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Da execução das decisões de pagar quantia pela técnica diferenciada

Da execução das decisões de pagar quantia pela técnica diferenciada

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Buscaremos demonstrar, para as obrigações de pagar quantia, a possibilidade de emprego da técnica de execução diferenciada, já utilizada na execução provisória, nos casos de execução de decisão definitiva.

Sumário: 1. Introdução 2. Da "execução" provisória e "execução" definitiva no sistema 3. Da execução diferenciada das decisões provisórias 4. Da possibilidade de execução diferenciada de decisões definitivas 5.Dos requisitos para a execução diferenciada 6. Do emprego de meios coercitivos nas execuções diferenciadas 6.1. Das espécies de meios coercitivos e técnicas alternativas 7. Conclusão 8. Bibliografia


1. Introdução

Não há dúvida de que as inúmeras reformas pelas quais passou o Código de Processo Civil brasileiro nos últimos anos foram capazes de alterar substancialmente a estrutura inicialmente proposta para tal diploma instrumental. Das alterações realizadas ao longo de sua história, com certeza, muitas se apresentaram dignas de aplausos, uma vez que propiciaram maior dinamismo e efetividade à atividade jurisdicional; outras, por sua vez, não mereceram receber os mesmos elogios, seja porque se tratou de meras alterações superficiais, semânticas ou "cosméticas" - sem repercussões profundas na vida do operador do direito -, seja porque se mostraram normas incompatíveis com a realidade forense, vindo muitas delas a ser, pouco tempo depois da sua entrada em vigor, derrogadas.

Seja como for, a verdade é que, após todas essas alterações, hoje encontramos um diploma processual civil absolutamente retalhado, um verdadeiro mosaico legislativo de normas elaboradas em diferentes momentos históricos e com ideologias diversas.

Dentro deste diapasão, à doutrina que se dedica à ciência processual cabe, talvez como nunca em outra oportunidade, o trabalho árduo de amoldar conceitos e alinhar perspectivas, não só para afastar antinomias e situações que se apresentem ilógicas, incoerentes e até mesmo injustas a partir da conjugação de todas as normas que formam o Código de Processo Civil brasileiro, mas também para permitir uma melhor compreensão do processo como um todo, enquanto instrumento de efetivação de direitos.

Com efeito, a tentativa de sistematizar conceitos e procedimentos inseridos no Código de Processo Civil pátrio, ao mesmo tempo em que não se apresenta como tarefa fácil, parece ser absolutamente necessária para permitir uma melhor inteligência das disposições processuais, permitindo que os operadores do foro (juízes, advogados, promotores, etc.) consigam melhor manusear este instrumento, cujo fim verdadeiro é, em resumo, permitir uma isonomia mínima no transcorrer do debate jurídico diante do Estado-Juiz, dentro de uma idéia de ampla defesa, propiciando a entrega do direito material a quem tem razão, no menor tempo possível.

Seguindo o propósito de alinhar conceitos e procedimentos, no presente trabalho, nos proporemos a fazer uma reflexão a respeito dos conceitos de execução provisória e definitiva, tentando sistematizar os institutos e provar que, pelo fato de terem as mesas bases normativas e se sujeitarem a situações análogas que requerem efetividade, devem ostentar idênticas formas de procedimentos executivos. Buscaremos demonstrar, para as obrigações de pagar quantia, a possibilidade de emprego da técnica de execução diferenciada, já utilizada na execução provisória, nos casos de execução de decisão definitiva.

Vejamos:


2. Da "execução" provisória e "execução" definitiva no sistema

O conceito de execução provisória e definitiva restou definido no art. 587 do Código de Processo Civil de 1973 com a seguinte redação: "A execução é definitiva, quando fundada em sentença transitada em julgado ou em título extrajudicial; é provisória, quando a sentença for impugnada mediante recurso, recebido só no efeito devolutivo."

À luz de tal redação, destarte, tem-se que a execução de título executivo extrajudicial será sempre definitiva, ao passo que a execução de título executivo judicial poderá ser definitiva ou provisória, dependendo, para a configuração de uma ou outra situação, o fato de se estar diante da existência de provimento jurisdicional com força de coisa julgada ou, por outro lado, na pendência de recurso sem efeito suspensivo desafiando a decisão a ser executada, respectivamente.

Por conta da reforma do CPC, especificamente no que pertine à execução, por meio da Lei 11.232/05, houve a introdução do art. 475-I, que no seu parágrafo primeiro definiu: "É definitiva a execução da sentença transitada em julgado e provisória quando se tratar de sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo."

Tal conceituação, tanto do art. 587 quando do novo art. 475-I, parágrafo 1º, todavia, ao que nos parece, não refere com precisão o conceito de execução provisória.

Hoje, mais do que nunca, a conceituação de execução provisória, salvo melhor juízo, não se situa mais nos termos de existência de recurso sem efeito suspensivo desafiando a decisão a ser executada, mas vai muito além, podendo-se lembrar de situações nas quais, com efeito, não se tem recurso pendente contra uma decisão e mesmo assim será ela executada, efetivada, sob a forma provisória.

Por certo, as execuções de decisões interlocutórias, proferidas em sede de cognição sumária, por exemplo, bem demonstram que, necessariamente, não é o fato de existir um recurso desafiando a decisão exeqüenda que definirá o fato de ser ela provisória ou definitiva.

Imagine-se o caso em que o juiz concedeu uma antecipação de tutela para que o demandado pague certa quantia em dinheiro e o tribunal tenha confirmado a decisão rejeitando os argumentos do réu/agravante, o qual, posteriormente, não interpôs recurso especial ou extraordinário contra a decisão. In casu, tal decisão de antecipação de tutela a ser executada não está desafiada por recurso que ostente apenas efeito suspensivo (o que autorizaria pensar que poderia ser provisoriamente executada) e também não se enquadra na situação de decisão judicial acobertada pela coisa julgada (o que autorizaria pensar em execução definitiva), uma vez que a antecipação de tutela, conforme é cediço, pode ser revogada por virtude da sentença de mérito.

Nesses termos, indaga-se: à luz do art. 475-I, parágrafo 1º, do CPC, qual será a natureza da execução de tal decisão?

A resposta não está em tal artigo, exatamente por que ele não explicita o real conceito de execução provisória, assim como também não o faz o art. 587 do Código.

Em verdade, a execução in casu será provisória, à medida que o título [01] que autoriza a decisão é provisório, muito embora, no momento, nenhum recurso exista contra ele. Com efeito, a decisão antecipatória de tutela, uma vez que emanada com grau de cognição sumária, ostenta natureza provisória, sendo revogável, a qualquer tempo, por decisão com grau maior de cognição.

Paulo Henrique dos Santos Lucon [02] corretamente já observou que a execução será provisória em função de "um atributo do título ou da situação substancial declarada", isto é, ter-se-á por provisória a execução quando se observar a possibilidade de, no futuro, verificar-se um resultado desfavorável ao atual titular da situação jurídica de vantagem em decorrência de um recurso ou de uma causa em andamento. A execução provisória, destarte, não estará ligada, necessariamente, à existência de um recurso; a existência deste, tão-somente, torna a execução provisória porquanto não retira a possibilidade de o atual beneficiário da decisão vê-la, mais adiante, alterada.

Nesses termos, a modalidade da execução, provisória ou definitiva, deverá ser sempre definida segundo a natureza da decisão exeqüenda. Será definitiva a execução sempre que baseada em decisão judicial acobertada pela coisa julgada [03]; será provisória a execução de decisão judicial que estiver passível de ser modificada, seja por virtude de um recurso ou até mesmo de decisão proferida em outro processo.

Isto é importante observar e enfatizar: é provisória a decisão (e, por conseguinte, a sua execução) que estiver sujeita à alteração, inclusive, por virtude de decisão a ser proferida em outro processo.

O processo cautelar, por exemplo, é daqueles típicos em que se verifica a possibilidade de ter seu resultado afetado por conta de decisão prolatada em outro processo, de sorte que, toda e qualquer execução decorrente de decisão proferida no processo cautelar, ainda que transitada em julgado formalmente, se apresentará provisória. Neste diapasão, pode-se dizer que os honorários advocatícios arbitrados para o procurador do autor da ação cautelar devem ser executados pela modalidade de execução provisória, enquanto houver possibilidade de a sentença do processo principal, a ser emanada com cognição exauriente, for capaz de comprometer a sorte da cautelar. [04]

Então, o que se apresenta como definitiva ou provisória não é a execução, que inclusive admite atos de expropriação e a própria satisfação do exeqüente, mas, sim, o título que a origina [05], o qual, uma vez posteriormente modificado, autorizará o executado-vencedor liquidar, no bojo dos mesmos autos, as perdas e danos decorrentes da execução provisória promovida pelo exeqüente.

Pode-se afirmar que qualquer decisão judicial proferida em sede de cognição sumária ou que não transite em julgado materialmente será sempre objeto de execução provisória, ainda que tenha transitado em julgado formalmente.

A diferença pragmática entre a execução provisória e a definitiva é que aquela, por se basear em título ainda não definitivo, correrá por conta e risco do credor, o qual responderá pelos danos derivados da execução da medida, caso venha a ser reformada posteriormente. Perante tal situação, a princípio oferecimento de caução - para possibilitar atos de alienação patrimonial ou levantamento de dinheiro - passa a ser da essência de tal procedimento.


3. Da execução diferenciada das decisões provisórias

As decisões judiciais definitivas executar-se-ão nos termos do art. 475-J, isto é, caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa, não efetue o pagamento no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa de 10% e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inc. II, do CPC, se expedirá mandado de penhora.

As decisões provisórias serão executadas da mesma forma que as definitivas, segundo refere o próprio art. 475-O do CPC, observados alguns princípios atinentes à situação, a saber: I) corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido; II) fica sem efeito, sobrevindo acórdão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidados eventuais prejuízos nos mesmos autos, por arbitramento; III ) o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos; IV) Se a decisão provisoriamente executada for modificada ou anulada apenas em parte, somente nesta ficará sem efeito a execução; V) a caução para realizá-la poderá ser dispensada: a) nos casos de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário-mínimo, e o exeqüente demonstrar situação de necessidade; b) nos casos de execução provisória em que penda agravo de instrumento junto ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça (art. 544), salvo quando da dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação; VI) poderá correr em autos suplementares ou nos autos do próprio processo principal, dependendo do fato deste estar disponível no juízo onde a execução deverá ser processada.

Não obstante a redação de tal norma, definindo que a execução provisória se processa da mesma forma que a definitiva, respeitadas as peculiaridades acima, o fato é que a experiência forense demonstrou que, em inúmeras situações, o procedimento tradicional sub-rogatório de execução definitiva não se mostrava adequado à efetivação de algumas decisões provisórias, porquanto longo e demorado.

Com efeito, principalmente para os casos de execuções de decisões condenatórias de pagamento de quantia que tem origem em uma antecipação de tutela jurisdicional baseada em urgência, acabou-se por definir que a maneira de executar a decisão não adimplida espontaneamente não poderia ser aquela por meio da qual o demandado, ora devedor, seria cientificado do dever de pagar, sob pena de não o fazendo ver seu patrimônio ser levado à hasta pública, a fim de transformá-lo em dinheiro para saldar o crédito reconhecido de forma provisória. É que tal forma procedimental sub-rogatória, se levada a cabo, poderia comprometer o resultado útil e eficaz da própria decisão judicial [06] que deferiu a antecipação de tutela justamente diante da premência de satisfação do direito.

Nesses termos, com base no princípio da efetividade e proporcionalidade [07], passou-se a admitir técnica diferenciada de execução para tais decisões judiciais provisórias, qual seja, a de executoriedade imediata no bojo dos mesmos autos [08], mediante a emissão de ordem de cumprimento cumulada com meios coercitivos [09], os quais serão somente aplicáveis para o caso de desatendimento do mandamento judicial, a teor do que se processa nos casos de execuções de obrigações de fazer, art. 461 do CPC. Tal evolução, com certeza, deriva do amadurecimento da concepção segundo a qual o direito ao recebimento de uma tutela jurisdicional efetiva e útil é um direito fundamental e protegido pela Constituição Federal de 1988.

Calha referir que a técnica de tutela jurisdicional diferenciada está ligada à idéia de efetividade do processo a partir da adaptabilidade de procedimentos, sem afrontar as cláusulas pétreas do sistema, para se conseguir um melhor resultado. A "tutela jurisdicional diferenciada", na expressão de Donaldo Armelin, se põe em evidência em virtude da "própria questão da indispensável adaptabilidade da prestação jurisdicional e dos instrumentos que a propiciam à finalidade desta mesma tutela." Segundo corretamente refere, "presentes diferenciados objetivos a serem alcançados por uma prestação jurisdicional efetiva, não há por que se manter um tipo unitário desta ou dos instrumentos indispensáveis à sua corporificação. A vinculação do tipo de prestação à sua finalidade específica espelha a atendibilidade desta; a adequação do instrumento ao seu escopo potencia o seu tônus de efetividade." [10]

A questão é lógica e deriva do próprio sistema: o aplicador do direito tem que criar alternativas e técnicas para resolver o problema vivo com que está se deparando. A forma de execução imediata com cumulação de meios coercitivos nada mais é do que prova bastante disso, contra a qual ninguém que preze pelo resultado prático do processo pode ser contrário, já que não há, pois, em situações em que a medida deve ser satisfeita com a maior brevidade possível, como se sustentar que a forma de execução da decisão deva obedecer ao modelo sub-rogatório.

O que legitima, contudo, tal procedimento diferenciado executório não é a natureza da decisão, antecipatória de tutela, como poderia parecer a princípio, mas o fato de o modelo tradicional de execução se apresentar incompatível com a necessidade de se imprimir efetividade à certa decisão judicial diante de uma situação fática [11].

Autoriza-se, destarte, para as decisões provisórias das obrigações de pagar quantia, a forma diferenciada de execução, por meio de emissão de ordem de cumprimento da decisão cumulada com medidas coercitivas, sempre que a situação assim requer, isto é, sempre que não for razoável sujeitar o credor ao mero procedimento normal de cumprimento, qual seja, o expropriatório cumulado com a multa limitada a 10% do valor do débito (art. 475-J).


4. Da possibilidade de execução diferenciada de decisões definitivas

Muito embora se venha permitindo a aplicação da forma diferenciada de execução de decisões provisórias, nos termos acima referido (executoriedade por meio de cumulação de medidas coercitivas) para forçar o adimplemento imediato e garantir-se a efetividade da tutela jurisdicional, tem-se observado certa timidez no que diz respeito à aplicação de técnica idêntica para a execução de decisões definitivas, em casos onde a premência da efetividade se afigura tão latente quanto naqueles casos de execução provisória.

Tal situação nos parece absolutamente injustificável, porquanto se mostra claramente possível, em sede de execução definitiva, a utilização de tal técnica coercitiva diferenciada para garantir o alcance do propósito da atividade jurisdicional, que é a de entregar a cada um o que é seu em menor tempo possível.

Ora, não se vê razão alguma para que, sempre que a situação fática requerer, mediante o preenchimento de certos requisitos, não possa o magistrado fixar medidas para forçar o executado a cumprir a decisão voluntariamente, sem a necessidade de todo o longo e demorado procedimento sub-rogatório.

Ora, mostra-se até mesmo ilógico e incoerente pensar que, quando se tem uma decisão definitiva, se possui menos meios coercitivos para forçar o adimplemento de quando se está diante de uma decisão provisória (por exemplo de antecipação de tutela). Por evidente, nada justifica que, quando juiz decide algo em sede de cognição superficial, rarefeita, sumária, determinando que o réu cumpra algo, possa aplicar, por exemplo, multa diária para forçar o cumprimento da obrigação, e que, quando, após anos de lide, chega a uma conclusão definitiva, após a realização de todo um juízo de certeza e até mesmo de imutabilidade (por virtude da ocorrência do trânsito em julgado), não possa o julgador valer-se dos mesmos meios coercitivos para forçar o cumprimento da decisão, ficando a execução unicamente adstrita à mera sanção de 10% sobre o valor da causa a que se refere o procedimento normal do art. 475-J.

O sistema deve ser visto como um todo e de forma concatenada. Nada autoriza pensar, data venia, que se tenha uma forma efetiva de forçar o adimplemento em uma situação que é provisória, e não se tenha diante de uma decisão definitiva [12].

E nem se diga que o procedimento coercitivo para forçar o devedor a cumprir voluntariamente o débito seria incompatível com a execução definitiva, pois: a) em primeiro lugar, a execução provisória se processa, como visto, da mesma forma que a definitiva, tendo-se, para aquela, com freqüência, autorizado a utilização de tal meio diferenciado; b) em segundo lugar, a Lei 11.232/05, que institui o cumprimento de sentença, prevê duas fases para a execução, quais seja: a primeira de cumprimento voluntário, por meio da qual o devedor paga para não ser onerado; e a segunda, por virtude da qual se verifica procedimento sub-rogatório. In casu, se está defendendo, apenas, que à primeira fase, quando a multa legal (de dez por cento) não se mostrar coercitiva, que se estabeleçam outras medidas mais contundentes para forçar o adimplemento voluntário, situação que, de fato, em nada se afasta da própria filosofia de cumprimento voluntário da norma do art. 475-J.

Ora, segundo bem leciona Marcelo Lima Guerra, o jurisdicionado tem direito fundamental à tutela jurisdicional executiva efetiva e adequada. Tal direito fundamental, conforme anota, "confere ao juiz o poder-dever de adotar os meios executivos mais adequados à pronta e integral proteção do credor". [13]

Seja como for, no nosso sentir, no caso de tutela executiva, é importante deixar fixado que, sendo premente a necessidade da satisfação da decisão definitiva – muitas vezes pelo próprio estado do credor, que já não mais suporta o tempo e o custo do litígio -, nada impede que o magistrado possa se valer das mesmas medidas de inibição que se vale na execução provisória para forçar o cumprimento da obrigação. Ora, sempre que se verificar que o mero procedimento tradicional de execução (multa de 10% mais procedimento expropriatório) não se mostra apropriado ao caso em tela, possível se mostra cumular medidas mais incisivas para pressionar o devedor. De se registrar que o princípio que autoriza a execução definitiva nesta disposição, aliás, é o mesmo que até então tem autorizado as execuções provisórias por tal procedimento, qual seja, o princípio constitucional de acesso à justiça, que felizmente, hoje, é compreendido não somente como direito de o jurisdicionado ir à juízo, mas, sim, o de receber tutela jurisdicional efetiva e no menor tempo possível. Mais do que isso, tem origem no direito fundamental do jurisdicionado de obter tutela adequada do Estado.

Corretamente já observou Luiz Guilherme Marinoni que o "direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional não se volta apenas contra o legislador, mas também se dirige ao Estado Juiz [14]", e por tal razão está ele obrigado a valer-se de todos os meios disponíveis, respeitada a ampla defesa, o contraditório e os demais princípios constitucionais do processo, para fazer valer suas decisões. Com efeito, nenhuma restrição se observa no sistema a ponto de impedir que o juiz valha-se de técnicas processuais para forçar o demandado a cumprir a obrigação, mormente se tal técnica não causará prejuízo ao devedor que eventualmente não tem, de forma legítima, condições de cumprir a ordem, mas somente àquele que embora tenha, se nega a fazê-lo em afronta à dignidade da Justiça e desrespeito ao Estado de Direito. Ora, tal técnica coercitiva, conforme se verá adiante, somente tem eficácia contra o devedor que sem motivo justificado não cumpre a ordem.

Nesses termos, a utilização de medidas coercitivas às execuções definitivas se apresenta admissível [15] e estará autorizada sempre que evidenciar-se a presença de certos requisitos, os quais veremos a seguir.


5. Dos requisitos para a execução diferenciada

Segundo nossa concepção, os requisitos para a execução diferenciada das decisões definitivas são os mesmos que fizeram a doutrina e a jurisprudência permitir, nas condições acima apreciadas, a execução diferenciada para as decisões provisórias, vale dizer: a) a verossimilhança de direito do credor; e, b) o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação a tal direito; ou, b1) a constatação de abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do devedor.

Estes requisitos que autorizam a execução diferenciada encontram-se positivados no art. 273 do CPC, o qual é norma de referência dentro do nosso sistema para toda e qualquer situação em que se evidencie necessidade de se empregar efetividade à satisfação de um direito que se apresente, no mínimo, verossímil. [16]

Com efeito, o art. 273, mais do que fixar elementos para a satisfação antecipada em um processo de conhecimento, fixou uma técnica consistente, segundo Cândido Rangel Dinamarco, "em oferecer rapidamente a quem veio ao processo pedir determinada solução para a situação que descreve, precisamente aquela solução que ele veio ao processo pedir. Não se trata de obter medida que impeça o perecimento do direito, ou que assegure ao titular a possibilidade de exerce-lo no futuro". A técnica conceder-lhe-á o exercício do próprio direito afirmado. [17]

Preenchidos os requisitos autorizadores, deve a técnica diferenciada ser deferida. No caso da execução definitiva, a situação se torna mais fácil do que na provisória, porquanto o primeiro requisito a ser verificado, a verossimilhança, já se encontra naturalmente superado pelo juízo de certeza a respeito do direito (em execução). Em realidade, não se investiga mais a aparência de direito do credor, porquanto tem-se a certeza dele em virtude do trânsito em julgado da decisão judicial (ora exeqüenda) que o reconheceu.

O segundo requisito a ser analisado para concessão da técnica diferenciada se mostra alternativo, podendo apresentar-se sob a forma de fundado receio de dano de difícil recuperação ao direito do credor ou abuso do direito de defesa por parte do devedor.

O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação está ligado à questão temporal, isto é, ao prejuízo que advirá justamente do processamento do procedimento tradicional de execução pelo credor para fazer valer o direito. Pode-se, por exemplo, citar a situação de um credor de alimentos que necessita da verba alimentar inadimplida nos últimos 20 meses para realizar tratamento de saúde, não podendo esperar o tempo de desenvolvimento da execução pela forma tradicional. Veja-se que, neste caso, mostra-se inócuo o pedido de execução pelo art. 732 ou 733, ambos do CPC, seja em face do tempo que necessitaria a execução para se desenvolver pela forma sub-rogatória, seja em razão da impossibilidade de processamento do pedido de prisão pelo fato do número de meses de inadimplência ser superior a três [18].

De fato, o foro é rico em apresentar situações onde o processamento da execução pela modalidade sub-rogatória se afigura altamente danosa ao credor, devendo para tais casos, ser aceita a técnica diferenciada coercitiva. Pode-se lembrar, por exemplo, do credor que esteja passando por sérias dificuldades financeiras e, inclusive, se encontre pagando juros à instituição bancária para sobreviver, não sendo razoável que tenha que se submeter ao processamento da execução pela forma tradicional expropriatória (a qual, diga-se de passagem, jamais lhe permitirá receber do devedor os mesmos juros que está pagando à instituição bancária). A urgência no recebimento dos valores, no caso, autoriza a forma diferenciada de execução para evitar maiores danos ao jurisdicionado que teve o direito já reconhecido por sentença transitada em julgado.

Com efeito, não é justo que, diante de situações de periclitância do credor, deva este aguardar a tramitação do modelo tradicional de expropriação que, ao fim, representará uma denegação de justiça pelo tempo que levará para atingir a satisfação do direito.

O abuso do direito de defesa, como segundo requisito alternativo ao deferimento da tutela executiva diferenciada, diz respeito à desproporcionalidade do procedimento utilizado pelo devedor diante da situação fática. Pode-se, por exemplo, lembrar o caso do devedor que, ao longo do próprio procedimento expropriatório, começa a valer-se de expedientes para protelar o direito do credor, em legítimo abuso do processo. Também o mero fato de o credor ter claras condições de adimplir a dívida, já reconhecida e transitada em julgado, e não o fazer, à espera do procedimento sub-rogatório, sem dúvida apresenta-se como ato inaceitável e de claro abuso.

Por certo, não se justifica a utilização da execução na forma sub-rogatória, por exemplo, diante de uma situação de inadimplemento de dívida de pequeno ou médio valor contra devedor abastado, já que isso se apresenta como abuso de direito.

Segundo registrou Chaim Perelman, "o que é essencial é que, num Estado Democrático de Direito, quando um poder legítimo ou um direito qualquer é submetido ao controle judiciário, ele poderá ser censurado se for exercido de forma desarrazoada, portanto, inaceitável." [19]

De se notar que nada autoriza que uma simples execução de sentença leve anos se desenvolvendo, quando, muitas vezes, poderia ser solucionada num curto prazo, acaso contasse com a colaboração do devedor que, ao invés de valer-se de expedientes para protelar o cumprimento, poderia alienar seus bens extrajudicialmente para adimplir a obrigação.

Constitui verdadeiro abuso o postergamento desarrazoado do processo, devendo, sempre que se verificar tal situação, ser adotadas medidas alternativas para afastar a situação lesiva.

Ora, a satisfação de um crédito a longo prazo presume-se que se constitua, até prova em contrário – porque a vida assim demonstra -, em fato gerador de dano pesado a cargo do credor, devendo o sistema operar contra tal situação iníqua.

A falta de uma técnica capaz de satisfazer um direito quando evidente e em risco, ou quando verificada a utilização abusiva do direito de defesa contra ele, sem dúvida, representa uma falta do Estado com o seu compromisso de prestar uma adequada tutela jurisdicional, o que, evidentemente, não se pode admitir [20], devendo-se, destarte, aceitar-se técnicas diferenciadas para afastar tal situação.


6. Do emprego de meios coercitivos nas execuções diferenciadas

Nas situações onde a forma tradicional de execução não se mostrar adequada, evidenciando-se o preenchimento de certos requisitos, poderá o magistrado valer-se da técnica diferenciada coercitiva para fazer valer sua decisão, isto é, poderá emitir ordem para cumprimento da decisão proferida em prazo razoável, sob pena de o obrigado responder por uma sanção.

A sanção a ser aplicada para o caso de descumprimento da decisão deverá ostentar efeito verdadeiramente coativo e inibitório, vale dizer, deverá ser contundente o suficiente a fim de atuar psicologicamente sobre a vontade do devedor, mostrando-lhe que mais vale cumprir a decisão do que se sujeitar aos efeitos da sanção que incidirá no caso de seu descumprimento.

A medida deverá ser fixada caso a caso, segundo o prudente arbítrio do juiz, respeitando a proporcionalidade. De nada valerá a fixação de medida que seja desproporcional ou que vise a alterar uma situação na qual o devedor não tem ingerência.

De outra banda, mostra-se correto o pensamento segundo o qual quanto mais facilmente puder ser satisfeita a decisão pelo devedor que tem patrimônio, mais desarrazoado é o descumprimento e mais contundente deverá ser o meio coercitivo. Outrossim, a imprescindibilidade por parte do credor do adimplemento da obrigação pelo devedor, igualmente, autoriza a aplicação de sanções contundentes para o caso de descumprimento da ordem.

O meio coercitivo a ser arbitrado deve levar em conta as peculiaridades do caso fático, mediante decisão fundamentada. De se frisar que deve ser utilizado como forma de forçar o cumprimento possível da decisão, e não como maneira de agravar ainda mais a situação do devedor que não ostenta patrimônio ou condições de pagar o débito. Aliás, se o devedor não ostentar verdadeiras condições de adimplir, o meio coercitivo, perde a razão de ser e não será exigível.

A medida sancionatória será fixada para o futuro e não deve ser arbitrada visando ao fato de o demandado se sujeitar a ela, mas, sim, para que psicologicamente não queira a ela se submeter.

Não se verifica razão, data venia, na preocupação de parte da doutrina [21] no sentido de que, se o magistrado puder criar uma sanção para o caso de desatendimento da decisão, pode "ampliar’ o seu poder e surpreender as partes, o que seria de fato seria perigoso.

Ora, tal preocupação não procede, pois o poder que se está atribuindo ao juiz já lhe é outorgado em inúmeras outras situações (v.g. nas obrigações de fazer). De outro lado, aqui, as sanções somente terão sua manutenção acaso o devedor, tendo condições de cumprir a obrigação, sem qualquer razão, não o faça. Em outras palavras, se o executado não tiver condições de adimplemento, não subsiste a medida coercitiva, não se mantendo a sanção criada pelo juiz.

Ora, não há dúvida de que a aplicação de uma sanção cumulada à regra do art. 475-J, tal como multa diária, é de grande impacto e dá mais força à decisão judicial que determina o cumprimento da sentença. Tal sanção serve para moralizar a atuação do devedor, à medida que somente atuará sobre ele caso dolosamente tenha condições de adimplir e não o faça. Aliás, tal situação de onerosidade somente no caso de descumprimento doloso é da essência de qualquer medida coercitiva, inclusive daquela do art. 475-J, aliás, como bem já observou o processualista gaúcho Guilherme Rizzo Amaral:

"Assim, sendo o réu desprovido de patrimônio, ou sendo impossível o cumprimento da obrigação contida no preceito, não há que se falar em aplicação da multa, eis que inadequada, inapta para coagir o demandado. (...) Adequado, assim, é afastar a multa de 10%, caso o devedor venha a comprovar, no curso do processo, a ausência de patrimônio apto a saldar o valor da condenação." [22]

A situação, aliás, é parecida com aquela que se verifica nas obrigações de fazer, nas quais a sanção imposta perde a eficácia, caso não puder ser satisfeita por razões externas a vontade do devedor [23].

Data venia, a sustentação de impossibilidade de fixação de meios coercitivos para forçar o cumprimento da sentença somente interessa ao devedor que tem condições de adimpli-la, mas não quer, já que, se assim não fosse, não teria por que se preocupar com tal sanção.

O meio coercitivo repousa na conduta dolosa por parte do executado que não se dispõe a voluntariamente cumprir a ordem, muito embora tenha patrimônio. Com este, que avilta a justiça, o sistema não pode compactuar.

6.1. Das espécies de meios coercitivos e técnicas alternativas

Para as decisões que devem ser cumpridas imediatamente, seja em função de perigo de dano irreparável (art. 273, I) ou de abuso de direito de defesa (art. 273, inc. II), têm-se utilizado as medidas coercitivas previstas no art. 461, parágrafos 4º e 5º, do CPC, as quais, no entanto, são meramente exemplificativas.

A fixação de multa diária para o caso de desatendimento da decisão [24] é uma das modalidades mais simples de ser empregada, ostentando claro efeito inibitório à medida que vai onerando o devedor a cada dia em que prossegue a inadimplência. Trata-se de medida eficiente e que, pois, não pode ser vedada, aliás, conforme já registrou Daniel Francisco Mitidiero [25].

A propósito, Marcelo de Lima Guerra, não somente defende a aplicação da multa como meio coercitivo para as obrigações de pagar quantia, como também refere que ela deve ser tratada com preferência, em primeiro lugar. [26]

Particularmente, embora sejamos defensores da aplicação da multa, entendemos que ela não tem preferência alguma e que é o caso fático que vai apresentar sua conveniência. Muitas vezes não será cabível a multa pela própria incapacidade patrimonial do devedor, devendo logo, ser aplicado outro meio coercitivo.

Seja como for, a multa uma vez fixada, como tem caráter de coibição ao descumprimento da decisão, somente começará a fluir após a intimação da parte para cumprir a decisão, ciente da cominação de multa, e mesmo assim se verifique o inadimplemento, que se configurará após esgotado o prazo para atendimento da decisão [27].

Assim como qualquer outra sanção, a multa não pode ser fixada de forma retroativa. A aplicação retroativa pode ser comparada àquela situação de "nulla poena, sine praevia lege", vale dizer, nula é a penalidade sem disposição válida que a culmine antes do ato tido como ilícito. [28]

A exigibilidade da multa se dá a partir do primeiro dia de descumprimento da obrigação cominada, podendo aquele que figura como seu beneficiário executá-la em partes e periodicamente durante a tramitação da ação. Tal execução da multa trafegará pela modalidade sub-rogatória, mas nem por isso perde sua vantagem coercitiva porquanto representa gravame ao demandado.

Além da multa para o caso de desatendimento da ordem de adimplir a obrigação, mostra-se possível a aplicação de meio coercitivo consistente na suspensão de algum direito do demandado, desde que não seja fundamental, como por exemplo, o de dirigir veículo automotor enquanto não satisfazer a obrigação constante da sentença. Trata-se de medida coercitiva poderosa contra o devedor que dirige, porque diariamente estará incidindo sobre sua vida enquanto não cumprir a decisão.

A restrição a um direito, sem dúvida, apresenta grande força para os casos em que o devedor ostenta condições de adimplir a dívida principal, mas não possui condições de adimplir com eventual multa coercitiva, a qual, destarte, se apresentaria inócua. A restrição, por exemplo, de utilização do telefone celular pelo devedor, como meio inibitória ao não cumprimento da decisão judicial de adimplir com a sentença, pagando o que deve, pode representar gravame na vida diária do demandado, causando-lhe dissabores que se apresentam como desestímulo ao desatendimento injustificado da decisão.

O desrespeito à sanção imposta e em vigência (por exemplo, suspensão do direito de dirigir em razão do desatendimento à decisão judicial), terá sua prova a cargo do credor e, uma vez comprovada, em tese, autorizará o juiz a remeter cópia dos autos ao Ministério Público para propor denúncia, na esfera adequada, já que, em tese, configurada a ocorrência do crime de desobediência (art. 330, CP).

Lembre-se, contudo, que a sanção a ser aplicada, seja ela qual for, somente será exigível nos casos em que o devedor injustificadamente não cumprir a decisão.

A pena de prisão, ainda que meramente coercitiva, não se afigurará possível, porquanto no nosso sistema é absolutamente proibida a prisão civil fora dos casos autorizados pela própria Constituição Federal de 1988, a qual limita a permissão às hipóteses de alimentante inadimplente e depositário infiel.

Não procede o argumento sustentado por parte da doutrina autorizada [29], segundo o qual a Constituição teria referido somente a proibição de prisão "por dívida", de forma que o emprego da prisão como mecanismo de coerção processual não encontraria qualquer óbice.

Ora, se a Constituição autorizasse a prisão civil fora dos casos de dívida monetária, como defendem alguns, como se pode explicar que a própria Carta menciona, como exceção, a prisão civil do depositário fiel, que não tem sua prisão decretada em razão de dívida? Se a regra fosse a de possibilidade de prisão civil, salvo os casos de dívida, não faria sentido a exceção constante no texto constitucional referente ao depositário fiel que, com efeito, nada tem a ver com dívida.

Aliás, tal linha de raciocínio, já sedimentada por parte da inteligência doutrinária pátria [30], é bem exposta por Eduardo Talamini [31]: "a prisão civil do depositário infiel funciona precisamente como mecanismo de preservação da autoridade do juiz". "O preceito constitucional consagrou essa hipótese como exceção justamente porque a regra geral nele contido é a vedação de qualquer prisão civil (qualquer prisão que não seja aplicada como sanção retributiva à prática de conduta tipificada como crime)."

Destarte, somente com a alteração do texto constitucional se poderá falar em prisão civil por descumprimento de ordem judicial.

Fora essas sanções, existem inúmeras outras que o julgador poderá, dentro das peculiaridades do caso concreto e segundo o seu prudente arbítrio, determinar para forçar o adimplemento voluntário da obrigação, afastando-se a necessidade da técnica sub-rogatória, infelizmente tão degradada e morosa.


7. Conclusão

O que desejamos do sistema? Efetividade? Cumprimento de decisões judiciais?

Talvez essa seja a pergunta mais adequada que a comunidade científica e os operadores do foro devem fazer no atual momento histórico.

Com efeito, de nada vai adiantar continuar-se alterando a legislação para tentar obter-se o cumprimento de decisões se não decidirmos se desejamos isso. Se desejamos, é preciso alterar nossa mentalidade e postura paternalista de tolerar o desrespeito das decisões, ainda que, muitas vezes, facilmente adimplíveis pelos devedores! Mais, é preciso mudarmos a cultura hoje vigorante de impunidade ao desatendimento das decisões judiciais. É imprescindível afastar-se, de uma vez por todas, a aceitação do descumprimento injustificado e desarrazoado das ordens judiciais!

Ora, em um Estado Democrático de Direito, os jurisdicionados têm de obedecer às decisões judiciais, mormente as transitadas em julgado, não sendo razoável a sua afronta ou desrespeito, como de fato ocorre no Brasil. Aqui, de maneira inexplicável, tolera-se que, mesmo o devedor que ostenta bens não pague a dívida, sujeitando-se ao mero processo sub-rogatório. Ao invés de se aplicar medidas realmente coercitivas contra ele para forçar o adimplemento, prefere-se impor um procedimento que lhe garante tempo, custa caro para o credor e que, pela complexidade, muitas vezes propicia situações que reclamam declarações de nulidade, com notável prejuízo à efetividade da prestação jurisdicional.

Ora, se verdadeiramente desejamos efetividade no cumprimento voluntário das decisões, é momento de outorgarmos aos magistrados poderes para fazer valer suas decisões. Não podemos continuar enxergando no sistema empecilhos e restrições que verdadeiramente não existem e que parecem ser fruto muito mais de uma cultura derrotista do sistema (onde nada que resolverá o problema pode ser utilizado) e de defesa aos interesses do desrespeito e da inadimplência deliberada, do que, propriamente, de alguma restrição legal.

A técnica da execução diferenciada, com efeito, já tão utilizada para determinados casos de execução provisória – e felizmente tão efetiva -, deve ser igualmente aceita para as execuções definitivas sempre que não for razoável o manejo do procedimento executivo sub-rogatório. Ora, verificado o fundado temor de dano irreparável ou de difícil reparação ao credor, em razão do tempo deste procedimento, ou que este se apresenta incompatível ao caso fático, à medida que representa verdadeira forma de propiciar abuso de direito por parte do demandado, possível é a utilização da forma diferenciada de execução, por meio da qual o julgador determinará ao demandado o adimplemento da obrigação em prazo razoável, sob pena de responder por uma sanção que, efetivamente, deve ser pesada e verdadeiramente será executada contra ele, a menos que comprove que o inadimplemento da obrigação se deu por razão justificada, isto é, por fato alheio a sua vontade.

Não temos a menor dúvida de que o problema de satisfação dos direitos por meio do processo ou procedimento de execução reside mais na cultura jurídica nacional - que, muitas vezes, vai contra a afirmação do poder de império do Estado-Juiz – do que nas normas que compõem o nosso sistema. Precisamos abrir nossas mentes e perceber que o processo deve ser mais prático e efetivo e que discursos de mera lamentação contra as normas, como se elas fossem as grandes culpadas pelo fracasso que presenciamos, em nada contribuem e somente interessam aos que verdadeiramente não têm interesse na força da justiça.


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Notas

01 José Miguel Garcia Medina refere que a decisão que antecipa efeitos da tutela, embora autorize execução imediata, não é título executivo. Segundo ele, nestes casos, a execução não depende de definição legal, mas de averiguação judicial. " Assim, no caso ora analisado é o juiz, e não a norma jurídica, que define quem é merecedor de tutela executiva." (MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil. 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 132.) Particularmente, achamos que a decisão que antecipa tutela é título executivo sim, não podendo-se interpretar restritivamente a regra do art. 584, inc. I, do CPC, que quando fala em "sentença" condenatória, deve ser compreendida como "decisão" condenatória. Em realidade, a disposição de tal artigo refere-se a toda e qualquer decisão que tenha eficácia condenatória, aliás, como bem leciona parte da doutrina, entre ela, Araken de Assis (Manual do processo de execução. 8ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005, nº. 3.5.1.9, p. 129); Teori Albino Zavascki (Comentários ao Código de Processo Civil, v. 8. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2001. p. 213); e Paulo Henrique dos Santos Lucon (Eficácia das decisões e execução provisória. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000. p. 228).

02 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000. p. 210.

03 A execução de título executivo extrajudicial, quando os embargos estiverem pendentes de recurso de apelação, será provisória, porquanto sub judice a situação, podendo haver resultado desfavorável àquele credor que, a priori, ostenta posição de vantagem.

04 CARPENA, Márcio Louzada. Do Processo cautelar moderno. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2005, p. 49.

05 ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 8ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005, nº. 89, p. 361

06 MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação de tutela na reforma do código de processo civil. São Paulo. Malheiros, 1995. p. 86-87.

07 Na lição de Karl Larenz, não existe uma ordem hierárquica de todos os bens e valores jurídicos, de forma a que o resultado se resumisse à mera aplicação de uma tabela. Dessa forma, a ponderação dos bens e/ ou dos direitos deve ser feita caso a caso, levando-se em consideração a situação concreta. (LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 2 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, p. 491.)

08 No tocante a execução de decisão que antecipa tutela, Luiz Fux leciona: "Na verdade não se trata de processo de execução autônoma. É execução sem intervalo, na mesma relação processual, ou melhor dizendo, "efetivação", "implementação do provimento" no mesmo processo. Ressoa evidente que não teria sentido que o legislador instituísse uma antecipação no curso do processo de conhecimento visando agilização da tutela e a submetesse às delongas da execução". (FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. nº.1.2.4.6, p. 68.)

09 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Comentários ao Código de Processo Civil.São Paulo: Revista dos Tribunais. 2001, v. 4, t.1. p. 263-264.

10 ARMELIN, Donaldo. Tutela Jurisdicional diferenciada. Revista de Processo, São Paulo, Vol. 65, p. 46, jan-mar. 1992.

11 "Pelo princípio da proporcionalidade o juiz, ante o conflito levado aos autos pelas partes, deve proceder a avaliação dos interesses em jogo e dar prevalência àquele que, segundo a ordem jurídica, ostentar, maior relevo e expressão. (...) Não se cuida, advirta-se, de sacrificar um dos direitos em benefício do outro, mas de aferir com razoabilidade os interesses em jogo à luz dos valores consagrados no sistema jurídico." (LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 72-75.)

12 De outro lado, nas execuções de obrigação de fazer e entregar coisa não se justifica que possa o juiz aplicar meios coercitivos adequados à situação concreta ao passo que nas obrigações de pagar quantia esteja engessado ao procedimento sub-rogatório. Ora, não há nenhuma razão para se dispensar tratamento privilegiado aos credores de obrigação de fazer ou entrega de coisa, em relação aos demais. A possibilidade de aplicação de meios adequados somente para alguns tipos de credores, deixando os demais em situação estagnada, violaria o próprio princípio da isonomia, cuja fundamentação encontra-se no plano Constitucional. (Nestes termos, inclusive, vide lições de Marcelo Lima Guerra. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003. p. 152.)

13 GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003. p. 151.

14 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2004, p. 224

15 Neste sentido: GUERRA, ob. cit.. p. 152.

16 Segundo Berizonce: "La concepción o, si se prefiere, la más moderna utilización de la técnica de la tutela anticipatoria, se vincula de modo directo con la necesidad de asegurar la eficacia en concreto del proceso y de las prestaciones jurisdiccionales, principalmente en el factor temporal por la exigencia de administrarlas en tiempo razonable. En paralelo con otros institutos procesales, como la decisión temprana de la litis, la ejecución provisional o anticipada de la sentencia de mérito, las estructuras monitorias y aledañas, la anticipación de la tutela en sus diversas variantes – decisiones provisionales, medidas autosatisfatorias – atienden las exigencias primarias que condicionan al proceso moderno: la búsqueda de mecanismos simplificados y simplificadores, que permitan superar la intorelable y descalificatoria morosidad judicial. BERIZONCE, Roberto Omar. La tutela anticipatoria en Argentina (Estado actual de la doctrina y antecedentes legislativos). GREIF, Jaime. (Coord.) Medidas cautelares. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2002, p. 146.

17 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do código de processo civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, p. 141.

18 Há consolidada e pacífica orientação jurisprudencial no sentido de que, no caso de execução de alimentos, somente é possível o pedido prisão pelos últimos 3 (três) meses de inadimplência, porquanto o restante do período ostenta natureza ressarcitória, e não mais alimentar.

19 apud Roberto Rosas. Devido Processo legal: proporcionalidade e razoabilidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, Ano 90, Janeiro de 2001, vol. 783, pp. 11-15.

20 GREIF, Jaime. Procesos urgentes. Antecipación de la tutela. Procesos monitorios. GREIF, Jaime. (Coord.) Medidas cautelares. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2002, p. 124.

21 AMARAL, Guilherme Rizzo. Do cumprimento da sentença. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. (coord). A nova Execução. Rio de Janeiro: Forense. 2006, p. 121-122.

22 AMARAL, ob. cit., p. 124.

23 Neste sentido: LUCON, ob. cit, p. 280.

24 SPADONI, Joaquim Felipe. A multa na atuação das ordens judiciais. SHIMURA, Sérgio & WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo de execução. São Paulo: revista dos Tribunais. 2001. p. 482 e segs.

25 MITIDIERO, Daniel Francisco. Elementos para uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, pp. 89-90.

26 Segundo Marcelo Lima Guerra: "Não resta dúvida de que, na análise do uso de medidas coercitivas na tutela das obrigações de pagar quantia, a multa diária merece ser tratada em primeiro lugar. Isso porque se trata de medida coercitiva difundida, com as devidas peculiaridades, nos principais ordenamentos jurídicos contemporâneos, estando já definitivamente sedimentada na cultura jurídica." (GUERRA, ob. cit,. p. 153.)

27 CARPENA, Márcio Louzada. Da tutela constitucional inibitória no direito de família. PORTO, Sérgio Gilberto & USTÁRROZ, Daniel. Tendências constitucionais no direito de família. Estudos em homenagem ao professor José Carlos Teixeira Giorgis. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

28 CARPENA, Márcio Louzada. Do Processo cautelar moderno. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p. 2003.

29 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 210-213; GUERRA, Marcelo Lima. Execução Indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 246.

30 SILVA, Ovídio Baptista da. Do processo cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 535.

31 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer. 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 302.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARPENA, Márcio Louzada. Da execução das decisões de pagar quantia pela técnica diferenciada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1772, 8 maio 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11212. Acesso em: 23 abr. 2024.