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A (im)prescritibilidade da pretensão da reparação civil de dano ambiental

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13/09/2022 às 14:55
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4 Dano Ambiental

Após breve estudo sobre o conceito de meio ambiente, passaremos à análise do dano ambiental, que é conceituado por Leite (2002, p. 90-95) como sendo uma alteração indesejável ao conjunto de elementos que compõem o meio ambiente (macrobem):

“Significa, em uma primeira acepção, uma alteração indesejável ao conjunto de elementos chamados meio ambiente [...] a lesão ao direito fundamental que todos têm de gozar e aproveitar do meio ambiente apropriado. Contudo, em sua segunda conceituação, dano ambiental engloba os efeitos que esta modificação gera na saúde das pessoas e em seus interesses. [...] não somente o dano que recai sobre o patrimônio ambiental, que é comum à coletividade, mas também se refere ao dano por intermédio do meio ambiente ou dano ricochete a interesses legítimos de uma determinada pessoa, configurando um dano particular que ataca um direito subjetivo e legitima o lesado a uma reparação pelo prejuízo patrimonial ou extrapatrimonial.” (LEITE, 2002, p. 90-95).

Assim, a princípio, há uma alteração que prejudica o meio ambiente, mas também, em um segundo momento, segundo o autor, o dano ambiental engloba os efeitos que o ato danoso gerou, ou seja, é também a modificação causada na saúde das pessoas e nos seus interesses.

Milaré (2013. p. 319) possui o mesmo entendimento, concluindo que, além do dano ambiental recair diretamente sobre o meio ambiente, prejudicando a coletividade, ele também pode ser refletido no patrimônio e na saúde das pessoas, de forma individual ou coletiva.

Também ensina Herman Benjamim (2003. p. 239.), que “Um tal raciocínio, contudo, não deve esquecer que o ambiente tem ao lado da perspectiva difusa, repercussões coletivas, strictu sensu, individuais homogêneas e mesmo exclusivamente individuais e públicas. Assim, p. ex., uma atividade poluidora pode causar danos ao meio ambiente em geral (contaminação do ar, extinção de espécie, chuva ácida), ao meio ambiente do trabalho (afetando os trabalhadores da empresa emissora, todos os filiados do sindicato local) e a indivíduos particularizados (diminuição da produção leiteira ou degradação do patrimônio imobiliário dos vizinhos da fonte poluidora). Para uma mesma ação (ou fato ambiental), várias modalidades de danos, cada uma daquelas a ensejar diverso dever de reparação.” (BENJAMIN, 2003, p. 239).

Morato Leite (2003, p.234), que também entende o meio ambiente sob dois aspectos, dizendo que o meio ambiente pode ter uma significação de macrobem e de microbem, explica que o dano ao macrobem é um dano ao direito fundamental do homem como, por exemplo, a proteção à qualidade do ar que respiramos, que é um bem de interesse difuso e a sua proteção pertence a toda a coletividade, enquanto que o dano ao microbem se relaciona com o dano à propriedade e a outros interesses a ela ligados.

O bem lesado pode pertencer ao poder público ou privado, à pessoa física ou jurídica. Ainda, o microbem pode ser diferenciado pelo tipo de interesse jurídico ligado a ele, quais sejam: a) interesse individual, que é quando envolve interesses próprios; e b) a título de direito subjetivo fundamental, que é quando, alem de ferir o interesse individual, o dano também fere o direito que pertence à sociedade coletivamente organizada. (LEITE, 2003. p. 234)

Deste modo, configurada a lesão ambiental, impõe-se a sua reparação, que se dá das formas estudadas a seguir.

4.1 A Reparação do dano ambiental

Depois de breve reflexão sobre o conceito de dano ambiental, importa agora determinar as formas como esse dano pode ser reparado, de forma a garantir o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as futuras gerações, assim como para a geração presente. 

Ao ensinar sobre a defesa dos interesses difusos, Mazzilli (2007, p. 150) pergunta se, em caso de degradação ambiental, a regeneração natural do meio ambiente impediria uma ação judicial na proteção do mesmo bem já restaurado na natureza e, em seguida, ele mesmo responde à questão dizendo que é comum os poluidores nada fazerem para a reparação do dano, deixando para a natureza a difícil tarefa de consertar durante anos os que o homem conseguiu destruir em apenas alguns minutos. O autor ensina que, mesmo que a lesão já tenha sido recuperada pela própria natureza, já vai ter havido dano passível de indenização.

“Mesmo que esteja havendo ou se tenha completado a recuperação natural do meio ambiente degradado, antes disso já terá havido violação do Direito, suscetível de reparação indenizatória. Assim, da mesma forma que a natureza se encarrega de reparar as pequenas lesões corporais, também os pequenos dano ambientais, ainda que passíveis de recuperação espontânea pela natureza, nem por isso deixam de ser violações indenizáveis, e o produto da indenização deve reverter para o fundo de que cuida o art. 13 da Lei 7.347/85. No caso da violação do direito, surge o dever de indenizar a coletividade pelo período em que teve diminuída a fruição de um bem jurídico à ela assegurada (interesses difusos).” (MAZZILLI, 2007, p.150).

Ainda que a doutrina e a legislação brasileira ambiental determinem que a primeira forma de reparação dos danos ao meio ambiente seja a restauração, é inegável que, muitas vezes, essa restauração é impossível, afinal, os estragos causados ao meio ecológico são de difícil reparação. Por isso, a compensação ecológica e a indenização são alternativas cabíveis para a reparação da perda, desde que essa reparação seja integral.

Leite (2003, p.224) instrui sobre a obrigatoriedade da reparação do dano na sua integralidade, o mais aproximadamente possível, pois é necessária uma reparação ampla da lesão ambiental sofrida, sob pena de ocorrência da impunidade. O autor explica que a reparabilidade integral decorre do artigo 225, §3º da Constituição Federal, e do artigo 14, §1º da Lei 6.938/81, que não fizeram qualquer restrição da extensão da reparabilidade e, no que tange à responsabilização civil por dano ao meio ambiente, a reparabilidade é integral, “levando em conta o risco criado pela conduta perigosa do agente, impondo-se ao mesmo um deve-agir preventivo, como meio de se eximir da reparabilidade integral do eventual dano causado” (LEITE, 2003. p. 224), inclusive, podendo implicar em reparação superior à capacidade financeira do agente causador do dano.

A importância da reparação integral do dano é analisada por Sendim (1998, p.187), que diz: “[...] o que se exige é restitutio in integrum do bem jurídico ambiental que foi lesado, através da reabilitação ou da restauração dos componentes ambientais, não a reposição material de todas as condições físico-químico-biológicas do ambiente anteriores à lesão” (SENDIM, 1998, p. 187).

Mirra (2002, p. 299) vai além ao dizer que, independente dos elevados custos da reparação integral do agravo pelo agente degradante, essa obrigatoriedade é um risco assumido pelo próprio agente: “[...] a eventual falência de uma empresa, como resultado da obrigação de reparar integralmente o dano ao meio ambiente, nada mais é do que um risco assumido pelo empreendedor que decide exercitar a sua atividade sem se preocupar com a degradação da qualidade ambiental dela resultante. Aliás, trata-se de um risco que, ao que tudo indica, encontra larga compensação pelas vantagens e lucros normalmente obtidos.” (MIRRA, 2002, p. 299).

Leite (2002, p. 209) diz que quando a natureza tem suas composições “físicas e biológicas” alteradas, ela nunca conseguirá ser realmente restabelecida, do ponto de vista ecológico. Da mesma forma, Mirra (1997, p. 299) afirma que, mesmo quando o dano ambiental recai sobre, por exemplo, um bem cultural, ele não será nunca verdadeiramente reparado, pois a reparação será apenas uma substituição do bem que foi danificado, já que é extremamente difícil alcançar a completa restituição do patrimônio lesado.

No entanto, mesmo que seja, como dito acima, extremamente difícil a reparação, Leite (2003, p.210) diz que, ainda que existam dificuldades ecológicas, técnicas e financeiras, elas jamais poderão autorizar a irreparabilidade do dano ambiental, pois a sociedade possui “mecanismos jurisdicionais de reparação”, que existem para obrigar o agente autor do dano ambiental a ressarcir a lesão ambiental da forma mais integral possível, sendo esses mecanismos jurisdicionais de reparação: a) a restauração natural, que visa a recuperação in situ dos bens ambientais lesados; b) a compensação ecológica; e c) a indenização pecuniária ambiental, podendo, inclusive, ocorrer a cumulação entre essas três formas de reparação”.

4.2 Recuperação in natura

Quando há dano ao meio ambiente, a primeira opção é a recuperação do bem ambiental lesado, a restauração in natura do bem, com o intuito do retorno ao staus quo ante do meio, por ser a opção mais vantajosa ao meio ambiente do que a indenização, estando essa prioridade fundamentada no inciso I do §1º do artigo 225 da Constituição Federal que diz que, para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cabe ao Poder Público preservar e restaurar os processos ecológicos e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas. A prioridade da recuperação do dano também tem embasamento do § 2º, também do artigo 225 da Constituição Federal, que diz que quem explora recursos ambientais tem a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida por órgão público competente, na forma da lei.

Essa reparação in situ (no local) é voltada para a reabilitação do meio ecológico na área em que ele foi originalmente degradado e é realizada mediante imposição de obrigação de fazer, momento em que se buscará a recuperação do ambiente degradado. Portanto, a recuperação in natura do meio ambiente é a restituição do meio à forma anterior, ou o mais próximo possível, da que existia antes do ato de degradação.

A recuperação in natura está prevista na Lei 6.938, em seu artigo 2º, que estabelece como um dos objetivos da Política Nacional de Meio Ambiente a preservação, a melhoria e a recuperação da qualidade do meio ambiente, tendo como um de seus princípios o previstos no inciso VIII desse artigo, qual seja, a recuperação de áreas degradadas.

Assim, ensina Morato Leite, (2003, p.221) que, primeiramente, é imprescindível que sejam tentados “todos os meios possíveis para a restauração do bem ambiental, como forma de ressarcimento ao meio ambiente coletivo”, por ser a melhor forma de reparação do bem ambiental, mas, não sendo ela possível, passa-se às outras formas de reparação, em cumprimento ao dever de reparação integral.

4.3 Compensação ecológica

A compensação ecológica é a substituição dos bens ambientais que tenham sido afetados, por outros que sejam funcionalmente equivalentes, quando não houver a possibilidade de sua reparação natural, mesmo que seja voltada para uma área diferente da degradada, mas que tenha proximidade de equivalência ecológica com o lugar que foi danificado.

Salientam Moreira e Canotilho (1993, p. 143) que, diferente dos outros direitos sociais, em que o que se procura é criar ou realizar o que ainda não existe, o direito ambiental “procura garantir o que ainda existe e recuperar o que, por ação do Estado ou de terceiros, deixou de existir” e, sendo impossível a reparação natural, deve-se considerar a utilização da compensação ecológica, como instrumento subsidiário de reparação (LEITE, 2003. p. 211).

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Para Ferreira e Leite (2004, p.61), a compensação ecológica, diferentemente da recuperação ecológica, consiste na substituição do bem lesado por outro bem que seja equivalente, de forma que o bem ambiental permaneça inalterado tanto qualitativamente quanto quantitativamente. Deste modo, nos casos em que não há possibilidade de restauração ao meio ecológico, passa-se à obrigação de compensação por “equivalente ecológico”, como também leciona Milaré (2015, p. 334 – 335), ao dizer que:

“Mostrando-se impossível a restauração natural no próprio local do dano (restauração in situ), abre-se ensejo à compensação por equivalente ecológico, isto é, pela substituição do bem afetado por outro que lhe corresponda funcionalmente, em área de influência, de preferência direta, da degradada (restauração ex situ), em ordem a não se conformar apenas com o sucedâneo da indenização pecuniária. Admite-se, numa palavra, a “fungibilidade” entre os componentes ambientais, desde que a qualidade ambiental global resulte recuperada.” (MILARÉ, 2015, p. 334 – 335).

Em relação à compensação ambiental, ensina Freitas (2011, p.14) que a compensação, diferente das medidas de reparação in situ, tem como finalidade a substituição do bem ambiental danificado, ou a substituição por um bem ambiental equivalente. Para a autora, a compensação também é uma maneira de reparar o dano ao meio ambiente, por meio da qual é possível se reconstruir ou “melhorar um outro bem ou sistema ambiental equivalente” ao meio que foi danificado. Freitas acrescenta que “deve ser permitida apenas nas hipóteses em que a reparação in natura e in situ (restauração e recuperação) for verdadeiramente impossível (total ou parcialmente) ou como medida que precede a indenização (na reparação dos danos extrapatrimoniais, reparação dos danos interinos, p. ex.)” (FREITAS, 2011, P.14).

Essa equivalência citada pela autora, também é analisada por Sendim (1998, p.195), que diz que é preciso que seja elaborado um critério de equivalência que atenda “não só a equivalência entre funções e serviços humanos, mas também à equivalência estritamente ecológica. Neste ângulo, poder-se-á sustentar que dois bens naturais são equivalentes quando têm a mesma capacidade auto-sustentada de prestação. É assim possível de afirmar que um dano ecológico fica ressarcido quando determinadas funções ecológicas afetadas estão de novo restabelecidas de modo auto-sustentado. Nessa média, e só nessa medida, é correto dizer-se que se processou um restabelecimento do patrimônio natural globalmente considerado. (SENDIN, 1998, p. 195).

4.4 Indenização ou Reparação Pecuniária

A reparação pecuniária também é uma forma de reparação ambiental. Essa reparação é considerada subsidiária em relação à restauração in situ e à compensação ecológica, e deve ser utilizada quando é impossível a aplicação dos outros dois mecanismos de reparação ambiental ou pode, ainda, ser usada em consonância com as outras formas de compensação, ou seja, de forma cumulativa, pelo fato de que, apesar de a reparação ter o dever ser integral, essa integralidade é de difícil alcance.

Pablo Stolze e Rodolfo Pampolha (2013, p.53) ensinam que a “responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior das coisas”. Assim, o objetivo inicial é sempre o retorno ao status quo do meio ambiente anterior ao dano, mas a sua inocorrência incide na possibilidade de serem tomadas medidas compensatórias. Esse também é o posicionamento de Edis Milaré.

[...] dano ambiental é de difícil reparação. Daí que o papel da responsabilidade civil, especialmente quando se trata de mera indenização (não importa seu valor), é sempre insuficiente. Por mais custosa que seja a reparação, jamais se reconstituirá a integridade ambiental ou a qualidade do meio que for afetado. Por isso, indenizações e compensações serão sempre mais simbólicas do que reais, se comparadas ao valor intrínseco da biodiversidade, do equilíbrio ecológico ou da qualidade ambiental do planeta. A prevenção nesta matéria – aliás, como em quase todos os aspectos da sociedade industrial – é a melhor, quando não a única solução. (MILARÉ, 2015, p. 322)

Ocorre que, como o dano ambiental atinge um bem coletivo, as vítimas estão dispersas, de forma que, mesmo que seja possível identificar algumas vítimas, no geral, a coletividade será sempre vítima indireta, além de ser difícil uma análise certeira sobre as dimensões do dano, por causa da sua complexidade, principalmente em relação à sua dimensão extrapatrimonial. Por isso, a reparação civil de dano ambiental é matéria que demanda muito estudo, tanto em relação à mensuração do dano, afinal, o meio ambiente não possui valoração quantificável, quanto à destinação adequada ao produto da indenização. Desta forma, para os casos de ação civil pública ou coletiva que versem sobre direitos transindividuais indivisíveis, a legislação brasileira criou o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, que tem a finalidade principal de viabilizar a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

É do magistério de Paulo Afonso Leme Machado (2006, p. 66) que “o uso gratuito dos recursos naturais tem representado um enriquecimento ilegítimo do usuário, pois a comunidade que não usa do recurso ou que o utiliza em menor escala fica onerada. O poluidor que usa gratuitamente o meio ambiente para nele lançar poluentes invade a propriedade pessoal de todos os outros que não poluem, confiscando o direito de propriedade alheia.” (MACHADO, 2006, p.66).

Para Mazzilli (2007. p. 500 – 501), o legislador brasileiro achou uma solução razoável para resolver o problema da indenização dos interesses transindividuais ao criar os fundos de preservação, pois se trata de um tipo de fundo que é fluido, em que os recursos desses fundos são usados de maneira flexível, em proveito da defesa do interesse lesado.

O Decreto 1.306 de 1994 que regulamenta o Fundo de Defesa dos Interesses Difusos define como recursos do fundo o produto da arrecadação de: a) das condenações judiciais em multa diária das obrigações de fazer e não fazer e os valores de condenações em dinheiro por danos em ação civil pública; b) dos valores destinados à União em virtude da aplicação da multa por infração ao direito do consumidor e do produto de indenização prevista no art. 100, parágrafo único, da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990; c) das condenações judiciais de que trata o parágrafo 2º, do art. 2º, da Lei nº 7.913, de 7 de dezembro de 1989 que dispõe sobre a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários.; d) das multas referidas no art. 84, da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994; e) dos rendimentos auferidos com a aplicação dos recursos do Fundo; f) de outras receitas que vierem a ser destinada ao Fundo; g) de doações de pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras.

Quanto à valoração, Leite e Ayala (2014, p. 224) ensinam que, apesar de ser difícil a mensuração da valoração do dano ambiental, ela não é impossível, pois ela pode ser feita por meio de diferentes metodologias. No mesmo sentido, Alexandra Aragão (2013, p. 287) propõe quatro critérios para que se consiga fazer essa mensuração do dano, sendo eles: a modificação negativa; o risco para a saúde humana; a gravidade da ação danosa; e as características do bem afetado.

Tais recursos deverão, a princípio, ser destinados à reconstituição dos bens ambientais lesados ou a sua substituição por outro equivalente, mas, com as mudanças na legislação, os recursos do fundo também passaram a servir como fomentadores de políticas públicas ambientais, na recuperação de bens, na promoção de eventos educativos, científicos e na edição de material informativo especificamente relacionado com a natureza da infração ou do dano causado, bem como na modernização administrativa dos órgãos públicos responsáveis pela execução das políticas relativas ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, à ordem econômica, e outros interesses difusos e coletivos, como podemos perceber na leitura da Lei n. 9.008/95.

Mirra (2002, p.323) ensina que a indenização no âmbito ambiental diverge da responsabilidade civil clássica, pois, no direito ambiental, o dano causado acarreta prejuízo a um bem ambiental e aos seus componentes materiais e imateriais, os quais não têm valor pecuniário, logo, não se considera a compensação pecuniária como um mero instrumento em que se busca recuperar um prejuízo econômico. Assim, a modalidade de compensação pecuniária garante duas situações, a compensação do dano ambiental e a sanção civil.

Ensina Mirra (2002, p. 829), ainda, que o Brasil adotou a posição de que pode ocorrer tanto o dano patrimonial (material) contra o meio ambiente, que é aquele dano que repercute sobre meio ambiente em si - seja na sua compreensão de macrobem, que seria o interesse da coletividade, seja na sua concepção de microbem, que é o interesse de pessoas certas ou individualizáveis - quanto o dano extrapatrimonial (moral) ao meio ambiente.

A diminuição da qualidade de vida da população, o desequilíbrio ecológico, o comprometimento de um determinado espaço protegido, a contaminação das águas, a inquinação atmosférica, o desmatamento, os estragos da extração minerária, os incômodos físicos ou lesões à saúde e tantos outros constituem lesões ao patrimônio ambiental. O dano ambiental extrapatrimonial ou moral caracteriza-se pela ofensa, devidamente evidenciada, aos sentimentos individual ou coletivo resultantes da lesão ambiental patrimonial. Vale dizer, quando um dano patrimonial é cometido, a ocorrência de relevante sentimento de dor, sofrimento e/ou frustração resulta na configuração do dano ambiental extrapatrimonial ou moral, o qual, por certo, não decorre da impossibilidade de retorno ao status quo ante, mas, sim, da evidência desses sentimentos individuais ou coletivos, autorizando-se falar em danos ambientais morais individuais ou coletivos.” (MIRRA, 2002, p. 829).

Milaré (2013, p. 322 - 323) também classifica o dano ambiental em dano patrimonial ou material e dano extrapatrimonial ou moral. Para o autor “o dano ambiental patrimonial é aquele que repercute sobre o próprio bem ambiental, isto é, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, relacionando-se à sua possível restituição ao status quo ante, compensação ou indenização”, enquanto que o dano ambiental extrapatrimonial “caracteriza-se pela ofensa, devidamente evidenciada, ao sentimento difuso ou coletivo resultante da lesão ambiental patrimonial”, ou seja, o dano extrapatrimonial é o sentimento de afronta, de agravo, que se sentiu por causa do dano ambiental.

Essa condenação em pagamento de indenização por dano extrapatrimonial está diretamente ligada à obrigatoriedade de reparação integral do dano, pois o dano ambiental, macrobem, gera reflexos aos direitos da coletividade, à sua qualidade de vida, à saúde humana, à dignidade da pessoa humana, principalmente nos casos em que ocorre um lapso temporal entre o dano e a sua recuperação. Para Leite (2003, p.267), o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está conectado ao direito à qualidade de vida, um direito fundamental de todos, que se configura como um valor imaterial da coletividade, o que justifica a obrigatoriedade da reparação integral.

No caso da Comunidade Ashaninka foram anos de constantes ataques à cultura e à integridade física da comunidade indígena e ao meio ambiente, entre os danos estão a promoção de alcoolismo na aldeia, abusos sexuais contra as mulheres índias, perda da cultura e migração, doenças, epidemias e exploração de mão de obra de homens, mulheres e crianças, por meio da força, como consta nos autos do processo. O contato com os madeireiros trouxe doenças como a gripe, a pneumonia, o sarampo, a hepatite, a febre tifóide, a cólera e outras doenças que se causaram endêmicas e atingiram, principalmente, as crianças, dizimando muitas famílias e, ainda, de acordo com os dados trazidos no processo, os danos causados à floresta também são de difícil mensuração, já que cada árvore derrubada danifica, em média, mil e quinhentos metros quadrados de mata, e ainda, essas árvores foram derrubadas em torno de igarapés importantes da região, o que causou a destruição dos igarapés, assoreamento e a morte não só dos rios, pois as matas ciliares são vitais para a sobrevivência daqueles, mas também para as comunidades ribeirinhas, que dependem desses rios e igarapés.

Na análise do caso concreto citado no início do estudo, e no interesse de se ver feita a correta distribuição dos bens ambientais e riscos causados pelo dano ecológico, deve se considerar que a justiça socioambiental tem o dever de, além de apreciar apenas os danos causados à natureza, apreciar também os danos extrapatrimoniais causado à comunidade indígena, para fazer a correta distribuição dos riscos ambientais causados pelos destruidores, sopesando o fato de que o dano ambiental causa consequências negativas ao meio ambiente, mas, além disso, causa danos morais aos índios que vivem no local do agravo, pois sobrevivem do que é oferecido pela natureza, o que os torna um grupo ainda mais vulnerável do que a coletividade, de um modo geral.

Resta evidenciado, pelo estudo da doutrina e dos artigos aqui citados, assim como pela demonstração dos danos causados à Comunidade Ashaninka, no caso concreto, que deve ser de reparabilidade integral a responsabilidade civil pelos danos ambientais, levando-se em consideração, de acordo com Ferreira (2000, p.120), o risco decorrente da conduta do agente, devendo ser imputado ao agente poluidor, indenização suficiente para que seja efetiva a reconstituição do bem ambiental lesado, podendo, inclusive, um mesmo dano ter três consequências pecuniárias sem, com isso, ocorrer o bis in idem.

Não existindo dúvidas quanto à obrigatoriedade da reparação integral do dano ao meio ambiente, o que inclui a reparação material e a extrapatrimonial, passa-se à análise da imprescritibilidade da pretensão de reparação civil de dano ambiental.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Dharani. A (im)prescritibilidade da pretensão da reparação civil de dano ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7013, 13 set. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/99961. Acesso em: 23 dez. 2024.

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