado na edição 1377 do Jornal CINFORM, que circulou em Sergipe em 2009, no período de 31/08 a 06/09, com pequenas alterações de revisão textual.

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