A Lei Complementar (LC) que tratou de definir bens e serviços essenciais, limitando, com isso, a cobrança do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) sobre combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo (Lei nº 194/2022), foi sancionada com vetos do presidente Jair Bolsonaro (PL). A nova lei não mais permite a cobrança do tributo com percentual acima da alíquota aplicada de modo residual que varia entre 17% e 18% - devendo ser inferior ao cobrado para os demais itens, considerados supérfluos. Os vetos feitos pelo presidente limitavam a compensação federal pelas perdas de recursos aos Estados.
Para compensar os Estados pelas perdas de arrecadação do ICMS a partir da redução promovida pela LC n. 194/2022, o texto original garantia a inclusão dos valores não arrecadados pelos Estados em comparação com o ano de 2021, na composição de saldo a ser deduzido pela União Federal em contratos que figurem como devedores, desobrigação pelos Estados de dívidas garantidas pela União, compensação por meio da apropriação pelos Estados sobre a parcela da União relativa à Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CEFEM) para os entes que não possuam dívidas com o Tesouro Nacional; situações que foram inicialmente vetadas pelo presidente Jair Bolsonaro.
Por acordo, o Congresso Nacional derrubou esses vetos, promovendo algumas alterações a exemplo da manutenção do repasse de parcela da arrecadação do ICMS aos Municípios, ainda havendo discussões sobre outros vetos que impactam diretamente na alegada manutenção da execução de gastos mínimos constitucionais pelos Estados para o custeio da educação e saúde, os quais pretendem proteger os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Os vetos presidenciais inicialmente se justificaram, pois, segundo o Ministério da Economia, houve acúmulo de ativos financeiros por parte dos governos e alcançou o valor de R$ 226 bilhões em abril de 2022, equivalente a 2,5% do PIB.
A justificativa do presidente para os vetos foi que a medida traria forte impacto fiscal no próximo ano, em decorrência dos anos de pandemia, ao passo que foi observada melhora significativa na situação fiscal de Estados e Municípios, com o crescimento da arrecadação de ICMS. Contudo, a mesma linha de argumentação foi sustentada pelos Estados ao mencionarem que as arrecadações de ICMS especialmente sobre a energia elétrica e combustíveis seriam receitas certas destinadas especialmente para a saúde e educação, explica Isabela Cristina Berger, advogada e especialista em direito tributário do Nelson Wilians Advogados, um dos maiores escritórios de advocacia do Brasil.
Berger explica que a Lei Complementar n. 194/2022, apesar de ter gerado bastante comoção entre os Estados e o Governo Federal, aparentemente não evidencia inconstitucionalidades.
Desde a sua matriz constitucional, o ICMS possui alguns critérios para a incidência tributária, dentre os quais está a chamada seletividade. Embora não seja descrita como obrigação aos Estados, a seletividade serve para orientar a cobrança do ICMS com base em alíquotas menores para os produtos e serviços considerados como essenciais, reduzindo, com isso, o impacto tributário destes, em comparação aos produtos e serviços considerados supérfluos, o que não vinha sendo adequadamente observado pelos Estados, cuja situação chegou a ser recentemente reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do tema 745/STF no último ano, diz.
Outra situação com impacto na tributação do ICMS é sobre a energia elétrica, condiz com a famigerada incidência tributária sobre as tarifas de transmissão e distribuição de energia (TUSD/TUST), pendente de julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça desde 2017 (Tema 986/STJ) e cuja não incidência do ICMS foi reconhecida também na Lei Complementar n. 194/2022.
É fato que a abrupta publicação da Lei Complementar n. 194/2022 acabou surpreendendo os Estados especialmente porque os efeitos da decisão vinculante do STF no tema 745/STF haviam sido prorrogados para 2024. Referida Lei Complementar ainda serviu para confirmar o direito dos contribuintes à não incidência do ICMS pago sobre TUSD e TUST que ainda estava pendente de julgamento e reforçará a possibilidade de restituição/compensação também objeto do tema 986/STJ . Após a publicação da Lei Complementar n. 192/2022, que tratou de reduzir os encargos tributários sobre os combustíveis em razão das questões econômicas que ocasionaram o excessivo aumento impactando a população em geral, veio a Lei Complementar n. 194/2022 para finalmente regulamentar em aspecto amplo, o critério da essencialidade para fins de incidência do ICMS e ao mesmo tempo, reforçar situações de não incidência do tributo, diz Berger.
Em resumo, a Lei Complementar n. 194/2022 estabeleceu o seguinte:
· Para fins de incidência do ICMS, os combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e o transporte coletivo são bens e serviços essenciais e indispensáveis que não podem ser tratados como supérfluos.
· Para os bens e serviços essenciais acima indicados, não pode haver a fixação de alíquota em patamar superior às alíquotas das operações gerais;
· Não incide ICMS sobre operações que decorra a transferência de bens móveis salvados de sinistro para companhias seguradoras;
· Não incide ICMS sobre serviços de transmissão e distribuição de encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica (TUSD/TUST);
· Formas de compensação pela União Federal, das perdas de arrecadação dos Estados ou do Distrito Federal no exercício de 2022 decorrentes da redução do ICMS em relação a arrecadação em 2021.
Os vetos derrubados reduzem as controvérsias entre Estado e União, reforçando a necessidade de observância, pelos Estados, da redução do ICMS sobre os bens e serviços essenciais. Portanto, mesmo que a mencionada derrubada dos vetos presidenciais pareça ser uma simples questão de natureza orçamentária, acaba gerando de modo indireto, impacto positivo à população, pois, dentre outras situações, tende a fortalecer a realização de medidas estaduais para o fim de reduzir as alíquotas de ICMS sobre os bens e serviços considerados essenciais (os combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e o transporte coletivo), sem resistências e não apenas pela manutenção das alíquotas gerais, diz.