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O alcance do conceito de ordem pública para fins de decretação de prisão preventiva

O alcance do conceito de ordem pública para fins de decretação de prisão preventiva

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O clamor social, o resguardo da credibilidade da Justiça, a gravidade do delito e a periculosidade presumida do agente não ensejam o decreto de prisão preventiva para garantia da ordem pública.

Fazer todo bem que se possa, amar sobretudo a liberdade e, mesmo que seja por um trono, jamais renegar a verdade.

Ludwig van Beethoven


RESUMO

A presente monografia aborda tema processual penal controvertido, qual seja, os limites do conceito de ordem pública para decretação de prisão preventiva. Será visto como a doutrina e, especialmente, a jurisprudência, sobretudo no que se refere aos Tribunais Superiores, se posicionam acerca das diversas interpretações do conceito de ordem pública. Desta análise, concluir-se-á que o clamor social, o resguardo da credibilidade da Justiça, a gravidade do delito e a periculosidade presumida do agente não ensejam o decreto de prisão preventiva para garantia da ordem pública, pois tais interpretações ofendem direitos fundamentais e princípios estabelecidos na Constituição Federal (CF), como, por exemplo, o princípio do estado de inocência, entre outros. O presente trabalho defende uma interpretação restritiva quando da decretação da dita custódia, devendo ter caráter cautelar e estar fundamentada em fatos concretos, com a estrita observância dos direitos fundamentais preceituados na Constituição.

Palavras-chave: Prisão preventiva – Ordem pública – Princípio do estado de inocência – Interpretação Restritiva.


RESUMEN

El actual monografía aborda tema procesal penal controvertido, cual sea, los límites del concepto de orden pública para la decretación de la prisión preventiva. Será visto como la doctrina y, especialmiente, la jurisprudéncia se posicionan sobre las diversas interpretaciones del concepto de orden pública. De esta análisis, va a se concluir que el alarma social, el resguardo de la credibilidad de la Justicia, la gravidad del crimen e la peligrosidad del agente no Dan oportunidad a el decreto de prisión prebentiva para la garantia de la orden pública, pues estas interpretaciones ofenden derechos fundamentales y principios estabelecidos em la Constituición Federal (CF), como, por ejemplo, el principio del estado de inocencia, dentre otros. Este trabajo defende una interpretación restrictiva cuando de la decretación de la dicha custódia, debendo tener carácter cautelar y estar fundamentada em hechos concretos, con estricta observancia de los derechos fundamentales preceptuados en la Constituición.

Palabras-llave: Prisión preventiva - Orden pública – Principio del estado de inocencia – Interpretación restritiba.


SUMÁRIO:

Questão tormentosa na disciplina processual penal é a de delimitação do conceito de garantia da ordem pública, um dos fundamentos da decretação da prisão preventiva, constante do rol do art. 312 do Código de Processo Penal (CPP).

A garantia da ordem pública constitui uma cláusula aberta e, por carecer de uma melhor e mais precisa delimitação conceitual, vem sendo interpretada pelos Tribunais e pela doutrina de diversas formas. Deste modo, por exemplo, é comum confundir ordem pública com o clamor social ou ser decretada a prisão preventiva para garantia da ordem pública para resguardar a credibilidade da Justiça ou em virtude da gravidade do delito ou periculosidade do agente.

Conforme será analisado no presente trabalho, estas interpretações esbarram frontalmente em princípios basilares instituídos na Constituição Federal de 1988, principalmente aqueles vinculados às liberdades individuais que buscam preservar direitos e garantias do réu, como o do estado de inocência, além de ferir o direito fundamental da liberdade.

Convém salientar que, apesar de os diversos Juízes Monocráticos e Tribunais Estaduais do país se posicionarem de forma um tanto discricionária a respeito da prisão preventiva para garantia da ordem pública, conferindo uma interpretação bastante elástica quanto ao sentido e alcance de tal termo – o que vulnera o direito do réu de acompanhar o processo em liberdade –, os Tribunais Superiores souberam frear estas interpretações, conferindo uma delimitação mais estrita do conceito de ordem pública em alguns casos.

Nessa perspectiva, o tema "Os limites da interpretação de ordem pública para fins de prisão preventiva", é de essencial importância para a comunidade acadêmica, bem como para toda a sociedade, haja vista que a amplitude desta expressão causa insegurança jurídica. Ademais, esta modalidade de prisão, do jeito que está sendo operacionalizada hoje, constitui expressa antecipação de pena, o que não pode prosperar, pois a CF assegura a proteção e resguardo da liberdade de locomoção do indivíduo e reconhece seu estado de inocência até que se prove o contrário através de um devido processo legal, autorizando a prisão cautelar apenas em casos excepcionais.

O presente estudo propõe uma delimitação do conceito de ordem pública, apresentando interpretações excludentes e parâmetros a serem seguidos quando da decretação da custódia.

Trata-se de pesquisa de natureza bibliográfica e documental, em que se buscou o emprego do método de procedimento dedutivo e o método de abordagem monográfico, servindo de fonte para o referencial teórico que serviu de substrato na defesa da hipótese desse trabalho, livros, artigos, monografias, jurisprudência, a qual se reveste de caráter meramente exemplificativo, e outros. Vários autores foram consultados, dando especial ênfase a Rogério Lauria Tucci, Ada Pelegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho, Júlio Fabrini Mirabete, Fernando da Costa Tourinho Filho, Frederico Marques e Gabriel Bertín de Almeida.

Para a elaboração do estudo foi utilizado o método dedutivo, em que se partiu de uma análise do instituto da prisão e das medidas de natureza cautelar com suas características, princípios e requisitos até chegar ao estudo da prisão fundamentada na preservação da ordem pública.

Este trabalho encontra-se dividido em cinco capítulos. Inicialmente, será abordado o surgimento do direito de punir do Estado e sua legitimação, tecendo considerações acerca do contrato social. Em seguida, analisa-se o conflito entre o direito de punir do Estado e o direito de liberdade o indivíduo, para, posteriormente serem abordados também os modelos de sistemas processuais penais e os princípios que norteiam o processo penal brasileiro. No terceiro capítulo promove-se uma análise minuciosa acerca da prisão preventiva, seus pressupostos, fundamentos e natureza jurídica. No capítulo seguinte serão abordadas as interpretações dadas pelos Tribunais sobre a garantia da ordem pública, sendo enfocadas quatro interpretações, quais sejam: ordem pública e clamor social, ordem pública e gravidade do delito, ordem pública e descrédito da Justiça e ordem pública e periculosidade do agente. Por fim, no último capítulo será oferecida uma proposta de delimitação do conceito de ordem pública.


2. Sociedade, Estado e Controle Social

2.1. Contrato Social e Regulação Estatal

A grande dicotomia sobre a qual se debruçam grandes estudiosos das ciências criminais consiste no conflito entre o direito de punir ou ius puniendi e o direito de liberdade ou ius libertatis. O primado do direito de liberdade como um dos direitos mais importantes do ser humano, do qual decorrem outros direitos fundamentais, realçou seu caráter de inalienabilidade, pois, é sabido que este é inerente a todo ser humano, só podendo ser restringido em casos excepcionais.

Já o surgimento do direito de punir perpassa pela idéia de contrato social e estado civil, haja vista que decorre destes, pois, a princípio, o homem vivia em fase de liberdade plena, e só após surgiu a necessidade de regras para o convívio social, que se deu através do contrato social, surgindo, desta forma, a sociedade civil, que se opõe à fase de estado de natureza, onde a liberdade é limitada para o alcance do bem comum.

Afirma Jean Jacques Rosseau que "o homem nasceu livre, e por toda a parte geme agrilhardo" (ROSSEAU, 2002, p. 23). Esta frase inaugura a obra-prima "Do Contrato Social" escrita por este filósofo contratualista, obra que tem por escopo explicar a origem da vida em sociedade e a legitimação do poder estatal. No entanto, para uma melhor compreensão acerca do surgimento do Estado, é necessário a análise de três temas, quais sejam: o estado de natureza, o contrato social e o estado civil.

O estado de natureza é a fase de liberdade plena do ser humano. De acordo com Thomas Hobbes (apud FERNANDES, 2005, p. 02), o direito natural corresponde à opção que cada indivíduo possui de usar seu próprio poder da maneira que quiser, de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão lhe indiquem, como meios adequados para a preservação de sua própria existência. Nesta condição, todo homem teria direito a todas as coisas.

No estado de natureza a liberdade era quase absoluta, tendo em vista que o homem a utilizava ao seu alvedrio, não se responsabilizando por seus atos, sendo esta limitada somente pela força. Foi justamente em virtude deste obstáculo que se fez necessário o abandono da liberdade primitiva, pois esta situação gerou um estado de insegurança generalizado, onde o mais forte impunha sua vontade em detrimento da do mais fraco, causando desequilíbrio nas relações sociais. Sendo assim, conclui-se que o surgimento da vida em sociedade não se deu por uma tendência natural do ser humano, mas sim pela necessidade de sobrevivência de cada um.

A transição do estado natural para o civil se deu através do contrato social e este se apresenta sob dois aspectos: sendo o primeiro o associativo, através do qual os indivíduos se reúnem para constituir a vida em sociedade, e o segundo referente à submissão caracterizado pela subordinação dos indivíduos ao Estado. É desta forma que se justifica o poder estatal, que nada mais é que um poder-dever, haja vista que tal poder decorre do dever do soberano de perseguir o interesse da coletividade. (FERNANDES, 2005, p. 03)

De acordo com a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (2005, p. 37-38):

O poder, no direito público atual, só aparece, só tem lugar, como algo ancilar, rigorosamente instrumental e na medida estrita em que é requerido como via necessária e indispensável para tornar possível o cumprimento do dever de atingir a finalidade legal.

Sendo assim, o cidadão sacrifica parcela de sua liberdade em favor da harmonia social da qual é provedor o Estado que tem a incumbência de promover a segurança de todos. Assim, o Estado só pode agir de acordo com os limites impostos pela lei e pelo interesse público, pois se configura, neste caso, como um simples mandatário do povo na defesa dos interesses públicos primários [01].

Para arrematar, esta também é a conclusão de Cesare Beccaria (2005, p. 19), em sua obra "Dos Delitos e das Penas":

Desse modo, somente a necessidade obriga os homens a ceder uma parcela de sua liberdade; disso advém que cada qual apenas concorda em pôr no depósito comum a menor porção possível de liberdade. (...) O conjunto de todas essas pequenas porções de liberdade é o fundamento do direito de punir. Todo exercício do poder que se afastar dessa base é abuso e não justiça.

É deste modo que o homem passa do estado natural para o civil. Nesta fase, segundo Rosseau (2002, p. 37), todos os homens são iguais por concepção e direito, não mais subsistindo a lei do mais forte. Com o contrato social, o Estado passou a deter o monopólio do uso da força, daí nascendo o ius puniendi estatal. Esta é a lição de Alessandro Baratta (2002, p. 33):

O contrato social está na base da autoridade do Estado e das leis; sua função, que deriva da necessidade de defender a coexistência dos interesses individualizados no estado civil, constitui também o limite lógico de todo legítimo sacrifício de liberdade individual mediante a ação do Estado e, em particular, do exercício do poder punitivo pelo próprio Estado.

Em suma: apesar de todo homem nascer livre, todos devem sacrificar uma parcela de sua liberdade para viver em sociedade, tendo em vista que esta é condição de sua sobrevivência, que ficaria comprometida com a adesão absoluta à autotutela [02] na composição dos conflitos, caso o Estado não interferisse quando necessário para a resolução dos mesmos. O estado civil exige um pacto social, a fim de um convívio mais harmônico entre os homens que compõem a sociedade e é este contrato social que legitima o Estado a punir o indivíduo que compromete a paz social ao cometer um delito.

2.2. O poder punitivo do Estado

O Ius puniendi é o direito conferido ao Estado de punir todo indivíduo que pratica um fato típico, antijurídico e culpável, visando a defesa dos bens jurídicos mais valorizados pela sociedade:

Como esses bens ou interesses são tutelados em função da vida social, como são eminentemente sociais, o Estado, então, não permite que a aplicação do preceito sancionador ao transgressor da norma de comportamento, inserta na lei penal, fique ao alvedrio do particular. Quando ocorre uma infração penal, cabe ao próprio Estado, por meio dos seus órgãos, tomar a iniciativa motu proprio, para garantir, com sua atividade, a observância da lei. (TOURINHO, 2001, P. 5).

Numa conceituação mais dogmática, significa o direito do Estado de aplicar a pena estabelecida no preceito secundário da norma penal incriminadora contra o indivíduo que praticou a conduta descrita no preceito primário (MARQUES, 2000, p.3).

Este direito se legitima pelo contrato social e pode ser utilizado somente na medida exata do interesse público. O direito de punir é exercido através de um poder-dever do Estado, para cumprimento de sua função primordial, qual seja, a consecução do bem comum dos indivíduos que o compõe. Se não fosse este poder, o direito de punir restaria esvaziado e não cumpriria seu escopo. Na expressão de Von Ihering (apud FERNANDES, p. 06), se não fosse o poder, o ius puniendi seria "um fogo que não queima". Ou seja, é um poder instrumental, na medida em que somente pode ser utilizado na consecução de uma finalidade, qual seja, o bem comum dos cidadãos, os quais abdicaram de parte de sua liberdade, a fim de garantir a paz entre os indivíduos de uma mesma sociedade.

Uma das características marcantes do direito de punir é a concentração do monopólio da força nas mãos do Estado, não se admitindo a vingança de mão própria, dissipando-se, assim, a lei do mais forte, sendo aquele o único legitimado a usar a força e conferido seu emprego ao indivíduo em caráter residual-excepcional.

Abolida que está a vingança privada, a sanção penal é hoje monopólio do Estado, pois o direito penal tem uma função pública, achando-se fora de seu âmbito qualquer forma de repressão privada. Só o Estado, portanto, tem o poder de punir. O particular pode vingar-se de seu ofensor, reagir contra ele, nunca, porém, exercer a sanctio júris. Nem na legítima defesa (onde pe legalmente autorizado a defender-se, e não aplicar sanções), nem nos crimes de queixa privada (onde apenas existe um fenômeno de substituição processual), pode encontrar-se exceção ao princípio enunciado; e coroando tudo, há ainda as sanções contra o exercício arbitrário das próprias razões, adotadas pelos códigos de todas as nações civilizadas. (MARQUES, 2000, p. 4)

Apesar de o Estado ser o único legitimado a usar a força, este uso não pode se dar de forma indiscriminada. O ius puniendi além estar limitado pelo interesse público, encontra-se adstrito ao princípio da reserva legal (nullum crimen, nulla poena sine lege), o qual se encontra previsto no art. 5º, inciso XXXIX [03] da Constituição Federal (CF), traduzindo a idéia que as normas penais incriminadoras somente podem ser criadas por lei em sentido estrito, não podendo o Estado punir o cidadão de acordo com o seu alvedrio, devendo este ser punido somente nas situações previstas em lei. Nos dizeres de Guilherme de Souza Nucci (2007, p. 67):

Trata-se de conteúdo das normas penais incriminadoras, ou seja, os tipos penais, mormente os incriminadores, somente podem ser criados através de lei em sentido estrito, emanada do Poder Legislativo, respeitado o procedimento previsto na Constituição.

Neste diapasão, cumpre salientar, ainda, que devido ao direito de coação indireta, não pode o Estado pura e simplesmente impor a pena de forma direta e automática ao acusado, sendo necessário para tanto um processo, no qual haja o confronto entre o Estado, agente que detém o poder de punir, e o acusado, indigitado autor da infração, para que, ao final, se declare ou não a culpa do réu e se lhe imponha ou não a pena, ficando o Estado somente autorizado a realizar algumas medidas assecuratórias [04] (TUCCI, 2002, p. 165-166):

(...) não se pode deixar de considerar que, cometida a infração penal, mesmo assim não há como impor, nem discricionária, nem (muito menos) autoritariamente, a sanção em lei prescrita para coibir sua prática. O mais do que se pode cogitar, então – e com a discricionariedade ínsita à atuação de agente do Poder Judiciário (juiz ou tribunal), na consecução da finalidade do processo penal -, é da realização de algumas providências de natureza cautelar, assecuratórias da aplicação de pena ou medida de segurança ao autor da prática criminosa ou contravencional (TUCCI, 2002, p. 165).

Para a consecução das tais medidas assecuratórias, é conferido ao Estado o chamado ius persequendi ou ius persecutionis, que nada mais é que o direito de perseguir o provável autor da infração até a decisão final da lide penal. Nas palavras de Lauria Tucci (2002, p. 166), o ius persequendi consiste:

no poder de promover a perseguição do indigitado autor da infração penal até o momento em que lhes seja imposta, definitivamente, com o trânsito em julgado da correspondente sentença condenatória, a sanção em lei prescrita para a prática criminosa ou contravencional cuja coibição é por ela colimada.

Ocorre que o poder-dever de perseguir e punir, além de sofrerem as limitações relativas ao interesse público e ao princípio da reserva legal, devem ser cotejados juntamente com o direito fundamental de liberdade de todo indivíduo, constante do rol do art. 5º da CF. Ambos componentes da lide penal, de um lado o ius puninedi e de outro o ius libertatis. O art. 5º, inciso LIV da CF afirma que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Dessa forma, qualquer medida que venha a embaraçar a liberdade do indivíduo deve se submeter ao controle jurisdicional, a fim de melhor resguardar e garantir a defesa do acusado.

2.3. O Caráter Instrumental do Processo Penal

O art. 5º, inciso XXXV, da CF aduz que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Ou seja, ocorrida a violação de um direito, nasce a pretensão do autor de ver seu dano reparado, pleiteando a tutela jurisdicional do Estado que se manifesta através de um processo.

Caracterizada a insatisfação de alguma pessoa em razão de uma pretensão que não pôde ser, ou de qualquer modo não foi, satisfeita, o Estado poderá ser chamado a desempenhar a sua função jurisdicional; e ele o fará em cooperação com ambas as partes envolvidas no conflito ou com uma só delas (o demandado pode ficar revel), segundo um método de trabalho estabelecido em normas adequadas. A essa soma de atividades em cooperação e à soma de poderes, faculdades, deveres, ônus e sujeições que impulsionam essa atividade dá-se o nome de processo. (CINTRA, DINAMARCO & GRINOVER, 2004, p. 42)

A tríade processual se consubstancia em três elementos, quais sejam: jurisdição, ação e processo, estes inconfundíveis. A jurisdição é, ao mesmo tempo, poder, função e atividade do Estado na solução de conflitos sociais; é poder na medida em que se configura como poder estatal de impor decisões; é função, visto que exercida por órgãos estatais; e atividade sob o espectro de atuação do juiz (CINTRA, DINAMARCO & GRINOVER, 2004, p. 139).

Ada Pellegrini, Cândido Rangel Dinamarco e Araújo Cintra (2004, p. 139) apresentam um conceito claro e conciso de jurisdição:

é uma das funções do Estado mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentando em concreto para ser solucionado; e o Estado desempenha essa função sempre mediante o processo.

É sabido que violado o direito, nasce a pretensão autoral de obter a tutela jurisdicional. A ação é justamente "o direito ao exercício da atividade jurisdicional" (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2004, p. 257). Através deste direito de ação, provoca-se a jurisdição, que se exerce por meio de um complexo de atos, o qual se denomina processo.

Portanto, o processo é a soma de atividades que impulsionam a jurisdição, sendo aquele instrumento através do qual esta se opera. Não se pode confundir, também, processo, procedimento e autos: processo é o complexo de atos, procedimento é o aspecto formal do processo e os autos correspondem ao aspecto material (documental) do procedimento (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2004, p. 285).

O processo em âmbito penal torna-se imprescindível, haja vista o conflito entre o poder-dever do Estado de punir o réu e o direito fundamental de liberdade do suposto autor da infração, sendo o processo o meio adequado para a resolução desses conflitos de interesses:

Praticado um fato que, aparentemente ao menos, constitui um ilícito penal, surge o conflito de interesses entre o direito de punir do Estado e o direito de liberdade da pessoa acusado de praticá-lo. (...) Assim, no Estado moderno a solução do conflito de interesses, especialmente no campo penal, se exerce através da função jurisdicional do Estado no que se denomina processo e, em se tratando de uma lide penal, processo penal. (...) Só assim ‘o Estado pode exigir que o interesse do autor da conduta punível em conservar sua liberdade se subordine ao seu, que é o de restringir o jus libertatis com a inflição da pena’. (MIRABETE, 2005, p. 26).

O processo deve, ainda, ser encarado de forma instrumental, ou seja, como meio utilizado a fim de garantir a paz social:

Falar em instrumentalidade do processo, pois, não é falar somente nas suas ligações com a lei material. O Estado é responsável pelo bem estar da sociedade e dos indivíduos que a compõem: e, estando, o bem-estar social turbado pela existência de conflitos entre pessoas, ele se vale do sistema processual para, eliminando os conflitos, devolver à sociedade a paz desejada. O processo é uma realidade desse mundo social, legitimada por três ordens de objetivos que através dele e mediante o exercício da jurisdição o Estado persegue: sociais, políticos e jurídicos. A consciência dos escopos da jurisdição e sobretudo do seu escopo social magno da pacificação social (...) constitui fator importante para a compreensão da instrumentalidade do processo, em sua conceituação e endereçamento social e político. (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2004, p. 43).

Este é o aspecto positivo da instrumentalidade do processo, vê-lo como meio para alcançar a harmonia da sociedade. Falar neste tipo de instrumentalidade é alertar para a necessária efetividade processual, para a necessidade de um sistema processual capaz ser um caminho eficiente para a consecução de uma ordem jurídica justa na sociedade.

Já o aspecto negativo é aquele que prega o abandono de certa formalidades processuais, desde que o fim colimado na norma seja atingido:

Fala-se de instrumentalidade do processo, pelo seu aspecto negativo. Tal é a atradicional postura (...) consistente em alertar para o fato de que ele não é um fim em si mesmo e não deve, na prática cotidiana, ser guindado à condição de fonte geradora de direitos. Os sucesso do processo não devem ser tais que superem ou contrariem os desígnios do direito material, do qual ele é também um instrumento. (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2004, p. 43 e 44).

A projeção deste aspecto negativo está inserto no princípio processual da instrumentalidade das formas, que traduz a idéia de desapego às formalidades, desde que não culmine em invalidade do ato processual.

Neste diapasão, cumpre salientar a importância de determinados princípios constitucionais que influenciam o processo penal. É sabido que a Constituição, dentro da lógica sistemática do ordenamento jurídico, se situa acima de todas as normas, sendo requisito de validade destas a conformidade com aquela. Marques (2000, p. 75-76) bem explicita a supremacia da Carta Magna:

Pela preeminência em que se situa na taxinomia das normas legais, a Constituição não só traça preceitos que funcionam como fontes formais de diversos domínios da regulamentação jurídica, como ainda se apresenta com os predicados de fonte material em que o legislador vai abeberar-se para construir regras e mandamentos destinados a disciplinar legalmente relações de vida e fatos sociais submetidos aos incoercíveis imperativos da ordem estatal.

Em face da importância da Constituição, faz-se necessário, inicialmente, o respeito a dois princípios basilares de todo e qualquer processo: o contraditório e a ampla defesa, consubstanciados no art. 5º, inciso LV da CF, onde está assinalado que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Apesar de se complementarem, contraditório e ampla defesa não significam a mesma coisa. De acordo com Fernando Capez, (2005, p. 19) o contraditório:

Decorre do brocardo romano auditur et altera pars e exprime a possibilidade, conferida aos contendores, de praticar todos os atos tendentes a influir no convencimento do juiz. (...) Compreende, ainda, o direito de serem cientificadas sobre qualquer fato processual ocorrido e a oportunidade de manifestarem-se sobre ele, antes de qualquer decisão jurisdicional.

Alexandre Moraes (2002, p. 125) estabelece a diferença entre contraditório e ampla defesa:

Por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois todo o ato produzido pela acusação, caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.

Devendo ressaltar que estes princípios se aplicam somente à instrução criminal processual, não incidindo na fase investigativa do inquérito policial, devido à sua natureza inquisitiva [05].

Outro princípio constitucional processual penal de grande importância é o do estado de inocência, sendo este um importante vetor de compreensão do conflito estabelecido entre o direito de punir do Estado e o direito de liberdade do indivíduo no processo criminal. Significa, conforme o estabelecido no artigo 5º, inciso LVII da CF, que "ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória", sendo este mais uma limitação ao poder-dever estatal de punir, de ordem constitucional, além das limitações advindas do interesse público, do princípio da reserva legal, do direito subjetivo de liberdade e do devido processo legal.

A origem desta regra se encontra na Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão de 1791, a qual repercutiu posteriormente em todo o mundo, fazendo parte da Declaração dos Direitos Humanos de 1948 que afirma em seu artigo 11 que: "toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa" (FONSECA, 1999, p. 01).

Cumpre salientar que após estas Declarações, tal princípio passou a integrar também o corpo constitucional de cartas políticas de diversos países, vindo a ser positivada no Brasil somente com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Apesar de recente a previsão deste princípio em nível constitucional, ele já era há muito conhecido pelos juristas brasileiros, conforme se infere do excerto abaixo colacionado, da autoria de Ruy Barbosa (apud FONSECA, 1999, p. 01) acerca do mesmo:

Não sigais os que argumentam com o grave das acusações, para as armarem de suspeita e execração contra os acusados. Como se, pelo contrário, quanto mais odiosa a acusação, não houvesse o juiz de se precaver mais contra os acusadores, e menos perder de vista a presunção de inocência, comum a todos os réus, enquanto não liquidada a prova e reconhecido o delito.

Em outras palavras, sendo a liberdade bem supremo de todo indivíduo, deve ser observado o princípio do devido processo legal, dado ao acusado a garantia ao contraditório e à ampla defesa, devendo este ser tratado como inocente até que seja decidido o contrário num processo de cognição exauriente [06].

Alguns doutrinadores divergem quanto à terminologia e o alcance do princípio consagrado no inciso LVII do artigo 5º da CF. Afirmam alguns não se tratar tal norma do princípio da presunção de inocência, mas sim do princípio da não-culpabilidade, este de menor abrangência. Giuseppe Betiol (apud FONSECA, 1999, p. 05) explica a diferença entre o conteúdo das duas terminologias controversas:

A presunção nasceu como idéia-força a influir no psiquismo geral, no sentido de fixar a imagem de um processo que não estivesse a serviço da tirania, mas que, ao contrário, desse ao acusado as garantias da plena defesa. Estabelecendo que o absolvido por falta de prova era presumido inocente, a regra atingia sua finalidade prática, como idéia-força, sem subverter a lógica. Pois uma coisa é declarar que não se considera culpado quem não foi condenado, como o fizeram os escritores medievais, e outra, bem diferente, é afirmar que o réu se presume inocente até que seja condenado.

A dúvida estabelecida acerca do alcance do artigo 5º, inciso LVII da CF, hoje perdeu seu sentido em face do que preceitua o artigo 8º, inciso I, do Pacto de São José da Costa Rica. Tratado, ratificado pelo Brasil em 1992, estabelece que o citado acordo que "toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa". Ressalte-se que tal pacto internacional tem vigência no Brasil por força do disposto no §2º do artigo 5º da CF, in verbis: "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos bons princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

O princípio do estado de inocência, consagrado constitucionalmente, tem forte influência sobre a legislação infraconstitucional, especificamente sobre o processo penal em quatro aspectos: primeiro, com relação à regra probatória, tomando-se como regra a inversão do ônus da prova, devendo o acusador provar a culpa do réu; segundo, quanto à valoração da prova, tendo como vetor interpretativo o princípio do in dubio pro reo, ou seja, na dúvida deve-se interpretar a prova de forma mais favorável ao réu ou em sendo duvidosa a culpa do mesmo, deve este ser considerado inocente através de sentença absolutória; terceiro, como paradigma de tratamento durante a investigação e o processo criminal, não podendo o acusado ser tratado como mero objeto, mas como sujeito de direitos; e, por último, deve ser observado este princípio quando da declaração de prisão cautelar, sendo este último aspecto o que mais interessa ao presente trabalho, devendo a prisão cautelar ser decretada em casos excepcionais, por ser medida que restringe a liberdade do indivíduo, em que se exige observância do princípio da presunção de inocência nestes casos, sob pena de haver pena antecipada em sede de prisão provisória (FONSECA, 1999, p. 05).

Todavia, é importante esclarecer que a consagração desse princípio não afasta a possibilidade de o réu ser privado de sua liberdade provisoriamente, conforme a lição do doutrinador Alexandre de Moraes (2002, p. 132):

A consagração do princípio da presunção da inocência, porém, não afasta a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continuam sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que obstante a presunção juris tatum de não-culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre o status libertatis. Desta forma, permanecem válidas as prisões temporárias, em flagrante, preventivas, por pronúncia e por sentenças condenatórias sem trânsito em julgado.

Conclui-se, então, que, quando do exercício do poder-dever de punir, deve o Estado estar atento a diversos axiomas e princípios reitores tais como, o interesse público, o princípio da reserva legal, a excepcionalidade da restrição do direito subjetivo de liberdade, o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa, o princípio do estado de inocência, entre outros, que devem ser observados ao longo não só do procedimento penal, mas também sempre que cabível, em toda a fase de investigação. Presente esse compromisso com os direitos e garantias fundamentais vinculados à liberdade individual na apreciação de medidas cautelares, em especial quando da decretação de prisão provisória, principal forma de constrição de liberdade atual, avança-se na consolidação de um Processo Penal Garantidor, em estreita sintonia com a ordem constitucional.


3. A Tensão entre ius puniendi e ius libertatis

3.1. Ius puniendi e ius persequendi: o Direito ao Processo

Praticado um crime, nasce para o Estado, agindo em nome da coletividade, o direito de perseguir o provável autor da infração, a fim de que este seja submetido à sanção prevista em lei, após apurada a veracidade da acusação através de procedimento penal.

O ius persequendi procura dar efetividade ao ius puniendi, sendo dividido em duas etapas: a investigativa, que se materializa no inquérito policial, e a judicial, a qual é representada pelo procedimento penal iniciado através da ação penal. Enquanto a primeira é atividade preparatória de acusação, de caráter informativo e preliminar; a segunda é instaurada para que se apure a pretensão punitiva (MARQUES, 2000, p. 138).

O poder abstrato de punir torna-se concreto a partir do cometimento do crime e se materializa no ius persequendi, quando o Estado aciona seu aparelho policial para que se busquem provas que indiquem a materialidade e a autoria do fato delituoso. Após o que, deverá ser feito o inquérito policial para embasar a acusação.

Na definição de Fernando Capez (2005, p. 67), o Inquérito Policial consiste em:

conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo(...). Trata-se de procedimento persecutório de caráter administrativo instaurado pela autoridade policial. Tem como destinatários imediatos o Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública (CF, art. 129,I) e o ofendido, titular da ação penal privada (CPP, art. 30); como destinatário mediato tem o juiz, que se utilizará dos elementos de informação nele constantes, para o recebimento da peça inicial e para a formação do seu convencimento quanto à necessidade de decretação de medidas cautelares.

Tal procedimento administrativo tem caráter sigiloso, deve ter obrigatoriamente a forma escrita, é feito por órgãos oficiais, independe de provocação, é presidido por autoridade policial (delegado de polícia de carreira) e tem natureza inquisitiva.

Como dito anteriormente, para se julgar a pretensão punitiva do Estado, faz-se necessário uma ação penal a ser proposta pelo acusador – que na ação penal pública se encontra na figura do órgão estatal denominado Ministério Público –, em face do suposto autor do delito.

Fernando Capez (2005, p. 101) conceitua ação penal como:

direito de pedir ao Estado-juiz a aplicação do direito penal objetivo a um caso concreto. É também o direito público subjetivo do Estado-Administração, único titular do poder-dever de punir, de pleitear ao Estado-Juiz a aplicação do direito penal objetivo, com a consequente satisfação da pretensão punitiva. [07]

Apesar de correto, o conceito apresentado por Fernando Capez, data venia, resta incompleto, pois apresenta a ação penal apenas pelo prisma da acusação, deixando de abordar a mesma como garantia do réu de não ter uma condenação arbitrária, de ser apurada a sua culpa em juízo, sob as vistas do Estado-juiz e da lei. Cumpre asseverar que toda a atuação estatal em busca da condenação do provável autor do crime deve ser amplamente jurisdicionalizada, a fim de que o réu tenha todos os seus direitos garantidos e não sofra coação arbitrária em sua liberdade. Por este motivo, deve o Estado-juiz acompanhar a persecutio criminis não só na fase judicial, mas também na investigativa (TOURINHO FILHO, 2001, p. 07).

Tourinho Filho (2001, p. 07) bem sintetiza o rito processual da ação penal em seu manual:

Assim, quando alguém comete uma infração penal, o Estado, como titular do direito de punir, impossibilitado, pelas razões expostas, de auto-executar seu direito, vai a juízo (...) por meio de órgão próprio (Ministério Público) e deduz sua pretensão. O juiz, então, procura ouvir o pretenso culpado. Colhe as provas que lhe forem apresentadas por ambas as partes (..), recebe as suas razões e, após, o estudo do material de cognição recolhido, procura ver se prevaleceu o interesse do Estado em punir o culpado, ou se o interesse do réu, em não sofrer restrição no seu jus libertatis.

É através deste conflito existente na lide penal que se extrai o escopo do direito processual penal, qual seja, a defesa do direito subjetivo de liberdade, pois ao traçar os limites da atuação estatal quando da prática do ius persequendi e do ius puniendi, acaba, também, por proteger o indivíduo contra abuso de poder, como explicita Lauria Tucci, citando Hélio Tornaghi (apud TUCCI, 2002, p. 170):

A lei penal procura abrigar e garantir a paz, ameaçando com penas os atos que ela reputa ilícitos. A lei processual protege os que são acusados da prática de infrações penais, impondo normas que devem ser seguidas nos processos contra eles instaurados e impedindo que eles sejam entregues ao arbítrio das autoridades processantes.

Ademais, deve-se lembrar que para ser assegurado o equilíbrio entre o direito de punir e a liberdade do indivíduo, é imprescindível a via processual, devendo ser obedecidas todas as regras estabelecidas em lei e na Constituição. Impõe-se, em especial, o respeito ao contraditório e a ampla defesa, ao tratamento isonômico, ao estado de inocência que conformam o devido processo penal, tendo em vista que não pode o Estado condenar o réu de plano, pois o ius puniendi não é auto-executável, mas sim de coação indireta, como já salientado, sendo esta a lição de Frederico Marques (2000, p. 06):

(...) a prática de infração penal faz surgir uma lide de igual natureza, resultante do conflito entre o direito de punir do Estado e o direito de liberdade do réu. A pretensão punitiva encontra, no direito de liberdade, a resistência necessária para qualificar esse conflito como litígio, visto que o Estado não pode fazer prevalecer, de plano, o seu interesse repressivo.

Proteger a liberdade do acusado é a principal função do processo penal, porém, não é a única, tendo em vista que este possui dupla finalidade, qual seja: a de tutelar a liberdade jurídica dos indivíduos, bem como, a de garantir o interesse público, conclusão que se extrai da Exposição de Motivos do Código de Processo Penal de 1941, no tópico "O espírito do Código":

XVII – Do que vem de ser ressaltado e de vários outros critérios adotados pelo projeto, se evidencia que este se norteou no sentido de obter o equilíbrio entre o interesse social e o da defesa individual, entre o direito do Estado à punição dos criminosos e o direito do indivíduo às garantias e seguranças de sua liberdade.

Portanto, toda norma processual penal deve ser interpretada de forma que o direito de punir não se sobreponha ao direito subjetivo de liberdade, sendo inafastável o processo judicial quando da imposição de sanção, devendo ser respeitados os princípios basilares do devido processo penal quais sejam, o contraditório e a ampla defesa.

3.2. Ius Libertatis: O Processo como Garantidor da Liberdade

O ius libertatis corresponde ao direito de liberdade, direito fundamental de todo ser humano, de aplicabilidade imediata, de acordo com o §1º do art. 5º da CF [08]. Ressaltando que o mesmo consta do rol de cláusulas pétreas [09] da Constituição, conforme se aduz do inciso IV, §4º do art. 60 da CF [10], tendo, ainda, como características a inviolabilidade e a imprescritibilidade.

Os direitos fundamentais consagrados na Constituição brasileira, de acordo com José Afonso do Silva (2004, p. 183), classificam-se em: individuais, políticos, sociais, de nacionalidade, coletivos e solidários. Neste contexto, o direito de liberdade se encontra no rol dos direitos fundamentais individuais, os quais se encontram estabelecidos no art. 5º, caput da CF. Além deste, é assegurado neste dispositivo o direito à vida, à propriedade, à igualdade e à segurança. No Brasil, a primeira Constituição a prever o direito de liberdade como direito fundamental foi a de 1824, trazendo vários dispositivos que o asseguravam em seu art. 179 (SILVA, 2004, P. 75).

Há que se falar, num primeiro momento, da classificação tradicionalmente verificada em estudos filosóficos acerca da liberdade, dividindo-a em interna e externa: a interna consiste no poder de escolha de cada indivíduo, ou seja, o livre-arbítrio; ao passo que a externa se refere à liberdade de fazer, traduzindo-se em poder fazer tudo o que se quer. Caso a liberdade externa não tivesse freio, implicaria na barbárie de tempos de outrora, onde o mais forte dominava o mais fraco. Esta liberdade pode ser deduzida do seguinte preceito constitucional, encartado no art. 5º, inciso II: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". É nesta medida que o ius puniendi influi na liberdade externa, posto que aquele que descumprir a lei e praticar um fato criminoso, se sujeita à sanção imposta, também, por lei.

José Afonso da Silva (2004, p. 234) classifica a liberdade em cinco tipos: liberdade da pessoa física, liberdade de pensamento, liberdade de expressão coletiva, liberdade de ação profissional e liberdade de conteúdo econômico e social. Para este autor, a liberdade da pessoa física se traduz na liberdade de locomoção e de circulação e se opõe ao estado de escravidão e de prisão; a liberdade de pensamento se caracteriza pela exteriorização do pensamento; já a liberdade de expressão coletiva se subsume à liberdade de reunião e de associação; a liberdade de ação profissional é a livre escolha e exercício do trabalho, do ofício e da profissão; e, por fim, a liberdade de conteúdo econômico corresponde à livre iniciativa privada (SILVA, 2004, p. 234).

O ius puniendi, além de limitar a liberdade externa, mantém relação direta com a liberdade da pessoa física, que só pode ser restringida em situações excepcionais, como por exemplo, em caso de prisão. Vale lembrar que é assegurado aos brasileiros e aos estrangeiros que se encontrarem no Brasil a garantia de somente serem privados de sua liberdade física – ou seja, de ir, vir, permanecer e ficar –, mediante ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária ou em virtude de prisão em flagrante, conforme preceitua o art. 5º, inciso LXI da CF.

Desta limitação (...) surge, então, mediante conversão, o direito subjetivo de liberdade das pessoas físicas integrantes da coletividade, que é tutelado, implicitamente, pela mesma norma jurídica penal material e, explicitamente, por outros preceitos, inclusive de Direito Constitucional, a definirem a intenção, ou interesses, de liberdade(...) (TUCCI, 2002, p. 165).

Neste diapasão, cumpre demonstrar a diferença entre direitos e garantias:

Ruy Barbosa já dizia que uma coisa são os direitos, outras as garantias, pois devemos separar ‘no texto da lei fundamental, as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder’. (SILVA, 2004, p. 185).

Tomando por base a explicação acima colacionada, infere-se que para todo direito fundamental há uma garantia de caráter instrumental que lhe confere proteção e efetividade. No caso do direito da liberdade, esta garantia se dá através do remédio processual chamado habeas corpus, consubstanciado no inciso LXVIII, do art. 5º da CF, o qual preceitua que "conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder".

O habeas corpus é um dos mais importantes writs constitucionais, tendo em vista que fora o primeiro a ser posto a serviço das conquistas liberais através da Magna Carta de 1215. No Brasil, sua primeira manifestação se deu no Código de Processo Criminal de 1832, vindo a constitucionalizar-se somente em 1891. O habeas corpus é um instrumento de controle do ius puniendi estatal, o qual visa o equilíbrio entre o direito de punir e o direito de liberdade, na medida em que não proíbe qualquer constrição à liberdade, mas apenas as ilegais ou ocasionadas pelo abuso de poder (MORAES, A., 2004, p. 138-139).

Desta forma, pode-se concluir que o Estado, quando da efetivação do seu direito de punir, deve ter como limitação o direito de liberdade, direito fundamental e inerente a todo ser humano.

3.3. O Sistema Processual Penal Brasileiro

3.3.1. Sistema e Características

Há três espécies de sistemas na área processual penal: o inquisitivo, o acusatório e o misto. O modelo inquisitivo é marcado pela concentração das funções de acusar, julgar e defender nas mãos de uma única pessoa: o juiz; no sistema acusatório há figuras diversas para acusar, defender e julgar; e, no sistema misto há uma fase inicial inquisitiva e um posterior juízo de julgamento contraditório.

O sistema inquisitivo tem como característica mais destacada a não previsão de contraditório, como preleciona Tourinho Filho (2001, p. 29):

O processo de tipo inquisitório é a antítese do acusatório. Não há o contraditório, e por isso mesmo inexistem as regras de igualdade e liberdade processuais. As funções de acusar, defender e julgar encontram-se enfeixadas numa só pessoa: o Juiz. É ele quem inicia, de ofício, o processo, quem recolhe as provas e, a final, profere a decisão, podendo, no curso do processo, submeter o acusado a torturas, a fim de obter a rainha das provas: a confissão. O processo é secreto e escrito. Nenhuma garantia se confere ao acusado. Este aparece em uma situação tal subordinação que se transfigura e se transmuda em objeto do processo e não em sujeito de direito.

Este modelo processual foi introduzido pelo direito canônico e depois fora amplamente utilizado pelos soberanos, que viram nele uma forma de poder. Foi bastante usado durante o Império Romano e na Idade Média, conforme ensinamentos de Júlio Fabbrini Mirabete (2005, p. 41) que traz um panorama histórico acerca deste sistema:

No sistema inquisitivo encontra-se mais uma forma auto-defensiva da administração da justiça do que um genuíno processo de apuração da verdade. Tem suas raízes no Direito Romano, quando, por influência da organização política do Império, se permitiu ao juiz iniciar o processo de ofício. Revigorou-se na Idade Média diante da necessidade de afastar a repressão criminal dos acusadores privados e alastrou-se por todo o continente europeu a partir do Século XV diante da influência do Direito Penal da Igreja e só entrou em declínio com a Revolução Francesa.

Convém salientar que este sistema processual tem caráter sigiloso e forma escrita. Ademais, o réu é visto como mero objeto de persecução, sendo, por este motivo, admitida, por vezes, a tortura, com o objetivo de obtenção da confissão.

Já o sistema acusatório, acolhido pelo ordenamento jurídico brasileiro, é contraditório, público, imparcial; assegura a ampla defesa; e há distribuição das funções de acusar, julgar e defender a órgãos distintos. De acordo com Fernando Capez (2005, p. 40 e 41), este sistema pressupõe as seguintes garantias constitucionais: tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV), devido processo legal (art. 5º, LIV), acesso à justiça (art. 5º, LXXIV), juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII), igualdade entre as partes (art. 5º, caput e I), ampla defesa (art. 5º, LV, LVI e LXII), publicidade e motivação (art. 93, IX) e presunção de inocência (art. 5º, LVII).

No sistema acusatório, autor e réu se encontram em pé de igualdade, sobrepondo-se a ambos, como órgão imparcial de aplicação da lei, o titular da jurisdição, ou juiz, tal como o consagra o direito brasileiro. A titularidade da pretensão punitiva pertence ao Estado, representado pelo Ministério Público, e não ao juiz, órgão estatal tão-somente da aplicação imparcial da lei para dirimir os conflitos entre o jus puniendi e a liberdade do réu. (MARQUES, 2000, p. 66).

Fora dito que o sistema acusatório é o vigente no ordenamento pátrio. No entanto, algumas ressalvas devem ser feitas, haja vista que não fora adotado o modelo acusatório puro, mas sim o não ortodoxo, conforme lição de Tourinho Filho (2001, p. 30):

No direito pátrio, o sistema adotado é o acusatório. Não o processo acusatório puro, mas o acusatório não ortodoxo. Tanto é verdade que o Juiz pode requisitar abertura de inquérito, decretar de ofício prisão preventiva, conceder habeas corpus de ofício, determinar a realização da prova que bem quiser e entender, etc.

O sistema acusatório tem suas raízes na Grécia e em Roma. Na Idade Moderna despontou na França e na Inglaterra após a Revolução, sendo adotado atualmente na maioria dos países europeus e americanos (MIRABETE, 2005, P. 41).

No sistema misto há uma fase inicial inquisitiva, de investigação preliminar e instrução preparatória, e um posterior juízo contraditório de julgamento (fase acusatória).

Embora as primeiras regras desse processo fossem introduzidas com as reformas da Ordenança Criminal de Luiz XIX (1670), a reforma radical foi operada com o Code D’Instruction Criminelle de 1808, na época de Napoleão, espalhando-se pela Europa Continental no século XIX. É ainda o sistema utilizado em vários países da Europa e até da América Latina (Venezuela). No direito contemporâneo, o sistema misto combina elementos acusatórios e inquisitivos em maior ou menor medida, segundo ordenamento processual local e se subdivide em duas orientações, segundo a predominância na segunda fase do procedimento escrito ou oral, o que, até hoje, é matéria de discussão. (MIRABETE, 2005, p. 42).

Visto as espécies de sistemas processuais penais (acusatório, inquisitório e misto), suas respectivas características, deve-se analisar os princípios que norteiam o processo penal brasileiro.

3.3.2. Princípios

Paulo Rangel (2005, p. 05-23) aponta oito princípios processuais penais, quais sejam, do devido processo legal, do contraditório, da presunção de inocência, da verdade real, da publicidade dos atos processuais, do favor rei, da imparcialidade do juiz e do promotor natural.

O princípio do devido processo legal, originário da Magna Carta de João sem Terra de 1215, encontra-se erigido na forma de dogma constitucional no art. 5º, LIV da CF, que preceitua que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". A literalidade do dispositivo é clara e não impõe qualquer esforço, "devem ser respeitadas todas as formalidades previstas em lei para que haja cerceamento da liberdade (seja ela qual for) ou para que alguém seja privado de seus bens" (RANGEL, 2005, p. 2).

O princípio do contraditório se encontra inserto no art. 5º, LV da CF, é previsto não somente na Constituição, como também na Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, Pacto de São José da Costa Rica, aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº 27 de maio de 1992, que diz em seu art. 8º:

Art. 8º. Garantias Judiciais

1.Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

Convém ressaltar que no processo penal o respeito a este princípio tem maior grau de exigibilidade que na seara civil, haja vista a regra do art. 261 do Código de Processo Penal (CPP), que aborda a obrigatoriedade de defesa técnica para o réu que não for citado ou não comparecer em juízo após a citação. Ademais deste princípio decorre a igualdade e a liberdade processual:

Do princípio do contraditório decorre a igualdade processual, ou seja, a igualdade de direitos entre as partes acusadora e acusada, que se encontram num mesmo plano, e a liberdade processual, que consiste na faculdade que tem o acusado de nomear o advogado que bem entender, de apresentar as provas que lhe convenham, etc. (MIRABETE, 2005, P. 44).

O princípio do estado de inocência encontra-se no art. 5º, inciso LVII da CF, traduz a idéia de que o acusado, indiciado ou réu não podem ser considerados culpados até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, tendo este princípio as seguintes implicações:

Em decorrência do princípio do estado de inocência deve-se concluir que: a) a restrição à liberdade do acusado antes da sentença definitiva só deve ser admitida a título de medida cautelar, de necessidade ou conveniência, segundo estabelecer a lei processual; b) o réu não tem o dever de provar a sua inocência, cabe ao acusador comprovar a sua culpa; c) para condenar o acusado, o juiz deve ter a convicção de que é ele o responsável pelo delito, bastando, para a absolvição, a dúvida a respeito da sua culpa (in dubio pro reo). (MIRABETE, 2005, p. 43).

O princípio da verdade real, também chamado de verdade processual, consiste na colheita de "elementos probatórios necessários e lícitos para se comprovar, com certeza absoluta (dentro dos autos), quem realmente enfrentou o comando normativo penal e a maneira pela qual o fez". (RANGEL, 2005, p. 5). Ou seja, é a tendência pela busca, feita pelo juiz, do que realmente aconteceu. Este princípio encontra-se consubstanciado no art. 156, parte final, do CPP, in verbis: "A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante."

Além deste dispositivo, há outros que indicam o dever de busca da verdade real pelo magistrado, como, por exemplo, os artigos 196, 234, 502 e 616 do CPP. No entanto, este princípio sofre limitações, como o respeito à dignidade da pessoa humana e a proibição de obtenção de provas por meios ilícitos. Ademais, comporta algumas exceções, apontadas por Fernando Capez (2005, p. 27):

Como a impossibilidade de juntada de documentos na fase do art. 406 do CPP, a impossibilidade de exibir prova no plenário do júri, que não tenha sido comunicada à parte contrária com antecedência mínima de três dias (CPP, art. 475), a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (CF, art. 5º, LVI), os limites para depor de pessoas que, me razão de função, ofício ou profissão, devam guardar segredo (CPP, art. 207), a recusa de depor de parentes do acusado (CPP, art. 206)e as restrições à prova, existentes no juízo cível, aplicáveis ao penal, quanto ao estado de pessoas (CPP, art. 155).

O princípio da publicidade dos atos processuais é apresentado pela CF/88 em seus artigos 5º, inciso LX; 37, caput; e 93, IX, podendo ser restrito somente em situações de interesse público. Prevalece no ordenamento jurídico pátrio a publicidade absoluta (ou externa), conforme se infere dos artigos supramencionados e do art. 792 do CPP. A publicidade pode ser classificada em geral ou especial e em imediata ou mediata, é o que se extrai do escólio doutrinário de Mirabete (2005, p. 46):

Segundo a doutrina, a publicidade apresenta dois aspectos: a publicidade geral, plena (publicidade popular), quando os atos podem ser assistidos por qualquer pessoa, e a publicidade especial, restrita (publicidade para as partes), quando um número reduzido de pessoas pode estar presente a eles. Pode ela ser imediata, quando se pode tomar conhecimento dos atos diretamente, ou mediata, quando os atos processuais só se tornam públicos através de informe ou certidão sobre sua realização e conteúdo.

O princípio do favor rei está consubstanciado nos artigos 36, IV e 615 do CPP e traduz a regra de que em caso de dúvida, deve o juiz decidir de forma favorável ao acusado, sendo este um princípio basilar do processo penal.

Como bem diz Guiseppe Bettiol, numa determinada ótica, o princípio do favor rei é o princípio base de toda a legislação processual penal de um Estado, inspirado na sua vida política e no seu ordenamento jurídico por um critério superior de liberdade. (TOURINHO FILHO, 2001, p. 25).

O princípio da imparcialidade do juiz não fica adstrito somente ao processo penal, sendo ele princípio de toda e qualquer jurisdição, devendo "o Estado-juiz interessar-se apenas pela busca da verdade processual" (RANGEL, 2005, p. 19). Esta imparcialidade é assegurada por determinadas garantias constitucionais, como afirma Tourinho Filho (2001, p. 16):

Mas a imparcialidade exige, antes de mais nada, independência. Nenhum juiz poderia ser efetivamente imparcial se não estivesse livre de coações, de influências constrangedoras, enfim, de ameaças que pudessem fazê-lo temer a perda do cargo. Daí as garantias conferidas à Magistratura pela Lei Maior: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos.

O princípio do promotor natural é corolário lógico do princípio da independência funcional do Ministério Público (MP), bem como da garantia constitucional da inamovibilidade. Paulo Rangel explica em que consiste este princípio:

O promotor natural, assim, é garantia constitucional de toda e qualquer pessoa (física ou jurídica) de ter um órgão de execução do Ministério Público com suas atribuições previamente estabelecidas em lei, a fim de se evitar o chamado promotor de encomenda para esse ou aquele caso. (RANGEL, 2005, p. 36).

Ora, se a ação penal pública é privativa do Ministério Público, conforme o art. 129, inciso I da CF, o indivíduo deve ter a garantia de que será processado por órgão do MP com atribuição determinada em lei.

O promotor ou procurador não pode ser designado sem obediência ao critério legal, a fim de garantir julgamento imparcial, isento. Veda-se, assim, designação de promotor ou procurador ad hoc no sentido de fixar prévia orientação, como seria odioso indicação singular de magistrado para processar e julgar alguém. Importante, fundamental é fixar o critério de designação. (CAPEZ, 2005, p. 40).

Há, ainda, outros princípios, que são importantes para a correta compreensão do processo penal, tais como o da persuasão racional do juiz, da iniciativa das partes e do ne eat judex ultra petita partium (o juiz não deve julgar além do pedido das partes).

O princípio da persuasão racional ou do livre convencimento impede que o juiz possa julgar com base em informações extra-autos, o juiz deve decidir somente com base nos elementos existentes no processo e os avaliar segundo critérios objetivos e racionais. Conforme explicação de Fernando Capez (2005, p. 23): "O juiz só decide com base nos elementos existentes no processo, mas os avalia segundo critérios críticos e racionais, devendo observar, na sua apreciação, as regras legais porventura existentes e as máximas de experiência."

O princípio da iniciativa das partes afirma que cabe às partes provocar a prestação jurisdicional, não pode o juiz iniciar o processo de ofício (ne procedat judex ex officio), cabendo ao MP a iniciativa para propositura de ação penal pública e ao ofendido ou seu representante legal a ação penal privada.

O princípio do ne eat judex ultra petita partium afirma que o juiz deve se pronunciar somente acerca da requerido na denúncia ou queixa, não se vinculando ao tipo penal imputado na peça inicial, mas sim aos fatos narrados, podendo dar classificação diversa à indicada pela acusação, desde que observando o respeito ao contraditório.


4. Prisão Preventiva

4.1. A Prisão Preventiva como Espécie de Prisão Provisória

A prisão é medida de constrição à liberdade física do indivíduo. É compreendida como "a privação da liberdade de locomoção determinada por ordem escrita da autoridade judicial ou em caso de flagrante delito" (CAPEZ, 2005, p. 228). Sendo um meio ou recurso em que o Estado investe contra a liberdade de locomoção que é direito fundamental estabelecido na Constituição Federal, devem ser observados os limites legais a fim de assegurar o jus libertatis do indivíduo em face da prisão:

Com efeito, a Constituição Federal de 1988 assentou, enfaticamente, que ‘ninguém será preso senão mediante flagrante delito ou ordem escrita fundamentada de autoridade judiciária competente’ (art. 5º, inc. LXI), além de assegurar que ‘a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente’ (art. 5º, inc. LXII), que ‘a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária’ (art. 5º, inc. LXV) e, ainda, que ‘ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança’ (art. 5º, inc. LXVI). (...) Daí a necessidade indeclinável de obediência às formalidades essenciais previstas em lei para a adoção de cada uma das espécies de prisão, pois, como já se observou, a regulamentação das formas processuais constitui garantia das partes e da correta prestação jurisdicional. (GRINOVER, FERNANDES & GOMES FILHO, 2004, p. 343/344).

Apesar de a Carta Magna anunciar, em seu artigo 5º, inciso LVII, o princípio do estado de inocência, assegurando que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória", há também a possibilidade constitucional de um indivíduo ser levado à prisão antes mesmo do trânsito em julgado da sentença, hipótese estabelecida no art. 5º, inciso LXI da CF:

Art. 5º. (...)

LXI – ninguém será preso, senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.

Seria possível afirmar que há um contra-senso diante destas duas regras constitucionais. No entanto, é sabido que os princípios constitucionais devem ser interpretados de forma que um não anule o outro, devendo haver proporcionalidade quando da interpretação, sendo pacífico na doutrina e jurisprudência o cabimento da prisão antes mesmo da sentença penal condenatória transitada em julgado, desde que de forma cautelar e excepcional, não sendo esta incompatível com o princípio da presunção de inocência.

Os seguintes arestos, provenientes, respectivamente, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ilustram bem a relatividade dos direitos fundamentais:

E M E N T A - HABEAS CORPUS - EXTRADIÇÃO - PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA PARA EFEITOS EXTRADICIONAIS - ALEGAÇÃO DE INOBSERVANCIA DE EXIGENCIAS FORMAIS FIXADAS EM TRATADO DE EXTRADIÇÃO - INCOMPATIBILIDADE DA PRISÃO CAUTELAR COM A PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE NÃO-CULPABILIDADE - INOCORRENCIA - O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO JUIZ NATURAL NOS PROCESSOS EXTRADICIONAIS - LIMITES TEMATICOS DO PROCESSO DE EXTRADIÇÃO - CONJUGE OU FILHOS BRASILEIROS - SÚMULA 421/STF - SUPERVENIENCIA DO PEDIDO EXTRADICIONAL DEVIDAMENTE INSTRUIDO COM A DOCUMENTAÇÃO EXIGIDA PELO TRATADO DE EXTRADIÇÃO - WRIT PREJUDICADO. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente proclamado que o instituto da prisão preventiva, que desempenha nítida função de natureza cautelar em nosso sistema jurídico, não se revela incompatível com a presunção constitucional de não-culpabilidade das pessoas. (Hábeas Corpus (HC) nº 71402/RJ, T. Pleno, STF, Min. Celso de Mello, julgado em (j.) 9/05/1994).

CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL. "HABEAS CORPUS". HOMICIDIO. PRISÃO EM FLAGRANTE. SENTENÇA DE PRONUNCIA FUNDAMENTADA, MOSTRANDO A NECESSIDADE DE SE MANTER A PRISÃO PROVISORIA. APELAR SOLTO. IMPOSSIBILIDADE, MESMO EM SE TRATANDO DE REU PRIMARIO E DE BONS ANTECEDENTES. PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCENCIA. REGRA GERAL QUE CONVIVE COM A PRISÃO CAUTELAR, TAMBEM DE ESPEQUE CONSTITUCIONAL. NÃO HA VIOLAÇÃO QUANDO SE MOSTRA, ATRAVES DE DECISÃO FUNDAMENTADA, A NECESSIDADE DA CUSTODIA CAUTELAR. RECURSO ORDINARIO IMPROVIDO. EXCLUSÃO DO NOME DO RECORRENTE DO ROL DOS CULPADOS.

I – (...) O princípio da presunção constitucional de inocência é regra geral. Não significa, a evidência, que só possa ser preso ou mantido preso após sentença condenatória transitada em julgado. A prisão cautelar também se acha prevista na Constituição. (Recurso em Hábeas Corpus nº 2481/SP, 6ª turma, STJ, Rel. Min. Adhemar Maciel, j. 22/03/1993).

Há duas espécies de prisão no ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam: a prisão-pena (penal) e a prisão processual (provisória ou cautelar). A prisão-pena "é aquela imposta em virtude de sentença penal condenatória transitada em julgado" (CAPEZ, 2005, p. 228). Já a prisão processual "trata-se de prisão de natureza puramente processual, imposta com finalidade cautelar, destinada a assegurar o bom desempenho da investigação criminal, do processo penal ou da execução da pena" (CAPEZ, 2005, p. 228), "é uma espécie de medida cautelar, ou seja, é aquela que recai sobre o indivíduo, privando-o de sua liberdade de locomoção mesmo sem sentença definitiva" (RANGEL, 2005, p. 583). Esta, por sua vez, compreende as seguintes formas: prisão em flagrante delito (arts. 301 a 310 do CPP), prisão preventiva (arts. 311 a 316 do CPP), prisão decorrente de pronúncia (art. 408, §1º do CPP), prisão em virtude de sentença condenatória recorrível (arts. 393, I e 594 do CPP) e a prisão temporária (Lei nº 7.960/89).

Apesar da importância de um aprofundamento no estudo de todos os tipos de prisão provisória, em razão da delimitação do tema, o presente trabalho propõe um estudo mais direcionado para a prisão preventiva em um de seus fundamentos, qual seja, a garantia da ordem pública.

4.2. Conceito e Natureza Jurídica da Prisão Preventiva

A prisão preventiva consiste em "medida cautelar, constituída da privação de liberdade do indigitado autor do crime e decretada pelo juiz durante o inquérito ou instrução criminal em face da existência de pressupostos legais, para resguardar os interesses sociais da segurança". (MIRABETE, 2005, p. 416).

A natureza jurídica da prisão preventiva, como o próprio conceito apresentado por Mirabete sinaliza, é de provimento cautelar. Apesar de não existir um típico processo penal cautelar, há medidas cautelares que visam assegurar a eficácia do processo até a prolação da sentença definitiva, bem como garantir a instrução probatória, conforme demonstra a lição doutrinária de Afrânio Silva Jardim (2002, p. 45):

Embora sem criar uma relação processual autônoma, mas de forma incidental, existe pretensão cautelar nos casos de requerimentos de prisão provisória, de aplicação de interdições de direitos e medidas de segurança, de seqüestro, de antecipação de prova testemunhal (...). Hoje, já não pode restar a menor dúvida de que a prisão provisória em nosso direito tem a natureza acauteladora, destinada a assegurar a eficácia da decisão a ser prolatada ao final, bem como a possibilitar regular instrução probatória. Trata-se de tutelar os meios e os fins do processo de conhecimento e, por isso mesmo, de tutela da tutela.

Na verdade, os provimentos de natureza cautelar procuram minimizar os prejuízos decorrentes do tempo sobre o processo, procurando tutelá-lo a fim de tornar possível o cumprimento de seu objetivo principal. Afirmam Antônio Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (2004, p. 280) que:

A atividade cautelar foi preordenada para evitar que o dano oriundo da inobservância do direito fosse agravado pelo inevitável retardamento do remédio jurisdicional (periculum in mora). O provimento cautelar funda-se antecipadamente na hipótese de um futuro provimento jurisdicional favorável ao autor (fumus boni iuris).

De acordo com Afrânio Silva Jardim (2002, p. 246-247), o processo cautelar ou as medidas cautelares têm as seguintes características: a acessoriedade, tendo em vista que os provimentos cautelares estão sempre vinculados a um processo principal; a preventividade, ou seja, tem por objetivo prevenir a ocorrência de danos enquanto não findo o processo principal; a instrumentalidade hipotética, porque a tutela cautelar pode incidir sem que seu beneficiário seja o vencedor do litígio; e, finalmente, a provisoriedade, pois sua manutenção depende da permanência dos motivos que a ensejaram.

Ademais sua natureza cautelar, a prisão preventiva é medida facultativa, tendo em vista que é o juiz deve apreciá-la com base nos fatos concretos e de acordo com seu livre convencimento, haja vista que fora abolida a modalidade obrigatória de prisão preventiva do ordenamento jurídico brasileiro em 03 de novembro de 1967, com o advento da Lei nº 5.349, devendo ser decretada quando extremamente necessária e vinculada aos requisitos estabelecidos em lei:

na nossa lei processual penal deixou a prisão preventiva de ser obrigatória para determinadas hipóteses, como se previa na legislação anterior; é hoje uma medida facultativa, devendo ser decretada apenas quando necessária segundo os requisitos estabelecidos pelo direito objetivo. Embora providência de segurança, garantia da execução da pena e meio de instrução, o seu emprego é limitado a casos certos e determinados; não é ato discricionário e só pode ser decretada pelo juiz, órgão imparcial cuja função é distribuir justiça. (MIRABETE, 2005, P. 416).

A prisão preventiva pode ocorrer em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, podendo ser requerida pelo Ministério Público ou pelo querelante, bem como por representação da autoridade policial, ou pode ser decretada ex officio pelo juiz, de acordo com o que preceitua o art. 311 do CPP, sendo este o escólio doutrinário de Frederico Marques (2000, p. 62): "a prisão preventiva pode ser decretada: a) de ofício; b) a requerimento do Ministério Público ou do querelante; c) mediante representação da autoridade policial".

De acordo com o artigo 315 do Código de Ritos Processuais Penais, o despacho que decretar ou denegar a prisão preventiva deverá sempre ser fundamentado, sob pena de figurar constrangimento ilegal à liberdade de locomoção:

Exige-se que a autoridade esclareça em seu despacho qual ou quais os fundamentos existentes para a decretação da excepcional medida que é a custódia preventiva. Sem a exposição de fundamentos suficientes à determinação, em que se mencionem os mínimos requisitos exigidos pela lei, há constrangimento ilegal à liberdade de locomoção que enseja, por falta de fundamentação ou sua deficiência, o deferimento de pedido de habeas corpus. (MIRABETE, 2005, p. 422).

Por fim, dispõe a primeira parte do art. 316 do CPP que "o juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista (...)". Como toda medida cautelar é provisória, não poderia ser diferente com a prisão preventiva, de modo que, ausentes as razões de sua manutenção, deverá ser revogada.

Em suma: a prisão preventiva é espécie da prisão processual ou provisória, de natureza cautelar, podendo ser decretada de ofício pelo juiz, por representação da autoridade policial ou por requerimento do MP ou do querelante em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, podendo ser revogada a qualquer tempo, desde que não mais existam os motivos que a ensejaram, devido a seu caráter provisório.

4.3. Pressupostos e Fundamentos para Decretação da Prisão Preventiva

Os pressupostos para decretação de prisão preventiva encontram-se estabelecidos no art. 312 do Código de Processo Penal e são: a prova da materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria. Estes dois requisitos traduzem o fumus boni iuris, pressuposto de qualquer medida cautelar, que consiste, neste caso, na probabilidade de condenação do acusado. Sendo que no âmbito do processo penal e, mais especificamente, dessa medida cautelar que é a prisão provisória, fala-se em fumus comissi delicti indicando a presença de razoável material probatório da materialidade delitiva (RANGEL, 2005, p. 587).

Portanto, a primeira exigência refere-se à materialidade do crime, ou seja, deve-se demonstrar a tipicidade do fato e sua real existência. Já para o segundo pressuposto, faz-se necessário somente o indício, elemento probatório de menor robutez; não é necessária a certeza de autoria, a lei considera suficiente o mero indício, ao contrário da materialidade, que deve ser provada.

A primeira exigência refere-se à materialidade do crime, ou seja, à existência do corpo de delito que prova a ocorrência do fato criminoso (laudos de exame de corpo de delito, documentos, prova testemunhal, etc). Exigindo-se "prova" da existência do crime, não se justifica a decretação da prisão preventiva diante da mera suspeita ou indícios da ocorrência de ilícito penal. (...) Exige-se ainda para a decretação da prisão preventiva ‘indícios suficientes de autoria. Contenta-se a lei, agora, com simples indícios, elementos probatórios menos robustos que os necessários para a primeira exigência. Não é necessário que sejam indícios concludentes e unívocos, como se exige para a condenação; não é preciso que gerem certeza da autoria. (...) Em resumo, é necessário que o juiz apure se há o fumus boni iuris, ou seja, a ‘fumaça do bom direito’ que aponte o acusado como autor da infração penal. Inexistentes indícios suficientes da autoria quanto à participação do acusado no crime, não há que se decretar a prisão preventiva. (MIRABETE, 2005, p. 416/417).

Como todo provimento cautelar, a cognição da prisão preventiva é sumária, ou seja, baseada na probabilidade de autoria, a ser verificada de acordo com o prudente arbítrio do julgador, no entanto

A sumariedade ou superficialidade da cognição, com efeito, não se confundem com o arbítrio ou qualquer forma de automatismo no que se refere aos provimentos que importem restrição ao direito de liberdade; ademais, se a lei se contenta com mero juízo de probabilidade relativamente ao fumus boni iuris, o mesmo não pode ser afirmado quanto ao periculum libertatis, que deve obrigatoriamente resultar de avaliação mais aprofundada sobre as circunstâncias que indicam a necessidade da medida excepcional. (GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 2004, p. 357).

Sendo assim, pode-se inferir que apesar de o fumus boni iuris basear-se em cognição sumária, para a decretação da prisão preventiva deve haver a estrita observância dos pressupostos e fundamentos preceituados na lei processual penal. Os fundamentos da prisão preventiva se traduzem no periculum libertatis, que consiste no perigo de manter o provável réu solto. Estes fundamentos se encontram no art. 312 do Código de Processo Penal e são os seguintes: assegurar a aplicação da lei penal, conveniência da instrução, garantia da ordem econômica e garantia da ordem pública.

Cabe ao juiz, em cada caso, analisar os fatos e perquirir se existem provas capazes de afirmar pelo menos um dos fundamentos, não bastando a mera presunção, devendo a decisão ser fundamentada, haja vista que

se a Constituição proclama a ‘presunção de inocência do réu ainda não definitivamente condenado’, como pode o juiz presumir que ele vai fugir, que vai prejudicar a instrução, que vai cometer novas infrações? (...) É preciso que haja nos autos prova que leve o magistrado a tais informações. (TOURINHO FILHO, 2001, p. 576).

No mesmo sentido, afirma Ada Pelegrini Grinover, Antônio Scarance e Antônio Magalhães Gomes Filho (2004, p. 358):

A fundamentação deve contemplar explicitamente os fatos em que assenta a necessidade da adoção da medida (...) a mera repetição das palavras da lei ou o emprego de fórmulas vazias e sem amparo em fatos concretos não se coadunam com a gravidade e o caráter excepcional da medida.

A jurisprudência corrobora este pensamento, conforme julgado proveniente do STJ trazido à colação:

A liberdade é a regra no Estado de Direito Democrático; a restrição à liberdade é a exceção, que deve ser excepcionalíssima, aliás. Ninguém é culpado de nada enquanto não transitar em julgado a sentença penal condenatória; ou seja, ainda que condenado por sentença judicial, o acusado continuará presumidamente inocente até que se encerrem todas as possibilidades para o exercício do seu direito à ampla defesa. Assim, sem o trânsito em julgado, qualquer restrição à liberdade terá finalidade meramente cautelar. A lei define as hipóteses para essa exceção e a Constituição Federal nega validade ao que o Juiz decidir sem fundamentação. O pressuposto de toda decisão é a motivação; logo não pode haver fundamentação sem motivação. Ambas só poderão servir gerando na decisão a eficácia pretendida pelo juiz se amalgamadas com suficientes razões. (HC 3871/RS, 5ª Turma, STJ, Rel. Min. Edson Vidigal, j. 02/10/1995).

O primeiro fundamento a ser examinado é o constante do inciso IV do art. 312 do CPP, qual seja, assegurar a aplicação da lei penal, leia-se, assegurar a execução da pena, pois este fundamento tem por escopo acautelar a eventual execução da pena privativa de liberdade, como explica Fernando Capez (2005, p. 244):

No caso de iminente fuga do agente do distrito da culpa, inviabilizando a futura execução da pena. Se o acusado ou indiciado não tem residência fixa, ocupação lícita, nada, enfim, que o radique no distrito da culpa, há um sério risco para a eficácia da futura decisão se ele permanecer solto até o final do processo, diante de sua provável evasão.

O segundo fundamento apreciado é o inserto no inciso III do art. 312 do CPP, a conveniência da instrução criminal. Na definição de Sérgio Marcos de Moraes Pitombo (2000, p. 129), "a instrução consiste na atividade processual tendente – e tendência não é destino – a produzir meios de prova, necessários ao esclarecimento da verdade criminal". Este fundamento visa assegurar a prova processual contra a ação do réu, que pode, por exemplo, fazer desaparecer provas do crime, apagar vestígios, subornar ou ameaçar testemunhas.

Os dois últimos fundamentos serão analisados sob o mesmo prisma. Encontram-se nos incisos I e II do art. 312 do CPP, sendo estes a garantia da ordem pública e da ordem econômica. O fundamento da garantia da ordem econômica se insere no Código de Processo Penal através da Lei nº 8.884/94 (Lei Antitruste) e foi inserido no conceito de ordem pública, consoante a opinião uníssona dos doutrinadores, sendo seu conceito tão amplo e escorregadio quanto o de ordem pública.

Segundo De Plácido e Silva (apud TOURINHO FILHO, 2001, p. 577), ordem pública é "a situação e o estado de legalidade normal em que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos as respeitam e acatam, sem constrangimento ou protesto". Ou seja, ordem pública significa a paz e a tranqüilidade social e deve ser de tal ordem que a liberdade do réu possa causar perturbações de monta, que a sociedade venha a se sentir desprovida de garantia para a sua tranqüilidade.

No entanto, este conceito de ordem pública é genérico. O crime, por si só, gera abalo social, tendo em vista que o delito nada mais é que um comportamento reprovável pela sociedade. Se o sentido genérico de ordem pública fosse utilizado para decretação da prisão preventiva, qualquer crime a ensejaria, tornando a prisão preventiva compulsória, e não medida de excepcionalidade.

Na definição de Sérgio Marcos de Moraes Pitombo (2000, p. 127), a expressão garantia da ordem pública há de ser tomada como "porosa", ou seja, "posta para absorver qualquer situação, alargando-lhe, sem medida, a interpretação, a qual, por sua natureza, precisa emergir estrita". Este autor conseguiu sintetizar bem a problemática da questão: não há definição precisa de ordem pública no ordenamento jurídico brasileiro, sendo, portanto, tal expressão uma cláusula aberta, alvo de interpretação jurisprudencial e doutrinária. Ocorre que esta tarefa hermenêutica é, por vezes, perigosa, tendo em vista que fica a cargo do magistrado, e não do legislador, a tarefa de apontar o conceito e amplitude de ordem pública.

José Afonso da Silva (2004, p. 757-58) conceitua ordem pública e afirma que a falta de definição acerca desta expressão gera arbitrariedades:

Com a justificativa de garantir a ordem pública, na verdade, muitas vezes, o que se faz é desrespeitar direitos fundamentais da pessoa humana, quando ela apenas autoriza o exercício regular do poder de polícia. Ordem pública será uma situação de pacífica convivência social, isenta de ameaça de violência ou de sublevação que tenha produzido ou que supostamente possa produzir a curto prazo, a prática de crimes

Para a decretação de prisão preventiva deve-se levar em conta a ordem pública específica do processo penal, com finalidade cautelar, pois se for tomada como base a ordem pública genérica todo e qualquer crime ensejaria a decretação de prisão preventiva para acautelar o meio social. A construção acerca do conceito de ordem pública específica não se encontra na Constituição da República e nem no Código de Processo Penal, seus limites são traçados pela doutrina e pelos Tribunais, os quais, muitas vezes, se baseiam nas mais diversas possibilidades para decretar a prisão com base na garantia da ordem pública.

Cumpre destacar que a ordem pública específica do processo penal deve estar baseada em fatos concretos, não em mera conjecturas ou presunções, devendo o magistrado avaliar, observando os princípios instituídos na Constituição Federal e de acordo com a concretude dos fatos se é ou não o caso de privar determinado cidadão de sua liberdade antes do trânsito em julgado da sentença.

Questão bastante discutida, ainda, é a da natureza jurídica da prisão preventiva baseada na garantia da ordem pública. A prisão preventiva é modalidade de prisão cautelar e, por essência, serve para garantir a realização e o resultado do processo. No entanto, quando se trata de prisão preventiva baseada na garantia da ordem pública a visualização da cautelaridade da prisão se torna obscura, conforme aduz Tourinho Filho (2001, p. 479):

A rigor, toda prisão preventiva deveria ter uma finalidade eminentemente cautelar, no sentido de instrumento para a realização do processo (preservação da instrução criminal) ou para garantia de seus resultados (assegurar a aplicação da lei penal). Mas, na hipótese em que o juiz a decreta como garantia da ordem pública, onde sua instrumentalidade processual?

Muitos autores fazem esta observação, dentre eles, José Frederico Marques (2000, p. 57), Weber Martins Batista (apud RAMOS, 1998, p. 141) e Delmanto Júnior (2001, p. 156).

Há manifestações no sentido de que a prisão preventiva baseada na garantia da ordem pública não tem o caráter de assegurar os meios e os fins do processo, mas sim de acautelar o meio social, constituindo esta em medida de segurança, conforme os ensinamentos de Weber Martins Batista (apud RAMOS, 1998, p. 141)::

Neste caso, a medida não guarda relação direta com o processo. Em vez disso, está voltada para a proteção de interesses a ele estranhos, tem nítido traço de medida de segurança. A providência impõe-se, nesta hipótese, para evitar que o delinqüente volte a cometer crimes, ou, de qualquer outra maneira, cause perturbação à ordem pública.

No mesmo sentido, Frederico Marques afirma (2000, p. 57):

Nessa hipótese, a prisão preventiva perde seu caráter de providência cautelar, constituindo antes, como falava Faustin Hélie, verdadeira medida de segurança (...) A potestas coercidendi do Estado atua, então, para tutelar, não mais o processo condenatório a que está instrumentalmente conexa, e sim (...) a própria ordem pública.

Haja vista que o conceito de ordem pública é aberto, ou seja, não tem sua definição precisa no ordenamento jurídico brasileiro, conclui João Gualberto Garcez Ramos (1998, p. 143):

Assim, a conclusão a que se chega é de que a prisão preventiva decretada por garantia da ordem pública não é cautelar nem antecipatória, mas medida judiciária de polícia, justificada e legitimada pelos altos valores sociais em jogo. A magistratura, formada por agentes políticos do Estado, tem papel suficientemente importante na defesa social que a legitima politicamente para decretar a medida, não referente, todavia, à atividade concreta que desenvolve no processo penal condenatório.

Destarte, pode-se concluir que a prisão preventiva baseada na garantia da ordem pública não é estritamente cautelar, apesar de assim estar classificada. Ademais, a conceituação de ordem pública, por ser uma cláusula aberta, representa a possibilidade de supressão dos limites impostos pelo princípio da legalidade estrita, fazendo prevalecer o interesse repressivo do Estado, a quem interessa dar uma rápida solução para a criminalidade cada vez mais crescente no país, em detrimento dos direitos e garantias individuais.


5. CONCEITO DE ORDEM PÚBLICA NO SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO

5.1. Ordem Pública e Clamor Social

Uma das interpretações mais controversas, para não dizer equivocada, acerca do alcance do conceito de ordem pública é aquela que a confunde com o clamor social (público). Segundo o Novo Dicionário da Língua Portuguesa (1975, p. 333), clamor social significa "descontentamento ou indignação popular", ou seja, é a comoção social resultante da prática de um crime que causa repercussão social negativa. Entretanto, em regra, qualquer crime, por si só, gera abalo social, o que não se pode conceber é a indistinção entre a ordem pública e o clamor social, o que, infelizmente, é verificado em decisões de alguns tribunais estaduais, bastando como fundamento para a decretação de prisão cautelar baseada na garantia da ordem pública somente a repercussão social do delito. A Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, julgando o HC nº 2003.059.02293, assim decidiu:

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA. CLAMOR PÚBLICO, OBRIGATORIEDADE. A decisão copiada às fls. Evidencia que o Julgador fundamentou suficientemente o decreto preventivo, inexistindo o alegado constrangimento ilegal. Ali informa o Julgador que o crime causara clamor público no pequeno Município, revestindo-se de extrema gravidade, estando a situação a exigir o decreto da prisão preventiva do réu. A fundamentação pode ser concisa, mas nunca ausente ou lacônica. Aliás, o proceder atribuído ao paciente já evidencia a necessidade de sua segregação, em prol da coletividade. Inexistência de constrangimento ilegal. ORDEM DENEGADA. (TJRJ, HC nº 2003.059.02293, 2ª C., rel. Gizelda Leitão Teixeira, j. 01/07/2003).

Apesar do posicionamento acima declinado, o STF vem decidindo de forma reiterada que clamor social e garantia da ordem pública não são sinônimos e aquele não é fundamento para decretação da prisão preventiva, sendo este pensamento consubstanciado no acórdão trazido à colação, no qual foi relator o Ministro Celso de Melo:

O estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela repercussão da prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade. O clamor público – precisamente por não constituir causa legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312) – não se qualifica como fator de legitimação da privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu, não sendo lícito pretender-se, nessa matéria, por incabível, a aplicação análoga do que se contém no art. 323, V do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiança criminal.(STF, HC nº 80719-4/SP, rel. Celso de Melo, DJ 28/09/2001).

Muitas vezes, o clamor público é provocado pela imprensa, que, na busca de uma polêmica, narra os fatos de modo a transmitir à população uma situação de definitividade em relação ao delito e à sua autoria, contribuindo decisivamente para que seja cada vez mais atacado o princípio do estado de inocência, conforme adverte Ana Lúcia Menezes Vieira (2003, p. 168):

A narração dos fatos e a estigmatização do investigado ou acusado resolvem o caso criminal, não havendo sequer a necessidade da aplicação da pena pelo juiz – a sentença dada pelos meios de comunicação, inapelável, transita em julgado perante a opinião pública, tornando-se irreversível diante de qualquer decisão judicial que venha a infirmar a crônica ou crítica.

Deve-se ter em mente o valor social e educativo dos meios de comunicação que cumprem uma função de alto interesse público que é levar informação à população; mas, vale destacar também que esta liberdade de informação e de comunicação garantida pela CF em seu art. 5º, exige o compromisso de que a veiculação de notícias seja feita com responsabilidade, respeitando os princípios estabelecidos na Constituição brasileira. Um bom exemplo que ilustra a irresponsabilidade da mídia quando da veiculação de notícias relativas a crimes é o caso da Escola Base em São Paulo, que aconteceu em 1994, que consistiu em uma denúncia infundada sobre abuso sexual de crianças na referida escola:

Em março de 1994, vários órgãos da imprensa publicaram uma série de reportagens sobre seis pessoas que estariam envolvidas no abuso sexual de crianças, todas alunas da Escola Base, localizada no bairro da Aclimação, na capital. Os seis acusados eram os donos da escola Ichshiro Shimada e Maria Aparecida Shimada; os funcionários deles, Maurício e Paula Monteiro de Alvarenga; além de um casal de pais, Saulo da Costa Nunes e Mara Cristina França. (O GLOBO, 2006)

A divulgação da notícia pela mídia nacional levou ao saque e à depredação da escola pela população escandalizada e à prisão preventiva dos suspeitos. Após um tempo, o saldo deste escândalo foi um inquérito arquivado por falta de provas e diversas ações de indenização contra o Estado de São Paulo, bem como em face de vários jornais, revistas e emissoras de televisão. Até hoje os suspeitos cumprem a pior pena de todas, a da exclusão social provocada pela estigmatização e preconceito de que foram vítimas pela ampla exploração midiática do fato, além do comprometimento da vida profissional dos donos do colégio, que ficou arruinada.

Neste caso, a notícia fora publicada sem qualquer cautela, bem como a decretação da prisão, haja vista que teve por base o estardalhaço causado pela imprensa e a conseqüente repercussão social negativa, sendo que estes fatores não bastam para a decretação da prisão cautelar. Acompanhando este raciocínio, manifesta-se Fernando da Costa Tourinho Filho (2001, p. 529):

Não confundir "clamor público" com a histeria e raiva desaçaimada de certas autoridades que, para se tornar o centro das atenções, dão a determinados fatos comuns (e que ocorrem em todas as comarcas) uma estrondosa e ecoante divulgação, com a indefectível cooperação espalhafatosa da mídia, sempre ávida de divulgar o drama, o infortúnio e a desgraça alheias, esbanjando hipérboles.

Sendo este também o posicionamento do STF, conforme se extrai do acórdão do HC nº 83728/RS, publicado no DJ em 23/04/2004, em que foi relator o Ministro Marco Aurélio, a saber:

Relativamente à questão alusiva à imprensa, vale salientar a necessidade de o Judiciário manter-se eqüidistante, não se deixando envolver pelo que é veiculado, mormente a visão do leigo (...) O fato de o delito provocar grande repercussão nos meios de comunicação não conduz à prisão preventiva do acusado, estando o prestígio do Judiciário não na dependência da punição a ferro e fogo, mas na atuação harmônica com a ordem jurídica, respeitados os princípios jurídicos basilares da República. (STF, HC nº 83728/RS, rel. Marco Aurélio, DJ 23/04/2004).

A prisão preventiva baseada tão somente no clamor social é uma afronta ao direito de liberdade e ao princípio do estado de inocência, assumindo nítido caráter de antecipação de pena, como aduz Odone Sanguiné (2001, p. 277-79):

O alarma social constitui um dos critérios estranhos que claramente excedem a própria natureza cautelar e eminentemente processual da prisão preventiva para entrar em ma dimensão mais própria da pena mesma ou das medidas de segurança. Somente raciocinando dentro do esquema lógico da presunção de culpabilidade poderia conceber-se o encarceramento antecipado como instrumento apaziguador das ânsias e temores suscitados pelo delito. Isso supõe impor ao imputado uma medida equivalente a uma pena antecipada à própria condenação, não com base em necessidades processuais, mas de prevenção geral, o que resulta inconstitucional, porque se pressupõe a culpabilidade do acusado.

Convém ressaltar que além do STF, outros tribunais internacionais já declararam a inconstitucionalidade do clamor social como fundamento da prisão preventiva, como os Tribunais Constitucionais da Alemanha e da Espanha (SANGUINÉ, 2001, p. 285).

Sendo assim, o clamor público decorre frequentemente da prática de qualquer delito, não podendo ser confundido com a ordem pública, não constituindo, destarte, elemento idôneo a fundamentar o decreto de prisão preventiva com garantia da ordem pública, pois, do contrário, ocorreria a volta da já extinta prisão preventiva obrigatória, tendo em vista que todo crime gera um abalo social. Ademais, a prisão cautelar baseada na alegada presença do clamor social como garantia da ordem pública está em manifesta oposição ou afronta ao direito de liberdade e ao princípio do estado de inocência, haja vista que antecipa a pena, baseando-se em juízo sumário que pressupõe a culpabilidade do indivíduo.

5.2. Ordem Pública e Gravidade do Delito

A gravidade do crime, por si só, não deve dar ensejo à decretação da prisão preventiva baseada na garantia da ordem pública, tendo em vista que, como já fora dito anteriormente, qualquer crime pode gerar um abalo social, já que o delito em si mesmo é, em regra, considerado uma conduta grave e reprovável pela sociedade. Assim, não se pode admitir que a ocorrência de um crime grave dê ensejo à privação da liberdade de um indivíduo, pois se estaria, neste caso, regressando ao extinto sistema de prisão preventiva obrigatória.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal (STF) já declarou que a alegação abstrata de gravidade torna a prisão ilegal no acórdão trazido à baila:

Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível – por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5°, LVII) – presumir-se a culpabilidade. Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da não-culpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário.(STF. HC nº 80719/SP, rel. Celso de Melo, DJ 28/10/2001).

E mais recentemente, o acórdão proveniente do julgamento do HC nº 90064/SP, tendo como relator o Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 08/05/2007:

1. Não constituem fundamentos idôneos à prisão preventiva a invocação da gravidade abstrata ou concreta do delito imputado, definido ou não como hediondo - muitas vezes, inconsciente antecipação da punição penal. Precedentes. 2. Ademais, ainda que se admitissem, em tese, os apelos à ordem pública, que estaria comprometida pela repercussão social do fato -, ou mesmo pelo denominado "temor social", essa motivação, no caso, se teria esvaído por completo pelo decurso de quase 6 anos da prisão dos Pacientes. V. Liberdade provisória deferida. (STF. HC nº 90064/SP, rel. Sepúlveda Pertence, j. 08/05/2007).

A gravidade do delito é condição bastante para afetar somente a ordem pública genérica, e não a específica do processo penal, pois somente o tipo penal infringido não pode embasar o decreto de prisão preventiva, até mesmo por que a autoridade judiciária não está adstrita ao crime tipificado na denúncia, mas sim à narrativa fática.

Vários são os precedentes do Superior Tribunal de Justiça neste sentido, como, por exemplo, o acórdão do HC n° 41742/MT, publicado no DJ em 22/08/2005, em que foi relator o Ministro Félix Fischer, a saber:

[...] deve o decreto prisional ser necessariamente fundamentado de forma efetiva, não bastando meras referências quanto à gravidade genérica do delito [...] A gravidade em abstrato do delito não pode, por si só, dar ensejo à decretação da medida constritiva, tendo em vista o princípio constitucional da presunção de inocência.(STJ. HC nº 4172/MT, Rel. Felix Fischer, DJ 22/08/2005).

Corroborando este pensamento, colaciona-se trecho do acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), proferido em sede do habeas corpus (HC) nº 29.888, proveniente do Estado de São Paulo, tendo como relatora a Ministra Laurita Vaz: "A gravidade do delito, por si só, não é razão suficiente para autorizar a custódia cautelar, devendo haver outros requisitos associados a esse" (STJ. HC 29.888-SP, 5ª T., rel. Laurita Vaz, j. 04.03.2004).

Do mesmo modo, o HC n° 33770/BA, publicado no Diário de Justiça (DJ) em 16/08/2004, em que foi relator o Ministro Paulo Medina, ponderou que: "A gravidade do delito, ainda que em hipótese de crime hediondo, se considerada de modo genérico e presumida de maneira divorciada de fundamentação fática objetiva e atual, não é capaz, per se, de autorizar a custódia cautelar".(STJ. HC nº 33770/BA, rel. Paulo Medina, DJ 16/08/2004).

Mais recentemente, posicionou-se, também, neste sentido, o Ministro Carlos Fernando Mathias, no julgamento do HC nº 88821/MT:

1.A decretação da prisão preventiva deve, necessariamente, estar amparada em um dos motivos constantes do art. 312 do Código de Processo Penal e, por força do art. 5º, XLI e 93, IX, da Constituição da República, o magistrado está obrigado a apontar os elementos concretos ensejadores da medida. 2. No ordenamento constitucional vigente, a liberdade é regra, excetuada apenas quando concretamente se comprovar, em relação ao indiciado ou réu, a existência de periculum libertatis. 3. A gravidade do crime não pode servir como motivo extra legem para decretação da prisão provisória. (STJ. HC nº 88821/MT, rel. Carlos Fernando Mathias, j. 22/11/2007).

Apesar deste acertado posicionamento, ainda há Tribunais que decretam a prisão preventiva baseada na gravidade do delito, como se pode visualizar do acórdão proferido no HC 403.810-1, proveniente do extinto Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo:

Prisão preventiva. Roubo qualificado. Decretação. Necessidade. Agente primário. Irrelevância. No crime de roubo qualificado pelo emprego de arma de fogo, mister é a decretação da custódia do agente, ainda que primário, sendo inviável sua revogação, em face da gravidade do delito, o qual abala a ordem pública. (TACRIM-SP-14ª C. – HC 403.810-1 – Rel. França Carvalho – j. 02.04.2002).

Inúmeras são as decisões dos Tribunais estaduais que corroboram com este entendimento, v. g., a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento do HC n° 296.380-3, dispondo que: "Fato de ser primário e possuir bons antecedentes que não o isenta da medida cautelar tomada, haja vista a gravidade do crime praticado - Ordem denegada".(TJSP. HC nº 296.380-3, 1ª Cam. Crim., rel. Raul Motta, j. 25/10/1999).

Neste sentido, já decidiu a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, no julgamento do HC n° 302948900, ao apontar que: "A prisão preventiva, fundada na garantia da ordem pública, tem por escopo evitar a prática de novos crimes, inclusive impedindo que a coletividade, dada a gravidade do delito, venha a se sentir desprotegida e atemorizada"(TJPR. HC nº 302948900, 3º C. Crim., rel. Robson Marques Cury, j. 01/09/2005), dentre outros julgados de diversos juízos e Tribunais de Estados da Federação.

Não basta a alegação abstrata da gravidade do crime, ainda que hediondo, para decretação da prisão preventiva baseada na garantia da ordem pública, haja vista que, após o advento da Lei nº 5.349 de 31 de novembro de 1967, a modalidade obrigatória de prisão preventiva foi abolida do Código de Processo Penal brasileiro, devendo ser demonstrada a necessidade da prisão e a real ameaça à ordem pública ante os fatos concretos.

Neste sentido, já se posicionou o STF no HC n° 82446/MG, dispondo que: "O caráter hediondo do crime não consubstancia motivo suficiente à adoção da prisão preventiva automática, de muito abolida do sistema processual penal brasileiro".(STF. HC nº 82446/MG, rel. Maurício Corrêa, DJU 12/06/2003).

Assim, não constitui fundamentação bastante a ensejar a decretação da prisão preventiva para garantia da ordem pública, a gravidade do delito, seja ele ou não hediondo, uma vez que tal gravame está inserido no próprio tipo penal transgredido, sendo, portanto, causa acessória da conduta praticada, não podendo o Estado impor ao acusado, além de submetê-lo a um processo pela suposta empreitada criminosa, uma prisão cautelar embasada neste mesmo motivo, sob pena de anular-se o princípio do estado de inocência, caracterizando, desta feita, arbitrário cumprimento antecipado de pena.

5.3. Ordem Pública e Credibilidade da Justiça

Decretar a prisão preventiva com o fito de resguardar a credibilidade da Justiça é uma das possibilidades que mais atenta contra os princípios constitucionais e processuais estabelecidos no ordenamento jurídico brasileiro, haja vista que se trata de uma tentativa de remediar o desgaste do Poder Judiciário ou melhorar sua imagem frente à população. Assim, mediante prisão que, por vezes, é ilegal, busca-se dar à sociedade uma falsa sensação de justiça, baseada na sumariedade, ferindo os princípios do contraditório, da ampla defesa e do estado de inocência.

O autor da prática de um crime, no pensamento coletivo, deveria ser punido prontamente com a pena privativa de liberdade. Entretanto, há todo um procedimento legal a ser observado para que se chegue, ou não, a uma condenação e possível segregação. Neste ínterim processual, ressalte-se que a liberdade é um direito fundamental e que ninguém será considerado culpado antes da sentença penal condenatória transitada em julgado. Diante destes axiomas garantidores erigidos a preceitos constitucionais, não se pode tolher o direito de ir e vir simplesmente em nome da credibilidade da Justiça, pois tal elemento não constitui fundamento para o decreto de prisão preventiva.

O descrédito da coletividade diante da Justiça advém de um sentimento de insegurança provocado por fatores diversos, mas que encontra na criminalidade seu denominador comum. Boa parte da população não reconhece ou admite que o processo penal é todo voltado à proteção do réu, com a intenção de resguardá-lo de decisões injustas e arbitrárias, ou seja, de buscar o adequado e razoável equilíbrio entre o interesse punitivo do Estado e o direito à liberdade. Ocorre que, tal indignação ou sentimento de insegurança é capaz somente de afetar a ordem pública genérica, não dando ensejo a fundamentar o decreto preventivo.

A maior parte dos Tribunais vem afirmando que a garantia da ordem pública se limita, da mesma forma, a acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça em face da gravidade do crime, conforme o seguinte acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferido no HC nº 288.405-3, pelo Desembargador-relator Walter Guilherme:

É providência acautelatória, inserindo-se no conceito de ordem pública, visando não só prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça, em face da gravidade do crime e de sua repercussão, convindo a medida quando revelada pela sensibilidade do juiz à reação do meio à ação criminosa. (HC 288.405-3, Bauru, 3ª. C., rel. Walter Guilherme, 10.08.1999, v.u.).

Seguindo este posicionamento, o Desembargador-relator do HC nº 1.0000.05.417037-8/000, proveniente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

O paciente fora indiciado pela prática dos crimes previstos nos arts. 213 e 214, c/c art. 224, a, todos do Código Penal, acusado, juntamente com "N.B", de haver explorado sexualmente, de forma sistemática, crianças do Município de Águas Formosas-MG, mediante o pagamento de módicas quantias em dinheiro e pequenos agrados. (...) Ora, em casos tais, a custódia se faz necessária não só para prevenir a prática de novos crimes, mas também como meio de acautelar a própria credibilidade da justiça, em razão da gravidade dos delitos e sua repercussão social.(TJMG. HC nº 1.0000.05.417037-8/000, 1ª C., rel. Edelberto Santiago, j. 15/03/2005).

No entanto, o STF, guardião da Constituição, já se pronunciou a respeito da matéria, no HC 80.719-4, em que foi relator o Ministro Celso de Mello:

A preservação da credibilidade das instituições e da ordem pública não consubstancia, só por si, circunstância autorizadora da prisão cautelar – "Não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade individual, a alegação de que o réu, por dispor de privilegiada condição econômico-financeira, deveria ser mantido na prisão, em nome da credibilidade das instituições e da preservação da ordem pública" (STF – 2ª T. – HC 80.719-4 – Rel Celso de Mello – j. 26.06.2001).

No mesmo sentido, o julgamento do HC n° 82909/PR, relatado pelo Ministro Marco Aurélio, assegurando que:

A magnitude da lesão é elemento do tipo penal, sendo neutra para efeito de segregação preventiva. O clamor social, na maioria das vezes a envolver visão apaixonada, não serve ao respaldo da custódia precária e efêmera, o mesmo devendo ser dito quanto ao prestígio do Judiciário, a quem incumbe, independentemente de fatores atécnicos, da capa do processo, da repercussão do crime, guardar a mais absoluta eqüidistância, decidindo à luz da ordem jurídica. (STF. HC nº 82909/PR, rel. Marco Aurélio, DJ 17/10/2003)

Posicionamento mais recente do Ministro Eros Grau, no HC nº 86158/SP, confirma a jurisprudência do STF no sentido de que a invocação da credibilidade das instituições jurídicas não constitui motivo idôneo para ensejar a decretação de prisão preventiva baseada na garantia da ordem pública:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. NECESSIDADE. 1. Prisão preventiva para garantia da ordem pública. O Supremo Tribunal Federal vem decidindo no sentido de que esse fundamento é inidôneo quando vinculado à invocação da credibilidade da justiça e da gravidade do crime. (STF. HC nº 86158/SP, rel Eros Grau, j. 19/09/2006).

Sendo este o posicionamento que melhor se coaduna com a realidade, ao apontar que o resguardo da credibilidade da Justiça é motivo insuficiente à decretação da prisão preventiva como garantia da ordem pública. Neste sentido o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC n° 39339/PR, afirmou que:

A defesa da ordem pública não se confunde com [...] a ameaça à credibilidade da Justiça, entendida aqui como instituição a que se atribui o dever de velar e garantir a almejada paz social, afastando qualquer lesão ou ameaça de lesão a direitos e garantias previstas em nosso ordenamento jurídico. Sua já tão desgastada imagem não pode dar azo a tentativas de reabilitação institucional perante o corpo social, pelo simples fato de se manter preso este ou aquele indivíduo. (STJ. HC nº 39339/PR, rel. Hélio Quaglia Barbosa, DJ 16/05/2005).

Corroborando este posicionamento, a recente jurisprudência do STJ, proveniente do HC nº 76223/RN, em que foi relatora a Ministra Laurita Vaz:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PREVENTIVA. FUNDAMENTOS. GRAVIDADE DO DELITO. CIRCUNSTÂNCIA SUBSUMIDA NO TIPO. VÍTIMA QUE SE ENCONTRAVA CUMPRINDO PENA EM REGIME ABERTO. ABALO À CREDIBILIDADE DA JUSTIÇA. MOTIVAÇÕES INIDÔNEAS. 1. A prisão preventiva deve ser decretada se expressamente for justificada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal. 2. Deve o decreto prisional ser necessariamente fundamentado de forma efetiva, não bastando meras referências quanto à gravidade genérica do delito, sem demonstração com base em dados concretos extraídos dos autos, da necessidade da custódia dos acusados, dada sua natureza cautelar. 3. A circunstância de estar a vítima, à época dos fatos, cumprindo pena, por si só, não justifica a decretação da prisão preventiva dos Pacientes para assegurar a credibilidade da justiça. Precedentes. 4. Ordem concedida para revogar a prisão preventiva dos Pacientes, se por outro motivo não estiverem presos. (STJ. HC nº 76223/RN, rel. Ministra Laurita Vaz, j. 16/10/2007).

Deste modo, a ordem pública específica do processo penal não abrange idéia relacionada à credibilidade do Poder Judiciário como fundamento bastante para se decretar a prisão preventiva, pois se tal descrença é conseqüência do incremento de crimes na visão da grande maioria da sociedade, leiga em Direito, não se admite, no entanto, do aplicador das normas, justamente por conhecê-las, este mesmo entendimento.

5.4. Ordem Pública e Periculosidade do AGENTE

Apesar de não haver um posicionamento consolidado acerca do alcance do conceito de garantia da ordem pública, a jurisprudência vem se firmando no sentido de apontar como fator preponderante para a decretação da custódia preventiva a periculosidade do réu. Sendo este o teor do acórdão proveniente do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferido no HC nº 412.323-3/4:

A periculosidade do réu, evidenciada pelas circunstâncias em que o crime foi cometido basta, por si só, para embasar a custódia cautelar no resguardo da ordem pública, sendo irrelevante a primariedade, os bons antecedentes e a residência fixa."( TJSP. HC nº 412.323-3/4, rel. Marcos Zanuzzi, j. 13/03/2003).

Esta interpretação resulta em uma clara ofensa ao princípio do estado de inocência e ao direito de liberdade, haja vista que ignora, inclusive, os bons antecedentes e a primariedade, configurando, assim, verdadeira antecipação da pena. Infelizmente, esta tese está sendo seguida, inclusive, pelos tribunais superiores do país, como se observa do teor do aresto trazido à colação, proveniente do STJ, ao apontar que:

Resta devidamente fundamentado o decreto prisional, com o reconhecimento da materialidade do delito e de indícios de autoria, com expressa menção à situação concreta que se caracteriza pela garantia da ordem pública, consistente na reiterada atividade delitiva e a possibilidade de prática de novos delitos. (STJ. HC nº 43267, Ministro Felix Fischer, DJU 10/10/2005).

Ainda, o HC n° 42432/DF, registra que: "A prisão se mostra justificada quando o julgador demonstra a necessidade de proteção da ordem pública, tendo em vista a periculosidade do agente e o modus operandi da ação delituosa".(STJ. HC nº 42432/DF, rel. José Arnaldo da Fonseca, DJ 15/08/2005).

Neste diapasão, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n° 84981/ES, em que foi relator o Ministro Carlos Velloso, manifestou-se no sentido de que:

EMENTA: - PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE, LIBERDADE PROVISÓRIA. PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA. PERICULOSIDADE. I. – A periculosidade do agente justifica a custódia preventiva como garantia da ordem pública. Mantém-se, então, a prisão decorrente do flagrante. II. – H.C. indeferido. (STF. HC nº 84981/ES, rel. Carlos Velloso, DJ 22/04/2005).

Ainda neste sentido, o RHC n° 85112/SC, em que foi relator o Ministro Joaquim Barbosa, a saber:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. INTERPOSIÇÃO DIRETA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONHECIMENTO COMO HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. LEGALIDADE. ORDEM DENEGADA. O recurso ordinário em habeas corpus, quando interposto diretamente a esta Corte, deve ser conhecido como habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. É legítima a manutenção da prisão preventiva do paciente quando há no decreto de prisão elementos que demonstrem concretamente não terem cessado as atividades da organização criminosa à qual ele é acusado de pertencer e que evidenciem sua periculosidade. (STF. HC nº 85112/SC, rel. Joaquim Barbosa, DJ 05/08/2005).

Essa periculosidade pode ser aferida de várias formas, diz-se que o agente é perigoso se cometeu novos crimes ou puder vir a cometê-los. No primeiro caso, não há presunção de culpabilidade, pois só cometendo um crime posterior pode o agente ser preso de forma preventiva. Neste sentido, decisão do STJ no RHC nº 8040:

A reiteração da mesma conduta criminosa após ter sido beneficiado com liberdade provisória concedida mediante pagamento de fiança indica personalidade direcionada ao crime, o que justifica sua prisão preventiva com garantia da ordem pública. (STJ. RHC nº 8040, rel. Vicente Leal, DJU 23/11/1998).

A segunda situação já é um pouco mais complexa, pois se considera previamente que o agente poderá cometer novos delitos, presumindo-se, desta forma, a sua culpabilidade e periculosidade. De acordo com a opinião de Delmanto Júnior (2001, p. 179), há, neste caso, dupla presunção:

Sem dúvida, não há como negar que a decretação de prisão preventiva com o fundamento de que o acusado poderá cometer novos delitos baseia-se, sobretudo, em dupla presunção: a primeira, de que o imputado realmente cometeu o delito; a segunda, de que, em liberdade e sujeito aos mesmos estímulos, praticará outro crime, ou, ainda, envidará esforços para consumar o delito tentado.

A grande parte dos Tribunais se posiciona desta forma, fazendo-se presumir a periculosidade do réu com base nos antecedentes criminais e reincidência, isto quando não desprezam estes fatores e decretam a prisão preventiva com base no modus operandi do crime, fazendo com que esta modalidade de prisão perca sua principal característica, qual seja, de acautelar o processo, para assumir a feição de medida de segurança. Neste sentido, Aury Lopes Júnior (2005, p. 203):

Manter uma pessoa presa em nome da ordem pública, diante da reiteração de delitos e o risco de novas práticas, está se atendendo não ao processo penal, mas sim a uma função de polícia do Estado, completamente alheia ao objeto e fundamento do processo penal.

Já fora analisado que o clamor social, a gravidade do delito e o resguardo da credibilidade da Justiça não podem servir como fundamento para decretação da prisão preventiva baseada na garantia da ordem pública por constituírem em causas acessórias do crime, conseqüências deste. Ocorre que a periculosidade do agente não pode ser levada em consideração para o decreto da custódia preventiva não por ser conseqüência do delito, mas porque tem caráter de prevenção especial negativa da pena, característica própria da prisão pena, e não à prisão processual.

A prisão, como pena decorrente de uma sentença penal condenatória transitada em julgado, tem como finalidade a retribuição e a prevenção. A retribuição tem caráter de sanção propriamente dita, já a prevenção corresponde ao aspecto teleológico de ressocialização e educação da pena, podendo ser dividida em geral e especial. A prevenção geral recai sobre toda a sociedade, ao passo que a especial diz respeito somente ao agente do delito, sendo que ambas podem subdividir-se em positiva e negativa.

A prevenção geral positiva consiste em mostrar à população a coesão do sistema, que existem regras que devem ser obedecidas, sob pena de sanção judicial. A prevenção geral negativa tem a função de intimidar possíveis futuros infratores, ou seja, a pena deve servir de exemplo desencorajador da prática de crimes (ALMEIDA, 2003, p. 77).

A prevenção especial positiva dá à pena imposta ao infrator caráter ressocializador, ou seja, "que ela possa reeducá-lo, fazendo com que ele tenha condições de observar a lei penal, o que possibilitaria sua reinserção social"(ALMEIDA, 2003, p. 77). Já a prevenção especial negativa tem por escopo evitar que o infrator volte a delinqüir, "é o que se chama de inocuização, isto é, retira-se o delinqüente do meio social para evitar suas futuras e prováveis ações deletérias" (ALMEIDA,2003, p. 77).

As características mencionadas constituem finalidades da prisão-pena, e não da prisão provisória. De acordo com a abalizada doutrina, qualquer que seja a modalidade de prisão processual, esta não pode ser decretada com o fim de preencher estas características:

A prisão como pena pode ter finalidade de prevenção geral – positiva ou negativa – ou prevenção especial – positiva ou negativa -, mas como medida cautelar jamais pode assumir tais encargos. O juiz que decreta uma prisão cautelar ‘para intimidar outras pessoas’, para ‘servir de exemplo’, está absolutamente equivocado e, pior, não está demonstrando o caráter instrumental da providência acautelatória. (GOMES, 1996, p. 44).

Desta forma, pode-se concluir que a decretação da prisão preventiva baseada na periculosidade do réu não pode subsistir, em virtude de seu nítido caráter de prevenção especial negativa, característica que só pode pertencer à prisão penal, além da perda da instrumentalidade da prisão processual, tendo em vista que tal fundamento não preenche a função de acautelar o processo ou a instrução criminal, característica, esta sim, marcante da prisão cautelar, apesar de a jurisprudência uníssona se posicionar de forma favorável a esta interpretação.


6. EM DEFESA DA RESTRIÇÃO E ESPECIFICAÇÃO DO CONCEITO DE ORDEM PÚBLICA NO PROCESSO PENAL

Como já destacado, no processo criminal duas grandezas se encontram em lados opostos, de um lado o direito de liberdade do indivíduo, que não pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória; de outro, o direito ou poder-dever de punir do Estado, que nasce das regras impostas pelo contrato social e visa proteger os bens jurídicos mais importantes da sociedade, fazendo-se aplicar a sanção jurídica a quem comete um fato definido como crime.

Neste diapasão, a medida mais drástica de privação do direito de liberdade do indivíduo é a prisão, que pode ser classificada em prisão-pena ou prisão processual, cautelar ou provisória. A primeira espécie não implica nenhuma contradição, haja vista que só tem respaldo após um devido processo legal, no qual se apurou a culpa do réu. No entanto, a segunda gera mais polêmica, tendo em vista que tem sua efetivação antes da sentença condenatória, e tem por escopo resguardar o bom andamento do processo ou do inquérito policial.

A prisão, medida constritiva de liberdade do indivíduo, seja ela penal ou processual, implica uma série de conseqüências danosas ao indivíduo, as quais influenciam sua vida familiar, profissional e, até mesmo, em sua saúde física e psicológica. Sendo assim, só pode ser imposta tal medida após a condenação advinda de um devido processo legal ou em casos excepcionais, antes da sentença condenatória transitada em julgado, nas hipóteses de prisão processual.

Apesar das conseqüências danosas da prisão para o indivíduo encarcerado, sua vedação absoluta seria impraticável no contexto atual, tendo em vista que é uma forma de sanção da qual as sociedades modernas parecem não estar preparadas para dela abdicar. A sua extinção causaria prejuízos de grande monta para a sociedade, de um modo geral, e para alguns indivíduos, em especial, como, por exemplo, aqueles que estão expostos diretamente à ação do agente, investigado ou acusado (testemunhas, vítimas, etc.).

No que tange à prisão provisória ou cautelar, esta pode ser dividida em: prisão em flagrante, prisão preventiva, prisão decorrente de pronúncia, prisão em virtude de sentença condenatória recorrível, e, por último, a prisão temporária.

Em razão da delimitação do objeto do presente estudo, será lançado um olhar mais específico sobre a prisão preventiva. Reconhece-se que esta deve preencher determinados pressupostos, quais sejam, deve estar comprovada a existência do delito e indícios de sua autoria. No entanto, para sua decretação, ainda é preciso o enquadramento de um dos fundamentos estabelecidos no art. 312 do CPP, quais sejam, a garantia da ordem pública, a garantia da ordem econômica, o asseguramento da aplicação da lei penal ou a conveniência da instrução criminal.

No tocante à decretação da medida cautelar, a discussão preponderante refere-se ao critério interpretativo a ser adotado. Da análise jurisprudencial efetuada ao longo deste trabalho, pode-se constatar a controvérsia existente entre os tribunais estaduais, os quais decretam a custódia preventiva sem a devida observância aos direitos fundamentais, e os tribunais superiores, que são mais criteriosos quando da decretação da referida medida.

Como já fora analisado, o clamor social, a periculosidade do delito e o resguardo da credibilidade da Justiça não são motivos idôneos para fundamentar o decreto de prisão preventiva para garantia da ordem pública. Conforme, aduz a recente jurisprudência do STJ:

PRISÃO PREVENTIVA. INDÍCIOS DE AUTORIA E PROVA DA MATERIALIDADE. GRAVIDADE DOS DELITOS. MAGNITUDE DA LESÃO. GRAVE PERTURBAÇÃO À ORDEM PÚBLICA. FORTE SENTIMENTO DE IMPUNIDADE E INSEGURANÇA. REPERCUSSÃO/ABALO SOCIAL. CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO NA INVESTIGAÇÃO. COAÇÃO DE TESTEMUNHAS. UTILIZAÇÃO DA INFLUÊNCIA DO PACIENTE PARA OBSTRUIR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL, OBSTAR A INSTRUÇÃO CRIMINAL, E PARA EMPREENDER FUGA COM FACILIDADE. CONDIÇÃO PESSOAL E FINANCEIRA DO PACIENTE. CONCLUSÕES VAGAS E ABSTRATAS. FALTA DE CORRESPONDÊNCIA COM DADOS CONCRETOS. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA NÃO DEMONSTRADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, CONCEDIDA.

A existência de indícios de autoria e prova da materialidade, bem como o juízo valorativo sobre a gravidade genérica dos delitos imputados ao paciente, a magnitude da lesão, a grave perturbação à ordem pública, o que propiciaria forte sentimento de impunidade e de insegurança, a suposta repercussão/abalo social e a apontada necessidade de atribuir credibilidade às instituições do Estado, longe de caracterizarem a presença dos requisitos da segregação cautelar – garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou garantia da aplicação da lei penal – configuram motivação orientada à pronta resposta do Poder Judiciário à prática supostamente delitiva, antecipando o juízo condenatório. Elementos que devem permanecer alheios à avaliação dos pressupostos da custódia cautelar, até porque as afirmações a respeito da gravidade do delito trazem aspectos já subsumidos no próprio tipo penal, considerados pelo legislador ao cominar a pena em abstrato. A simples ocorrência de crimes é suficiente para intranqüilizar a sociedade, trazer sentimento de insegurança e abalo social, pois ninguém é indiferente aos eventos delituosos, sendo que a imposição da custódia por tal motivo tornaria obrigatória a segregação. A credibilidade das instituições, mormente do Poder Judiciário, a quem cabe conduzir a persecução penal, advém da rápida e eficaz prestação jurisdicional, e da suposta ocorrência criminosa de forma séria, imparcial, em observância às garantias legais e constitucionais dos indivíduos envolvidos. A imposição da medida constritiva não pode estar baseada em ilações, probabilidades, conjecturas e elucubrações a respeito do que o acusado poderá vir a fazer, caso permaneça solto, sejam elas depreendidas de sua condição profissional ou financeira. Os argumentos aparecem sem nenhuma correspondência a dados concretos, efetivamente existentes, hábeis a configurar a imprescindibilidade da segregação para garantia da aplicação da lei penal ou para a conveniência da instrução criminal e, por isso, não se prestam a respaldar a custódia. Precedentes do STJ e do STF. Deve ser cassado o acórdão recorrido, bem como o decreto prisional prolatado na ação penal instaurada para apurar a suposta prática do crime de formação de quadrilha, para revogar a prisão preventiva imposta ao paciente, determinando-se a expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que seja decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta. Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, concedida, nos termos do voto do Relator. (STJ, HC 64949/SP, 5ª T., Min. Gilson Dipp, j. 20/11/2006).

Isto porque não se pode determinar a custódia de um indivíduo, ainda tomado por inocente, já que não houve trânsito em julgado da sentença condenatória, com base nestes argumentos, visto que o primeiro, qual seja, o clamor social, é a conseqüência freqüente do cometimento de qualquer tipo de delito, que consiste em uma quebra de conduta geral, que causa repercussão social negativa; o segundo, a gravidade do delito, é causa acessória da conduta praticada pelo indivíduo, haja vista que o direito penal tutela os bens jurídicos eleitos como mais importantes para uma sociedade e praticar um crime e atingir esses bens jurídicos, sempre implicará em uma conduta grave; o terceiro, resguardo da credibilidade da Justiça, é uma das conseqüências do crime para o leigo, que confunde vê na prisão, mesmo que de forma preventiva, uma solução imediata, rápida e justa para o crime. Ademais, é entendimento pacífico nos Tribunais Superiores do país a impossibilidade destes motivos ensejarem o decreto de prisão preventiva, conforme arestos já apresentados.

Entretanto, a doutrina e jurisprudência pátrias apontam a decretação de prisão preventiva em função da periculosidade do agente como necessária à preservação da ordem pública. Como afirma o doutrinador Júlio Fabbrini Mirabete (2003, P. 386), esta medida visa:

evitar que o delinqüente pratique novos crimes contra a vítima e seus familiares ou qualquer outra pessoa, quer porque é acentuadamente propenso às práticas delituosas, que porque, em liberdade, encontrará os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida.

Sendo esta também a posição do autor Paulo Rangel (2005, p. 616), que aduz que "se o indiciado ou o acusado em liberdade continuar a praticar ilícitos penais, haverá perturbação da ordem pública".

Sendo esta também a opinião dos Tribunais Superiores do país, conforme se pode observar de jurisprudência do STJ trazida à colação. Neste aresto, especificamente, o caso é ainda mais grave, pois a custódia foi decretada com base no modus operandi quando do cometimento do delito, ignorando-se completamente a primariedade e os bons antecedentes do réu:

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. EXCESSO DE PRAZO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. INSTRUÇÃO ENCERRADA. SÚMULA 21/STJ. PRISÃO PREVENTIVA. DECRETO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. PERICULOSIDADE DO AGENTE AFERIDA A PARTIR DO MODUS OPERANDI. TENTATIVA DE FUGA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. APLICAÇÃO DA LEI PENAL. ORDEM DENEGADA.

[...] A decretação da prisão preventiva, medida cautelar de constrição à liberdade do réu ou acusado, deve, de fato, redobrar-se de prudência, tendo em vista sua função meramente instrumental, uma vez que visa garantir a eficácia de um futuro provimento jurisdicional condenatório; destarte, em obediência ao princípio da não-culpabilidade, a medida extrema deve fundar-se em razões objetivas e concretas, que indiquem sua correspondência com as hipóteses legais do art. 312 do CPP. [...] No entanto, in casu, o reconhecimento da materialidade do delito e da presença de indícios suficientes de autoria, aliados a periculosidade do réu, aferida através do modus operandi em que o ilícito se deu, de forma cruel e violenta (homicídio qualificado pela impossibilidade de defesa da vítima, morta a facadas dentro de sua própria casa), conjuntamente com o fato do paciente ter tentado evadir-se do distrito da culpa, constituem motivação idônea, que torna imperiosa a manutenção da segregação provisória, como forma de se resguardar a ordem pública, e assegurar a futura aplicação da lei penal. Precedentes. [...] As condições subjetivas favoráveis do paciente, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando preenchidos seus pressupostos legais, segundo reiterativa orientação jurisprudencial. (STJ, HC nº 76768/RS, 5ª T., Rel. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 17/12/2007).

Com relação à interpretação da periculosidade do agente como argumento para a decretação de prisão preventiva para garantir a ordem pública, considera-se que a periculosidade pode ser aferida quando o agente praticar novo delito ou se puder vir a cometer novo crime, sendo esta interpretação a mais aceita no país, não só pelos tribunais estaduais, mas também pelos superiores. Na primeira hipótese, a segregação do agente é plausível, haja vista que ele efetivamente cometeu um delito no curso do processo, ensejando o afastamento do princípio do estado de inocência (RANGEL, 2005, p. 616). A segunda hipótese, entretanto, se afigura atentatória aos princípios estatuídos na Constituição Federal, pois parte de uma presunção de que o agente voltará a delinquir. Neste diapasão, vale salientar a distinção elementar na dogmática penal entre direito penal de culpabilidade (de ato) e direito penal de periculosidade (de autor):

No primeiro caso, o agente pode ser responsabilizado porque determinada conduta sua, isto é, o ato por ele praticado, é reprovável. No segundo caso, diferentemente, o agente de determinado ato é punido não em razão da reprovabilidade do ato em específico, mas sim porque sua conduta anterior, ou seja, seu modo de vida, demonstra sua periculosidade. (ALMEIDA, 2003, p. 81).

Como é possível inferir do ensinamento acima mencionado, o direito penal brasileiro é direito penal de ato. Assim, não se admite qualquer tipo de determinismos nas ações, que são sempre livres, fundadas na vontade do indivíduo. Ao passo que, no direito penal do autor, o homem é um ser determinado que age por causas determinadas e não goza de possibilidade de escolha. Desta forma, conclui-se que, se o ordenamento jurídico brasileiro se pauta pela culpabilidade do ato quando da imposição da pena, não pode a prisão cautelar, em sede de cognição sumária, optar pelo parâmetro da periculosidade:

Nosso direito penal de ato, baseado inteiramente na culpabilidade da vontade livre dos indivíduos, jamais se compatibilizaria com um direito processual penal fundado, no que se refere à prisão cautelar, na periculosidade, pois seria contraditório afirmar que alguém só pode ser considerado culpado em razão de ato seu livremente praticado e, ao mesmo tempo, defender a possibilidade de prisão preventiva em razão da periculosidade. Se a periculosidade não pode implicar, ela própria, privação de liberdade ou qualquer outra pena nem depois da condenação (prisão-pena), evidentemente que não pode implicar prisão cautelar. (ALMEIDA, 2003, p. 82)

Diante do exposto, pode-se verificar que a periculosidade do agente também é incompatível com a prisão cautelar em caso de suposição de prática de possíveis futuros crimes, além de ir de encontro ao princípio constitucional do estado de inocência, apesar de a imensa maioria dos tribunais presumirem a periculosidade do réu através de seus antecedentes criminais e decretarem sua prisão cautelar com base na defesa da ordem pública. A única hipótese aceitável é a que envolve a decretação da prisão se o agente efetivamente praticar novos crimes no curso do processo, pois, neste caso, a presunção de inocência deverá ser afastada para a defesa da sociedade, sendo este um motivo razoável e justificável para ser relativizada, in concreto, a inocência do réu.

Ressalte-se que, mesmo na hipótese de ser decretada a prisão cautelar em virtude do cometimento de novo delito, esta só pode ser adotada quando for a medida mais adequada dentre todas as possíveis, devendo ser observado o princípio da razoabilidade quando da decretação da dita custódia, haja vista que deve se fazer a contraposição entre valor liberdade individual e o direito de punir do Estado, se é razoável a privação da liberdade do indivíduo em nome do ius puniendi estatal.

A garantia da ordem pública como fundamento da decretação da prisão preventiva, em que pese ter um conceito indeterminado e genérico, deve ser interpretada restritivamente à luz dos preceitos fundamentais inseridos na Constituição Federal, a fim de que o indivíduo não sofra qualquer tipo de constrangimento ilegal. Portanto, torna-se imperativo a limitação do conceito de ordem pública, especificamente no processo penal, a fim de evitar uma insuportável insegurança jurídica.

A garantia da ordem pública é uma cláusula aberta, de conteúdo significante abrangente e, dessa forma, deve ter seu alcance limitado através de técnica hermenêutica de interpretação restritiva, sendo esta a lição de Ferraz Júnior (2003, p. 296):

Uma interpretação restritiva ocorre toda vez que se limita o sentido da norma, não obstante a amplitude de sua expressão literal. Em geral, o intérprete vale-se de considerações teleológicas e axiológicas para fundar o raciocínio. Supõe, assim, que a mera interpretação especificadora não atinge os objetivos da norma, pois lhe confere uma amplitude que prejudica os interesses, ao invés de protegê-los. Assim, por exemplo, recomenda-se que toda norma restrinja os direitos e garantias fundamentais reconhecidos e estabelecidos constitucionalmente deva ser interpretada restritivamente. O mesmo se diga das normas excepcionais: uma exceção deve sofrer interpretação restritiva. No primeiro caso, o telos protegido é postulado como de tal importância para a ordem jurídica em sua totalidade que, se limitado por lei, esta deve conter, em seu espírito (mens legis), antes o objetivo que a constituição agasalha. No segundo, argumenta-se que uma exceção é, pó si, uma restrição que só deve valer para os casos excepcionais. Ir além é contrariar sua natureza.

A expressão "garantia da ordem pública" contém vaguidade denotativa (FERRAZ JÚNIOR, 2003, p. 296), a conceituação dela não está em nenhuma lei ou manual de direito, o que se tenta fazer com esta expressão é interpretá-la, sendo necessário delimitar as suas hipóteses a fim de que não ocorra ilegalidade quando da constrição da liberdade do indivíduo preso cautelarmente. Já fora analisado que o clamor social, o descrédito da Justiça e a gravidade do delito não ensejam a decretação de tal custódia, bem como a periculosidade presumida do agente. Resta delimitar os casos em que a prisão preventiva como garantia da ordem pública poderá ser decretada.

O fundamento da ordem pública para decretação da prisão preventiva deve ser cabalmente demonstrado com fatos concretos caracterizadores da real necessidade no tolhimento da liberdade do indivíduo, sendo, portanto, inadmissível a sua custódia com base em meras conjecturas, probabilidades e vagas suposições, a fim de não se configurar transgressão ao preceito fundamental de liberdade física e nem do estado de inocência. Conforme já mencionado, a medida excepcional de prisão cautelar não é ilegal, decorrendo, inclusive, de regra constitucional, mas o decreto que a autoriza deve estar bem fundamentado, além de estar baseado em fatos concretos.

Ademais, já fora analisada a ausência de cautelaridade nesta forma de prisão. Não sendo a garantia da ordem pública uma razão de cautela propriamente dita, a mesma deve ser decretada somente quando houver fundamento de natureza realmente cautelar, que demonstre risco à efetividade do processo, sendo possível enquadrar nesse fundamento somente circunstâncias que exijam provimento da natureza cautelar, como, por exemplo, a necessidade de evitar que o investigado pratique novos crimes que violem a incolumidade física de outras pessoas, principalmente daquelas que podem colaborar para o processo ou para as investigações, tais como a própria vítima do delito ou as testemunhas.

Há quem vá mais longe, como, por exemplo, os autores Gabriel Bertin de Almeida e Borges da Rosa (apud ALMEIDA, 2003, p. 84), que defendem que a garantia da ordem pública (bem como a da ordem econômica) deve ser ignorada, apesar de prevista em lei, por ser causa acessória de toda prisão processual:

Em suma, o conceito de "ordem pública", cuja garantia é uma das hipóteses autorizadoras da prisão preventiva, prevista em lei, é, na verdade, um conceito vazio e ambíguo (assim como o de "ordem econômica), que deve ser ignorado, pois dá grande margem à insegurança jurídica, como pudemos observar. Borges da Rosa já assinalou que a "expressão ‘como garantia da ordem pública’, constante deste artigo (art. 312), não tem significado especial; é meramente explicativa e poderia muito bem ter sido omitida, visto como toda prisão decretada em processo penal se destina a assegurar a ordem pública (...)". Portanto, cabe a prisão preventiva somente para a conveniência da instrução criminal e para assegurar-se a aplicação da lei penal, casos em que, além do caráter estritamente instrumental, não há negação de princípios penais intransponíveis.

Afirmam estes autores que a prisão cautelar baseada na ordem pública poderia realmente ter sido omitida, pois constitui causa acessória de toda e qualquer prisão provisória. Do jeito que está concebida não tem qualquer característica cautelar, não assegura o resultado final do processo, constitui apenas medida de segurança, que visa simplesmente retirar do convívio social aquele que seria o suposto autor de um delito, seja para dar credibilidade à morosa Justiça brasileira, seja para acalmar a população, seja porque o crime foi brutal (ALMEIDA, 2003, p. 84).

Assim, pode-se concluir que a única hipótese de interpretação que não esbarra frontalmente nos preceitos fundamentais garantidos na CF é aquela que permite a prisão preventiva para garantia da ordem pública de réu que efetivamente comete novo crime, pois aí resta demonstrado o prejuízo que tal indivíduo traz à sociedade, pela posterior reiteração da conduta delituosa. Registre-se, contudo, que o magistrado deve analisar os aspectos relacionados à gravidade do delito, as circunstâncias, etc.

Convém ressaltar, ainda, que a custódia preventiva somente poderá ser decretada quando tiver caráter cautelar, devendo estar embasada em fatos concretos, bem como deverão ser feitas algumas ponderações no tocante aos interesses liberdade e punição, devendo ser observados os princípio da razoabilidade, do estado de inocência e do devido processo legal, quando da decretação da mesma.

Um acórdão do STF que bem sintetiza o espírito da correta interpretação acerca da prisão preventiva com garantia da ordem pública foi proferido no HC nº 79200, ao concluir que:

A falta da demonstração em concreto do periculum libertatis do acusado, nem a gravidade abstrata do crime imputado, ainda que qualificado de hediondo, nem a reprovabilidade do fato, nem o conseqüente clamor público constituem motivos idôneos à prisão preventiva: traduzem sim, mal disfarçada nostalgia da extinta prisão preventiva obrigatória. (STF, RHC nº 79200, 1º Turma, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 22/06/1999).

Ocorre que é impossível apresentar um conceito certo e determinado de garantia da ordem pública, mas há parâmetros que devem ser seguidos quando da interpretação desta cláusula aberta, como: averiguação de nexo entre o caso concreto e a real necessidade da medida, demonstração do periculum libertatis do agente e da cautelaridade da medida. Há também interpretações que devem ser excluídas porque são equivocadas e incompatíveis com a medida, quais sejam: a alegação de clamor social decorrente da prática do crime; o argumento de gravidade do delito; a tentativa de resguardar a credibilidade do Poder Judiciário frente à população, e, por último, a alegação de que o agente poderá cometer outros delitos no futuro. Além destes parâmetros, convém lembrar que o decreto deve estar bem fundamentado, sob pena de nulidade.

Assim, deve-se concluir, também, que a garantia da ordem pública somente se afigura como sustentáculo idôneo para a decretação da custódia preventiva se, além de respeitar os direitos e garantias individuais daquele que se encontra sujeita à medida constritiva, configurar-se proporcional e coerente com a cautelaridade que marca as prisões processuais.

Neste diapasão, convém demonstrar alguns dados estatísticos apresentados por Ruy Walmsley em um relatório sobre a situação prisional dos países que integram a Organização das Nações Unidas (ONU), na X Sessão da Comissão para a Prevenção do Crime e a Justiça Penal da ONU, em 10 de maio de 2001, neste relatório ele demonstrou como o encarceramento é cada vez mais crescente em todo o mundo, atestando a explosão carcerária na década de 90, mostrando também as desvantagens da pena privativa de liberdade. No âmbito dos países da América Latina, coube a Elias Carranza, que dirige o Instituto Latino-Americano da ONU para a Prevenção do Crime e Tratamento do Criminoso, fazer um relatório comparativo, comparando o resultado do relatório geral com os dos países latino-americanos, deste relatório extraiu-se que o Brasil é um dos países de maior taxa de crescimento penitenciário: de 1992 a 1999 esse crescimento foi de 70% (setenta por cento), de 1990 a 2002 o aumento foi de mais ou menos 160% (cento e sessenta por cento); que o Brasil apresenta um dos maiores índices de presos cautelares dos países investigados: cerca de 36% (trinta e seis por cento) do total; e, por último, a mais óbvia das estatísticas, a situação carcerária é de indescritível horror (BIANCHINI & GOMES, 2002, p. 154-155).

O elevado número de presos cautelares e seu contínuo incremento revelado nessa estatística não podem prosperar, tendo em vista que, como dito anteriormente, a prisão cautelar é medida excepcional e uma porcentagem de 36% (trinta e seis por cento) de presos preventivos é muito alta para uma medida de caráter excepcional.

Sendo assim, por ser considerada medida excepcional, a prisão preventiva não pode ser decretada de qualquer forma, sem fundamento adequado, apenas para levar à população um pretenso sentimento de que a Justiça está cumprindo seu dever. A decretação da prisão preventiva deve ocorrer para cumprir seu escopo legal, qual seja, acautelar o processo, a idéia de usar a prisão preventiva como meio de acautelar o meio social é equivocada. Infelizmente, é esse o papel que esse tipo de prisão vem assumindo nos dias atuais.

Apesar de imprecisa a expressão garantia da ordem pública, a decretação da prisão preventiva com base neste fundamento não padece de vício qualquer se for levado em consideração seu caráter cautelar e excepcional, mantendo-se restrita ao fundamento invocado e seus pressupostos legais, e, ainda, atenta ao princípio do devido processo legal, da presunção de inocência e da razoabilidade, exigindo-se, ainda, a correta fundamentação, baseada em fatos concretos e demonstrada a necessidade da medida excepcional. Sendo assim, estes são os fatores que devem ser levados em consideração para uma correta decretação de prisão preventiva.


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do presente trabalho conclui-se que o conceito de garantia da ordem pública deve ser interpretado de acordo com os princípios insertos na Constituição Federal, tais como o do estado de inocência, da razoabilidade e do devido processo legal, bem como deve manter estrita observância ao direito de liberdade do indivíduo que só deve ser relativizado diante de razões justificáveis que legitimem a constrição que recai sobre esse direito fundamental.

Além de conter necessariamente os pressupostos e fundamentos que a justifiquem, o decreto de prisão preventiva deve estar bem fundamentado em fatos concretos, arrimado em uma robusta base factual, além de dever estar demonstrado o caráter cautelar da medida.

As quatro principais interpretações feitas pelos Tribunais pátrios foram analisadas e a partir de um enfoque crítico e em sintonia com os postulados de um Sistema Penal Garantidor chegou-se às seguintes conclusões: O clamor social não autoriza a prisão preventiva por não se confundir com a ordem pública, havendo precedentes do STJ e STF que indicam ser correto este posicionamento, pois o abalo social é a conseqüência natural de qualquer crime. A gravidade do delito, por si só, também não enseja a custódia cautelar, haja vista que a gravidade é algo acessório ao crime, estando ínsito a qualquer tipo penal incriminador. Da mesma forma, o resguardo da credibilidade da Justiça não é capaz de ensejar a prisão preventiva para acautelar a ordem pública, tendo em vista que este posicionamento é manifestamente equivocado em manifesta deturpação do caráter instrumental da medida cautelar que exige sua "utilidade" para a efetividade do processo.

Por último, fora abordado o aspecto da periculosidade do réu como motivo autorizador da decretação de prisão preventiva como garantia da ordem pública e chegou-se à conclusão de que a única hipótese autorizativa consistia no cometimento de um novo delito pelo agente no curso do processo, haja vista que haveria supedâneo fático para a decretação da custódia e motivo suficiente para a ruptura da presunção de inocência, do contrário, não seria possível a decretação da sobredita custódia.

Diante da constatação de que a prisão provisória fundada na preservação da ordem pública não é vista por muitos como manifestamente ilegal ou ilegítima, defende-se, pelo menos, que em sendo a "garantia da ordem pública" uma cláusula aberta, de conteúdo significante abrangente, tal fundamento embasador de medida tão drástica – que é a privação da liberdade do indivíduo – deve ter seu alcance limitado através de técnica hermenêutica de interpretação restritiva.

Mas, o que ficou realçado nesse trabalho monográfico é que, em respeito aos requisitos e natureza das medidas cautelares, da qual a prisão preventiva é uma de suas modalidades, e sem descurar da observância dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo que sofre a persecução penal, a prisão preventiva deve estar devidamente fundamentada em fatos concretos, somente podendo ser decretada para acautelar o processo.


8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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NOTAS

  1. Para Celso Antônio Bandeira de Mello (2005, p. 55), os interesses primários correspondem "à dimensão pública dos interesses dos indivíduos enquanto partícipes da Sociedade (entificada juridicamente no Estado), nisto incluído o depósito intertemporal destes mesmos interesses(...)".
  2. Segundo CINTRA, DINAMARCO e GRINOVER (2004, p.22), a autotutela pode ser explicada da seguinte forma: "Nas fases primitivas da civilização dos povos inexistia um Estado suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade dos particulares (...) Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua pretensão"
  3. Art. 5º, XXXLX da CF: "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal".
  4. "Essas medidas assecuratórias têm a característica da instrumentalidade, pois destinam-se a evitar o prejuízo que adviria da demora na conclusão da ação penal (periculum in mora), garantindo, através da guarda judicial das coisas, o ressarcimento do prejuízo causado pelo delito". (MIRABETE, 2005, p. 236).
  5. "Caracteriza-se como inquisitivo o procedimento em que as atividades persecutórias concentram-se nas mãos de uma única autoridade". (CAPEZ, 2005, p. 73).
  6. No processo de conhecimento, o juiz julga com base no conhecimento total dos fatos, trata-se de um procedimento de cognição plena e exauriente, com vistas a solução definitiva com base num denominado juízo de certeza. (ALMEIDA, 2000, p. 01).
  7. No mesmo sentido: TOURINHO, 2001, p. 100 e MIRABETE, 2005, p. 106.
  8. Art. 5º, §1º da CF: "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata".
  9. Cláusulas pétreas são determinadas matérias que não podem ser abolidas do texto constitucional. (MACHADO, 2005, p. 32).
  10. Art. 60, §4º da CF: "Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV – os direitos e garantias fundamentais".

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luciana Leonardo Ribeiro. O alcance do conceito de ordem pública para fins de decretação de prisão preventiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1888, 1 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11669. Acesso em: 24 abr. 2024.