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Injusta, mas ainda assim merecida

17/06/2022 às 16:00
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A prisão de Daniel Silveira é consequência direta de uma sucessão de arbitrariedades que foram sendo cometidas pela Corte Suprema.

Há pouco o meio político brasileiro entrou em polvorosa com a prisão em flagrante do Deputado Federal Daniel Silveira, apoiador ferrenho do atual presidente. Envolta em uma série de controvérsias jurídicas, a segregação cautelar foi remetida à Câmara Federal onde, após o parlamentar receber um nível de rejeição apenas superado pela do Nego Di e a da Karol Conká no Big Brother Brasil, acabou referendada, dando início a uma novela que ainda parece sem previsão para acabar.

Longe de pretender adentrar no debate acerca da legalidade ou não da prisão, pretende-se aqui refletir, ainda que superficialmente, no quanto ela é, na verdade, consequência direta de uma sucessão de arbitrariedades que foram sendo cometidas pela Corte Suprema, via de regra sob o aplauso das mesmas pessoas que agora estão a jogar pedras.

Onde estavam esses atuais defensores da constitucionalidade em 2017 quando o STF, no julgamento do ARE 654432, estabeleceu que o art. 37, VII cumulado com o art. 9º da Lei Maior simplesmente não se aplica aos operadores de segurança pública, numa extensão fracionada e teratológica da vedação trazida especificamente aos militares pelo art. 142, §3º, inciso IV do mesmo diploma.

Indo na contramão do dogma segundo o qual deve-se dar interpretação extensiva aos direitos e garantias fundamentais, os ministros, arvorando-se constituintes, estabeleceram que a vedação ao exercício do direito de greve, trazida no inciso IV do § 3º, do art. 142 da Carta Magna, apesar de em sua literalidade referir-se exclusivamente aos militares, também deve ser aplicada aos servidores públicos civis da segurança pública. E ainda o fizeram de forma fracionada, uma vez que mantiveram o direito à sindicalização.

Onde estavam esses baluartes constitucionalistas em 2019, quando no julgamento da Ação Direta por Omissão 26 e o Mandado de Injunção 4733, ignorando a separação de poderes e o papel do legislador, fixaram teratológica exceção à vedação à analogia penal in malam partem definindo de que a homofobia equipara-se aos crimes de racismo da Lei nº 7.716/1989, dessa forma criando (legislando) um novo tipo penal?

Onde estavam ainda, nos últimos anos, nas reiteradas decisões em que o STF legitimou aos Estados o não pagamento de reajusta anual dos servidores públicos, opondo-se ao que bem determina o art. 37, inciso X da Lex Mater, permitindo-se, inclusive, que o dispositivo constitucional seja suspenso por uma lei complementar (LC nº 173/2020)?

Note-se que apesar das reiteradas críticas dos políticos brasileiros ao STF, elas sempre estão pautadas em critérios de conveniência, nunca em questões exclusivamente técnicas. Tanto que não é raro que um mesmo político chame a corte suprema de acovardada, vendida ou de qualquer outra de igual jaez, também louve a autoridade das decisões prolatadas pelo mesmo órgão, quando lhe são favoráveis ou convenientes.

Nesse contexto é que decisões completamente teratológicas, como as já referidas, não apenas foram aceitas como foram aplaudidas. Também nesse contexto que os servidores públicos em geral e os operadores em específicos cada vez mais são vilipendiados em seus direitos mais básicos, sem ter como se defender, pois se outrora podiam pedir socorro ao Judiciário, hoje pedem socorro por causa dele, ao mesmo tempo em que os Chefes do Executivo são cada vez mais dispensados dos seus deveres de gestão.

Se o dinheiro é desviado, se dívidas milionárias deixam de ser cobradas, se isenções injustificáveis são concedidas, se empréstimos absurdos são contraídos ou se pessoas apadrinhadas são contratadas para cargos em comissão para desempenhar atividades que ninguém sabe nem tenta procurar saber, não tem problema majorar a tributação do salário dos servidores para cobrir o rombo, bem como negar-lhes, por exemplo, o direito à reposição inflacionária anual, convertendo, na verborragia política demagógica, tais direitos em privilégios.

Ninguém é responsabilizado pela desonestidade ou incompetência na gestão do erário. Tudo vai para diretamente para a conta dos servidores e indiretamente para a de todos os cidadãos, cada vez mais alijados de um serviço público de qualidade (ainda que este seja o único que lhes resta quando não têm mais condições de contratar o privado).

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Sobre o autor
Ricardo dos Reis Tavares

Formado em Direito pela FASE. Aprovado no X Exame Unificado da OAB (2013.1). Formado em Pedagogia. Pós graduado em Direito, Políticas e Gestão em Segurança Pública, pela FASE (2011), Pós graduado em Direito Penal e Processual, pela FASE (2017).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAVARES, Ricardo Reis. Injusta, mas ainda assim merecida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6925, 17 jun. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98571. Acesso em: 3 out. 2024.

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