A recente alteração legislativa do artigo 306 do Código de Processo Penal trouxe à tona uma discussão acalorada. A lei 11.449/07 determinou a comunicação, em 24 horas, do juiz (mera formalização da determinação constitucional contida no inciso LXII, do artigo 5º, da CF) e do Defensor Público (caso o autuado não informe o nome de seu advogado).
É a efetivação do direito à assistência judiciária prescrita no inciso LXIII, do artigo 5º, da CF, que assegura ao preso o direito à defesa técnica, ainda que a restrição tenha ocorrido em fase pré-processual.
Mais que garantir ao preso carente a assistência judiciária ainda em fase inquisitorial, a alteração acendeu uma polêmica: estaria o inquérito policial ganhando um quê de contraditório? Ou a comunicação da Defensoria Pública tem em mira, tão somente, a verificação da legalidade da prisão, acelerando medidas judiciais que busquem a liberdade do sujeito?
Penso que razão assiste à segunda interpretação. Sabe-se que o inquérito policial é procedimento administrativo inquisitivo, não vigorando nesta fase investigativa o princípio do contraditório, posto que inexiste acusação formal em face do indiciado. Tal constatação não faz com que possam ser mitigados os direitos fundamentais do investigado, escritos com pena de ouro pelo legislador constituinte (não podemos partir do pressuposto de que o capturado será vilipendiado na fase policial - seria transmudar a ilegalidade em regra).
O entendimento acima esposado tem escora jurídica nos seguintes argumentos: a) a lei que alterou o artigo 306 do CPP não exigiu a presença do Defensor no momento da lavratura do flagrante, nem condicionou a materialização do ato a sua presença (a nova redação do § 1º, do artigo 306 determina a comunicação do Defensor em até 24 horas, caso o preso não informe o nome de seu advogado - ora, é no curso da feitura do flagrante que o capturado será oitivado e quando, na prática, a maioria dos elementos que farão parte do inquérito ali deflagrado serão confeccionados); b) não houve previsão expressa acerca da participação do Defensor nos atos subseqüentes (anote-se que tal exigência, deveria ser acompanhada da observância da garantia institucional da intimação pessoal – interpretação do inciso I, do art. 44, da Lei Complementar 80/94, que se refere à fase processual, mas que mereceria interpretação ampliativa); c) o inciso VII, do art. 4º, da mesma Lei Complementar 80/94, determina ser função institucional da Defensoria "atuar junto aos estabelecimentos policiais e penitenciários, visando assegurar à pessoa, sob quaisquer circunstâncias, o exercício dos direitos e garantias individuais", mas não menciona expressamente o acompanhamento do inquérito policial pelo Defensor; d) o estudo do voto do Deputado Luiz Antonio Fleury, relator do projeto de lei 6.477/06, que deu origem à Lei 11.449/07, revela que "o louvável objetivo do Projeto de Lei do nobre Deputado Albérico Filho é, justamente, permitir que a Defensoria Pública seja, desde logo, informada da prisão e, sendo o caso, tomar (sic) providências judiciais, como o pedido de relaxamento de uma prisão ilegal".
Este é o real alcance da alteração legislativa: permitir o exame prévio da legalidade da prisão em flagrante pela Defensoria Pública, com o fito de que se agilize a confecção do pedido de relaxamento (ou de liberdade provisória, como se verá alhures).
Fato é que a mudança deve ser festejada. Na prática, a prisão ilegal ganha mais um opositor (o primeiro é o Juiz que a pode relaxar de ofício, tão logo seja dela comunicado; o segundo é o Ministério Público, que pode opinar pelo relaxamento, caso a ilegalidade fuja ao primeiro estudo do Magistrado).
Na mesma esteira, há a possibilidade de confecção imediata de pedido de liberdade provisória (caso o Defensor entenda legal a restrição), posto que, no mais das vezes, a determinação contida no artigo 310, parágrafo único, do CPP não é observada pelos Magistrados (o dispositivo exige análise da necessidade da manutenção do cárcere flagrancial, sopesada a existência dos fundamentos que autorizam a prisão preventiva no caso concreto).
Ademais, a novel alteração dá ao Defensor Público um contato prévio com o fato (que seria levado a efeito apenas quando do interrogatório judicial, por imposição do artigo 185 do CPP).
Em linhas gerais, recebida a comunicação do flagrante pelo Defensor, que deve ser acompanhada de cópia do auto, ele deverá perquirir a observância das formalidades legais (se o fato narrado realmente é criminoso; se era caso de prisão em flagrante; se as garantias constitucionais do preso foram observadas, se houve entrega de nota de culpa; comunicação à família; ao juiz, dentre outras formalidades) e daí elaborar eventual pedido de relaxamento. Anote-se que a ausência de comunicação ou a comunicação incompleta (desprovida de cópia do flagrante) transmudará a prisão em ilegal (não eivará o procedimento deflagrado, mas imporá o relaxamento da prisão).
Caso entenda legal o flagrante (e isso é tranquilamente possível), deve o Defensor verificar a possibilidade de liberdade provisória (com fulcro no artigo 310, parágrafo único, do CPP). Negado qualquer dos pedidos pelo Magistrado (de relaxamento ou liberdade provisória), cumpre impetrar habeas corpus ao Tribunal competente.
Sem dúvida, foi mais uma nobre atribuição para um Órgão que, segundo preleção constitucional, é função essencial à da justiça, mas que, na prática, é pouco prestigiado pelos governantes. É mais uma bandeira na proteção dos mais carentes, em face de possíveis ilegalidades cometidas pelo Estado.