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A EC nº 103/19 e o direito adquirido dos servidores federais

16/07/2022 às 14:45
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Qual a dimensão a ser conferida ao direito adquirido? O tempo de contribuição posterior a 13/11/19 pode ser computado para fins de cálculo dos proventos?

Em apertada síntese, direito adquirido é o que, ainda não exercido, já se incorporou ao patrimônio jurídico de seu titular. Trata-se de direito subjetivo - imune, portanto, a alterações na ordem legal - que ainda não foi exercido.

Conquanto o instituto do direito adquirido tenha assento na CF (art. 5º, XXXVI), o legislador constituinte derivado, talvez por excesso de zelo, pôs os direitos adquiridos pelos segurados e dependentes do RPPS da União a salvo das transformações resultantes da EC nº 103/19:

EC nº 103/19, art. 3º, caput e §§ 1º e 3º:

Art. 3º A concessão de aposentadoria ao servidor público federal vinculado a regime próprio de previdência social e ao segurado do Regime Geral de Previdência Social e de pensão por morte aos respectivos dependentes será assegurada, a qualquer tempo, desde que tenham sido cumpridos os requisitos para obtenção desses benefícios até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, observados os critérios da legislação vigente na data em que foram atendidos os requisitos para a concessão da aposentadoria ou da pensão por morte.

§ 1º Os proventos de aposentadoria devidos ao servidor público a que se refere o caput e as pensões por morte devidas aos seus dependentes serão calculados e reajustados de acordo com a legislação em vigor à época em que foram atendidos os requisitos nela estabelecidos para a concessão desses benefícios.

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§ 3º Até que entre em vigor lei federal de que trata o § 19 do art. 40 da Constituição Federal, o servidor de que trata o caput que tenha cumprido os requisitos para aposentadoria voluntária com base no disposto na alínea a do inciso III do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, na redação vigente até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, no art. 2º, no § 1º do art. 3º ou no art. 6º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, ou no art. 3º da Emenda Constitucional nº 47, de 5 de julho de 2005, que optar por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária, até completar a idade para aposentadoria compulsória.

Seja como for, o art. 3º, caput, da EC nº 103/19 opera discreto alongamento no prazo para aquisição de direitos, cujo marco final se desloca de 12/11/19 para 13/11/19. Como afirma Ivan Kertzman, os trabalhadores que cumpriram as regras de benefício até o exato dia da publicação da EC 103, em 13/11/2019, ainda terão direito adquirido às regras anteriores[1].

O direito adquirido, na forma do art. 3º, caput, da EC nº 103/19, abrange o atendimento dos pressupostos fixados:

  • nas regras da CF, na redação original, enquanto vigentes;
  • nas regras da CF, com redação dada pela EC nº 20/98, enquanto vigentes;
  • nas regras de transição da EC nº 20/98, enquanto vigentes;
  • nas regras da CF, com redação dada pela EC nº 41/03, enquanto vigentes;
  • nas regras de transição da EC nº 41/03, enquanto vigentes; e
  • na regra de transição da EC nº 47/05, enquanto vigente.   

A situação de quem adquiriu o direito à aposentadoria voluntária pelas regras da CF, na redação da EC nº 41/03, merece especial atenção.

Tomemos como exemplo o direito adquirido à aposentadoria de que trata o art. 40, §§ 1º, III, b, 3º, 8º e 17, da CF, na redação da EC nº 41/03.

 CF, art. 40, §§ 1º, III, b, 3º, 8º e 17, na redação da EC nº 41/03:

Art. 40. (...)

§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17:

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III voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições:

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b) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição.

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§ 3º Para o cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o art. 201, na forma da lei.

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§ 8º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei.

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§ 17. Todos os valores de remuneração considerados para o cálculo do benefício previsto no § 3° serão devidamente atualizados, na forma da lei.

Qual a dimensão a ser conferida, na hipótese, ao direito adquirido? O tempo de contribuição posterior a 13/11/19 pode ser computado para fins de cálculo dos proventos?

Uma solução viável seria não limitar o tempo de contribuição a 13/11/19, haja vista que o art. 3º da EC nº 103/19 resguarda, em sua inteireza, os direitos adquiridos pelos servidores públicos federais.

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Em que pese nossa adesão à perspectiva exposta no parágrafo anterior, acreditamos ter mais chance de prosperar na práxis administrativa a tese do congelamento do tempo de contribuição em 13/11/19, a qual nada mais é que o entendimento firmado no parágrafo único do art. 82 da Orientação Normativa SPS/MPS nº 2/09 (revogada), adaptado à EC nº 103/19: Em caso de utilização de direito adquirido à aposentadoria com proventos proporcionais, considerar-se-á o tempo de contribuição cumprido até 31 de dezembro de 2003, observando-se que o cômputo de tempo de contribuição posterior a essa data, somente será admitido para fins de cumprimento dos requisitos exigidos para outra regra vigente de aposentadoria, com proventos integrais ou proporcionais.

Esse o caminho trilhado no RGPS, como revela o art. 188-A, § 5º, do Decreto nº 3.048/99, com redação dada pelo Decreto nº 10.410/20: 

Decreto nº 3.048/99, art. 188-A, § 5º:

Art. 188-A. (...)

§ 5º O valor da renda mensal da aposentadoria concedida na forma prevista neste artigo será apurado na data de 13 de novembro de 2019, em conformidade com o disposto nos art. 188-E e art. 188-F, e reajustado pelos mesmos índices aplicados ao benefício até a data do requerimento.

O mesmo raciocínio há de ser aplicado aos que adquiriram o direito à aposentadoria pela regra de transição do art. 2º da EC nº 41/03.

A tese deduzida no art. 11, I e § 4º, II, do Anexo I da Portaria MTP nº 1.467/22 não resiste a um simples confronto com o conceito (desenvolvido alhures) de direito adquirido: 

Portaria MTP nº 1.467/22, Anexo I, art. 11, I e § 4º, II:

Art. 11. Aos segurados dos RPPS, é assegurada a concessão de aposentadoria e de pensão por morte a seus dependentes, a qualquer tempo, observados os critérios da legislação vigente na data em que foram atendidos os requisitos para a sua concessão, desde que tenham ingressado no cargo efetivo no respectivo ente e cumpridos os requisitos para obtenção desses benefícios até:

I a data de entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103, de 2019, para os servidores da União; ou

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§ 4º No cálculo do benefício concedido conforme o caput, será:

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II considerado o tempo de contribuição cumprido somente até a data de aquisição do direito, não sendo computado qualquer tempo posterior a essa data, salvo na hipótese de elegibilidade mais favorável a outra regra de concessão de benefício no mesmo RPPS.

Cuida-se de solução que, além de se encontrar em absoluto descompasso com o tratamento dado aos segurados do RGPS, malfere o direito adquirido dos segurados do RPPS da União.

Suponhamos que um servidor, com direito adquirido à aposentadoria do 40, §§ 1º, III, b, 3º, 8º e 17, da CF, na redação da EC nº 41/03, desde 13/11/15, venha a se aposentar em 13/11/23. Ele, por hipótese, tinha 25 anos de contribuição naquela data. Dependendo da tese prevalecente, sua aposentadoria dar-se-á com 25/35, 29/35 ou 33/35 da média das 80% maiores remunerações/salários de contribuição desde julho de 1994.

Não aceitamos a posição do Ministério do Trabalho e Previdência, a qual subtrai do servidor, sem razões para tanto, o tempo de contribuição posterior a 13/11/15, reduzindo-lhe os proventos a 25/35 da média das 80% maiores remunerações/salários de contribuição desde julho de 1994.


[1] KERTZMAN, Ivan. Curso prático de direito previdenciário. 19. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2021.

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Sobre o autor
Michel Martins de Morais

Consultor Jurídico Substituto do TCDF, órgão em que é titular do cargo efetivo de Auditor de Controle Externo. Advogado. Instrutor. Doutorando em Direito pela Universidad de Buenos Aires (UBA). Mestre em Finanças pela London Business School (LBS). Especialista em Direito Administrativo Aplicado pela Fortium. Bacharel em Direito pela UnB. Engenheiro Eletricista pela UFPE. Autor de "Reforma da previdência: o RPPS da União à luz da EC nº 103/19" e "The effects of investment regulations on pension fund performance in Brazil", ambos publicados pela Editora Dialética.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, Michel Martins. A EC nº 103/19 e o direito adquirido dos servidores federais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6954, 16 jul. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98921. Acesso em: 29 mar. 2024.

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