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Recurso Especial nº 954.859/RS: STJ profere decisão inédita sobre a polêmica incidência da multa prevista no art.475-J do CPC.

Planger, imprecar ou aceitar e ir por diante?

Recurso Especial nº 954.859/RS: STJ profere decisão inédita sobre a polêmica incidência da multa prevista no art.475-J do CPC. Planger, imprecar ou aceitar e ir por diante?

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            "Isto é a vida; não há planger, nem imprecar, mas aceitar as coisas integralmente, com seus ônus e percalços, glórias e desdouros, e ir por diante."

Machado de Assis (Teoria do Medalhão – Diálogo – in Papéis Avulsos)


1) A INTERPRETAÇÃO DO PRECEITO 475-J DO CPC NA DOUTRINA E NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS ESTADUAIS

            Um dos mais tormentosos artigos da Lei n. 11.232/2005, vigente desde 23 de junho de 2006, finalmente obteve a primeira análise junto ao Superior Tribunal de Justiça, Corte de Superposição Ordinária, responsável pela hegemonia da aplicação das normas federais.

            Como se verá, no julgamento do Recurso Especial n. 954859/RS a Terceira Turma do STJ enfrentou a interpretação do polêmico art. 475-J do CPC, dotado da seguinte redação:

            Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

            O preceito envolve a imputação de multa de 10% para o caso de não pagamento do valor estipulado na condenação judicial pelo devedor em quinze dias. Entretanto, não estabelece literalmente o termo inicial para o início da contagem do lapso legal, donde surgiram as discussões em torno do problema.

            Preliminarmente, antes de entrarmos nos pormenores do aludido julgado no STJ, convém destacar as principais correntes doutrinárias e jurisprudenciais já formadas sobre a questão, as quais podem ser resumidas em três:

            PRIMEIRA CORRENTE

            Na ausência de especificação da Lei, o prazo de 15 dias para a incidência da multa (457-J) se conta de forma imediata e sem necessidade de qualquer intimação prévia, a partir do momento em que a sentença se tornar exigível, em razão do seu trânsito em julgado ou em razão de interposição de recurso desprovido de efeito suspensivo pela parte devedora.

            Doutrina

            - Athos Gusmão Carneiro [01]:

            "(...) A multa incide independentemente das intenções ou possibilidades do executado, pois decorre objetivamente do descumprimento da ordem de pagamento contida na sentença...".

            - José Maria Rosa Tesheiner [02]:

            "A incidência da multa é incondicionada. Não se trata, no caso de "astreinte", ou seja, de multa para coagir o devedor, mas de pena, à semelhança da multa contratual. Sendo líquido o valor da condenação, ou apurável mediante cálculo, o prazo para pagamento voluntário começa a correr do trânsito em julgado da condenação. Não há, pois, intimação para pagar, nem mesmo para o revel, muito menos do defensor público, no caso de réu a que se concedeu o benefício da assistência judiciária gratuita.".

            - Guilherme Rizzo Amaral [03]:

            "Transitada em julgado a sentença (ou acórdão), cremos ser desnecessária a intimação do devedor para cumpri-la, bastando a simples ocorrência do trânsito em julgado para que se inicie o prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento voluntário."

            - Araken de Assis [04]:

            "Era idéia fixa do legislador dispensar nova citação, na fase de cumprimento, economizando tempo precioso e evitando percalços na sempre trabalhosa localização do devedor. Daí por que qualquer medida tendente a introduzir intimação pessoal, ou providência análoga, harmoniza-se mal com as finalidades da lei.".

            - Humberto Theodoro Jr. [05]:

            "(...) o montante da condenação será acrescido de multa de 10%, sempre que o devedor não proceder ao pagamento voluntário nos quinze dias subseqüentes à sentença que fixou o valor da dívida (isto é, a sentença condenatória líquida, ou a decisão de liquidação da condenação genérica).".

            Jurisprudência

            EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - INCIDÊNCIA DA MULTA PREVISTA NO CAPUT DO ARTIGO 475-J, DO CPC - DESNECESSÁRIA A INTIMAÇÃO PRÉVIA DO DEVEDOR PARA EFETUAR O PAGAMENTO DA CONDENAÇÃO.

            A multa prevista no caput do art. 475-J do CPC, introduzida no capítulo das execuções do Código de Processo Civil pela Lei nº 11.232/2005, incide na hipótese de o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não satisfazer a obrigação no prazo de quinze dias, contados do trânsito em julgado da decisão condenatória, independentemente de prévia intimação do devedor para efetuar o pagamento.

            (AGRAVO N° 1.0194.06.061594-6/001 - COMARCA DE CORONEL FABRICIANO - RELATOR: EXMO. SR. DES. PEDRO BERNARDES - 9ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 24 de abril de 2007)

            AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEI 11.232/05. ARTIGO 475-J, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. APLICABILIDADE NA HIPÓTESE.

            Passaram-se 17 (dezessete) dias desde que a agravante teve ciência do valor a que foi condenada, até o efetivo pagamento. Excedidos 02 (dois) dias a mais, portanto, do prazo previsto no artigo 475-J, do Código de Processo Civil. Aplicável, pois, a multa de 10% prevista nesse dispositivo.

            (TJ-RS - Agravo de Instrumento n. 70018017210. Nona Câmara Cível. Comarca de Canguçu. Relatora Desembargadora Íris Helena Medeiros Nogueira. Porto Alegre, 14 de fevereiro de 2007).

            SEGUNDA CORRENTE

            Na ausência de especificação da Lei, o prazo de 15 dias para a incidência da multa (457-J) se conta a partir do momento em que o devedor for intimado da condenação transitada em julgado ou sob a qual não pesa recurso com efeito suspensivo.

            Doutrina

            - Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina [06]:

            "No sistema jurídico processual, há intimações que devem ser dirigidas às partes, e intimações que devem ser dirigidas aos advogados. Para tanto, são observados os seguintes critérios, em regra: (a) para a prática de atos processuais que dependem de capacidade postulatória (CPC, art. 36), a intimação deve ser dirigida ao advogado; (b) para a prática de atos pessoais da parte, atos subjetivos que dependem de sua participação e que dizem respeito ao cumprimento da obrigação que é objeto do litígio, a parte deve ser intimada pessoalmente. (...)

            O cumprimento da obrigação não é ato cuja realização dependa de advogado, mas é ato da parte. Ou seja, o ato de cumprimento ou descumprimento do dever jurídico é algo que somente será exigido da parte, e não de seu advogado, salvo se houver exceção expressa, respeito, o que inexiste, no art. 475-J, caput, do CPC. (...)

            Contra este nosso ponto de vista, poder-se-ia opor o argumento de que a necessidade de intimação pessoal do devedor seria obstáculo ao cumprimento mais célere da sentença. Não nos parece, contudo, que seja assim. Como, caso não haja pagamento, a multa será somada ao valor da condenação, sendo, portanto, devida pelo réu, e não por seu advogado, parece mais consentânea com o princípio do contraditório a orientação de que o réu deve ser previamente advertido quanto à conseqüência negativa do descumprimento da obrigação. (...)"

            - Rodrigo da Cunha Lima Freire [07]:

            "Penso que o devedor deve ser intimado pessoalmente, não bastando a publicação na imprensa oficial, por diversas razões: (a) o devedor deve cumprir a sentença, não o advogado; (b) o Código não prevê, para o cumprimento da sentença, a intimação na pessoa do advogado; (c) o Código prevê a intimação na pessoa do advogado apenas do auto de penhora e de avaliação (art. 475-J, § 3º.), exatamente porque a parte não pode apresentar impugnação sem a participação do seu advogado – falta-lhe capacidade postulatória, conforme o art. 36 do CPC; (d) se a intimação do réu para o cumprimento de uma decisão mandamental é pessoal, por que a intimação do réu para o cumprimento da sentença que o condena ao pagamento de quantia em dinheiro se daria na pessoa do seu advogado?; (e) é possível imaginar a enorme dificuldade prática dos advogados, especialmente dos advogados dativos, em localizarem os devedores e deles obterem a comprovação de que estão cientes do despacho intimando para o cumprimento da sentença; (f) admitindo-se que a intimação se dê pela imprensa oficial, o que deve fazer o advogado que não encontra o devedor no prazo de quinze dias?; (g) e se o advogado renunciar tempestivamente ao mandato que lhe foi outorgado pelo devedor?; (h) e se a procuração for limitada às fases de conhecimento e de quantificação do direito?; (i) nem tudo se justifica em nome da celeridade processual."

            Jurisprudência

            EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO DE SENTENÇA - APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ARTIGO 475-J DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - MARCO INICIAL PARA INCIDÊNCIA DA PENALIDADE. - Se o ato é pessoalíssimo da parte, a via adequada para instá-la ao cumprimento é a sua intimação pessoal, e direta e não de seu advogado, porquanto o dever jurídico de suportar uma condenação (no caso pagar a dívida) é algo que unicamente será exigido da parte, e não de seu procurador. - A incidência da multa de 10% sobre o débito, prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil, incidirá do término do prazo de quinze dias previsto, a partir da intimação pessoal do devedor.

            (AGRAVO N° 1.0194.05.052558-4/001 - COMARCA DE CORONEL FABRICIANO - RELATOR: EXMO. SR. DES. OSMANDO ALMEIDA - 9ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 12 de junho de 2007).

            TERCEIRA CORRENTE

            Na ausência de especificação da Lei, o prazo de 15 dias para a incidência da multa (457-J) se conta a partir do momento em que o devedor for intimado de condenação transitada em julgado ou sob a qual não pesa recurso com efeito suspensivo, através de seu advogado, por publicação no diário oficial.

            Doutrina

            - Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery [08]:

            "Multa de 10%. Intimado o devedor, na pessoa de seu advogado, pode cumprir (pagar) ou não cumprir o julgado (não pagar). O descumprimento desse dever de cumprir voluntariamente o julgado acarreta ao devedor faltoso a pena prevista no caput do CPC 475-J: acresce-se ao valor do título 10% (dez por cento), sob a rubrica de multa."

            - J.E. Carreira Alvim [09]:

            "Se a sentença for líquida, o devedor deverá cumpri-la no prazo de quinze dias -, contado também da intimação ao seu advogado -, e, caso não o faça, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento..."

            Jurisprudência

            "Transitada em julgado a sentença, o devedor deverá ser intimado, na pessoa do seu advogado, para, no prazo de 15 (quinze) dias, cumprir o julgado e efetuar o pagamento da quantia devida, sob pena de ser acrescida à dívida multa no percentual de 10% (dez por cento), em conformidade com o disposto no art. 475-J do CPC."

            (TJ-MS - Apelação Cível - Ordinário - N. 2007.010973-2/0000-00 - Três Lagoas. Rel. Exmo. Sr. Des. Rubens Bergonzi Bossay. Terceira Turma Cível. 11.6.2007.)

            "Levando-se em consideração que, com base no princípio da instrumentalidade das formas, a intenção do ordenamento jurídico é no sentido de aproveitar ao máximo os atos processuais e que não há nada na legislação especificando o modo para a intimação do devedor para o cumprimento da sentença, com base na nova lei n. 11.232/2005, nada impede que esta seja feita na pessoa de seu advogado."

            (TJ-MS - Agravo - N. 2007.010906-2/0000-00 - Campo Grande. Rel. Exmo. Sr. Des. Hamilton Carli. Terceira Turma Cível. 9.7.2007).

            AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. MULTA DO ART. 475-J DO CPC. INTIMAÇÃO. NECESSIDADE.

            Não há de se cogitar da incidência da multa prevista no artigo 475-J sem que o devedor tenha sido intimado para cumprir a obrigação através de seu procurador. Decisão interlocutória revogada. Precedentes jurisprudenciais. Decisão monocrática dando provimento.

            (Agravo de Instrumento Nº 70020270310, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudio Baldino Maciel, Julgado em 28/06/2007)


2) O CASO CONCRETO SUBMETIDO À APRECIAÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

            Respeitando o cerne do presente artigo, que pertine apenas a algumas ponderações sobre o precedente em epígrafe, vale destacar o teor do último julgado emanado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (Agravo de Instrumento n. 70018017210), o qual deu origem ao recente precedente do STJ (Resp n. 954.859/RS).

            Tratou-se de agravo de instrumento interposto por Companhia Estadual de Energia Elétrica – CEEE contra decisão que, nos autos da execução movida por José Francisco Nunes Moreira e outros, determinou a intimação da parte executada para depositar um saldo alusivo ao pagamento da multa prevista no preceito 475-J do CPC.

            Irresignada, a recorrente aduziu não ser devido o valor da multa de 10% sobre a condenação, eis que não teria sido intimada a efetuar o cumprimento da decisão, o que se faria necessário, a luz do entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre o tema.

            Concluso para decisão, o agravo foi improvido a unanimidade, tendo a Eminente Relatora, Desembargadora Iris Nogueira, se valido das razões esposadas pelos Professores José Tesheiner e Guilherme Amaral, ilustres representantes da primeira corrente doutrinária supracitada, assim decidindo:

            "Eminentes colegas, insurge-se a agravante quanto à aplicação da multa prevista no artigo 475-J, do Código de Processo Civil, dispositivo introduzido pela Lei 11.232/05, e que possui a seguinte redação:

            475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no artigo 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

            Em síntese, refere que somente se aplicaria este comando legal se fossem intimados seus procuradores para realizar o pagamento, o que inocorreu na hipótese. Refere, ainda, ter solicitado guia para realizar o depósito, que o fez de forma espontânea.

            Muito respeitando os entendimentos em contrário, tenho que não assiste razão à agravante.

            A questão que se discute no presente recurso foi muito bem analisada pela eminente Desembargadora Marilene Bonzanini Bernardi, quando do julgamento do agravo de instrumento nº 70018090605. Peço vênia para transcrever, em parte, a decisão monocrática por ela lançada:

            (...)

            Consoante a nova sistemática do CPC, prevista no art. 475-J, e seus parágrafos, o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa, terá 15 dias para efetuar o pagamento. Não efetuando, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10%. Isto ocorre independentemente de intimação do devedor para pagamento, fluindo o prazo da intimação da publicação da sentença.

            Neste sentido tem-se manifestado a doutrina.

            Tesheiner [10] refere:

            A incidência da multa é incondicionada. Não se trata, no caso de astreinte, ou seja, de multa para coagir o devedor, mas de pena, à semelhança da multa contratual.

            Sendo líquido o valor da condenação, ou apurável mediante cálculo, o prazo para pagamento voluntário começa a correr do trânsito em julgado da condenação.

            Não há, pois, intimação para pagar, nem mesmo para o revel, muito menos do defensor público, no caso de réu a que se concedeu o benefício da assistência judiciária gratuita.

            Na mesma linha, Amaral [11] sustenta que "transitada em julgado a sentença (ou acórdão), cremos ser desnecessária a intimação do devedor para cumpri-la, bastando a simples ocorrência do trânsito em julgado para que se inicie o prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento voluntário".

            Não realizado o pagamento, e havendo requerimento do credor, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação. Lavrado o auto, será intimado o devedor para querendo oferecer impugnação.

            Como se vê, não há espaço para manifestações do devedor acerca do seu interesse ou não de pagar ou para falar acerca do requerimento do réu para dar início à execução.

            (...)

            Pois bem, no caso dos autos, restou a ora agravante condenada à devolução de NCz$ 6.492 (seis mil quatrocentos e noventa e dois cruzados novos) e NCz$ 1.000,00 (mil cruzados novos), a serem atualizados pelo IGP-M desde a data do desembolso, mais juros de mora de 12% ao ano desde a citação.

            O trânsito em julgado ocorreu em 11.07.2006, fl. 69. Os autos retornaram à origem e foram enviados à contadoria, tendo sido expedida guia para pagamento no valor de R$ 32.236,00 (trinta e dois mil e duzentos e trinta e seis reais). Esta guia foi recebida pela agravante em 22.08.2006 (fl. 71 verso). O pagamento ocorreu somente em 08.09.2006 (fl. 74).

            Observa-se, pois, que se passaram 17 (dezessete) dias desde que teve a agravante teve ciência do valor a que foi condenada, até o efetivo pagamento.Excedidos 02 (dois) dias a mais, portanto, do prazo previsto em lei.

            Desta, forma, plenamente aplicável a multa de 10% prevista no artigo 475-J, do Código de Processo Civil, motivo pelo qual estou em manter a decisão recorrida.

            Diante do exposto, voto por negar provimento ao recurso."

            Contra tal decisão a Companhia Estadual de Energia Elétria – CEEE tirou o Recurso Especial n. 954.859, distribuído à Relatoria do Eminente Ministro Humberto Gomes de Barros, membro da Terceira Turma daquele Sodalício e julgado na sessão de 16 de agosto de 2007. Trazemos à colação o teor do voto [12]:

            Superior Tribunal de Justiça

            RECURSO ESPECIAL Nº 954.859 - RS (2007/0119225-2)

            RELATOR : MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS

            RECORRENTE : COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA

            ADVOGADOS : LUIZ FERNANDO MENEZES DE OLIVEIRA

            CAMILA THOMAZI S MORAES E OUTRO(S)

            RECORRIDO : JOSÉ FRANCISCO NUNES MOREIRA E OUTROS

            ADVOGADO : CONRADO ERNANI BENTO NETO

            E M E N T A

            LEI 11.232/2005. ARTIGO 475-J, CPC. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. MULTA. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO DA PARTE VENCIDA. DESNECESSIDADE.

            1. A intimação da sentença que condena ao pagamento de quantia certa consuma-se mediante publicação, pelos meios ordinários, a fim de que tenha início o prazo recursal. Desnecessária a intimação pessoal do devedor.

            2. Transitada em julgado a sentença condenatória, não é necessário que a parte vencida, pessoalmente ou por seu advogado, seja intimada para cumpri-la.

            3. Cabe ao vencido cumprir espontaneamente a obrigação, em quinze dias, sob pena de ver sua dívida automaticamente acrescida de 10%.

            ACÓRDÃO

            Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

            Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

            Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

            Brasília (DF), 16 de agosto de 2007(Data do Julgamento).

            MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS

            Relator

            RECURSO ESPECIAL Nº 954.859 - RS (2007/0119225-2)

            RELATÓRIO

            MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS:

            (alínea ´´c´´), interposto por Companhia Estadual de Distribuição de Energia, contra acórdão resumido nestas palavras:

            Recurso especial "AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEI 11.232/05. ARTIGO 475-J, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. APLICABILIDADE NA HIPÓTESE.

            Passaram-se 17 (dezessete) dias dede que a agravante teve ciência do valor a que foi condenada, até o efetivo pagamento. Excedidos 02 (dois) dias a mais, portanto, do prazo previsto no artigo 475-J, do Código de Processo Civil.

            Aplicável, pois, a multa de 10% prevista nesse dispositivo.

            Agravo de instrumento improvido. Unânime." (fls. 95/97)

            A recorrente aponta divergência entre o acórdão recorrido e julgamento da

            4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

            Diz que o acórdão paradigma declarou que a multa de 10% prevista no Art. 475-J do CPC, não incide se o réu não foi intimado pessoalmente para cumprir a sentença.

            Pede a reforma do acórdão recorrido, para que prevaleça a orientação fixada no julgado paradigma.

            Sem contra-razões.

            RECURSO ESPECIAL Nº 954.859 - RS (2007/0119225-2)

            LEI 11.232/2005. ARTIGO 475-J, CPC. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. MULTA. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO DA PARTE VENCIDA. DESNECESSIDADE.

            1. A intimação da sentença que condena ao pagamento de quantia certa consuma-se mediante publicação, pelos meios ordinários, a fim de que tenha início o prazo recursal.

            Desnecessária a intimação pessoal do devedor.

            2. Transitada em julgado a sentença condenatória, não é necessário que a parte vencida, pessoalmente ou por seu advogado, seja intimada para cumpri-la.

            3. Cabe ao vencido cumprir espontaneamente a obrigação, em quinze dias, sob pena de ver sua dívida automaticamente acrescida de 10%.

            VOTO

            MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator):

            A questão é nova e interessantíssima. Merece exame célere do Superior Tribunal de Justiça porque tem suscitado dúvidas e interpretações as mais controversas.

            Há algo que não pode ser ignorado: a reforma da Lei teve como escopo imediato tirar o devedor da passividade em relação ao cumprimento da sentença condenatória.

            Foi-lhe imposto o ônus de tomar a iniciativa de cumprir a sentença de forma voluntária e rapidamente. O objetivo estratégico da inovação é emprestar eficácia às decisões judiciais, tornando a prestação judicial menos onerosa para o vitorioso.

            Certamente, a necessidade de dar resposta rápida e efetiva aos interesses do credor não se sobrepõe ao imperativo de garantir ao devedor o devido processo legal.

            Mas o devido processo legal visa, exatamente, o cumprimento exato do quanto disposto nas normas procedimentais. Vale dizer: o vencido deve ser executado de acordo com o que prevê o Código. Não é lícito subtrair-lhe garantias. Tampouco é permitido ampliar regalias, além do que concedeu o legislador.

            O Art. 475-J do CPC, tem a seguinte redação:

            Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

            A Lei não explicitou o termo inicial da contagem do prazo de quinze dias.

            Nem precisava fazê-lo. Tal prazo, evidentemente, inicia-se com a intimação. O Art. 475-J não previu, também, a intimação pessoal do devedor para cumprir a sentença.

            A intimação - dirigida ao advogado - foi prevista no § 1º do Art. 475-J do CPC, relativamente ao auto de penhora e avaliação. Nesse momento, não pode haver dúvidas, a multa de 10% já incidiu (se foi necessário penhorar, não houve o cumprimento espontâneo da obrigação em quinze dias).

            Alguns doutrinadores enxergam a exigência de intimação pessoal.

            Louvam-se no argumento de que não se pode presumir que a sentença publicada no Diário tenha chegado ao conhecimento da parte que deverá cumpri-la, pois quem acompanha as publicações é o advogado.

            O argumento não convence. Primeiro, porque não há previsão legal para tal intimação, o que já deveria bastar. Os Arts. 236 e 237 do CPC são suficientemente claros neste sentido. Depois, porque o advogado não é, obviamente, um estranho a quem o constituiu. Cabe a ele comunicar seu cliente de que houve a condenação. Em verdade, o bom patrono deve adiantar-se à intimação formal, prevenindo seu constituinte para que se prepare e fique em condições de cumprir a condenação.

            Se o causídico, por desleixo omite-se em informar seu constituinte e o expõe à multa, ele deve responder por tal prejuízo.

            O excesso de formalidades estranhas à Lei não se compatibiliza com o escopo da reforma do processo de execução. Quem está em juízo sabe que, depois de condenado a pagar, tem quinze dias para cumprir a obrigação e que, se não o fizer tempestivamente, pagará com acréscimo de 10%.

            Para espancar dúvidas: não se pode exigir da parte que cumpra a sentença condenatória antes do trânsito em julgado (ou, pelo menos, enquanto houver a possibilidade de interposição de recurso com efeito suspensivo).

            O termo inicial dos quinze dias previstos no Art. 475-J do CPC, deve ser o trânsito em julgado da sentença. Passado o prazo da lei, independente de nova intimação do advogado ou da parte para cumprir a obrigação, incide a multa de 10% sobre o valor da condenação.

            Se o credor precisar pedir ao juízo o cumprimento da sentença, já apresentará o cálculo, acrescido da multa.

            Esse o procedimento estabelecido na Lei, em coerência com o escopo de tornar as decisões judiciais mais eficazes e confiáveis. Complicá-lo com filigranas é reduzir à inutilidade a reforma processual.

            Nego provimento ao recurso especial ou, na terminologia da Turma, dele

            não conheço.

            CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

            Número Registro: 2007/0119225-2

            REsp 954859 / RS

            Números Origem: 10500012271 70015173099 70018017210 70018920652

            PAUTA: 26/06/2007 JULGADO: 16/08/2007

            Relator Exmo. Sr. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS

            Presidente da Sessão

            Exmo. Sr. Ministro CASTRO FILHO

            Subprocurador-Geral da República

            Exmo. Sr. Dr. PEDRO HENRIQUE TÁVORA NIESS

            Secretária

            Bela. SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

            AUTUAÇÃO

            RECORRENTE : COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA

            ADVOGADO : LUIZ FERNANDO MENEZES DE OLIVEIRA

            RECORRIDO : JOSÉ FRANCISCO NUNES MOREIRA E OUTROS

            ADVOGADO : CONRADO ERNANI BENTO NETO

            ASSUNTO: Civil - Contrato - Financiamento - Rede de Energia Elétrica

            CERTIDÃO

            Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

            A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

            Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

            Brasília, 16 de agosto de 2007" (grifos nossos)


3) BREVÍSSIMA ANÁLISE DO PRECEDENTE DO STJ

            Ressaltamos, desde já, que tal julgado (Resp. n. 954.859/RS), por si só, é desprovido do poder de vincular os juízes quanto a seu resultado, servindo de mera orientação, com caráter incidental e não obrigatório [13].

            Não fosse esse primeiro aspecto, o julgamento Recurso Especial n. 954.859 emanou do órgão fracionário da Terceira Turma, com voto de apenas quatro Ministros (Gomes de Barros, Ari Pargendler, Menezes Direito e Castro Filho), sendo certo que a Eminente Ministra Nancy Andrighi, juíza natural de tal Colegiado, não tomou parte da decisão em ausência justificada.

            Dos quatro julgadores que participaram do emblemático leading case, um já se aposentou (Ministro Castro Filho) e outro está em vias de se tornar o próximo Ministro do Supremo Tribunal Federal (Ministro Menezes Direito), razão pela qual apenas dois Ministros (Gomes de Barros e Ari Pargendler) já externaram seu posicionamento quanto à questão e continuam compondo a Corte. Aliás, a própria Segunda Seção de direito privado [14] a qual pertence a Terceira Turma, totaliza dez julgadores, eis que abrange ainda a Quarta Turma, com mais cinco Ministros.

            Sendo assim, se mostra prematura e incorreta a afirmação de que o STJ, enquanto colegiado, defende a incidência imediata da multa prevista no preceito 475-J do CPC.

            Quanto ao mérito da decisão, se denota que o Ministro Gomes de Barros vem sendo criticado por abraçar uma interpretação de acordo com a vontade do legislador, desconsiderando as particularidades vislumbradas por parcela da doutrina, relativas à opção pela incidência imediata da multa sem qualquer tipo de intimação do devedor.

            Os ataques mais comuns são no sentido de que o Relator:

            - ignorou a presumida impossibilidade de vislumbre imediato dos autos a partir do trânsito em julgado, principalmente quando os mesmos se encontram em Tribunais Superiores, ou mesmo nos Tribunais Locais, situados nas capitais, longe do acesso das partes envolvidas;

            - responsabilizou indevidamente os advogados pela ciência do devedor em relação ao termo inicial do prazo para pagamento sob pena de multa;

            - feriu as regras inerentes à mora de obrigação personalíssima cujo início jamais poderia ser deflagrado mediante intimação que não ocorresse na pessoa do próprio obrigado, no caso, o devedor e jamais o advogado.

            Entrementes, por mais que pese sobre o Eminente Relator a pecha de magistrado avesso aos rumos doutrinários [15], temos que a primeira corrente - agora endossada pelo STJ – é a que mais se amolda ao espírito lógico da Lei 11.232/05.

            Para firmarmos posicionamento, começamos pela remissão a lição de Francesco Ferrara, que, em obra clássica [16] sobre a interpretação das leis, orienta:

            "...Relevante é o elemento espiritual, a voluntas legis, embora deduzida através das palavras do legislador (...) entender uma lei (...) é indagar com profundeza o pensamento legislativo, descer da superfície verbal ao conceito íntimo que o texto encerra e desenvolvê-lo em todas as suas direcções possíveis. A missão do intérprete é justamente descobrir o conteúdo real da norma jurídica, determinar em toda a plenitude o seu valor, penetrar o mais que é possível (como diz Windscheid) na alma do legislador, reconstruir o pensamento legislativo.".

            Além disso, é necessário perquirir a relevância da argumentação utilizada para justificar o norte realmente apontado na lei. Assim alerta Luis Alberto Warat [17]:

            "...os juristas e práticos do direito argumentam enquanto criam teorias dogmáticas sobre o direito positivo, ou redefinem, direta ou indiretamente, as palavras da lei; ou modulam este direito positivo seguindo a sentidos determinados através dos métodos interpretativos que constroem, ou, ainda, produzem silogismos falaciosos em ordem a estabelecer uma conclusão inadequada em relação às premissas que sustentam. É preciso pensar profunda e criticamente estes temas e, afinal, iniciar uma investigação sobre os motivos pelos quais tais argumentos se afirmam convincentes, isto é, produzir uma investigação sobre a especificidade que possuem os argumentos para funcionarem como mediadores de uma mensagem significativa."

            Trazendo tais regras de interpretação para o campo do processo civil, urge racionalizar que as últimas alterações da execução devem ser analisadas tendo em vista sua finalidade precípua e o real pensamento legislativo, sem apego exacerbado ao estudo da lei à luz do absolutismo de antigos dogmas, os quais se tornaram instáveis em prol de resultados práticos exigidos pela sociedade. Sob tal aspecto, a percuciente observação de José Miguel Garcia Medina [18]:

            "Hoje, vive-se um momento de grande instabilidade no que pertine à definição dos institutos jurídico-processuais, que têm sido alterados não ao sabor de tendências dogmáticas – normalmente mais demoradas, decorrentes de intensos debates e do amadurecimento de idéias doutrinárias – mas de necessidades práticas de se resolver um problema atual, hic et nunc...".

            Destarte, sem demérito das substanciosas razões apresentadas pela segunda corrente, a exigência de uma nova intimação pessoal do devedor após o trânsito em julgado do comando judicial, para que só então venha a incidir a multa do 475-J, implica num retrocesso incompatível com o objetivo e a técnica do atual módulo executivo.

            A terceira corrente, que igualmente reputa necessária uma outra intimação após a exigibilidade da decisão, contudo em nome do advogado do devedor pelo diário oficial, já atraiu nossa atenção primeira, mas agora não mais nos convence, pois incorre, por via transversa, na mesma manutenção de formalismos anacrônicos em relação à nova fórmula executória.

            Com efeito, ao contrário do que possa parecer, uma simples intimação, quer pessoal, quer em nome do advogado, trata-se de ato de demorada e complicada implementação no mundo dos fatos. Nos foros das capitais, por exemplo, o período entre a subida de um recurso aos Tribunais locais ou ao STJ e ao STF, seu efetivo julgamento e a volta a comarca de origem, onde supostamente se deflagraria a nova intimação, consumiria alguns meses, período inútil em que o exeqüente seria obrigado a esperar uma vez mais, tendo já em mãos uma decisão transitada em julgado, em situação de total descompasso com a filosofia do regramento em vigor. Isso tudo sem considerar o acúmulo de serviço dos cartórios, dos serventuários da justiça e dos inúmeros incidentes advindos da implementação dessa intimação, os quais a alteração também pretendeu combater.

            Enfrentando tal parcela da controvérsia com o tino que o faz uma das maiores autoridades do direito processual civil brasileiro, o Professor José Tesheiner [19] constata, com razão, que "o trânsito em julgado ocorrerá, na maioria dos casos, em outra instância, motivo por que se poderia sustentar que o termo inicial do prazo fixado para pagamento seria o da intimação do despacho de "cumpra-se", quando do retorno dos autos. Mas isso implicaria a concessão de um prazo, que pode estender-se por vários meses, a um devedor já condenado porque deve e porque em mora".

            Outrossim, percebe-se que as objeções à incidência imediata da multa prevista no art. 475-J têm em comum a pressuposição de incapacidade técnica do advogado e a absoluta hipossuficiência da parte devedora para assumir os riscos de uma demanda. O devedor é enquadrado como um inapto desconhecedor dos rumos da jurisdição. O advogado figura como procurador relapso, de quem não se pode exigir a guarda das cópias dos processos de seu cliente (munindo-se e precavendo-se quanto à necessidade do depósito do valor devido) ou mesmo o acompanhamento dos julgamentos dos Tribunais, disponíveis quase simultaneamente pela internet e passíveis de cognição mediante contato com a respectiva seccional da OAB ou com profissionais especializados em fornecer esses dados nas sedes das Cortes estaduais e federais.

            A crítica desenfreada ao esforço do legislador às vezes ofusca a lógica. O advogado é jusperito plenamente responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa (art. 32 da Lei n. 8904/94). Cabe a ele, na qualidade de primeiro magistrado da causa, orientar a parte quanto às intempéries e conseqüências da propositura ou resistência de uma ação judicial. Admoestado dos prós e contras por seu causídico, o cliente chama para si os ônus da demanda. O sistema sempre funcionou com base nessas premissas e o advento da Lei 11.232/05 não as agride ou inova, mas tão somente as explicita.

            Nesse prisma, não se pode pensar que a eficácia da multa estipulada ope legis, sem qualquer necessidade de ingerência das partes ou do juiz, fique condicionada, para além da exigibilidade, a uma ulterior intimação, pessoal ou por via do advogado da parte devedora, ato que pode servir de prêmio à desídia do executado em adimplir a dívida. Evitando tal desvio, anuímos com Athos Gusmão Carneiro [20] na exegese de que o prazo de quinze dias previsto no preceito 475-J, passa "automaticamente a fluir, independente de qualquer intimação, da data em que a sentença (ou o acórdão, CPC art. 512) se torne exeqüível, quer por haver transitado em julgado, quer porque interposto recurso sem efeito suspensivo.".

            Obviamente, a opção por tal caminho não está infensa aos problemas práticos que certamente surgirão. Como de há muito observou Couture [21], "La ley procede sobre la base de ciertas simplificaciones esquemáticas y la vida presenta diariamente problemas que no han podido entrar em la imaginación del legislador". Todavia, as possíveis anomalias encontradas em qualquer sistema não infirmam a necessidade de uma aplicação homogênea da Lei no seu específico sentido, visando criar um processo de reeducação do devedor - que já teve amplo acesso ao devido processo legal durante todo o procedimento, estimulando-o ao pronto pagamento do título judicial já passado em julgado ou atacado por recurso sem efeito suspensivo na fase de cumprimento da sentença.

            Em suma, os fundamentos das alterações legislativas sempre foram inequívocos e expressos: imprimir celeridade e credibilidade ao procedimento executivo e mudar por completo os paradigmas ideológicos tocantes à satisfação da sentença judicial. Pensar ao contrário é voltar aos problemas do passado e, como bem lembrado por Rizzo Amaral, dar sobrevida as "etapas "mortas" do processo, tal qual a que se instauraria entre o trânsito em julgado e a baixa dos autos à origem, e entre esta e a intimação, ex officio, do devedor para cumprimento da sentença transitada em julgado" [22].

            Por fim, respondendo a pergunta proposta no título do artigo e inspirada na leitura do imortal Machado de Assis, entre planger, imprecar ou aceitar, preferimos a última opção. Com todo respeito, aceitamos que o módulo executivo passou a exigir uma postura processual proativa dos advogados e das partes, aos quais caberá a tomada de condutas compatíveis com alguém que antecipa futuros problemas ou necessidades, que é capaz de prevenir e mudar eventos ao invés de reagir a eles, fazendo com que as situações fluam com agilidade, cooperação e competência [23].


BIBLIOGRAFIA

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            AMARAL, Guilherme Rizzo. "Sobre a desnecessidade de intimação pessoal do réu para o cumprimento da sentença, no caso do art. 475-J do CPC", coligido em http://www.tex.pro.br/wwwroot/00/060623guilherme_amaral.php., acessado em maio de 2007.

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            - Nova sistemática processual civil. Coord. José Maria Rosa Tesheiner – 2 ed. – Caxias do Sul, RS: Plenum, 2006.

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            WARRAT, LUIS ALBERTO. Mitos e teorias na interpretação da lei. Porto Alegre: Síntese.


NOTAS

            01 Do cumprimento da sentença civil. RJ: Forense, p. 59-60.

            02 Nova sistemática processual civil. Coord. José Maria Rosa Tesheiner – 2 ed. – Caxias do Sul, RS: Plenum, 2006, p. 121.

            03"Sobre a desnecessidade de intimação pessoal do réu para o cumprimento da sentença, no caso do art. 475-J do CPC", coligido em http://www.tex.pro.br/wwwroot/00/060623guilherme_amaral.php., acessado em maio de 2007.

            04 Manual do processo de execução. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 11ª. ed., p. 193.

            05 As vias de execução do Código de Processo Civil Brasileiro Reformado. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil n. 12. maio/jun 2006, p. 89.

            06 Sobre a necessidade de intimação pessoal do réu para o cumprimento da sentença, no caso do art. 475-J do CPC (inserido pela Lei 11.232/2005). Amapar Destaques, Curitiba, 2006. http://www.amapar.com.br/docs/19070601.doc acessado em 20.08.2007.

            07 "O início do prazo para o cumprimento voluntário da sentença e a multa prevista no caput do art. 475-J do CPC", artigo coligido em Execução civil: estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Júnior / coordenação, Ernani Fidélis dos Santos... [et al]. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 252-253.

            08Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 9ª edição revista, ampliada e atualizada. SP: Editora: Revista dos Tribunais, p. 641.

            09 Alvim, J. E. Carreira. Cumprimento da Sentença./ J.E. Carreira Alvim, Luciana Gontijo Carreira Alvim Cabral / Curitiba: Juruá, 2006, p. 66.

            10 TESHEINER, José Maria Rosa et alli. Nova Sistemática Processual Civil. 2ª ed., Caxias do Sul: Plenum, 2006, p. 121.

            11 AMARAL, Guilherme Rizzo. Sobre a desnecessidade de intimação pessoal do réu para o cumprimento da sentença, no caso do art. 475-J do CPC. Disponível em http://www.tex.pro.br. Acesso em 20-12-2006.

            12 Coligido em http://www.direitoprocessual.org.br/site/.

            13No plano da vinculação das decisões judiciais a Carta Magna prevê em regra, além das ações de controle concentrado de constitucionalidade, um único tipo de súmula vinculante, ao regular em seu art. 103-A (Redação da EC nº 45/31.12.2004), caput, que o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. Vê-se, pois, que mesmo no único caso em que é permitida pela Constituição Federal, a súmula vinculante obedece a rígidos pressupostos de existência e de coerção, cuja imposição não é automática, porquanto atrelada à prévia denúncia da parte prejudicada por sua não aplicação, mediante incidente de reclamação.

            14A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decide sobre matérias de Direito Privado, examinando questões de Direito Civil e Comercial. Sua competência está prevista no art. 9º do Regimento Interno do STJ. O órgão é composto por dez ministros, cinco da Terceira Turma e cinco da Quarta Turma. São eles (em ordem alfabética): Aldir Passarinho Junior (presidente), Ari Pargendler, Cesar Asfor Rocha, Hélio Quaglia Barbosa, Humberto Gomes de Barros, Massami Uyeda, Nancy Andrighi, havendo três cargos vagos, computada a aposentadoria de Castro Filho e a nomeação de Menezes Direito para o STF (fonte: www.stj.gov.br)

            15Tal impressão decorre da mera leitura de trecho do conhecido voto da lavra do Ministro Humberto Gomes de Barros, no AgReg em ERESP 279.889-AL, apontando sua opinião quanto aos doutrinadores: "Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles, porém, não me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É preciso consolidar o entendimento de que os Srs. ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses ministros. Esse é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente assumimos a declaração de que temos notável saber jurídico - uma imposição da Constituição Federal. Pode não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é, mas, para efeitos constitucionais, minha investidura obriga-me a pensar que assim seja".

            16Interpretação e aplicação das leis. 3ª.ed., Armênio Amado – Editor, Sucessor – Coimbra – 1978, p. 128.

            17 Mitos e teorias na interpretação da lei. Porto Alegre: Síntese, p. 113.

            18 Execução civil: princípios fundamentais. São Paulo: RT, 2002. Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman; v. 48, nota 20, p. 56. Vale alertar que o Eminente Professor Garcia Medina em obra ulterior, se mostrou adepto da segunda corrente que pugna pela necessidade de intimação pessoal do devedor.

            19 Execução de sentença – regime introduzido pela Lei 11.232/2005. Revista jurídica n. 343 (maio de 2006). Notadez/Fonte do direito: Porto Alegre, p. 22.

            20 Ob.cit., p. 53.

            21Introducción al estúdio del proceso civil. Buenos Aires: Ediciones Depalma. Segunda edición, reimpresión. 1978, p. 70

            22 Ob.cit., idem.

            23Maria Tereza Piacentini. Definição de "proatividade" coligida in http://www.lainsignia.org/2003/mayo/cul_024.htm, acesso em 12.01.2004.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PISSURNO, Marco Antônio Ribas. Recurso Especial nº 954.859/RS: STJ profere decisão inédita sobre a polêmica incidência da multa prevista no art.475-J do CPC. Planger, imprecar ou aceitar e ir por diante?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1524, 3 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10350. Acesso em: 26 abr. 2024.