LEI DAS ESTATAIS: Aspectos destacados da Lei nº 13.303/16

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19/07/2022 às 16:59

Resumo:

- A Lei nº 13.303/2016 dispõe sobre o Estatuto Jurídico da Empresa Pública, da Sociedade de Economia Mista e de suas subsidiárias, abordando a função social das empresas estatais e suas distinções em relação às empresas privadas.
- A nova legislação estabelece regras específicas para as licitações e contratos celebrados no âmbito das empresas estatais, trazendo inovações no regime de contratações e licitações, como o regime de contratação semi-integrada e a possibilidade de inexigibilidade de licitação em oportunidades de negócio.
- A Lei das Estatais busca conferir mais flexibilidade e eficiência aos colaboradores das estatais, proporcionando ganhos de eficiência e modernizando a burocracia em relação ao regime anterior estabelecido pela Lei nº 8.666/1993.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3 AS REGRAS APLICÁVEIS ÀS LICITAÇÕES E AOS CONTRATOS CELEBRADOS NO ÂMBITO DA LEI Nº 13.303/2016

 Consoante explanado nos tópicos anteriores, a Lei nº 13.303/2015 teve sua aprovação de forma tardia, já que este diploma legal era aguardado desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, responsável pela alteração do art. 173 da Constituição Federal, prevendo que uma lei específica estabeleceria o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias.[54] Nesse período de lacuna legislativa, os constantes problemas vivenciados pelas estatais, notadamente aquelas que exploram atividade econômica, produziram dubiedades polêmicas sobre os limites de aplicação da Lei nº 8.666/93, em relação a essas pessoas jurídicas. Assim, diversos debates envolviam a possibilidade de que as empresas governamentais, exploradoras de atividades econômicas, não se sujeitassem ao dever de licitar, tendo em vista que elas estariam sujeitas ao regime jurídico das empresas privadas, conforme disposto pela própria Constituição Federal.[55]

Ou seja, os Tribunais Superiores, o Tribunal de Constas da União (TCU) e parte da doutrina sempre apresentaram distinções quanto ao regime jurídico das estatais a partir da atividade desenvolvida, aproximando, com maior intensidade, o regime das estatais econômicas, que atuam em regime de concorrência no mercado, ao regime das demais empresas privadas. Tal fato pode ser observado com o reconhecimento da imunidade tributária para estatais prestadoras de serviços públicos ou exploradora de atividades econômicas em regime de monopólio, a impenhorabilidade de bens afetados à prestação dos serviços públicos e necessários à sua continuidade e a responsabilidade civil objetiva das estatais de serviços públicos, na forma do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. No âmbito das licitações, o entendimento tradicional também defendia a necessidade do tratamento diferenciado entre as estatais a partir dos respectivos objetos sociais. Enquanto as empresas estatais prestadoras de serviços públicos seriam abordadas como as demais entidades da Administração Pública Direta e Indireta, submetendo-se à Lei nº 8.666/1993 e legislação correlata, as empresas estatais de cunho econômico estariam autorizadas a celebrar contratações diretas para exploração de suas atividades econômicas, empregando-se às demais contratações as normas de licitação existentes até o advento do regime próprio exigido pela Constituição.[56] Seguindo esta linha de raciocínio, uniformizou-se o entendimento de que as empresas públicas e as sociedades de economia mista, exploradoras de atividade econômica, não teriam a necessidade de obedecer ao procedimento licitatório, quando realizassem contratações relativas às atividades-fim para as quais foram criadas.[57]

Acompanhando a mesma linha de entendimento, a jurisprudência do Tribunal de Contas da União evoluiu para pacificar o entendimento de que, até que fosse editada a lei específica de que trata o art. 173, § 1º, inciso III, da Constituição Federal, as empresas governamentais exploradoras de atividade econômica não estariam obrigadas a observar os procedimentos da lei nº 8.666/93 quando: a contratação estiver diretamente relacionada com suas atividades finalísticas; e desde que os trâmites inerentes a esse procedimento constituam óbice intransponível à atividade negocial da empresa que atua em mercado onde exista concorrência.[58]

Por conseguinte, precedentemente à publicação da Lei das Estatais, o TCU adotava entendimento de que as Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista exploradoras de atividade econômica deveriam observar a Lei nº 8.6668.666/1993, fundamentalmente em razão do entendimento de que o art. 67 67da Lei nº 9.4789.478/97, que disciplinava procedimento licitatório no âmbito da Petrobras, seria inconstitucional. No entanto, em um primeiro momento, o TCU determinou à Petrobras a observância da Lei nº 8.666/93 e de seu regulamento próprio até a edição da lei de que trata o § 1º do art. 173 da Constituição. No voto que fundamenta a decisão foi mencionado que a estatal poderia se valer da inexigibilidade de licitação para a contratação dos serviços que constituam sua atividade-fim.[59] Ademais, em sede de pedido de reexame interposto pelo Banco do Brasil S/A, o Tribunal acolheu o entendimento do Relator, no sentido de que a realização de licitação para contratar seguro de penhor rural nas operações de financiamento rural iria contra o entendimento no qual foram excepcionadas da incidência da Lei nº 8.666/1993 aquelas operações incluídas nas atividades finalísticas das empresas. Assim, restou determinado que, até que seja editada a norma legal de que trata o art. 173, § 1º, da Constituição Federal, as estatais estariam obrigadas a observar os ditames da Lei nº 8.666/1993 e de seu próprio regulamento, podendo utilizar-se da situação de inexigibilidade quando da contratação de serviços que constituíam sua atividade-fim.[60] Dessa forma, a observância da lei nº 8.6668.666/93 seria a regra para a condução das atividades licitatórias das Estatais, sendo afastada somente em hipóteses as quais existisse óbice negocial com severo prejuízo à atividade estatal.[61]

Necessário ponderar que alguns doutrinadores entendem que existem duas espécies de empresas estatais, com regimes jurídicos distintos em relação à abrangência dos seus deveres de contratar e licitar. Há, de um lado, as empresas que prestam serviços de natureza pública ou executam atividades de amparo à administração. De outro, existem as que exploram atividade econômica. Portanto, conclui-se que as empresas estatais que prestam serviços públicos e realizam atividades de apoio à Administração estão integralmente sujeitas ao regime geral de licitações, não se aplicando a elas o art. 173 da Constituição. As demais empresas estatais, exploradoras de atividade econômica, submetem-se a um novo regime, nos termos do art. 173, § 1º, que corresponde à disciplina na recente Lei nº 13.303/2016.[62]

A nova Lei das Empresas Estatais, ao regulamentar os procedimentos licitatórios, produziu pequenas inovações, quando comparadas com as atuais normas existentes para a Administração Pública Direta. Além disso, a maior parte dos dispositivos consiste apenas em melhorias de interpretação, em conformidade com a doutrina e jurisprudência sobre o conteúdo. Em contrapartida, não trará grandes desafios na sua aplicação aos gestores que aplicavam a Lei nº 8.666/1993. Assim, percebe-se que a novel legislação deixa de inovar justamente para as empresas que precisam de metodologias mais céleres e eficientes para competir com o mercado privado.[63]

Não obstante, o referido diploma legal institui nova sistemática, mais moderna e com uma burocracia reduzida em relação à sistemática tradicional fundada na Lei nº 8.666/1993, em que se ampliam consideravelmente os espaços de competências discricionárias dos colaboradores das estatais. Destarte, pode-se afirmar que a Lei nº 13.303/2016 abre certa margem de confiança para os colaboradores das estatais, preferindo decisões particularizadas, que levem em consideração as especificidades de cada caso concreto, tencionando a conferir mais flexibilidade e proporcionando ganhos de eficiência.[64]  Para exemplificar tal fato, pode-se citar o regime de contratação semi-integrada, prevista no art. 42 da Lei das Estatais, no qual o edital deve ser acompanhado de projeto básico, porém com a permissão de que ele seja alterado pelos licitantes, desde que demonstrada a superioridade das inovações em termos de redução de custos, de aumento da qualidade, de redução do prazo de execução e de facilidade de manutenção ou operação. Ademais, o § 4º do mesmo artigo preconiza que a contratação semi-integrada deve ser a regra e que a sua não utilização depende de justificativas. Outrossim, pode-se citar o § 3º do art. 28 da Lei nº 13.303/2016, o qual prescreve que, em relação às oportunidades de negócio, as estatais não se sujeitam às normas prescritas na Lei sobre licitações e contratos. Ou seja, sempre que na oportunidade de celebração, o negócio a ser estruturado não constituir a aquisição pura e simples de bens e serviços (o que exige licitação), a seleção do parceiro deve ser pautada pela lógica da inexigibilidade de licitação. Isso porque, em se estando diante de uma verdadeira oportunidade de negócio, o caso será de inexigibilidade, ainda que possam existir outros particulares capazes de celebrar vínculo dessa natureza com a empresa estatal.[65]

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Para melhor compreender as inovações apresentadas pela recente Lei das Estatais, passa-se a analisar os institutos dos contratos administrativos e das licitações separadamente, com as devidas considerações e definições conceituais. Posteriormente, analisam-se especificamente as principais inovações previstas na Lei, com as eventuais críticas e comentários.


3.1 Dos contratos administrativos

 O estudo do regime jurídicocontrato administrativo é um dos pontos mais importantes no âmbito do Direitoteoria do direito Administrativo. Isso porque, além da sua importância na prática, nele se percebe um liame mais tênue de delimitação entre direito público e direito privado. Sendo a conceituação do contrato noção geral do Direito, como o acordo recíproco de vontades que tem por finalidade gerar obrigações, conclui-se pela existência e as características não apenas do contrato de Direito Público, como também do contrato de direito administrativo, modalidade particular que se integra no campo daquela classe mais geral.[66] Por conseguinte, a análise dos contratos administrativos passa, necessariamente, pelo exame das regras dos contratos de direito privado, à luz do regime geral de direito civil.

Não se pode deslembrar que tão antigo como a própria humanidade é o conceito de contrato, que surgiu a partir do momento em que as pessoas começaram a se relacionar e a viver em sociedade, sendo a mais comum e a mais importante fonte de obrigação, tendo em vista as suas diversas formas e inúmeras repercussões no ordenamento jurídico. A respeito da definição do conceito de contrato, o Código Civil de 2002, a exemplo do seu antecessor, imiscuiu-se de defini-lo. Por conseguinte, a complexa tarefa de definição do conceito jurídico do tema contrato foi concretizada de modo exaustivo pelos grandes tratadistas do Direito Civil. O termo contractus, no direito Romanodireito romano, evidencia a relação que se forma em virtude de um acordo de vontades, havendo a distinção entre contrato e convenção, na qual a convenção representava o gênero e o contrato a sua espécie. Nesse viés, Sílvio Rodrigues, em uma definição de natureza muito mais teleológica e social do que especificamente jurídica, especula o contrato como:

O instrumento prático que realiza o mister de harmonizar interesses não coincidentes. Ele é o veículo da circulação da riqueza e, por conseguinte, só se pode concebê-lo, como instituição pura de direito privado, em regimes que admitem a propriedade individual.[67]

Percebe-se que o contrato consiste em uma espécie de negócio jurídico que depende, para o seu surgimento, de pelo menos duas partes. Nesse sentido, o saudoso mestre Flávio Tartuce, em uma visão clássica, conceitua o contrato como um negócio jurídico bilateral ou plurilateral, que visa à criação, modificação ou extinção de direitos e deveres com conteúdo patrimonial.[68] Essa definição não destoa da propagada por Carlos Roberto Gonçalves, segundo o qual o conceito de contrato restringe-se aos pactos que criem, modifique ou extingam relações patrimoniais, como consta no art. 1.421 do Código Civil Italiano.[69] Em síntese, o contrato pode ser conceituado como o acordo de duas ou mais vontades, designadas de modo a gerarem efeitos jurídicos, sem se perder de vista que é a lei que concede eficácia à manifestação volitiva em questão, operando assim como fonte mediata das obrigações decorrentes do acordo, em que a vontade das partes aparece como fonte imediata.[70]

Sobre o autor
Vânder Luís Silva Madrid

Capitão do Quadro de Oficiais do Estado Maior da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo apresentado no curso de Especialização em Direito Público pela IMED.

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