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A (im)prescritibilidade da pretensão da reparação civil de dano ambiental

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13/09/2022 às 14:55
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Em muitos casos, o dano ambiental se perpetua no correr do tempo, sem solução.

Resumo: O presente trabalho pretende analisar o tema de repercussão geral de número 999 em apreciação no Supremo Tribunal Federal, “Da Imprescritibilidade da Pretensão da Reparação Civil de Dano Ambiental”, tendo como embasamento e estudo de caso o Recurso Extraordinário n. 644833-AC, recurso responsável por levar o tema ao STF. O dano ambiental e os impactos dele resultantes trazem diversas consequências jurídicas, dentre elas, a responsabilização civil dos agentes causadores do dano ecológico. Nesse passo, inicialmente, será abordada a lesão ambiental do caso concreto que gerou a Ação Civil Pública no. 2000.01.00.96900-1/AC, que é a origem do RE 644833/AC, e os impactos resultantes daqueles danos. Posteriormente serão analisados os conceitos de meio ambiente, as características do direito meio ambiente e a sua posição na Constituição Federal como direito fundamental de terceira geração e as consequências disso. Serão feitas, ainda, considerações jurídicas acerca do dano ambiental e as suas formas de reparação. Posteriormente, será analisada a imprescritibilidade do crime de dano ao meio ambiente e da reparação civil consequente desse dano. O estudo pretende abordar o entendimento da doutrina e da jurisprudência em relação à prescritibilidade da pretensão de reparação civil de dano causado ao meio ambiente, procurando evidenciar qual a teoria mais adequada quanto ao Tema 999 de Repercussão Geral a ser julgado no STF.

Palavras-chave: Prescrição da reparação civil ambiental; dano ambiental; Direito Ambiental; Meio Ambiente; Meio ambiente como direito fundamental.

Sumário: Introdução. 1 O Caso concreto que resultou na Tese de Repercussão Geral n. 999. 1.1 O Dano. 2 Meio Ambiente. 2.1 Meio Ambiente: um microbem. 2.2 Meio Ambiente: um Direito Fundamental de Terceira Geração. 3 A Responsabilidade Civil Ambiental. 3.1 Responsabilidade Civil Ambiental: Objetiva e Risco Integral. 4 Dano Ambiental. 4.1 A Reparação do dano Ambiental. 4.2 Recuperação in natura. 4.3 Compensação ecológica. 4.4 Indenização ou Reparação Pecuniária. 5 A (im)prescritibilidade da pretensão de reparação civil de dano Ambiental. Conclusão. Referências


Introdução

A Constituição Federal Brasileira institui, no caput do seu artigo 225, o direito ao meio ambiente sadio como um direito de interesse difuso, que tem como titular um grupo indeterminável de pessoas, impondo ao Poder Público e à coletividade o direito/dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações, sendo um bem jurídico de todos, essencial à boa qualidade de vida.

O presente trabalho pretende demonstrar o direito ao meio ambiente como um direito constitucional fundamental de terceira geração, assim como um direito transindividual, abordando as suas características e a importância dessa qualificação, pois ela permite uma maior efetividade na proteção desse direito.

Os métodos de pesquisa utilizados neste trabalho são: a pesquisa bibliográfica, onde foi investigado material teórico sobre o assunto em doutrinas e artigos científicos; e o estudo de caso, em que foi abordado o caso concreto que gerou o Recurso Extraordinário n.644833-AC, que levou ao Supremo Tribunal Federal o assunto que gerou o Tema n.999 de repercussão geral, qual seja, “Da Imprescritibilidade da Pretensão da Reparação Civil de Dano Ambiental”.

A partir dessa abordagem é que se analisará, neste trabalho, a imprescritibilidade da ação de responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente que, ao ser evidenciado o direito fundamental e transgeracional que é, mostra-se imprescritível, sendo a presente tese confirmada pela análise de doutrinas que abordam o tema.

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não é direito patrimonial, logo, não pode ser tratado com as regras próprias do Direito Privado, pois, embora seja passível de valoração para efeito indenizatório, não é um direito patrimonial. Nesse caminho, serão estudados os conceitos de meio ambiente e as suas peculiaridades para que seja feito, posteriormente, o exame da incidência da prescritibilidade da reparação civil em face de danos ao meio ambiente.

Nesse sentido, será avaliado que, diante da crescente complexidade dos problemas inseridos no âmbito do Direito Ambiental, o seu reconhecimento com um direito fundamental, garantido pela Constituição às presentes e futuras gerações, passa a ter importância vital para a sua preservação, sendo a reparação civil um de seus mecanismos de salvaguarda, deixando de ser apenas um instrumento para se adentrar no patrimônio do agente causador do dano, para servir, também, como ferramenta de prevenção e precaução para se evitar lesões ao meio ecológico.

Assim, dada a importância do instituto da reparação civil ao Direito Ambiental, considerar esse instituto como prescritível, seria renunciar à obrigação de preservação do meio ambiente e negar às próximas gerações o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.


1 O Caso concreto que resultou na Tese de Repercussão Geral n. 999

Em 26.06.2018 foi publicado no Diário da Justiça Eletrônico o inteiro teor do acórdão que decidiu pelo reconhecimento da repercussão geral diante do tema: A Imprescritibilidade da Reparação Civil do Dano Ambiental. A demanda, na origem, desenvolve-se nos autos de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal - MPF em face de Orleir Messias Cameli, Marmud Cameli Cia. Ltda. e Abraão Cândido da Silva, objetivando a reparação de danos materiais, morais e ambientais, decorrentes de invasões em área indígena ocupada pela comunidade Ashaninka-Kampa do Rio Amônia, situada no Acre, que ocorreram entre os anos de 1981 a 1987, com a finalidade de extrair ilegalmente madeira de elevado valor de mercado (mogno, cedro e cerejeira).

De acordo com a ACP, os réus, Oleir Cameli e a firma Marmude Cameli e Cia, retiraram mais de 900 (novecentas) toras de mogno e cedro do Igarapé Revoltoso, utilizando tratores e um caminhão. Para cometerem o ato criminoso, abriram uma estrada de mais de três quilômetros de extensão entre os Igarapés Revoltoso e Tabaca, derrubando várias matas e florestas.

O Relatório do extinto Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), datado de 16.05.1985, trazido na peça do Ministério Público, dizia que “também constatamos a existência de 820 toras de mogno e toras de cedro que se encontram dentro do leito dos igarapés há mais de 4 anos” e que se essas toras não fossem retiradas da água, elas apodreceriam. (RE 654833/AC, volume 01, página 13)

Após o ato criminoso em 1981, a empresa e os réus também fizeram mais retiradas ilegais de madeira em fevereiro de 1985, conforme se extrai dos autos da ACP (volume 01, página 14). Em 1987, segundo os autos, o réu invadiu, mais uma vez, a área indígena Kampa do Rio Amônea (RE 654833/AC, volume 01, página 15)

Em relatório juntado aos autos e assinado pelo Delegado de Polícia Federal, Dr. Felipe Augusto Aragão Evangelista, constatou-se que as máquinas abriram verdadeiras estradas dentro da mata para que fossem arrastadas as toras de madeira para dentro do rio, o que causou uma grande depredação na Floresta e, pior, sugerindo que poderia ter sido um número ainda maior a devastação, diante da suspeita de, na verdade, terem sido retiradas cerca de 3 (três) mil toras de madeira, sendo que, algumas dessas árvores tinham mais de cem anos de idade.            

Na sentença, o Juízo da primeira instância condenou solidariamente os ora recorrentes, a título indenizatório, ao pagamento de (i) R$ 478.674,00 (quatrocentos e setenta e oito mil, seiscentos e setenta e quatro reais), decorrentes do prejuízo material causado pela “garimpagem” ilícita de madeira nas terras da referida comunidade indígena, durante o período de 1981 a 1982; (ii) R$ 982.877,28 (novecentos e oitenta e dois mil, oitocentos e setenta e sete reais e vinte e oito centavos) no tocante à madeira extraída entre 1985 e 1987; (iii) R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais) por conta dos danos morais, em favor da comunidade indígena Ashaninka-Kampa, os quais devem ser geridos pela Fundação Nacional do Índio - Funai e sob a fiscalização do MPF; e (iv) R$ 5.928.666,06 (cinco milhões, novecentos e vinte e oito mil, seiscentos e sessenta e seis reais e seis centavos), a serem repassados ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, para custear a recomposição ambiental.

Após longo caminho pelo Judiciário, o processo chegou ao Superior Tribunal de Justiça, onde foi discutido, por meio do REsp. 1.120.117-AC de relatoria a Exc. Min.  Eliana Calmon, em cujas razões as partes recorrentes suscitaram, em síntese, (i) incompetência da Justiça Federal para julgar a causa; (ii) o afastamento da prescrição vintenária; (iii) violação às normas processuais no que se refere à decisão líquida acolhedora de pedido genérico; e (iv) inobservância ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade quanto ao valor da indenização arbitrada, devendo haver redução do valor.

O STJ conheceu parcialmente do recurso e não o proveu na parte conhecida, consoante se extrai da seguinte ementa:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – DIREITO AMBIENTAL- AÇÃO CIVIL PÚBLICA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL - IMPRESCRITIBILIDADE DA REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL – PEDIDO GENÉRICO - ARBITRAMENTO DO QUANTUM DEBEATUR NA SENTENÇA: REVISÃO, POSSIBILIDADE - SÚMULAS 284/STF E 7/STJ. 1. É da competência da Justiça Federal o processo e julgamento de Ação Civil Pública visando indenizar a comunidade indígena Ashaninka-Kampa do rio Amônia. 2. Segundo a jurisprudência do STJ e STF trata-se de competência territorial e funcional, eis que o dano ambiental não integra apenas o foro estadual da Comarca local, sendo bem mais abrangente espraiando-se por todo o território do Estado dentro da esfera de competência do Juiz Federal. 3. Reparação pelos danos materiais e morais, consubstanciados na extração ilegal de madeira da área indígena. 4. O dano ambiental além de atingir de imediato o bem jurídico que lhe está próximo, a comunidade indígena, também atinge a todos os integrantes do Estado, espraiando-se para toda a comunidade local, não indígena e para futuras gerações pela irreversibilidade do mal ocasionado. 5. Tratando-se de direito difuso, a reparação civil assume grande amplitude, com profundas implicações na espécie de responsabilidade do degradador que é objetiva, fundada no simples risco ou no simples fato da atividade danosa, independentemente da culpa do agente causador do dano. 6. O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de não estar expresso em texto legal. 7. Em matéria de prescrição cumpre distinguir qual o bem jurídico tutelado: se eminentemente privado seguem-se os prazos normais das ações indenizatórias; se o bem jurídico é indisponível, fundamental, antecedendo a todos os demais direitos, pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer, considera-se imprescritível o direito à reparação. 8. O dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa reparar o dano ambiental. 9. Quando o pedido é genérico, pode o magistrado determinar, desde já, o montante da reparação, havendo elementos suficientes nos autos. Precedentes do STJ. 10. Inviável, no presente recurso especial modificar o entendimento adotado pela instância ordinária, no que tange aos valores arbitrados a título de indenização, por incidência das Súmulas 284/STF e 7/STJ. 11. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido. REsp 1.120.117/AC, Rel. Min. ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/11/2009.”

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Os réus do processo, em sua defesa, alegaram que “não se pode impor a imprescritibilidade em relação à cobrança das verbas indenizatórias – de natureza patrimonial e moral – decorrentes mediatamente de infração ambiental”, assim, para eles, aplicar-se-ia a imprescritibilidade apenas nos casos de cessação ou recomposição dos danos ambientais. O Recurso Extraordinário foi admitido e a sua matéria, a “Imprescritibilidade da Reparação Civil do Dano Ambiental” foi analisada pelo STF, sob o manto da repercussão geral.

1.1 O Dano

A Terra Indígena Kampa do Rio Amônea foi identificada e delimitada como Terra Indígena no ano de 1985. Trata-se de uma terra indígena povoada por silvícolas, sendo que há notícias histórias de sua habitação desde 1600, aproximadamente. Os povos que habitam aquela região se autodenominam Ashaninka, e pode ser traduzida como 'meus parentes', 'minha gente', 'meu povo'. O termo também designa a categoria de espíritos bons que habitam “no alto” (henoki) (PIMENTA, 2005).

Doutor em antropologia, José Pimenta (2005) ensina que a fartura de madeira de lei na área ocupada pelos Ashaninka, deu ao Rio Amônea o apelido de “rio da madeira”, causando, também, o interesse do homem branco para a região, tornando-se intensa a exploração da madeira na década de 1980, com invasões mecanizadas e cortes em grande escala, acarretando uma devastação calamitosa ao meio ambiente e para o povo que ali vivia.

Pimenta leciona que, de lá para cá, a exploração da madeira comprometeu fortemente a organização social, assim como a cultura do povo Ashaninka, que se referem ao período como um tempo de miséria, em que os seus rituais eram constantemente invadidos pelos posseiros, que embriagavam os índios e abusavam sexualmente das índias. A sua cultura era desprezada pelos invasores.

Por causa da presença dos madeireiros, a freqüência de suas rotinas culturais diminuiu, os índios pararam de usar as suas vestes para vestirem-se como os homens brancos, a língua nativa foi discriminada e, por causa dos índios serem solicitados para o corte da madeira, eles deixaram de produzir o seu artesanato, de forma que algumas peças daquele artesanato foram praticamente extintas (PIMENTA, 2005).

O antropólogo diz, ainda, que, além do quase desaparecimento da cultura do povo Ashaninka, o período da exploração da madeira foi também o período das doenças e da morte. O contato com os madeireiros trouxe doenças como a gripe, a pneumonia, o sarampo, a hepatite, a febre tifóide, a cólera e outras doenças que se causaram endêmicas e atingiram, principalmente, as crianças, dizimando muitas famílias.

De acordo com o Ministério Público, “o corte irracional de árvores com mais de 50 anos deixa marcas profundas por anos. Além do fato que, a derrubada de gigantes da floresta, mata, pelo esmagamento, inúmeras árvores menores, expõe o solo aos raios do sol, soterram igarapés e nascentes” (RE 654833/AC, volume 01, página 59).

O Ministério Público levou aos autos o relatório de Antônio Pereira Neto, que era o Administrador da FUNAI no Acre na época, datado de 15 de dezembro de 1985, que diz: “Em 1981 ou 82 o comerciante e seringalista Cameli e Cia. retirou mais de 900 toras de agoano e cedro do igarapé Revoltoso, utilizando um trator de esteira, dois tratores CBT e um caminhão. Tiveram que derrubar muitas matas para abrirem uma estrada de mais de 3 km de extensão, entre o Revoltoso e o Taboca, pelos divisores de águas destes dois igarapés, que tem suas cabeceiras em território peruano. Até hoje os Kampa que vivem próximo a estes igarapés, estão sentindo dificuldades de encontrar caça, tal foi o barulho ensurdecedor destas máquinas pela floresta.” (RE 654833/AC, volume 01, página 28)

No relatório assinado pelo Delegado de Polícia Federal, Dr. Felipe Augusto Aragão Evangelista, diz-se que: Toda esta infraestrutura trabalha para a retirada da madeira já apreendida, além da que estão sendo abatidas agora. As máquinas fazem verdadeiras estradas na mata para arrastar as toras até a beira do Rio. É fácil imaginar o movimento, a depredação e o barulho inusitados que toda esta parafernália provoca. Os Kampa, assustados e imobilizados diante de tanta demonstração de força, não sabem o que fazer ou que atitude tomar. Calculamos, a grosso modo, que mais de 1.000 (mil) toros já se encontram escondidos no lago do seringal Flora, abaixo da Vila Thaumaturgo.

Resumidamente existem por volta de mais de 3.000 toros de madeira envolvidos nesta operação criminosa [...] Estamos diante de uma invasão de territórios indígena eficaz e moderna, diferente de pequenas invasões de posseiros e seringueiros. Além disso estamos diante de um crime contra a ecologia da região, pois não existe um mínimo de cuidado com a preservação da fauna e flora da região. É o abate puro e simples de árvores de madeira de lei, único patrimônio econômico rentável da área Kampa que não possui seringa, e que poderia ser futuramente explorado pelos índios, de maneira racional e planejada. A pouca caça da área está fugindo com todas estas estradas na mata e barulho. (RE 654833/AC, volume 01, página 15)

Segundo José Pimenta (2005), dentre as empresas que exploram madeira na região do Rio Amônea, a Marmude Cameli Ltda foi o maior responsável pelos danos causados ao meio ambiente e ao povo Ashaninka, sendo que mais de um quarto da Terra Indígena sofreu direta ou indiretamente com a exploração da madeira.

Conforme a Ação Civil Pública, cada árvore que é derrubada danifica, em média, mil e quinhentos metros quadrados de mata. A retirada das árvores foi em torno do igarapé Revoltoso e do igarapé Amoninha, onde a retirada de madeira é vedada pelas leis ambientais, pois destroem os igarapés, causam assoreamento e morte. As matas ciliares são vitais para a sobrevivência dos rios e igarapés e, sendo as populações indígenas ribeirinhas dependentes desses rios e igarapés, eles significam a vida dessas comunidades (RE 654833/AC, volume 01, páginas 59 e 60).

A devastação não se restringiu apenas à mata, ela se estendeu também aos rios e lagos. A madeira saqueada, em sua grande parte, foi armazenada no Lago da Flora, situado na Fazenda Flora, que tem cerca de dois quilômetros de comprimento e cento e cinqüenta metros de largura, ligado ao Rio Juruá, que foi poluído, principalmente, pela tinta proveniente das cascas do mogno e do cedro (RE 654833/AC, volume 01, página 30).

Não fosse suficiente, no mês de dezembro do ano de 1987, o MM. Juiz Federal Dr. Vicente Leal de Araújo exarou despacho de pedido de alienação das toras de madeira, sendo que a empresa Marmude Cameli e Cia. Deveria retirar as toras das margens do rio, colocando-as em depósito seguro. Entretanto, a empresa deixou a madeira se deteriorar, causando grande prejuízo aos índios da Comunidade Ashaninka (RE 654833/AC, volume 01, página 57).

Essa impunidade, segundo a ACP, fez com que os madeireiros continuassem a ameaçar a comunidade indígena, mantendo, pelo menos até o ano da proposição da ação, a pressão sobre a comunidade indígena e, para comprovar o alegado, o Ministério Público anexou à petição um Relatório de Violências contra os Povos Indígenas, elaborado no ano de 1991 pelo Conselho Indigenista Missionário (RE 654833/AC, volume 01, página 56).

Em petição juntada ao RE 654833/AC, A Associação Ashaninka do Rio Amônea – APIWTXA, ao requerer habilitação como assistente litisconsorcial, afirma que “foram anos de constantes ataques à cultura e à integridade física da comunidade indígena e ao meio ambiente, intermédio de práticas que ultrapassam a Floresta Amazônica”, entre eles, a promoção de alcoolismo na aldeia, abusos sexuais contra as mulheres índias, perda da cultura e migração, doenças e epidemias e exploração de mão de obra de homens, mulheres e crianças, por meio da força (RE 654833/AC, volume 17, página 3.943).

Em carta aberta, a APIWTXA, associação que representa o povo Ashaninka, afirma que na década de 1980, as madeireiras Cameli causaram intenso dano ambiental e cultural ao povo Ashaninka do Rio Amônea:

Para explorar madeiras nobres, principalmente cedro e mogno, essas empresas invadiram o território ashaninka em três ocasiões: 1981, 1985 e 1987. As madeireiras abriram dezenas de quilômetros de estradas e ramais na mata, afetando mais de ¼ da Terra Indígena Kampa do Rio Amônia. A exploração predatória de madeira levou a consequências dramáticas para o meio ambiente e os Ashaninka. Enormes parcelas de floresta foram destruídas, empobrecendo significativamente a biodiversidade da região. As explorações madeireiras afugentaram a caça e poluíram os rios. Enquanto os donos das empresas lucravam milhões de dólares no mercado internacional com a venda de madeira nobre, o povo Ashaninka do rio Amônia, cujo modo de vida é baseado na agricultura de subsistência, pesca, caça e extrativismo, vivia a pior crise de sua história: trabalho forçado para os madeireiros, doenças, mortes, perdas culturais, etc.[1]

Não só o meio ambiente significa vida para os índios, mas também, as comunidades indígenas são importantes para a preservação do meio ambiente, é o que diz um estudo feito por especialistas da América do Sul que constatou que as Terras Indígenas são essenciais para a conservação dos estoques de carbono. O estudo foi publicado no dia 27 de janeiro de 2020, na Revista Proceedings of the National Academy of Sciences. De acordo com o estudo, as Terras Indígenas e as áreas naturas protegidas da Floresta Amazônica são menos vulneráveis à perda de carbono por degradação e a quantidade de carbono que são lançadas nessas áreas é compensada pelo crescimento de nova vegetação florestal.

A pesquisa mostra que “de toda a para a região amazônica — 73 bilhões de toneladas de carbono — 58% (41,1 bilhões de toneladas) encontram-se dentro de terras indígenas e áreas naturais protegidas”, os pesquisadores dizem que o estudo comprova que “as florestas sob a administração de povos indígenas e comunidades locais continuam a ter melhores resultados de carbono do que as terras sem proteção, o que significa que seu papel deve ser fortalecido para que os países da bacia amazônica consigam manter esse recurso globalmente importante, ao mesmo tempo em que cumprem seus compromissos sob o Acordo Climático de Paris” (WALKER, 2020)

A pesquisa diz que, apesar das “soluções climáticas naturais”, na teoria, serem promissoras, colocá-las em prática demanda a identificação de modelos replicáveis e, por mais que a demarcação de áreas de preservação na Floresta Amazônica seja uma forma de preservação, ela, por si só, não é tão eficiente quanto a preservação das Terras Indígenas. Para os pesquisadores, o modelo mais eficiente a ser replicado é exatamente o usado em Reservas indígenas, pois a comunidade indígena trata a terra como um todo, não só mantendo-a preservada, mas também cuidando da terra e, ainda, os modelos adotados pelos índios, além de serem mais eficazes, são mais baratos do que as alternativas convencionais adotadas pelos governos (WALKER, 2020).

O estudo reforça os resultados das inúmeras pesquisas referentes à preservação do meio ambiente, que comprovam que a proteção das reservas indígenas é essencial para a proteção da Floresta Amazônica e que, quando as Terras Indígenas são resguardadas, elas ajudam a proteger estoques de carbono florestal que são importantes para todo o planeta, além de prestarem uma grande variedade de serviços essenciais ao ecossistema (WALKER, 2020).

Assim, após demonstrar os danos causados ao Meio Ambiente e à comunidade indígena, o Ministério Público conseguiu, em primeira instância, a condenação dos réus ao pagamento de indenização referente ao prejuízo material, a condenação ao pagamento de indenização por danos morais sofridos pela comunidade Ashaninka, e a condenação ao pagamento de quase seis milhões de reais para o custeio da recomposição ambiental.

Entretanto, apesar de ser uníssono o entendimento que o crime de dano ambiental é imprescritível, passou-se a argumentar se a reparação civil, proveniente de dano ao meio ambiente, acompanha a imprescritibilidade da reparação ambiental.

Este estudo irá analisar os institutos que poderiam, de alguma forma, solucionar a celeuma causada pelo processo no que tange à responsabilidade civil ambiental decorrente dos danos causados pelos agentes depredadores, entretanto, antes de seguir, é importante fazer um estudo prévio sobre os conceitos de meio ambiente, as peculiaridades de defesa do meio ambiente e o dano ambiental.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Dharani. A (im)prescritibilidade da pretensão da reparação civil de dano ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7013, 13 set. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/99961. Acesso em: 21 nov. 2024.

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