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O dark side da pejotização dos médicos

17/06/2022 às 14:00
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A pejotização pode ser muito vantajosa para ambos os lados. Mas há riscos, que não sendo observados, podem representar um prejuízo muito grande para os médicos.

No último dia 23/02, a primeira turma do Supremo Tribunal de Federal (STF) julgou ser válida a contratação de serviços médicos através de Pessoas Jurídicas. A maioria dos ministros entendeu que a modalidade não é uma forma de burlar a legislação trabalhista, caso não estejam presentes os requisitos da relação de emprego.

Na ação, o Ministério Público do Trabalho (MPT) questionava a modalidade, sustentando que os médicos somente poderiam ser contratados como pessoas físicas, em regime trabalhista. Inicialmente o TRT da 5ª região havia dado procedência ao pleito do MPT, mas agora o STF reformou a decisão, declarando como válida e lícita esta forma de contratação.

O fenômeno da pejotização se desenvolveu em todos os setores através da Lei Federal 13.429/2017, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A chamada reforma trabalhista inovou ao permitir a terceirização dos quadros de colaboradores, inclusive para a atividade-fim das empresas. E no caso dos médicos, a grande expansão se deu durante a pandemia, com o crescimento da demanda pelos profissionais. 

Para o médico, o cerne da questão é a tributação sobre a sua renda. Enquanto a distribuição de dividendos para sócios das empresas é isenta de Imposto de Renda, no caso da contratação pela CLT, até 27,5% é retida para pagamento do IR. Desta forma, abrir uma PJ e receber por ela pode ser muito vantajoso, desde que observados e mitigados os riscos contratuais, fiscais e tributários.   

Para o contratante, o foco central são os custos sobre a folha de pagamento. A pejotização o livra de uma série de encargos (como aviso prévio, 13º, férias, FGTS, adicionais de insalubridade e periculosidade, adicional noturno, e até licença maternidade), que oneram a folha em até 37%, fora o passivo trabalhista judicial.

  É exatamente aí que reside o primeiro risco: a contratação através de PJ pode ser uma estratégia dos contratantes, para driblar os direitos trabalhistas dos médicos e camuflar uma relação de emprego, lesando os direitos dos empregados e evitando o passivo trabalhista. Seria a contratação de forma terceirizada, quando na verdade não há terceirização alguma, somente a ocultação de um vínculo empregatício.   

A diferença entre um quadro e o outro, é a existência da má fé dos tomadores de serviços, para ocultação dos requisitos que constituem o vínculo empregatício, que são cumulativamente: pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade, todos previstos no art. 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT):

Art. 3º - Considera-se empregado, toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

No dia a dia dos médicos, nota-se que em muitos casos os requisitos estão presentes, em que pese a contratação como PJ. A pessoalidade pode ser identificada pela prestação de serviços de forma pessoal (embora em regra, não haja exclusividade). A habitualidade e onerosidade, no fato de os profissionais atuarem pelo menos 2 vezes por semana nos mesmos nosocômios, sendo remunerados pelas horas trabalhadas. E a subordinação pode residir na sujeição às regras e diretrizes dos hospitais (como escala de plantões e regimento interno). Ou seja, cabe sempre uma análise caso a caso, para que se verifique a existência dos requisitos do vínculo empregatício.

  A pejotização dos médicos é cada vez mais, uma realidade consolidada. Sobretudo após o aceno positivo do STF. E todas as nuances aqui apresentadas deixam claro que, tanto os tomadores de serviços quando os médicos, precisam se precaver ao adotar a modalidade. A legislação brasileira é altamente complexa, e a volatilidade dos nossos tribunais sujeita todas as regras a uma grande variação de interpretação. É essencial que, tanto as empresas quanto os médicos, contem com um suporte jurídico especializado, para que os riscos sejam devidamente mapeados, e mitigados. Pois a formação médica não prepara o profissional para lidar com a gestão jurídica de seus negócios, e suas nuances nas searas contratual, fiscal e tributária. Não adianta economizar em impostos agora, e criar um passivo monstruoso para o futuro.

Importante ressaltar que a decisão do STF contraria decisões recentes do TST, como por exemplo, a que reconheceu o vínculo empregatício entre motoristas autônomos e a empresa Uber, publicada em 11/04/2022. Mas está de acordo com decisões anteriores do próprio STF, ao considerar que os profissionais hipersuficientes e que exerçam atividades intelectuais, possuem plena capacidade de avaliar e decidir sobre seu regime de contratação (entendimento que fere, contudo, as regras da CLT). Ou seja, um conflito de entendimentos digno das nossas instituições jurídicas e tribunais.

Por fim, cabe chamar a atenção a um último aspecto: atuando como profissional liberal, o médico responde de forma subjetiva, dependendo da comprovação de culpa (negligência, imprudência ou imperícia) para ser responsabilizado.  Contudo, como PJ ele passa a fazer parte da cadeia de consumo, e responde da mesma forma que o hospital ou a clínica: de maneira objetiva (independente de culpa), podendo responder objetivamente até mesmo pela ausência em um plantão (o que em condições normais, só responderia administrativa e eticamente). Mas como PJ, eventuais danos ao consumidor não recairiam somente sobre o hospital, mas também à outra empresa responsável (o médico). Ou seja, como PJ o médico passa a responder junto do hospital, até pelas consequências do que não fez.

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  Por todos estes motivos, entendemos que a pejotização dos médicos representa a modernização da relação entre as partes, podendo ser muito vantajosa para ambos, dado o alto custo diante dos encargos da relação pela CLT. Contudo, há um Dark Side que, caso não seja observado, pode representar um prejuízo muito grande ao médico, por todos os riscos envolvidos.

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Sobre o autor
Renato Assis

Advogado inscrito na OAB dos estados de BA, ES, MG, PR, SP e RJ; Professor de Direito e empresário; Graduado em Direito pela Universidade FUMEC-MG; Especialista em Direito Processual pela PUC-MG; Especialista em Direito Médico pela Universidade de Araraquara/SP; MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas/RJ; Especialista em Direito Ambiental e Minerário pela PUC/MG; Professor do curso de Direito Médico e Odontológico da UCA (Universidade Corporativa da ANADEM); Autor do livro “Direito Processual e o Constitucionalismo Democrático Brasileiro” – 2009; Autor do livro “Socorro Mútuo: Como a Proteção Veicular revolucionou o mercado de Proteção Patrimonial e de Seguros do Brasil” – 2019; Conselheiro Jurídico e Científico da ANADEM – Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética; Acadêmico Efetivo e Vitalício na área de Ciências Jurídicas da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Membro da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro; Membro da WAML – World Association for Medical Law; Presidente da Unidade Brasil da ASOLADEME – Associación Latinoamericana de Derecho Médico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSIS, Renato. O dark side da pejotização dos médicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6925, 17 jun. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98645. Acesso em: 22 dez. 2024.

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