INTRODUÇÃO
A presente monografia insere-se no âmbito da disciplina de Direito Penal e, por meio dela, tem como objetivo desenvolver o tema da antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico.
A anencefalia é resultado da falha de fechamento do tubo neural, decorrente da interação entre fatores genéticos e ambientais, durante o primeiro mês de embriogênese.
A maioria dos anencéfalos sobrevive no máximo horas após o nascimento. A situação atual se reveste não só de perversidade mas também de hipocrisia, pois neste país praticam-se cerca de 1,5 milhão de abortos ilegais ao ano, que variam em conforto e segurança segundo os recursos despendidos, de tal modo que as gestantes que forem bem aquinhoadas economicamente poderão ter sua gravidez interrompida, se assim o desejarem. Obrigar-se-á, entretanto, as mulheres pobres a levarem a gestação de um anencéfalo adiante, mesmo que não o desejem, como uma conseqüência perversa da legislação atual, que precede em muitas décadas os avanços científicos que garantem o diagnóstico de certeza da anencefalia.
A escolha recaiu neste tema tanto pela sua importância no contexto das matérias abordadas em Direito Penal como por sua relevância no ordenamento jurídico pátrio.
Esquematicamente, a monografia foi dividida em oito capítulos.
No primeiro, é feita uma conceituação do que se entende por anencefalia, possibilitando, assim, a compreensão de tal anomalia. Com base na definição, parte-se, então, para a concepção do significado da anencefalia dentro do direito brasileiro.
No segundo capítulo procura-se analisar a definição da morte, bem como, qual critério é adotado pela medicina para a determinação do fim da vida. É analisado também o conceito de morte encefálica que é o adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro através da Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos.
Segue-se o terceiro capítulo, discorrendo acerca do momento em que se dá o início da vida humana, bem como de algumas das principais teorias que permeiam o assunto. Neste capítulo abordam-se teorias científicas e religiosas sobre o começo da vida.
No quarto capítulo os conceitos de aborto sob os pontos de vista médico e jurídico são expostos e diferenciados.
O quinto capítulo faz referência aos números e dados ligados à anencefalia. Neste capítulo são mostradas pesquisas cujos relatos demonstram que 71% da população brasileira é favorável ao aborto no caso de problemas congênitos incompatíveis com a vida.
Já o sexto capítulo traz a comparação de dados entre o Brasil e outros países, no que diz respeito à interrupção da gravidez de feto anencefálico, mostrando que o país ocupa o quarto lugar em nascidos com tal anomalia, com registros de 8,62 casos por 10 mil nascimentos.
No sétimo capítulo são observados os danos psicológicos na mulher que suporta uma gravidez nestas circunstâncias. Também neste capítulo questiona-se a obrigatoriedade de a mulher levar adiante a gestação de um feto que não sobreviverá, tendo em vista que a dor, angústia e frustração causadas importam a violação de sua dignidade humana.
Na última parte do trabalho, oitavo capítulo, busca-se o esclarecimento acerca da doação de órgãos pelo anencéfalo. Demonstra-se que a morte encefálica simplesmente atesta a total impossibilidade de vida como indivíduo, tornando-o efetivamente doador.
Para o desenvolvimento desta monografia foi realizada uma investigação aplicada bibliográfica, bem como análise de jurisprudências sobre o referido tema.
1 DEFINIÇÃO DE ANENCEFALIA
Anencefalia é uma espécie de anomalia diagnosticável a cuja origem não se atribui qualquer explicação plausível.
A anencefalia é conceituada na literatura médica como a má-formação fetal congênita por defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, de modo que o feto não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex, havendo apenas resíduo do tronco encefálico1. Tal importa na inexistência de todas as funções superiores do sistema nervoso central, que é responsável pela consciência, cognição, vida relacional, comunicação, afetividade e emotividade. Restam apenas algumas funções inferiores que controlam parcialmente a respiração, as funções vasomotoras e a medula espinhal.2
Definição semelhante pode ser encontrada na doutrina jurídica. Nesse sentido, insta salientar a lição de MARIA HELENA DINIZ, para quem o anencéfalo
pode ser um embrião, feto ou recém-nascido que, por malformação congênita, não possui uma parte do sistema nervoso central, ou melhor, faltam-lhe os hemisférios cerebrais e tem uma parcela do tronco encefálico (bulbo raquidiano, ponte e pedúnculos cerebrais). Como os centros de respiração e circulação sangüínea situam-se no bulbo raquidiano, mantém suas funções vitais, logo o anencéfalo poderá nascer com vida, vindo a falecer horas, dias ou semanas depois3.
Em termos científicos, não existe qualquer perspectiva de vida do anencéfalo. Diz, com precisão, o cientista William Bell que "entre 75 e 80 por cento desses recém-nascidos são natimortos e os restantes sucumbem dentro de horas ou poucos dias após o nascimento"11. De forma ainda mais incisiva, expõe o óbvio, a médica geneticista Dafne Horovits, em entrevista dada à revista Época na edição de 15 de março de 2004, quando afirma que: "A anencefalia é fatal em 100% dos casos"4.
Assim, embora haja relatos de casos em que o anencéfalo sobrevive fora do útero da mãe, o parecer do médico nessas hipóteses é de curta sobrevivência após o parto, já que não existe nenhum tipo de tratamento ou forma de reversão do caso5.
Estas são, pois, as certezas que temos da anencefalia: que ela pode ser detectada ainda quando o feto se encontra no ventre da mãe e que sua ocorrência acarreta a morte do feto em 100% dos casos.
2 EM BUSCA DE UM CONCEITO PARA MORTE
A definição de morte é um tema que merece grande consideração, visto que dia a dia são criadas novas técnicas pela Medicina e estas estão cada vez mais ao alcance da população.
Antigamente se utilizava o critério respiratório como definidor de morte: estava falecido todo aquele que não mais respirasse. Tal critério demonstrou-se falho, já que a evolução da Medicina, ao criar aparelhos de ventilação mecânica, possibilitou sobrevida àquele cujo funcionamento respiratório tivera fim.
Passou-se então a utilizar-se como método de aferição da vida a presença dos batimentos cardíacos. Com base neste critério, estaria morto todo aquele que deixasse de ter seu sangue circulando pelo corpo, todo aquele cujo coração parasse de bater 6. A utilização dos batimentos cardíacos como critério identificador da vida não apresentava tantos riscos como o critério respiratório. Assim, foi amplamente adotada, sem que fosse questionada pelo Direito ou pela Medicina.
No entanto, a evolução da ciência e a aplicação de massagens cardíacas e de desfibriladores fez com que a morte circulatória pudesse ser amplamente combatida. Tais formas de tratamento tornaram possível retirar muitos indivíduos das garras da morte e restituí-los à vida.
Porém estes procedimentos eficazes causaram um fenômeno: a respeitável quantidade de pessoas que, em razão da falta de oxigenação de seus cérebros decorrentes de parada cárdio-respiratória ou de danos cerebrais causados por choques mecânicos, ficavam sem consciência e em estado vegetativo por longos anos, sem que apresentassem qualquer tipo de melhora. Tais pessoas permaneciam vivas até que o músculo cardíaco "ficasse cansado" de bater07.
O tema voltou à tona quando técnicas médicas passaram a permitir a realização de transplantes de órgãos com grandes chances de sobrevida para o transplantado. Mas para que os objetivos do transplantes fossem alcançados era necessário que tais órgãos continuassem em funcionamento nos instantes imediatamente anteriores ao transplante. Assim, surgiu a questão de que não era mais possível esperar a parada cardíaca do indivíduo para que o transplante fosse realizado.
Com esse quadro, era necessário se procurar um novo conceito para morte, e a Medicina assim o fez, através do que denominou morte encefálica ou morte cerebral08.
Tal definição foi adotada logo após a realização do primeiro transplante e, a partir daí, foi aceita em praticamente todos os países do mundo desenvolvido. Entretanto, para que seja compreendida com total clareza, mostra-se importante explicitar em que consiste o encéfalo.
O encéfalo é um componente do Sistema Nervoso Central que se localiza dentro do crânio. É constituído de tronco cerebral, cerebelo e cérebro, observando-se que através da definição de cada um destes e de suas funções é possível se chegar à compreensão da importância e da função do encéfalo09.
É importante destacar que as funções que integram as capacidades cognitivas, ou seja, as funções que fazem de um indivíduo um ser consciente são desenvolvidas em uma parte muito especial do cérebro: o córtex cerebral. Este se encontra na parte externa do cérebro, com cerca de seis milímetros de espessura, e possui coloração acinzentada 10.
Podemos verificar então que quem controla a vida do indivíduo é o encéfalo e que sem seu funcionamento perfeito, várias funções podem restar comprometidas, afetando, por conseqüência, as relações do indivíduo e sua própria vida.
Passamos então para a análise do conceito de morte encefálica.
A morte encefálica foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro através da Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo para a consecução de transplantes e tratamento médico. O art. 3° assim estabelece:
Artigo 3°. A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.
Estes critérios, aos quais a Lei de Transplantes se refere, foram fixados pelo Conselho Federal de Medicina através da Resolução n° 1.480/1997. O artigo 3° da Resolução determina que somente poderá ser verificada a morte encefálica se esta for resultante de um processo irreversível e com causa conhecida18. Sem tais requisitos não se poderá falar em morte.
O art. 4° da mesma Resolução determina que este processo irreversível será constatado através de parâmetros clínicos, quais sejam, "coma aperceptivo com ausência de atividade motora supra-espinhal e apnéia".
Além da constatação destes parâmetros será realizado um exame complementar, no qual será verificada a circulação sanguínea intracraniana, a atividade metabólica cerebral ou a atividade elétrica cerebral. Se, realizado um destes exames, o resultado for positivo, ou seja, havendo presença de circulação sanguínea intracraniana, presença de atividade metabólica cerebral ou presença de atividade elétrica cerebral, o diagnóstico de morte encefálica está descartado.
Dessa forma fica fácil constatar que está morto todo aquele ser que perde, definitiva e irreversivelmente, as funções de todo o encéfalo, comprometendo irreversivelmente a vida de relação e a coordenação da vida vegetativa (batimento cardíaco, respiração, pressão do sangue, reflexos de salivação, tosse, espirro e o ato de engolir).
Ressalta-se que não é possível se falar em morte se somente a vida de relação for prejudicada, pois esta vida, como acima relatado, é mantida por parte do encéfalo, precisamente o córtex cerebral, e não pelo encéfalo em sua totalidade. Outrossim, não é a perda definitiva da capacidade de manter as funções vegetativas que caracteriza um indivíduo como morto encefálico. É necessário que todo o encéfalo fique irreversivelmente lesionado e pare de funcionar.
Ainda não existe unanimidade em relação ao conceito de morte encefálica para a classe médica, embora o Conselho Nacional de Medicina tenha se mostrado a favor de sua utilização.
Parece, no entanto, que a solução trazida à tona pela conceituação da morte encefálica não é equivocada. Isso porque, com a perda irreversível da atividade encefálica o indivíduo deixa de ser um ente humano, dado que deixa de existir nele a característica essencial do ser humano, aquilo que o diferencia dos demais seres animados: a racionalidade. Assim, além de prática e lógica, a utilização da morte encefálica estaria também correta.
Quanto ao Direito, é visto que a determinação legal do conceito e a nova definição médica do que seja morte19não foram percebidas por seus aplicadores. Tal pode ser inferido da constatação que somente para as hipóteses de doação de órgãos o modelo ora exposto é adotado. Nos demais casos, é imposta a noção de morte clínica (cárdio-respiratória), estabelecendo-se como transgressores do direito à vida os que defendem a utilização do conceito de morte encefálica a todas as hipóteses de ausência definitiva de atividade encefálica 11.
3 CONCEITO DE VIDA
Toda célula, todo organismo provém de outra célula ou organismo já existente. Daí a pergunta que surge: qual é a origem dessa célula primordial? Ou seja, qual a origem da vida?
Ao longo da história, destacaram-se algumas teorias sobre o assunto, dentre as quais:
a)Teoria Criacionista, também chamada de Teoria da Criação onde a vida teria sido criada na Terra por um Deus;
b)Teoria da Panspermia pela qual a vida teria surgido na Terra proveniente de outro planeta, ou seja, segundo essa teoria, a vida teria sido "semeada" no nosso planeta, vinda do espaço;
c)Teoria Abiogênica ou da Geração Espontânea, que diz que a vida surgiria espontaneamente e continuamente da matéria inanimada;
d)E, por fim, a Teoria da Auto-Organização, dizendo que a vida teria surgido sob condições extremamente especiais a partir da auto-organização de compostos orgânicos simples em macromoléculas que originariam as protocélulas primordiais. Tal teoria é a mais aceita atualmente no meio científico.
Entretanto, não há um consenso de como se deram esses passos iniciais que, ainda hoje, são palco de debates.
Transpondo-se a discussão para o termo inicial da vida humana no ventre da mãe, verifica-se que se trata de questão não menos polêmica. A revista Super interessante, em notável matéria de novembro de 2005, elencou aquilo que denominou "dez respostas em torno de onde começa a vida, no âmbito da ciência e da religião"12.
Do ponto de vista científico foram abordadas cinco visões, quais sejam:
a)VISÃO GENÉTICA, pela qual a vida começa na fertilização quando espermatozóide e óvulo se encontram e combinam seus genes para formar um indivíduo com um conjunto genético único, criando assim um novo indivíduo, um ser humano com direitos iguais aos de qualquer outro. Essa também é a visão da Igreja Católica;
b)VISÃO EMBRIOLÓGICA. Nessa visão, a vida começa na 3a semana de gravidez, quando é estabelecida a individualidade humana. Isso porque, até 12 dias após a fecundação, o embrião ainda é capaz de se dividir e dar origem a duas ou mais pessoas. É essa idéia que justifica o uso da pílula do dia seguinte e de contraceptivos administrados nas duas primeiras semanas de gravidez;
c)VISÃO NEUROLÓGICA. Aqui, o mesmo princípio da morte vale para vida. Ou seja, se a vida termina quando cessa a atividade elétrica no celebro, ela começa quando o feto apresenta atividade cerebral igual à de uma pessoa. O problema nesse pensamento é que essa data de início de atividade cerebral não é consensual. Alguns cientistas dizem haver esses sinais cerebrais já na 8a semana. Outros, na 20a semana.
d)VISÃO ECOLÓGICA. Na visão ecológica a capacidade de sobreviver fora do útero é que faz do feto um ser independente e determina o início da vida. Médicos consideram que um bebê prematuro só se mantém vivo se tiver pulmões prontos, o que acontece entre a 20ª e a 24ª semana de gravidez. Foi o critério adotado pela Suprema Corte dos EUA na decisão que autorizou o direito do aborto.
e)VISÃO METABÓLICA, que afirma que a discussão sobre o começo da vida humana é irrelevante, uma vez que não existe um momento único no qual a vida tem início. Para essa corrente, espermatozóides e óvulos são tão vivos quanto qualquer pessoa. Além disso, o desenvolvimento de uma criança é um processo contínuo e não deve ter um marco inaugural.
Sob o ponto de vista religioso, a matéria destacou cinco crenças, que tomam pra si os seguintes fundamentos:
a)CATOLICISMO. Para a igreja Católica, a vida começa na concepção, quando o óvulo é fertilizado, formando um ser humano pleno. O Papa Bento XVI reafirmou a posição da igreja contra o aborto. Segundo o pontífice, o ato de "negar o dom da vida, de suprimir a vida que nasce é contrário ao amor humano".
b)JUDAÍSMO. Para o judaísmo a vida começa apenas no 40º dia, quando acreditam que o feto começa a adquirir forma humana. Acreditam eles que, antes disso, a interrupção da gravidez não é considerada homicídio. Dessa forma, o judaísmo permite pesquisas com células-tronco e o aborto quando a gravidez envolve risco de vida para mãe ou resulta de estupro.
c)ISLAMISMO. Afirmam que o início da vida acontece quando a alma é soprada por Alá no feto e isso, segundo eles, acontece cerca de 120 dias após a fecundação. Os mulçumanos, segundo a reportagem, condenam o aborto, mas muitos aceitam a prática principalmente quando há risco para a vida da mãe.
d)BUDISMO. Para eles a vida é um processo contínuo e ininterrupto. Não começa na união de óvulo e espermatozóide, mas está presente em tudo o que existe, seja nos nossos pais e avós, nas plantas, nos animais e até na água. No budismo, os seres humanos são apenas uma forma de vida que depende de várias outras. Entre as correntes budistas não há consenso sobre o aborto.
e)HINDUÍSMO. Aqui, alma e matéria se encontram na fecundação e é aí que começa a vida. Sendo assim, como o embrião possui uma alma, deve ser tratado como humano. Na questão do aborto, os hindus escolhem a ação menos prejudicial a todos os envolvidos: a mãe, o pai, o feto e a sociedade. Assim, em geral se opõem à interrupção da gravidez, menos em casos que colocam em risco a vida da mãe.
Da análise dos dois pontos de vista supra expostos, depreende-se com nitidez que o marco inicial da vida ainda não é um conceito claro. Alongando-se o tema, podem-se encontrar argumentos que variam desde a convicção de que basta a presença de um único código de DNA para transformar um ovo em uma pessoa humana em formação, até outros, menos científicos, que são centrados na aparência de humanidade.
Uma vez examinados os aspectos religioso e científico, passamos a uma análise jurídica do conceito de vida para concluirmos, outrossim, se o feto portador de anencefalia possui ou não o chamado direito à vida.
Para o ordenamento jurídico é de vital importância que se defina de maneira clara e simples o início da vida humana para determinar a partir de que momento essa nova entidade será considerada viva e terá personalidade jurídica, merecendo assim a tutela do direito. Porém, tal definição deve surgir livre de explicações pseudo-científicas e místicase deve ser pautado em discussões bioéticas13.
É válido ressaltar que os doutrinadores de direito penal defendem e têm utilizado a seguinte classificação: ovo (até três semanas de gestação), embrião (de três semanas a três meses), feto (após três meses)14
Contudo, tais entendimentos não devem ser estáticos, mas sim maleáveis, visando a sua constante evolução com o passar do tempo.
O artigo 2º do Código Civil diz que a personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (pessoa por nascer, já concebida no útero materno). Antes do nascimento, o nascituro não tem personalidade jurídica24, entretanto, desde a concepção tem seus direitos assegurados pelo ordenamento jurídico, com a condição que nasça com vida. Ressalte-se aqui que o nascimento com vida caracteriza-se pelo ato de a criança respirar.
Dentro deste quadro, podemos depreender duas assertivas que caminham em direções opostas. A primeira, corrente natalista, compreende que a personalidade civil da pessoa é iniciada no momento do seu nascimento, sendo neste momento reconhecida a sua capacidade de sujeito de direitos. São adeptos desta teoria: Pontes de Miranda, Silvio Rodrigues, Eduardo Espínola, João Luiz Alves, Sérgio Abdalla Semião, Caio Mário da Silva Pereira. A segunda é a corrente concepcionista, para a qual a lei retroage os direitos da pessoa ao momento de sua concepção, sendo reconhecida então a personalidade civil do nascituro. Essa corrente é defendida pelos doutrinadores:Teixeira de Freitas, Rubens Limongi França, Francisco Amaral Santos, Silmara Chinelato, André Franco Montoro, Maria Helena Diniz, entre outros.
Portanto, como vemos, a única afirmação que podemos chegar é que a vida é a ausência da morte. E nestes casos, tanto a morte cerebral quanto a morte da anencefalia são os únicos dados irrefutáveis.