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Exclusão de sócio por justa causa

09/06/2007 às 00:00
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A exclusão, diferentemente do que ocorre com a saída espontânea, consiste na retirada forçada (expulsão) de sócio do quadro social. Ela poderá acontecer em ocorrendo as seguintes situações: a) o sócio remisso (aquele que não integraliza o capital social na forma e prazo previstos no contrato social - artigo 1.004 do CC/02), por iniciativa da maioria dos demais sócios, poderá ser excluído da sociedade, exclusão essa que se realizará de forma extrajudicial; b) o sócio declarado falido ou civilmente insolvente, na forma das respectivas leis de regência, bem como o sócio cuja quota for liquidada, serão, de pleno direito, excluídos da sociedade (parágrafo único do artigo 1.030, que remete ao parágrafo único do artigo 1.026, ambos do CC/02), expulsões essas que se darão, portanto, no plano extrajudicial; c) o sócio que incorrer em falta grave no cumprimento de suas obrigações legais ou contratuais, ou seja, o sócio que cometer ato de inegável gravidade, sendo ambas expressões sinônimas de "justa causa", ou, ainda, o declarado incapaz por fato superveniente, poderão ser excluídos por decisão da maioria dos demais sócios, exclusões essas que serão efetuadas extrajudicial ou judicialmente.

Interessa-nos, neste trabalho, tratar, apenas, da exclusão de sócio por justa causa, matéria prevista nos artigos 1.030 e 1.085 do CC/02.

Antes, porém, cabe observar que "a formatação do conceito de "justa causa" se deu com a aceitação da idéia de ser o contrato plurilateral o elemento formador da sociedade. Esse contrato, como ensina Tullio Ascarelli, se caracteriza pela reunião de partes em torno de um objetivo comum de desenvolver uma atividade social, por meio da mútua e indispensável colaboração entre todos os sócios, havendo, assim, a "affectio societatis".

Caso qualquer dos sócios falte com o seu dever de colaboração, de forma a impedir ou obstaculizar a sociedade de desenvolver a sua atividade, estará caracterizado o inadimplemento do contrato plurilateral, com a conseqüente quebra da "affectio societatis".

Havendo essa quebra do contrato, deverá ele ser resolvido, como ocorre em regra nos demais contratos, extinguindo-se o mesmo. No caso do contrato plurilateral, deverá ele ser resolvido com o sócio inadimplente.

Assim, a justa causa é entendida como o inadimplemento do dever de colaboração do sócio que possa resultar em efetivo prejuízo da atividade social. Trata-se do rompimento da "affectio societatis".

Nem todo inadimplemento contratual poderá, contudo, configurar justa causa para fins de exclusão de sócio. Esse inadimplemento deve ser grave o suficiente para resultar na quebra da "affectio societatis", a ponto de romper o equilíbrio da relação de colaboração do sócio com o objetivo comum.

A justa causa, contudo, não permite que se rescinda totalmente o vínculo travado no contrato plurilateral, uma vez que essa dissolução total, motivada pela conduta de um ou alguns sócios, prejudicaria a realização do escopo da sociedade, com a colaboração dos demais sócios. Além disso, outros prejuízos podem ser notados se observados os interesses de terceiros (fornecedores, empregados, consumidores, etc.).

A concatenação dessas idéias fez surgir o conceito de dissolução parcial da sociedade, como forma de preservação da empresa. A exclusão de sócio é exatamente uma forma de dissolver parcialmente um contrato de sociedade, haja vista a sua natureza plurilateral." (José Marcelo Martins Proença, artigo publicado no Diário Oficial – Caderno Jucesp, em 24.2.2005, sob o título "A exclusão de sócio nas sociedades limitadas").

O artigo 1.030 do CC/02, inserido no Capítulo que trata da sociedade simples pura (artigos 997 a 1.038), dispõe que "Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente".

A interpretação literal do texto legal induz à idéia de que tal exclusão somente poderá acontecer judicialmente. Há, entretanto, Enunciado do Conselho da Justiça Federal (Enunciado nº 280) disciplinando que, por força do art. 44, parágrafo 2º do CC/02, consideram-se aplicáveis às sociedades reguladas pelo Livro II da Parte Especial, exceto às limitadas, os arts. 57 e 60, sendo, assim, possível aos sócios, em havendo previsão contratual, deliberar a exclusão de sócio por justa causa, pela via extrajudicial, cabendo ao contrato social estabelecer o procedimento de exclusão, assegurado o direito de defesa, por aplicação analógica do art. 1.085, regra esta que se aplica, basicamente, à sociedade limitada.

Segundo ela, é permitida a exclusão extrajudicial de sócio desde que presentes os seguintes requisitos: 1) a exclusão seja deliberada por sócios que representem mais da metade do capital social; 2) a exclusão esteja fundamentada em ato de inegável gravidade que esteja colocando em risco a continuidade da empresa; e, 3) haja expressa previsão contratual permitindo a exclusão extrajudicial por justa causa, podendo o contrato social assinalar, ainda que a título exemplificativo, hipóteses fáticas que ensejariam a justa causa.

Neste aspecto, inclusive, discute-se se a simples indicação da quebra da "affectio societatis" é considerada justa causa para efeito de exclusão de sócio. A Junta Comercial do Estado de São Paulo, através do Parecer CJ/Jucesp nº 53/2006, concebe ser a mera designação da quebra da "affectio societatis" motivo suficiente para a exclusão de sócio. Todavia, o Enunciado nº 67 do Conselho da Justiça Federal entende pela negativa.

Com efeito, a quebra da "affectio societatis" não é, a nosso ver, motivo de justa causa para exclusão de sócio, sendo, apenas, uma conseqüência daquela.

A forma para a exclusão extrajudicial encontra-se prevista no parágrafo único do artigo 1.085: deve a exclusão ser "deliberada em reunião ou assembléia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir o comparecimento e exercício do direito de defesa".

Quanto ao tempo hábil, tem entendido a doutrina que o mesmo deve ser de, no mínimo, 8 (oito) dias, prazo esse correspondente àquele que deve mediar entre a data da primeira inserção e a da realização da assembléia e relativamente à sua primeira convocação (parágrafo 3º do artigo 1.152 do CC/02).

No tocante ao comparecimento daquele que se pretende excluir, a fim de se defender, em reunião ou assembléia, parece ser esta uma medida inócua, pois, dificilmente, conseguirá o mesmo modificar a intenção de seus desafetos. A propósito, nem o comparecimento, nem a apresentação de defesa são obrigatórios. Necessária, tão somente, é a cientificação do acusado.

É importante destacar que quando a exclusão se dá por via judicial, não basta, para averbação no órgão de registro público competente (Junta Comercial, em se tratando de sociedade empresária, ou Registro Civil das Pessoas Jurídicas, no caso de sociedade simples) a determinação judicial que a determinou (mandado ou ofício, acompanhado este de cópia da r. decisão proferida nos autos do processo correspondente), devendo a ela ser juntado o competente instrumento de alteração contratual, firmado pelo(s) sócio(s) remanescente(s), cuja elaboração é obrigatória, por força do disposto no artigo 1.086 do CC/02, onde se espelhará a realidade da sociedade após a expulsão, especialmente no que diz respeito ao capital social (que pode sofrer redução, ensejando a apresentação de certidões negativas de débitos se a sociedade não se enquadrar como microempresa ou empresa de pequeno porte, que delas estão dispensadas, nos termos da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2.006), bem assim em relação à administração da sociedade. Somente assim procedendo é que poderá o órgão de registro público fornecer, a qualquer interessado, certidão, que, como reflexo dos registros efetuados, deve conter informações precisas a respeito da sociedade. Há, no âmbito do Registro Civil das Pessoas Jurídicas, decisão neste sentido, proferida pelo Juízo de Direito da 1ª. Vara de Registros Públicos, em procedimento administrativo instaurado em face do 4º Oficial Registrador da Comarca da Capital/SP (Processo nº 583.00.2006.213721-4), cuja decisão é a seguir transcrita:

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"Vistos, etc. Cuida-se de procedimento administrativo por meio do qual Herotildes Rossi da Costa e Maria Cristina Rossi da Costa voltam-se contra a exigência formulada pelo 4º Cartório de Registro de Pessoa Jurídica desta Capital que recusou ordem judicial que determinou a exclusão de dois sócios da sociedade denominada Instituto Paralelo de Ensino S/C Ltda. Depois de ouvido o Oficial Registrador, o Ministério Público manifestou-se pela recusa da averbação. É o relatório. DECIDO. A recusa é de ser mantida. Assiste razão ao Oficial de Registro de Pessoa Jurídica quando exigiu que para a exclusão dos sócios Flávio, Cláudio e João, fosse apresentado conjuntamente, com o ofício judicial que determinou essa exclusão, o instrumento de alteração do contrato social, a ser firmado pelas sócias remanescentes. Do contrário, a sociedade ficaria sem a regular distribuição do capital social, não haveria como detalhar a composição do quadro societário, com suas respectivas participações no capital. Também sobreveria dúvida sobre a responsabilidade dos sócios perante terceiros, ou mesmo sobre a questão da administração da sociedade, o que só pode ser acertado por meio do instrumento de alteração do contrato social. Não se sabe se o capital foi reduzido ou se as cotas remanescentes que tocavam os sócios excluídos passarão às sócias que permanecem na sociedade. O Registro das Pessoas Jurídicas não se conforma com a averbação simplex dos sócios, sem que concomitantemente sejam resolvidas todas as questões que daí decorre, que só por meio do instrumento de alteração do contrato social pode ser feito, de modo que seja possível dar publicidade a terceiros da situação jurídica da sociedade, da responsabilidade dos sócios, do que ficou deliberado a respeito da administração sociedade, sob pena de abrigar intolerável insegurança jurídica, que poderá até inviabilizar o regular desenvolvimento da atividade social. Diante do exposto, indefiro a averbação do ofício apresentado ao 4º Registro de Pessoa Jurídica da Capital, prenotado sob o número 17.8313, mantendo a recusa pelos motivos acima, tal como expostos na nota devolutiva juntada aos autos por cópia. Autorizo o desentranhamento dos originais determinando o cancelamento da prenotação, se for o caso. PRIC. São Paulo, 08 de março de 2007. MARCELO MARTINS BERTHE Juiz de Direito".

Observe-se que é pacífico o posicionamento do Egrégio Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo no sentido de que até mesmo os títulos judiciais submetem-se à qualificação registral, com fulcro na aplicação dos princípios e normas formais da legislação específica vigentes à época do momento do respectivo ingresso do título, principalmente para verificação de sua conformidade com os postulados e princípios registrários (Apelações Cíveis nº 22.417-0/4, Piracaia e 44.307-0/3, Campinas). Portanto, o que vale, para efeito de qualificação, para os títulos extrajudiciais, vale, também, para os judiciais. Não se quer dizer, com isso, que o registrador deva entrar no mérito da decisão judicial.

Vale lembrar, finalmente, que não será necessária, no aludido instrumento de alteração contratual, a assinatura do sócio excluído.

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Sobre o autor
Graciano Pinheiro de Siqueira

4º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de São Paulo (SP). Especialista em Direito Comercial pela USP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA, Graciano Pinheiro. Exclusão de sócio por justa causa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1438, 9 jun. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9924. Acesso em: 29 mar. 2024.

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