Sumário: 1. Introdução. 2. Os métodos interpretativos desenvolvidos e suas respectivas escolas. 2.1. As interpretações sistemática e teleológica aplicadas ao caso. 2.2. A solução adotada pelo pós-positivismo. 3. A evasão e a elisão fiscal. 4. A dissimulação. 5. A norma antielisiva do art. 116, § Único do CTN. 6. Conclusão. 7. Referências bibliográficas
1. INTRODUÇÃO
Com o advento da Lei Complementar 104, publicada em 10 de janeiro de 2001, várias alterações foram introduzidas no Código Tributário Nacional. Indubitavelmente, a que vem causando maiores discussões é a que dispõe o art. 116, parágrafo único:
"Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:
I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;
II – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos do direito aplicável.
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária."
Destarte, depreende-se que foram conferidos poderes à autoridade administrativa para atuar em casos de dissimulação da ocorrência do fato gerador por parte do contribuinte, tornando tais atos ou negócios jurídicos como inexistentes.
Doutrinariamente, não há consenso acerca da constitucionalidade do dispositivo em voga, embora a posição que entendemos de acordo com os fundamentos expostos ao longo do presente trabalho acerte pela constitucionalidade do dispositivo. Enquanto alguns doutrinadores defendem a impossibilidade da adoção de tal mandamento diante da presença de cláusula antielisiva genérica e do primado da segurança jurídica, princípio consagrado pela Constituição de 1988, que tem como corolários os princípios da legalidade e da tipicidade, outros doutrinadores, como o prof. Marco Aurélio Greco1, defendem a alteração em tela, desde que respeitados os limites constitucionais ao poder de tributar, com vistas a consagração de norma de combate ao planejamento tributário ardiloso e sem escrúpulos, instituto usado para pagar menos tributos, que diminui a arrecadação estatal e onera os outros contribuintes na mesma situação.
Em face da recente alteração trazida pela Lei Complementar 104/01, a questão da viabilidade e do alcance desta "cláusula antielisiva genérica" ainda não alcançou nossos tribunais, daí a matéria estar até o presente momento circunscrita tão somente à opinião dos doutrinadores.
Com o intuito de um aprofundamento maior do tema e de sanar eventuais dúvidas, torna-se necessário, inicialmente, demonstrar as escolas que se seguiram na busca pela interpretação correta da lei tributária desde o século XIX até os dias atuais (interpretação sistemática, interpretação teleológica e pluralidade metodológica), bem como fazer a diferenciação dos conceitos de evasão e elisão fiscal e estabelecer o alcance e o significado do termo dissimulação, empregado pelo legislador no art. 116, parágrafo único do CTN, para finalmente chegarmos à conclusão que melhor que se coadune com a interpretação a ser dada ao dispositivo em voga.
2. OS MÉTODOS INTERPRETATIVOS DESENVOLVIDOS E SUAS RESPECTIVAS ESCOLAS
Antes de adentrarmos no tema especificamente, mister que se faça uma explanação dos diferentes métodos de interpretação da lei tributária, assim como as suas escolas representativas (as quais refletem as características político-sociais dominantes à época na esfera do Direito) que se desenvolveram ao longo dos últimos tempos, principalmente em âmbito de direito comparado, ora adotando-se a exegese a favor do contribuinte, ora o fazendo pró Fisco, as quais em nosso entendimento já se encontram superadas.
O problema da elisão fiscal está intimamente ligado ao das posições teóricas fundamentais em torno da interpretação do direito tributário.
Primeiramente, com o desenvolvimento do Estado Liberal (séculos XVIII e XIX), através da chamada doutrina da "jurisprudência dos conceitos", adotou-se uma visão individualista, onde o Estado deveria intervir o mínimo possível para assegurar a segurança jurídica ao cidadão, o papel do legislador possuía uma grande importância (positivismo normativista), visto que deveria prever de forma exaustiva todas as hipóteses de incidência. Em função disso, preponderava a interpretação sistemática. Enfocando o valor da segurança jurídica, revelando-se como dominantes os princípios da legalidade e da tipicidade.
Por conseguinte, para a doutrina da "jurisprudência dos conceitos", a elisão fiscal é algo amplamente aceitável, visto que se o fato não está na norma, não pode ser atingida a autonomia individual. Adota-se uma visão extremamente formalista do direito.
Não podemos deixar de identificar tais características com a visão do Direito que será desenvolvida mais tarde por Hans Kelsen, onde o ilustre autor austríaco identifica na norma jurídica toda uma significação, desprezando tudo aquilo que esteja fora dela como a moral e os valores. Afirma o mestre de Viena: "A interpretação jurídico-científica não pode fazer outra coisa senão estabelecer significações de uma norma jurídica". 2
Essa doutrina da "jurisprudência dos conceitos" é de alguma forma enfraquecida, no final do século XIX, com o surgimento do Estado do Bem-estar Social (Welfare State) e da doutrina da "jurisprudência dos interesses", que resgata o valor da justiça, onde o juiz assume uma posição central (e não mais o legislador). Adota-se a chamada interpretação econômica do fato gerador (interpretação teleológica), ou seja, busca-se uma justiça não nos valores, mas no fato econômico e social.
Especificamente, quanto à elisão fiscal, para a "jurisprudência dos interesses", a mesma deve ser vedada. Consagrada principalmente na Itália (Escola de Pávia) e no Código Tributário Alemão de 1919 (prof. Enno Becker), privilegia o princípio da capacidade contributiva em detrimento do princípio da legalidade, e conseqüentemente, da segurança jurídica. Usada de maneira desviada, essa doutrina serviu para fundamentar o confisco de bens na Alemanha do povo judeu durante a época nazista.
Com a derrocada do regime nazista, surge a doutrina da "jurisprudência dos valores", onde prega-se a idéia abstrata de justiça, sem vinculá-la ao resultado econômico. Um dos fundamentos dessa doutrina é a possibilidade de aliar os valores da segurança jurídica e da justiça (pluralismo metodológico), o que em nosso atender se afigura como uma atitude mais correta, substituindo as duas outras ao atrelar a interpretação jurídica aos princípios éticos e jurídicos vinculados à liberdade, segurança e justiça.
Corroborando com esta linha de pensamento o prof. Ricardo Lobo Torres3 define que "Os métodos de interpretação, por conseguinte, devem ser estudados dentro de uma visão pluralista. Entre eles não existe hierarquia. Têm igual peso, variando a sua importância de acordo com o caso e com as valorações jurídicas na época da aplicação, como sempre reconheceu a doutrina não extremada, seja no Direito em geral, seja nos ramos especializados do Constitucional e do Tributário". Para mais adiante finalizar: "A jurisprudência dos valores, nas últimas décadas, vem superando o radicalismo, defendendo o pluralismo metodológico."
Impende ressaltar que, ante a demonstração de toda a evolução histórica das diferentes escolas interpretativas, as linhas mestras que deram origem às mesmas ainda hoje coexistem, de forma que na atualidade existem defensores para os diferentes tipos de interpretação da norma tributária.
Não há dúvidas acerca da existência das diferentes posições em que se posicionam os doutrinadores no que tange à interpretação da norma tributária, o que refletiu até mesmo à época da elaboração do Código Tributário Nacional.
2.1. AS INTERPRETAÇÕES SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA APLICADAS AO CASO
Como já abordado de forma introdutória, a interpretação sistemática se identifica com aqueles que pregam a supremacia da legalidade como o pilar mestre da ordem jurídica tributária, tendo em vista que diante da possibilidade de o contribuinte poder utilizar-se dos institutos do direito civil, mais fácil se tornará de aplicar à hipótese concreta conceitos que fogem à situação jurídica definida em lei como fato gerador do tributo, permitindo, por conseguinte, a criação de casos de elisão fiscal.
Assim, verifica-se, segundo a corrente que defende esta linha de pensamento, a adoção da tipicidade fechada (legalidade estrita), onde não há lacunas (para isso, se preciso, interpreta-se sistematicamente), onde o fato gerador é descrito minuciosamente.
Tal doutrina teve no direito pátrio como um de seus maiores expoentes o prof. Alberto Xavier, que menciona: "A tipicidade do direito tributário é, pois, segundo certa terminologia, uma tipicidade fechada: contém em si todos os elementos para a valoração dos fatos e produção de efeitos, sem carecer de qualquer recurso a elementos a ela estranhos e sem tolerar qualquer valoração que se substitua ou acresça à contida no tipo legal". 4
Em que pese a opinião do prof. Alberto Xavier, que propõe uma descrição exaustiva do fato gerador, sabemos que a tipicidade fechada (ou cerrada) é um falso problema, visto que tecnicamente não existe, ou seja, todo tipo é aberto por natureza. Assim, por exemplo, o imposto de renda que tem por fato gerador a aquisição de renda ou proventos de qualquer natureza (art. 43, incisos I e II do CTN): qual renda será tributada? Faturamento, ganhos de capital?
Logo, verificamos que na prática, o tipo é aberto, devendo estabelecer um padrão genérico. Como ocorre na ciência do direito, em razão de sua natureza dialética, o tipo também deve admitir interpretação. Destarte, assevera o prof. Ricardo Lobo Torres5: "Os tipos jurídicos, inclusive no direito tributário (ex. empresa, empresário, indústria) são necessariamente elásticos e abertos, ao contrário do que defendem alguns positivistas (cf. Alberto Xavier)."
Partindo-se do conceito acima exposto e diante das previsões dos arts. 109. e 110, do CTN, que assim dispõem:
"ART. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários".
"ART. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competência tributária."
Ora, claro está para os defensores da proeminência da interpretação sistemática na seara tributária que de acordo com a exegese dos aludidos dispositivos, é perfeitamente cabível a aplicação dos conceitos de institutos de direito privado no direito tributário (como a dissimulação empregada no art. 116, § único do CTN), até porque como frisa o art. 110, se esses conceitos são utilizados expressamente na Constituição Federal, a qual embasa todo o sistema tributário, a lei ordinária tributária não poderia estabelecer de modo diverso.
Neste sentido, afirma o prof. Sampaio Dória6 que "a lei tributária pode expressamente alterar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado (CTN, art. 109), salvo se utilizados em normas constitucionais ou de organização política e administrativa, para definir ou limitar competência tributária".
No tocante especificamente à aplicabilidade do art. 116, parágrafo único, do CTN, no ordenamento jurídico brasileiro afirma o prof. Alberto Xavier que diante dos fundamentos a seguir apresentados, tratar-se-ia, verdadeiramente, de uma norma antievasiva e não antielisiva: "o novo parágrafo único do art. 116. do CTN estabelece que a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos viciados por simulação".7 Além da afirmação de que a dissimulação significa simulação relativa, o doutrinador lança mão do argumento de que, se interpretada como norma antielisiva, a nova regra seria inconstitucional, pois conflitaria com os princípios da legalidade estrita e da tipicidade fechada, afrontaria a proibição de analogia estabelecida no art. 108, § 1º, do CTN e recorreria às teorias da fraude à lei e do abuso do direito, inaplicáveis no direito tributário.
A interpretação fundada na "jurisprudência dos interesses", que se opôs aos postulados da jurisprudência dos conceitos, projetou-se para o campo da fiscalidade por meio da consideração econômica do fato gerador. Logo, por conseguinte, qualquer meio utilizado para dificultar a arrecadação estatal, seria ilegal, não sendo aceita qualquer prática que levasse à elisão fiscal.
Suas teses principais são: autonomia do direito tributário frente ao direito privado; possibilidade de analogia; preeminência da capacidade contributiva sacada diretamente dos fatos sociais; função criadora do juiz; intervenção sobre a propriedade e regulamentação da vontade.
Seus grandes representantes são E. Becker, na Alemanha; Griziotti, na Itália; D. Jarach,8 na Argentina. Essa doutrina, porém, nunca teve uma receptividade forte no Brasil, destacando Amílcar de Araújo Falcão9, como sendo um de seus poucos defensores.
Se, por um lado discordamos daqueles que pregam a tipicidade fechada do direito tributário, onde o princípio da legalidade estrita deve preponderar de forma suprema; de sobremaneira, também não concordamos com os adeptos da interpretação econômica do fato gerador, que leva em consideração apenas a necessidade do Estado de angariar recursos para as despesas públicas, sem estabelecer as "regras do jogo", configurando-se ao nosso alvedrio em um falso problema, visto que nosso ordenamento consagra expressamente o princípio da legalidade na Carta Magna de 1988 (art. 150, inciso I), cabendo ao Fisco a prova da ocorrência da dissimulação.
Em nosso sentir, o ideal é que as leis tributárias fossem elaboradas pelo legislador de forma a impossibilitar que existisse a ambigüidade e a imprecisão de conceitos fluidos. Como afirma o prof. Aurélio Pitanga Seixas Filho 10 "quer a insatisfação da autoridade fiscal com a elisão praticada pelo contribuinte, que resulta num lançamento de ofício, quer a interpretação do Fisco com respeito ao conceito indeterminado, que pode ser considerada pelo contribuinte como uma forma de integração ou colmatação de uma lacuna da lei, levam a litígios fiscais que inúmeras vezes provocam a promulgação de uma nova lei para o efeito de tornar mais determinado ou mais preciso o conceito legal, razão pela qual é desejável que sempre as leis tributárias sejam, ab initio, precisas e determinadas".
2.2. A SOLUÇÃO ADOTADA PELO PÓS-POSITIVISMO
As duas correntes teóricas já referidas caminharam para a exacerbação de suas teses, pretificando-se em posições positivistas normativistas e conceptualistas, de um lado, ou positivistas historicistas e sociológicas, de outra parte. O conceptualismo levou ao abandono da consideração da situação econômica e social e à convicção ingênua de que a letra da lei tributária capta inteiramente a realidade, posto que existe a plena correspondência entre linguagem e pensamento. A tal interpretação econômica transformou-se na defesa do incremento da arrecadação do Fisco, por se vincular à vertente da atividade arrecadatória do Estado. 11
A partir da década de 1970, pela enorme influência exercida no pensamento ocidental pelas obras de K. Larenz 12 e J. Rawls, 13 altera-se o paradigma na teoria geral do direito, na teoria da justiça e na teoria dos direitos humanos, abrindo-se o campo para a reformulação das posições básicas da interpretação do direito tributário.
Assim, segundo os cânones da corrente valorativa, sendo a segurança jurídica e a justiça os valores supremos do ordenamento jurídico tributário, o tributo justo passa a ser o que cumpra os princípios da capacidade contributiva e da legalidade. Não havendo hierarquia entre os dois princípios, eventuais disparidades entre eles são resolvidas pela técnica da ponderação.
A ponderação dos princípios (princípio da legalidade e princípio da capacidade contributiva), de acordo com Daniel Sarmento 14, ocorre em duas etapas: na primeira, o intérprete se defronta com a constatação de que determinada hipótese é de fato tutelada por dois princípios constitucionais, que apontam para soluções divergentes. Na segunda fase, o intérprete irá verificar o princípio de maior peso, que irá prevalecer sobre o outro, de modo que a restrição a cada interesse seja a mínima indispensável a convivência entre os princípios. Para este mister, ele deve adotar como norte a táboa de valores subjacente à Constituição.
3. A EVASÃO E A ELISÃO FISCAL
Define o Prof° Ricardo Lobo Torres 15 que "a evasão e a elisão precedem a ocorrência do fato gerador no mundo fenomênico e por isso são quase sempre lícitas. A sonegação e a fraude dão-se após a ocorrência daquele fato e são sempre ilícitas."
Entretanto, há quem defina 16 que, enquanto a evasão fiscal se volta para a prática de condutas ilícitas, através da utilização dos expedientes de dolo, fraude ou simulação, a elisão compreenderia a atuação de condutas lícitas admitidas pelo ordenamento jurídico.
Segundo os ensinamentos do prof. Antônio Roberto Sampaio Dória, evasão fiscal é gênero que admite espécies. Para o indigitado autor "evasão fiscal é toda e qualquer ação ou omissão tendente a elidir, reduzir ou retardar o cumprimento de obrigação tributária".
O mesmo autor 17 delineia em sua monografia toda uma classificação acerca das espécies de evasão fiscal, que em síntese se resumem em:
3.1. Evasão Omissiva, intencional ou não, da qual fazem parte:
a) evasão imprópria – abrange os casos de abstenção de incidência, quando o contribuinte deixa de praticar atos com o objetivo de escapara a incidência da norma tributária;
b) evasão por inação – compreende os casos de inação do devedor, depois de ocorrido o fato gerador da respectiva obrigação, seja intencionalmente (hipóteses de sonegação fiscal, falta ou atraso de recolhimento), seja não intencionalmente (casos de ignorância do dever fiscal).
3.2. Evasão Comissiva, sempre presente o elemento intencional (dolo), que se subdivide em:
a) evasão ilícita, abrangendo os casos de fraude, simulação fiscal e conluio;
b) evasão lícita ou legítima, abrangendo os casos de elisão fiscal (economia do imposto), seja em decorrência de permissões legais (reduções, isenções, não incidência etc.) ou decorrentes das lacunas legislativas.
Logo, para efeitos de classificação, poderíamos situar a elisão fiscal como uma das espécies de evasão fiscal, na modalidade de evasão lícita.
Como salienta o prof. Bernardo Ribeiro de Moraes 18, "pode-se conceituar a elisão fiscal (economia de imposto), como a ação do contribuinte que procura evitar ou reduzir a carga tributária, ou mesmo retardá-la, através de procedimentos lícitos, legítimos, admitidos por lei."
Conceitua o prof. Amílcar de Araújo Falcão 19 que: "Pode ocorrer que o contribuinte disponha de seus negócios, de modo a pagar menos tributos. Nada o impede, desde que não ocorra aquela manipulação do fato gerador, no que toca ao revestimento jurídico". (grifo nosso)
Muito se tem discutido acerca de quais seriam os limites para atuação do contribuinte de modo a evitar a ocorrência do fato gerador, ou seja, até que ponto se caracteriza como lícita (elisão fiscal) a conduta do contribuinte para a configuração de economia de imposto?
Alguns doutrinadores, como o prof. Rubens Gomes de Sousa 20 e o prof. Bernardo Ribeiro de Moraes 21 defendem que o único critério distintivo seguro está ligado ao momento da atuação do contribuinte frente à ocorrência do fato gerador, ou seja, quando o contribuinte atua antes da ocorrência do fato gerador, estará caracterizada a elisão fiscal. São estas as palavras do prof. Bernardo Ribeiro de Moraes: "Na economia do imposto, (elisão fiscal), o contribuinte age antes da exteriorização de uma determinada realidade econômica. O contribuinte faz com que a hipótese de incidência não ocorra, permitindo outra, menos onerosa, mais favorável, buscando uma economia de imposto".
Destarte, os referidos autores defendem a aplicação de um critério objetivo como forma de averiguar a caracterização ou não da elisão fiscal, da qual ousamos humildemente discordar.
Ora, como é do conhecimento de todos, o planejamento tributário (tax planning) tem por fim justamente evitar a ocorrência do fato gerador, utilizando-se muitas vezes as empresas de meios para representar o fato gerador de tributo, de uma forma jurídica ardilosa, artificiosa ou falsa para camuflar o verdadeiro negócio jurídico realizado. Logo, a nosso ver, o critério objetivo não resolve o problema.
Como salienta o profº Aurélio Pitanga Seixas Filho 22 "O planejamento tributário audacioso inegavelmente proporciona uma elevada quantidade de discussão sobre a licitude do artifício utilizado pelo contribuinte, possibilitando várias alternativas de interpretação e de aplicação da lei tributária ao caso concreto, podendo ser, então, a causa de arbitrariedades e corrupção".
Na verdade, tal distinção está ligada à posição que se adota perante o planejamento tributário e a forma que se postula como correta para a interpretação jurídica da norma tributária (o que, sem dúvida, é o pano de fundo que dá origem a esta celeuma: princípio da segurança jurídica versus princípio da capacidade contributiva e da isonomia), haja vista que parte da doutrina entende que as condutas são fraudulentas, logo, ilícitas, quando praticadas com o intuito de evitar, reduzir ou retardar o pagamento de tributo.
Em relação à fraude e à sonegação, na doutrina não ocorrem maiores delongas acerca da ocorrência destes institutos, possuindo reflexos na esfera penal 23.
Neste diapasão, enquanto a sonegação fiscal resultaria na ocultação do fato gerador (ato comissivo por omissão) com o escopo de não pagar o tributo devido de acordo com a lei, a fraude fiscal estaria voltada para a falsificação de documentos representativos do fato gerador, com a intenção de reduzir, total ou parcialmente, o imposto devido.
A Lei n° 4.729/65 definia o crime de sonegação fiscal, incluindo no seu conceito também a fraude fiscal. Hoje, ambos os tipos estão previstos pela Lei n° 8.137/90.