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O direito à educação no Estado cientificista.

Estado, sociedade, cidadania e o direito à autonomia

O direito à educação no Estado cientificista. Estado, sociedade, cidadania e o direito à autonomia

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Os clássicos ainda têm conhecimento a nos oferecer para melhor compreender os dias atuais?

Resumo: O artigo procura resgatar a importância (fundamental) e a presença (atualíssima) dos clássicos na definição e configuração do Direito à educação, como direito basilar à promoção da dignidade e da consciência humanas nos dias de hoje. Também poderia ser um material entregue a professores da rede pública, para que lessem e avaliassem sua utilização ou não em sala de aula: como os alunos da rede pública de ensino recepcionam os clássicos das Ciências Sociais? (este seria o papel dele, professor). Em síntese, traz como Premissa Inicial uma indagação igualmente clássica: os clássicos ainda têm conhecimento a nos oferecer a fim de melhor compreendermos (apreendermos) os dias atuais? Portanto, vejamos apenas que não se procurou fazer do um grande manual, de leitura facilitada, destrinchada como se diz popularmente, até porque não se destina(va) diretamente a alunos-leitores de primeira hora. Deveria, ao contrário, ser material de suporte ao professor em sala de aula e mesmo que seus alunos mais interessados pudessem/devessem ter acesso ilimitado aos textos. Esta é a perspectiva elementar, porém, os interlocutores são livres para realizarem leituras diversas, mais angulares, transversais, transfiguradas, pessoais ou até recuperando uma divisão clássica: tradicionais ou progressistas. É desse modo que espero, os leitores possam tecer seus próprios comentários.


Os clássicos na atualidade

O texto é um mosaico, uma coletânea de idéias e de ideais que convergem para o mesmo ponto: o chamado Estado Cientificista, como um conjunto complexo e contraditório, em que se operam a afirmação histórica do direito à educação e a negação do "direito à exclusão". No texto, procuraremos problematizar alguns aspectos referentes ao fundamental "direito à educação". A construção dos "argumentos" traz as referências e o aproveitamento dos clássicos das ciências, um apontamento crítico-redutivista ("educação como elevador social") que tanto serve ao pragmatismo da modernidade (Estado Cientificista), quanto ainda se arrisca a "sublinhar" aspectos da incorporação desse direito na sociedade e na cultura brasileira. Nosso principal intuito, neste sentido, é ressaltar a urgência de se relacionar virtuosamente o direito à transformação da realidade social, especialmente no que diz respeito à educação. Agradeço especialmente a Fátima Ferreira P. dos Santos, Mestra em Direito, pelo incentivo, leitura, revisão e sugestões extremamente valiosas.

Partes desse texto foram publicadas ou apresentadas em momentos ou em veículos distintos, observando-se interesses e públicos diversos. Por isso, reunidos nesse novo (con)texto, adquirem um caráter mais inovador e, ao mesmo tempo, integrador, porque aqui surge como crítica com sentido de proposição. (SONIA APARECIDA A. MARRACH)


HIPÓTESE CENTRAL

  • A educação é um direito público-subjetivo porque é parte integrante do processo socializador.

  • O que contabiliza a educação como instrumento de requisição do "direito a ter direitos".

  • Em vários aspectos e momentos, a educação enfrenta (deixando o molde) do econômico, do político, da cultura.


OBJETIVO ESPECÍFICO

Em primeiro lugar, retomamos os clássicos para escapar dos modismos. Em segundo lugar, porque podemos ver mais longe. Em terceiro lugar, porque, como diz Max Weber, podemos corrigir os erros. Além disso, em quarto lugar, seremos capazes de produzir leituras inovadoras e originais da realidade. Em quinto lugar, por definição, os clássicos são legitimamente virtuosos:

O virtuosismo legítimo que, entre os historiadores, Ramke possuía em tão elevado grau, costuma manifestar-se precisamente pelo poder de criar algo de novo através da referência de certos fatos conhecidos a determinados pontos de vista, igualmente conhecidos [...] A luz dos grandes problemas culturais deslocou-se para mais além. Então a Ciência prepara-se também para mudar o seu cenário e o seu aparelho conceitual, e fitar o fluxo do devir das alturas do pensamento. Ela segue a rota dos astros que inicialmente podem dar sentido e rumo ao seu trabalho {como o Fausto de Goethe}: "...desperta o novo impulso./ Lanço-me para sorver sua luz eterna./ Diante de mim o dia e atrás a noite./ Acima de mim o céu, abaixo as ondas"/ (Weber, 1989, p. 127. – grifos nossos).

Por um lado, isso ocorre porque precisamos buscar dados que as páginas marcadas dos livros igualmente conhecidos já não nos satisfazem (com isto ainda escapamos dos manuais). Por outro lado, porque os clássicos podem abrir novas portas e janelas.

No caso deste trabalho, essa nova onda da chamada ultramodernidade (Giddens) ou, como preferimos, modernidade tardia, exige este outro olhar, como sugerido por Newton e por Goethe.

Por isso, sempre se deve retornar aos clássicos e neles buscar a eterna fonte de inspiração para reviver a fase atual. Clássicos são aqueles autores e suas obras que deixaram marcar definitivas na civilização – que moldaram/transformaram não só sua cultura como sempre serão parte do porvir/devir.

Não são apenas as obras e/ou autores gregos e latinos, mas realmente as "obras fundamentais da cultura" – obras que por sua originalidade e pelos valores e práticas sociais que ajudaram a criar em seu curso, conservam extrema atualidade (daí seu traço de genialidade). Os clássicos guardam a legitimação de fundadores; têm uma dimensão política e de implementação política:

O ato de fundar é uma "teorização política" precisamente porque os princípios inferidos a partir do trabalho dos fundadores legitimam dimensões básicas da atividade intelectual. Nessa batalha retrospectiva, para que algumas idéias possam "vencer", obviamente, outras precisam ser derrotadas. Nesse contexto, a ação política significa uma luta mais ou menos constante entre forças diferentes em relação à constituição legítima de uma arena intelectual. A "política" da herança intelectual se torna obscura no mesmo grau em que se registram, com sucesso, reivindicações monopolizadoras: as pressuposições dominantes avalizam, então, idéias e procedimentos (Giddens, 1998, pp. 14-15).

Porém, mais especificamente no que concerne às Ciências Sociais, mais do que autores ou fundadores, há uma tendência de se verem os seus mentores "tornados clássicos":

Todas as disciplinas intelectuais têm fundadores, mas apenas as ciências sociais têm a tendência de reconhecer a existência de "clássicos" 01. Os clássicos, eu afirmaria, são fundadores que ainda falam para nós com uma voz que é considerada relevante. Eles não são apenas relíquias antiquadas, mas podem ser lidos e relidos com proveito, como fonte de reflexão sobre problemas e questões contemporâneas (Giddens, 1998, p. 15).

Sem dúvida nenhuma que os clássicos instituem "políticas de pensamento", porém, além de sua genialidade e vigor científico e intelectual, há que se notar que as forças dominantes de certa época, impõem a referência a ser seguida pelos demais – esse é o monopólio da legitimação da política de pensamento 02.

O clássico, via de regra, também é um "guerrilheiro do pensamento" em sua época, porque luta contra o estabelecido, contra o pré-conceito e o conhecimento limitado do momento – o que certamente também nos atinge em nosso cotidiano. Este salto no conhecimento acumulado, muitas vezes, pode sinalizar mais claramente uma revolução do status quo do conhecimento. Como vemos no caso do marxismo:

Sem dúvida, estavam acumulados os elementos essenciais para um salto na história do conhecimento social. Contudo, como enfatiza justamente Joseph Fontana, o materialismo histórico de Marx e Engels não é soma ou síntese de elementos anteriores. Não surgiu, sem dúvida, no vazio cultural, porém trouxe uma visão profundamente nova do desenvolvimento da sociedade humana e um projeto de lutas sociais com vistas à transformação radical da sociedade existente. O que conta não é tão-somente identificar a procedência dos ladrilhos, mas ressaltar o autor do plano do edifício (Gorender, 2002, XVII-XVIII – grifos nossos).

Assim, ressaltar o autor do plano do edifício é procurar não só pela arquitetura e por sua estrutura, mas também pelo autor e por seu esforço de construção, por seu projeto (modificado ou não) e, enfim, pela teleologia que o cerca.

Engels já chamara a atenção para as dificuldades que ele e Marx enfrentaram para definir o materialismo histórico e dialético, apontando para o único método viável: "Há, como Engels chamou a atenção de Bloch, um meio satisfatório de evitar tais dificuldades: "estudar profundamente a teoria em suas fontes originais e não em fontes de segunda-mão" (Hobsbawm, 1991, p. 21. – grifos nossos).

Neste sentido, antes de conclamar aos princípios da previsibilidade, objetividade, neutralidade, é preciso inventariar o que podem dizer/desvelar ao mundo social, que se abre ou se acentua nos séculos XX e XXI. Em sentido complementar, já no curso do século XIX, a globalização acirrou conflitos, contradições e entropias que nos acompanham desde as origens da sociedade capitalista, mas que hoje se agravam e ameaçam conter até mesmo as forças expansivas do capital, como as forças democráticas que impuseram tanto a Revolução Americana (1776), quanto a Revolução Francesa (1789).

Os clássicos são uma porta aberta para o futuro, pois sua visão profunda, radical, realista ou utópica, revela-se singular, angular na relação espaço-temporal, personalíssima dentro de seu contexto. Esta riqueza mostra-se transversal quanto às sociedades avaliadas, porque a posição clássica se torna uma obra especializada em determinada área do saber em que se propunham debater, mas amplamente refinadas na abrangência da cultura geral e na dedicação à intelectualidade: Marx e a economia política e a matemática; Freud, na filosofia, na mitologia e na psicologia; Einstein, na física, na cultura e na análise de conjuntura; Shakespeare, na literatura e nas humanidades ou "entendimento humano"; Rousseau e sua democracia radical e socialista; sem contar a genialidade dos gregos clássicos, da medicina à matemática, da filosofia à política.

A visão clássica é projetiva porque nunca tergiversou com a realidade: seus prognósticos são longevos, contundentes, no melhor sentido da análise do "clínico geral", isto é, como análise holística, de quem procura encontrar no mundo a sua própria casa. Todo clássico tem o holos como referência porque quer saber de tudo um pouco, sabendo muito de algo em especial e, por isso, o clássico tem os olhos abertos para o futuro.

O clássico é altamente especializado, mas o que impede sua miopia é esta disposição para ver (sem medo) de uma posição privilegiada, mas não do alto em postura insípida, inodora arrogante, superior. O clássico ultrapassa seu tempo porque está aberto e sensível à visão longitudinal e latitudinal da realidade. O clássico reinventa os significados, os sentidos e as conclusões muito alusivas, lendárias ou até óbvias, em algo surpreendentemente inovador, transformador, quase fantástico.

Vejamos uma interpretação da obra criadora de Goethe, com o Fausto: "Esta talvez seja uma das melhores definições de clássico: a capacidade de se apropriar de uma narrativa transmitida com sutis variações de geração em geração, dando-lhe nova fisionomia, pessoal e intensa a ponto de negar ou reescrever o enredo tradicional" (Pinto, 2006, 05 – grifos nossos).

Por isso, é preciso pensar nos clássicos como um esforço conjunto, um trabalho de engenho social, e não apenas como reflexo das expressões ou dos fatos sociais evidentes (Durkheim), suscetíveis à dominação legítima (Weber) ou não, ou ao uso dócil, à manipulação do espaço público pelas forças econômicas (Marx, no Manifesto). Ou como disse de forma célebre e objetiva Isaac Newton: "Se vi mais longe, Foi porque estava sobre os ombros de gigantes".


O cassaco de engenho

É o amarelo tipo:

— É amarelo de corpo

e de estado de espírito.

— De onde a calma que às vezes

parece sabedoria:

— Mas não é calma, nada,

é o nada, é calmaria

(João Cabral de Melo Neto - Morte e vida Severina).


Indagações Iniciais Para Conversar

Ainda há o que se possa acrescentar ao extenso e complexo debate em torno do direito à educação? A Sociologia pode trazer algo de novo e estimulante ao debate, além da questão que confronta reprodução/dinamismo social?

Por que se deve insistir no ensino da Sociologia da Educação, especialmente em "tempos de tantas e tamanhas transformações", por que ensinar-se e ainda debater "com/pelos" clássicos das Humanidades?

Se há tantos setores da sociedade brasileira interessados em discutir os "rumos da educação" — e se são assim tão diferentes entre si (na política, ideologicamente, nos anseios e valores) quanto a própria miscigenação e diversidade cultural poderiam permitir — por que a educação e a escola vão tão mal no Brasil?

Se, pelo menos nos últimos 15 ou 20 anos, governos "disseram/asseguraram" que fizeram investimentos volumosos, maciços na "estrutura", na "recomposição/valorização do quando do magistério", se tantos métodos "inovadores/democratizantes" foram postos à disposição, por que a "avaliação do ensino brasileiro" é um dos piores do mundo? Por que o ensino de Filosofia, Sociologia e Humanidades tem tantas dificuldades de emplacar no ensino de forma geral?

Isto, porém, não se restringe apenas ao ensino público como se poderia pensar, naturalmente, pois, com raras exceções, o ensino privado não produz "conhecimento" (limitando-se a apostilas e "métodos replicantes 03"), "não agrega valor científico" — sequer debate-se a própria "questão da educação brasileira" — e as condições de trabalho são de precarização.

Em relação ao "desempenho escolar", nossos problemas seriam mais de ordem teórica ou prática? Se for de ordem prática, típicos de uma orientação mais técnica (ou tecnicista), será realmente eficaz para nós brasileiros, um ensino de tipo "pronta-entrega"? O modelo american way of life (o professor que não publica perece: há até um ditado publish or perish) é o modelo imposto, mas interessa ao Brasil?

De que forma a Universidade, especialmente a pública, com suas graduações diferenciadas, grupos de trabalho e de pesquisa (poucas particulares se detém a isso com seriedade), programas de pós-graduação com conceitos elevados e já sedimentados, pode aprimorar suas contribuições e aprofundar as mudanças necessárias e urgentes?

Nestes casos, parece-nos que se aplica bem o binômio ação/estrutura, tão caro à sociologia, porque há certamente iniciativas interessantes (de escolas públicas e privadas) em educação, ainda que a estrutura (social, política e econômica) não acompanhe na mesma proporção.

Exemplo direto disto é o da escola Aprendizado Marista Padre Lancísio, zona rural de Silvânia, cidade de 20 mil habitantes. A escola recebeu o prêmio Referência em Gestão Econômica 2007, do Conselho de Secretários de Educação (Consed). Há algumas medidas que se destacam:

  • a) Ambiente: todos os espaços disponíveis da fazenda foram transformados em salas de aula.

  • b) Administrativa: há reuniões "setoriais", semanalmente, para avaliar o que foi bem ou não, em áreas como limpeza, pedagogia e ambiente.

  • c) Recursos humanos: os professores são estimulados e recebem melhores salários (quase não há faltas).

  • d) Pedagógica: os alunos não são agrupados por séries, mas sim de acordo com suas necessidades e/ou dificuldades.

  • e) "Visão de Mundo" — há utopia no trabalho: "Ver alunos que só sonhavam em colher tomate, ser bóia-fria ou catar lixo agora com outros objetivos é o que faz valer a pena" (Lobo, 04/12/2007- grifos nossos).

Como pensamos na possibilidade de acrescentar algo de propositivo ao debate, indicamos alguns pontos em que a educação e o direito se relacionam. Esta relação se dá em dois pólos: a) como processo em que se insere a luta trabalhista por autonomia e reconhecimento; b) na articulação com o capital, a fim de substanciar o chamado Estado Cientificista. Com este objetivo, veremos algumas contribuições de dois clássicos da sociologia: Durkheim e de Weber. Para efeito didático, dividiremos o texto em nove partes: 1) A Cidadania Ativa Clássica; 2) Uma contribuição para a sociologia; 3) Durkheim; 4) Weber; 5) Educação após Auschwitz; 6); Educação e mídias modernas; 7) O que fazer?; 8) Modernidade Tardia: uma grave e avançada crise de civilização; 9) Educação, direitos e sociedade no Brasil moderno.

A primeira parte aborda, genericamente, a cidadania ativa, da Grécia clássica ao Estado Legal, que se seguiu à Revolução Francesa (passando pelo Estado Livre, de Hobbes). A segunda parte traz uma consideração geral de outros autores e uma crítica à perspectiva de que o direito à educação serve apenas à reprodução social e, assim, podem ser lidas como alternativas ao Estado Cientificista. A terceira e a quarta são, respectivamente, focadas em dois clássicos da sociologia e alguns de seus aportes sobre educação e direito, no que mais puderam contribuir para entender o sentido dado aqui ao Estado Cientificista.

Já a quinta e a sexta partes podem/devem ser tomadas como críticas e projetos ou propostas de superação desse modelo de política, por um entendimento de educação que não seja nem mecanicista, nem maniqueísta ou maquínico, portanto, distante do simplismo da reprodução de conhecimento a serviço do Estado Cientificista.

Na sétima parte temos uma abordagem mais centrada no direito e na educação para a democracia e República, talvez até como proposição para uma base do "ensino jurídico" não dogmático e mais social. Na oitava parte, procuraremos lançar algumas interrogações sobre determinadas inclinações histórico-culturais que fazem parte da formação do Brasil. Porém, inicialmente, fixemos dois conceitos fundamentais ao entendimento do trabalho: Estado Cientificista; Estado de Direito.

Vejamos uma síntese do que se entende por Estado Cientificista:

Em suma, os tecnodirigentes estão de acordo no essencial. A política politiqueira e a administração executiva estão mortas. Viva o político e a gestão! As opções partidárias cedem lugar à resolução dos problemas. São afastados revolucionários e conservadores, deixando caminho livre para os animadores da mudança social. O Estado-cientificista será dirigido por negócios e técnicos (Pisier, 2004, p. 493. – grifos nossos).

Também podemos definir o Estado Cientificista, como o Estado de Direito que se utiliza de todos os seus "esforços e dotes formais" (Dogmática Jurídica), além da "manipulação teórico-ideológica" (no caso, direito e educação) a serviço do "inventivo" sistema de produção: o que ainda inclui somar ciência e tecnologia.

Em suma, uma definição basicamente moderna e formal do próprio Estado de Direito, com a conveniência de uma suposta "neutralidade axial" do termo jurídico. Além disso, ainda pode lhe conferir maior cientificidade às decisões políticas, à segurança jurídica e à ampliação científica da Razão de Estado. Para visualizar esta alegação, basta-nos uma definição "técnica" do Estado de Direito.

Seria preciso, então, buscarmos por uma definição em que o direito à educação não fosse mero penduricalho do Estado de Direito, mas sim uma possibilidade de ação e de luta, uma vita activa que inclusive redefiniria direito e poder (Arendt, 1992-1994), aberta ao diálogo com os muitos sujeitos da história. De modo pragmático, se é que se pode dizer isto, neste contexto, seria uma ação/reivindicação pela consumação dos demais direitos público-subjetivos ou do "conjunto dos direitos humanos". Isto é, o direito à educação se converteria de "direito público-subjetivo" para se firmar como instrumento de ação política de si e dos demais direitos.

Com isto, a educação passaria a ser vista como processo integrador, inclusive, quanto aos direitos fundamentais ou direitos humanos, de forma geral: "Os processos educativos são a máxima evidência da inter-relação entre os direitos humanos. Por essa razão, o direito à educação é uma garantia individual e um direito social cuja expressão máxima é a pessoa e o exercício da sua cidadania" (Muñoz, 03/02/2008).

Antes, porém, de avançarmos as questões teóricas decorrentes, é necessário uma crítica de fundo, quando à realidade social em que se amparam tanto a ciência e a tecnologia quanto a política e a participação nos problemas globais de segurança ou de organização social, políticas públicas e/ou reconhecimento de direitos, sujeitos, demandas e interesses legítimos. Como vemos num dos grandes intérpretes do século XX-XXI:

[...] Rosa Luxemburgo expressou "socialismo ou barbárie". [...] Mas a escala de tempo em que o sistema de capital continuaria a se afirmar na forma de "destruição produtiva" e de "produção destrutiva" ainda era indeterminada durante a vida de Rosa Luxemburgo [...] A verdade desagradável hoje é que se não houver futuro para um movimento radical de massa, como querem eles, também não haverá futuro para a própria humanidade [...] A terceira fase, potencialmente a mais mortal, do imperialismo hegemônico global, que corresponde à profunda crise estrutural do sistema do capital no plano militar e político, não nos deixa espaço para tranqüilidade ou certeza (Mészáros, 2003, pp. 107-109).

A crise de hoje, que investimentos estatais com aportes de capitais não conseguem debelar, tem relação com o passado? De que forma os neoliberais convictos responderiam às propostas de países europeus à idéia da nacionalização e estatização de bancos em processo de falência?

Ressuscitar a proposta neoliberal sessenta anos depois só pode ser visto como revolucionário apenas no sentido astronômico da palavra, na medida em que significa uma volta completa de 360 graus aos velhos usos. Tudo muito de acordo com a visão cada vez menos aceitável – e o desafio ecológico aí está para comprová-lo – de que os valores econômicos são os fundamentais da sociedade, aos quais se devem subordinar quaisquer outros, cultural ou religioso, um ponto no qual convergem o neoliberalismo e o economicismo marxista, adversários figadais em tantas outras questões (Batista, 1994, p. 14-15).

Para os liberais conservadores, os tempos históricos não são determinantes, quiçá relevantes, pois as regras econômicas – seus métodos quantitativos – é que predominam na ordem econômica e na regulação social. Mas será que tanto faz, dos anos 40 até 2009? O ex-presidente do Banco Central Americano se desculpou por ter errado tão drasticamente e ao não prever, para controlar a crise e seus em efeitos em 2008:

M. Friedman. Quanto às políticas econômicas, elas são objeto de uma crítica radical. Quando previsíveis, elas são imediatamente neutralizadas. Quando imprevistas, elas suscitam desequilíbrios que não podem durar. Desse modo, o velho "laissez-faire" encontra uma sofisticada justificação moderna [...] Para um monetarista como M. Friedman, o mecanismo é sempre o mesmo (excesso de oferta e de moeda, alta dos preços, flutuações temporárias em relação ao equilíbrio de longo prazo), só a ocasião histórica é que varia [...] agentes econômicos "normais". Estes, por definição, têm um comportamento econômico racional: "o interesse privado é o mais hábil dos mestres". Ele não pode ser fonte de desequilíbrio (Brunhoff, 1991, pp. 40-41).

O tema seria abordado a partir de um ethos (cultura, eticidades, etnias); telos (artefato, constructo, teleologia); comus (sentido de pertencimento, enraizamento, agrupamento, nacionalismos).

Neste caso, pensando em termos nacionais, não haveria mais cordialidade, em nenhum dos dois sentidos:

  • A Cultura não absorve contradições: barbárie.

  • A Máscara Social ruiu: cinismo

O que teria ruído nesta crise de civilização seriam, exatamente, os valores mais tradicionais e caros aos clássicos da política como arte da vida pública. Um conceito de política que interessa a todos, à democracia, é formada por um conjunto complexo que retoma a tradição grega e a combina com alguns traços do Iluminismo (século XVIII), num rol de características formado por: 1) intersubjetividade; 2) interatividade; 3) convivialidade; 4) urbanidade; 5) civilidade; 6) coletividade; 7) sociabilidade; 8) "isonomia"; 9) "isegoria"; 10) publicidade.

Mas as instituições criadas pelo homo sociologicus não são perfectíveis?

O futuro está nas massas, desde que os sitiados sejam ouvidos. Mas poder que dá/dará voz aos sitiados?

No próximo item veremos análises críticas que, de algum modo, estão relacionadas ao direito à educação, ora como crítica à reprodução de valores dominantes, ora como exponencial de autonomia frente aos desígnios do capital do Estado Cientificista. Historicamente, não há como pensar a sociologia desprendida do desenvolvimento do capital burguês e se ainda quisermos, contraditoriamente, não tem como ver a educação longe da luta trabalhista, principalmente após a Revolução Francesa. Sob este "prisma" da história, a sociologia da educação sempre foi palco da luta pelo reconhecimento do direito, substancialmente do próprio direito à educação. Vejamos um breve histórico:

Elementos formadores desta "visão de mundo"

1. SUBJETIVOS
  • Teoria: Educação e Cidadania é um tema que supõe uma educação para a ação política. Portanto, provida de valores e de interesses difusos e controversos (contraditórios – como na "luta de classes").

  • Retórica: "Ao homem bom, basta a consciência" – Holmes Jr.

2. OBJETIVOS

Meios práticos ou INSTRUMENTAIS (no bom sentido) que surtam efeitos concretos:

  • Educação: agir para reproduzir e conservar ou "radicalizar" e modificar?

  • Política: cursos de formação política – ex: Escola de Governo (USP) ou cursos regulares, como: Bacharelado em Políticas Públicas.

Há uma tremenda crise econômica, em 2008, comparável a de 29/30, ao mesmo tempo em que um negro tomou posse na Casa Branca, em 20 de Janeiro de 2009. Não estamos em xeque-mate, mas num jogo de esgrimas, ou será que enfrentamos uma gravíssima e avançada crise de civilização? Voltaremos a este ponto no penúltimo bloco de análises e comentários.


1ª PARTE

Chama-se de clássico um livro que se configura como equivalente do universo, à semelhança dos antigos talismãs

Ítalo Calvino

As Cidades-Estados surgiram com as sociedades da Mesopotâmia e os fenícios 04 também já se haviam organizado politicamente dessa forma, bem antes de se falar em Cidade-Estado como uma criação grega. Para alguns historiadores a tradução da palavra pólis (do grego) como significado de Cidade-Estado não estaria literalmente correta, porque a Pólis comum, na verdade, não se parecia muito com uma cidade e aparentava ser muito mais do que um Estado 05.

O Estado, na Grécia, surgiu no final da Época Homérica e início da Época Arcaica. Com a desintegração da comunidade primitiva, o surgimento da diferenciação de classes na sociedade, e a concentração do poder político nas mãos dos aristocratas de nascimento, as comunidades (que estavam ligadas pelo parentesco) passaram a se unir sob o principio da territorialidade ou da vizinhança e pouco a pouco foram formando a cidade (Pólis), com um governo próprio, em um processo denominado de sinecismo ou agrupamento.

O que determinou a formação das Pólis gregas foi o desenvolvimento do comércio, onde ocorriam as trocas e o artesanato se desenvolvia com rapidez. A Pólis tornou-se, assim, o centro da exploração do trabalho escravo e dos camponeses pobres. A sociedade grega transformou-se em uma sociedade escravocrata, que se compunha de duas classes antagônicas: os grandes proprietários de terra e de escravos e os escravos 06, que não possuíam direito algum. E entre essas duas classes encontravam-se os pequenos proprietários (no campo) e os artesãos livres, os comerciantes e os armadores. Sucintamente, são características da cidade grega antiga:

  • A Acrópole – colina onde se encontrava a residência do Rei (Basileus) e o templo da divindade local; servia para proteger a cidade e também era utilizada como lugar de reunião do Conselho;

  • Ágora – ou praça do mercado, era o centro da vida comum dos habitantes. Ali eram realizadas reuniões públicas e as transações comerciais;

  • O Porto – situado no litoral, onde se fazia importação e exportação de mercadoria;

  • Havia teatro, ginásio de esportes e uma fonte que servia para abastecer o reservatório de água da cidade.

As cidades gregas eram em geral pequenas e propiciaram o melhoramento da vida, sobretudo das classes dominantes, enquanto que para os camponeses pobres e para os pequenos proprietários a vida era de muita dificuldade. As mulheres – de todas as classes sociais – e os escravos não eram considerados cidadãos da pólis, ocupando, portanto, uma posição de inferioridade na sociedade. Resta dizer que com o surgimento da pólis, consolidou-se a divisão da sociedade em camadas sociais opostas ou antagônicas e, conseqüentemente, caracterizou-se a injustiça social.

A Política Grega

Muitas são as obras de referência para se compreender em profundidade a cultura e a civilização grega. Porém, de modo sintético (Miranda, 2000, pp. 52-53), assinalemos algumas características mais permanentes, como:

  • Prevalência do fator pessoal.

  • Fundamento da comunidade dos cidadãos.

  • A extensão territorial tinha apenas relativa importância: Cidades-Estados, de caráter local, municipal ou cantonal.

  • Inexistência de liberdade fora do Estado.

  • Praticamente não há vida pública ou autonomia fora do Estado.

  • Diversidade de formas de governo: autonomia e autarquia 07 .

Outro aspecto marcante da configuração da política na Grécia clássica é a diferença que se pode estabelecer entre a chamada liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos. Nós praticamente não conhecemos a liberdade fora de casa, a política já não se faz mais nas ruas, a não ser em ocasiões especiais, como passeatas ou carreatas. Em compensação, os direitos individuais, como a individualidade e a privacidade, são direitos consagrados pelo liberalismo e sagrados nos dias atuais 08.

Já a famosa liberdade dos antigos, a começar da Grécia, só tinha ou fazia sentido se exercida no espaço público, pois não havia vida fora da política e do Estado: incluindo a escolha da religião. O cidadão, todo e qualquer cidadão, era escravo do Estado, pois a vontade do Estado - como expressão das deliberações tomadas em conjunto, com a participação plena dos que eram reconhecidos como cidadãos -, acabaria se tornando a vontade de todos, fazendo parte da vida de cada um.

É preciso lembrar que o cidadão na Grécia era homem livre, adulto, ilustrado (educado) e rico (proprietário de grandes áreas rurais). Estavam fora desse seleto grupo, os homens jovens, os homens livres mas pobres, as mulheres, os escravos e os estrangeiros (metecos): o sistema econômico, portanto, estava baseado na escravidão. Como resultado de toda essa exclusão, restavam não muito mais do que sete por cento (07%) da população apta a exercitar-se na nobre arte da política. Portanto, se a democracia era o governo do povo 09, é preciso entender claramente que povo aqui não passava de um grupo social e econômico muito reduzido. Povo era um conjunto economicamente relevante, importante, mas socialmente diminuto, reduzido - representava a menor parte da sociedade grega. Se olharmos retrospectivamente para a sociedade grega, com os olhos críticos de hoje, diremos que os gregos não viviam a democracia, mas sim uma aristocracia.

A idéia de democracia como envolvimento e participação, no entanto, era fundamental e sempre acabava confirmada pelos rituais do mundo político. Uma passagem representativa disso é o discurso em homenagem aos mortos na Guerra do Peloponeso, e o grande personagem do evento, como orador, foi Péricles 10. A relação que Péricles iria destacar em seu discurso estava entre o sacrifício pessoal e a cidadania democrática (participativa e desprovida):

Se consultarmos a lei, veremos que ela garante justiça igual para todos em suas diferenças particulares; quanto à condição social, o avanço da vida pública depende da reputação de capacidade. As questões de classe não têm permissão de interferir no mérito, tampouco a pobreza constitui um empecilho: se um homem está apto a servir ao Estado, não será tolhido pela obscuridade da sua condição [...] Diferentemente de qualquer outra comunidade, nós, atenienses, consideramos aquele que não participa de seus deveres cívicos não como desprovido de ambição, mas sim como inútil. Ainda que não possamos dar origem à política, em todo caso podemos julgá-la; e em vez de considerarmos a discussão como uma pedra no caminho da ação, a consideramos como uma preliminar indispensável de qualquer ação sábia [...] Pois quanto maiores as recompensas do mérito, melhores serão os cidadãos (Cartledge, 2002, pp. 228-9).

Vejamos uma síntese desse modelo de cidadania: Mesmo sendo uma democracia direta, com consultas e deliberações populares em praça pública (a Ágora), o pré-requisito era ser homem livre e abastado. Os idiotes, todos aqueles que não se encaixavam no modelo elitista e exclusivista, não teriam a mínima chance de chegar à fase adulta da vida. O ídion, que é a construção desse homem adulto e apto para a política, só se efetivaria com a plenitude da participação política. De qualquer modo, de lá para cá, a democracia veio se fortalecendo como governo de responsabilidade social e maturidade política.

Estado Livre: o Estado de Direito Pós-romano

Por Estado Livre, inicialmente, vamos entender o que (a exemplo de Hobbes) se definia como um Estado de liberdade neo-romana (ou o que, como produtos da modernidade, podemos olhar retrospectivamente e definir como pré-liberal). Não está errado dizer que, quando se pensa em liberdade, logo vem à mente o liberalismo clássico e com ele, John Locke. Mas, Hobbes é, neste sentido, um "liberal antes de seu tempo" — portanto, veja-se que a expressão "Estado Livre", usada por Hobbes, não é nova:

Mas o momento culminante na emergência de uma teoria integral republicana de liberdade e governo na Inglaterra surgiu em 1656. Após dois anos desastrosos de experiência constitucional, Oliver Cromwell resolveu, em maio, convocar um novo parlamento. A oportunidade para denunciar o protetorado e pleitear um acordo autenticamente republicano foi imediatamente aproveitada por Marchamont Nedham, que revisou suas editorias anteriores e republicou-os como The Excellency of a Free State (A Excelência de um Estado Livre) em junho de 1656 (Skinner, 1999, p. 25).

Contudo, o Estado Livre deveria instituir outros direitos frente ao Estado, a exemplo do princípio da "liberdade negativa", qual seja: "pode-se fazer tudo, desde que não seja proibido por lei". Como mostra Skinner:

Ao mesmo tempo, alcançava proeminência uma concepção associada sobre a relação entre o poder do Estado e a liberdade de seus súditos. Ser livre como um membro de uma associação civil, alegava-se, é simplesmente estar desimpedido de exercer suas capacidades na busca de seus fins desejados. Um dos deveres básicos do Estado é impedir que você invada os direitos de ação de seus concidadãos, um dever que ele cumpre pela imposição da força coercitiva da lei sobre todos igualmente. Mas, onde a lei termina, a liberdade principia (Skinner, 1999, p. 18).

De certo modo, esses são os primeiros direitos liberais do Estado, mas ainda não são todavia direitos fundamentais, como logo a seguir viriam a se tornar os chamados direitos civis ou individuais (fundando a Primeira Geração dos Direitos Humanos). Vê-se que se trata da liberdade negativa, pois a liberdade limitada pela lei seria o freio da ação. No fundo, um processo que Hobbes ainda analisaria:

De acordo com isto a autonomia de um homem consiste em nada mais do que no fato de que seu corpo não seja impedido de agir de acordo com seus poderes. "Um HOMEM LIVRE é aquele que, naquelas coisas, que por sua força e sagacidade ele é capaz de fazer, não é impedido de fazer o que ele tem vontade" 11 [...] Se a ação não está ao alcance de seus poderes, sua carência não é da liberdade, mas da capacidade de agir (Skinner, 1999, p. 19).

Note-se que liberdade e capacidade de agir são estágios diferentes da ação humana. O não-impedimento do indivíduo no gozo do "seu direito de agir" (mais tarde - com o Bill of Rigths, em 1689) seria regulado positivamente 12 pelo próprio direito de liberdade (de ir, vir e permanecer) e negativamente 13 pelo Habeas Corpus: este como remédio jurídico, como "garantia legal do direito de liberdade física".

Outros poderão indagar que o Princípio da Liberdade como fonte reguladora do Estado, como limitação da ação soberana do Príncipe, remonta ao Rei João Sem Terra e sua Magna Carta, de 1215. Então, como se enquadra a Magna Carta neste contexto?

Devemos lembrar que a experiência da Magna Carta se reduziu à Inglaterra e como experiência histórica demandaria outros quatro séculos para ressurgir (a partir da Revolução de Oliver Cromwell). No entanto, é claro que não era uníssono o Estado Absoluto, como meio de poder e de coerção inquestionável e independente da lei:

Mais do que isso, porém, a Magna Carta deixa implícito pela primeira vez, na história política medieval, que o rei acha-se naturalmente vinculado pelas próprias leis que edita. Quinhentos anos antes, Santo Isidoro (560-636), bispo de Sevilha, já havia defendido a idéia de que o príncipe devia submeter-se às leis que ele próprio promulgara, pois "só quando também ele respeita as leis, pode-se esperar que elas sejam obedecidas por todos" (Sententiae III, 51.4) (Comparato, 2001. p. 75. – grifos nossos).

Como acabamos de ver, a Magna Carta foi um antecedente histórico do Estado Liberal e do próprio Estado Livre. É bem razoável que busquemos aí um primeiro "Estado de Direito", pois, se falamos da lei que deveria regular aos súditos, mas também ao rei, é porque "está em destaque o princípio da legalidade", ao menos em sua base e origem. Não se falava, obviamente, em princípio da reserva legal, porém essa igualdade diante da lei e do poder é em si uma conquista jurídica.

A diferença em relação ao Estado Liberal, é que ali os "princípios legais da liberdade" já se vinham construindo dentro do espírito absolutista que iria formar-se com/no Estado Moderno. Mais do que isso, no pretenso Estado Medieval (portanto, antes do Estado Liberal) já se acenava com o princípio da legalidade e sua relação com as bases da liberdade individual. O princípio da legalidade pode ser assim resumido:

Nos teóricos clássicos alemães e italianos do Direito Público as noções de Rechtsstaat ou de Stato di diritto, assim como em parte para a doutrina inglesa a de Rule of law ou para a francesa as de Règne de la loi ou Sèparation des pouvoirs, são consideradas como um modelo teórico que pretende refletir ou explicar, no plano da Dogmática Jurídica, os processos formais através dos quais discorre a dinâmica estatal (Luño, 2003, p. 238. – grifos nossos).

Entre direito e democracia, porque o sistema de direitos (a) institui os cidadãos simultaneamente como autores e destinatários da ordem jurídica e (b) significa a institucionalização das condições gerais necessárias para o desenvolvimento de processos democráticos no direito e na política. Se os cidadãos não são somente destinatários mas autores das leis, então o Estado de direito pode ser representado como o conjunto de instituições legais e mecanismos que governam a conversão do poder comunicativo dos cidadãos em atividade administrativa legítima, sendo o direito a linguagem que pode transformar o poder comunicativo em poder administrativo. Para que a participação dos cidadãos na construção da ordem jurídica faça a diferença, as condições de comunicação permitindo testar a legitimidade das normas de direito por parte de organizações da sociedade civil e da opinião pública não devem ser distorcidas nem manipuladas. (Schumacher, 2003)

Em suma, o Estado Livre se destaca pela primeira conquista rumo à igualdade jurídica e, no Estado Liberal, está em foco a busca pela liberdade, como proteção do indivíduo frente ao Estado (aquele mesmo Estado descrito por Hobbes como supremo e inquestionável em sua soberania). Assim, também podemos concluir que o Estado Livre é um tipo de Estado de Direito Primário em que a conquista política se transformou em lei de alcance "mais" geral. O que serve ao súdito, doravante também se aplica ao rei.

O que nos aclara o sentido de que a liberdade e a igualdade são construções históricas renováveis e inesgotáveis, uma vez que a cada fase ou bloco da história uma outra concepção pode se tornar homogênea. Este também é o caso verificado ao longo do breve curso do chamado Estado Legal, na França pós 1789, mas agora em defesa da igualdade de direitos, da justiça material.

A Revolução Francesa e o Estado Legal

O Estado Legal é a estrutura político-jurídica construída logo após à Revolução Francesa — é exemplo de uma dessas fases de inversão, subversão do Direito. Isto é, o mesmo Direito que outrora tinha sido criado para o estrito cumprimento do exercício legal (simples e direto) da dominação de uma classe social sobre outras, agora permite ou deixa em aberto a possibilidade de os oprimidos utilizarem-se daquele mesmo Direito para a sua libertação:

O Estado Legal, já mencionado como antecessor do Estado Constitucional e do Estado de Direito, fora concebido como ordem jurídica hierárquica. No vértice da pirâmide hierárquica situava-se a Déclaration de 26 de agosto de 1789 consagrando os "droits naturels et sacrés de l’homme". Esta Déclaration era, simultaneamente, uma "supraconstituição" e uma "pré-constituição": supra-constituição porque estabelecia uma disciplina vinculativa para a própria constituição (1791); pré-constituição porque, cronologicamente, precedeu mesmo a primeira lei superior. A constituição situa-se num plano imediatamente inferior à Declaração. A lei ocupa o terceiro lugar na pirâmide hierárquica e, na base, situam-se os atos do executivo de aplicação das leis (Canotilho, s/d, p. 95. – grifos nossos).

Historicamente, de um modo ou de outro, os oprimidos sempre procuraram avariar os impeditivos factuais à transformação do Estado e da sociedade. A afirmação de novos ideais dar-se-ia pela massificação das informações, passando pelo canal e "filtro" da escola pública. E não fosse pela resistência e insistência dos adversários dos vários Estados absolutos, nada teria saído do lugar durante esse tempo todo. Não fosse pela pressão dos que de alguma forma sempre acabavam oprimidos, e o direito do opressor jamais se teria alterado substancialmente, a ponto de agasalhar os direitos e os interesses deles que antes eram simplesmente oprimidos e relegados a um quinto plano da cidadania. Por outro lado, o Estado Legal se mostrava um autêntico herdeiro do processo revolucionário de 1789 e o Estado de Direito (liberal, formal) viria a interromper esse fluxo histórico de reivindicação e de participação popular 14:

A teoria do "Estado de Direito" [...] foi construída em grande parte contra a de "Estado Legal", o Estado do império da lei herdado da Revolução Francesa, que dava preponderância ao Parlamento e aos eleitos pelo sufrágio universal no sistema político e de elaboração de normas. A partir do começo do século XX a doutrina desejou submeter a lei ao Direito e confiar o Estado de Direito ao controle pelo Judiciário, para evitar os "desbordamentos" dos Legislativos e dos eleitores. Isso porque se confiava mais no juiz do que na norma escrita e no cidadão para controlar o Estado [...] se refere a um período em que movimentos populares – os cidadãos – começavam a gerar o temor da queda do edifício social burguês [...] a teoria do Estado de Direito foi construída, em grande parte, para barrar a possibilidade de extensão do papel dos cidadãos (Dallari, 2003, pp. 195-6 – grifos nossos).

São tentativas de sedimentação da cidadania como soberania popular, portanto, bem diferente do modelo grego (elitista). Daí se conclui que o Estado Legal era mais afeto à participação popular e, portanto, mais social do que o Estado de Direito. Mas, mesmo que o Estado de Direito viesse a ser postado como instrumento conservador de privilégios de classes ou de grupos sociais, a luta pelo Direito passará a ter uma conotação de isonomia e eqüidade.

No Antigo Regime, a experiência pública estava ligada à formação da ordem social; no século passado, a experiência pública acabou sendo ligada à formação da personalidade [...] O segundo traço da crise do século XIX está no discurso político comum em nossos dias. Tendemos a descrever como líder "confiável", "carismático", ou "alguém em quem se pode acreditar", aquele que for capaz de atrair grupos cujos interesses são alheios às suas crenças pessoais, ao seu eleitorado ou à sua ideologia. Na política moderna, seria suicídio para um líder insistir em dizer: esqueçam a minha vida privada; tudo o que precisam saber a meu respeito é se sou bom legislador ou um bom executivo e qual a ação que pretendo desenvolver no caso. Ao invés disso, ficamos alvoroçados quando um presidente francês conservador janta com uma família da classe trabalhadora, embora tenha, poucos dias antes, aumentado os impostos sobre os salários industriais; ou então, acreditamos que um presidente americano é mais "autêntico" ou confiável do que seu predecessor caído em desgraça porque o novo homem prepara o seu próprio café da manhã. Essa "credibilidade" política é a superposição do imaginário privado sobre o imaginário público e, também neste caso, surgiu no século passado, como resultado de confusões comportamentais e ideológicas entre os dois âmbitos (Sennett, 1988, pp. 40-41 – grifos nossos).

Em nossa atual indefinição quanto aos limites/liames entre público-privado, como "esfera pública burguesa", olhamos o mundo político a partir da janela dos problemas pessoais, domésticos: "A linha entre a esfera privada e a esfera pública passa pelo meio da casa" (Habermas, 2003, p. 62).

À autonomia dos proprietários no mercado corresponde uma representação pessoal na família aparentemente dissociada da coação social, é o carimbo autenticador de uma autonomia privada exercida na concorrência. Autonomia privada que, negando a sua origem econômica, exerce-se unicamente fora do domínio em que aqueles que participam do mercado se acreditam independentes, conferindo à família burguesa essa consciência que ela tem de si mesma. Tal consciência parece ser espontânea, parece ter sido fundada por indivíduos livres e manter-se sem coação; ela parece repousar na permanente comunhão amorosa dos cônjuges; ela parece resguardar aquele livre desenvolvimento de todas as faculdades que distinguem uma personalidade culta. Os três momentos — do livre arbítrio, da comunhão de afeto e da formação — conjugam-se num conceito de humanidade que se pretende que seja inerente a todos os homens, definindo-os certamente enquanto seres humanos: a emancipação que ainda ressoa quando se fala do puramente ou simplesmente "humano", uma interioridade a se desenvolver segundo leis próprias e livre de finalidades externas de qualquer espécie [...] A família desempenha exatamente o papel que lhe é prescrito no processo de valorização do capital (Habermas, 2003, p. 63. - grifos nossos).

Portanto, este público-burguês não pode escapar a seus limites:

A esfera pública burguesa desenvolvida baseia-se na identidade fictícia das pessoas privadas reunidas num público em seus duplos papéis de proprietários e de meros seres humanos [...] A fórmula básica de Locke quanto à preservation of property subsume, numa só linha e de um só fôlego, sem qualquer constrangimento, sob o título "propriedade", life, liberty and estate: tão fácil conseguia ser, naquela época — segundo uma distinção do jovem Marx, identificável a emancipação política com a emancipação "humana" (Habermas, 2003, p. 74. – grifos nossos).

O público é espectador da política institucional: o liberalismo aproxima-se, mas também choca-se com muitos movimentos sociais e/ou populares: feminismo, trabalhismo. Para o jovem Marx, de a Questão Judaica (1989), nem se cogitava de uma emancipação política (incluindo aí a noção jurídica) que não fosse plenamente humana — ou todos/ou tudo, ou nada:

Toda a emancipação constitui uma restituição do mundo humano e das relações humanas ao próprio homem [...] A emancipação política é a redução do homem, por um lado, a membro da sociedade civil, indivíduo independente e egoísta e, por outro, a cidadão, a pessoa moral [...] A emancipação humana só será plena quando o homem real e individual tiver em si o cidadão abstrato; quando como homem individual, na sua vida empírica, no trabalho e nas suas relações individuais, se tiver tornado um ser genérico ; e quando tiver reconhecido e organizado as suas próprias forças (forces propers) como forças sociais, de maneira a nunca mais separar de si esta força social como força política (Marx, 1989, p. 63. – grifos nossos).

A emancipação, portanto, continua tanto virtual quanto o fora à época de Marx, pois não há nada mais estranho e dificultoso à emancipação do homem como ser genérico do que a vida empírica realmente negativada.


2ª PARTE

Para a maioria dos "clássicos da sociologia", educação é uma prática socialmente difundida, mas nem sempre democrática ou sequer institucionalizada: se pensarmos na militância política. Também pode-se dizer que nem sempre ocorre o fenômeno da escolarização para que haja educação – pois, basta-nos pensar na família, clubes e em outros "grupos primários". Portanto, com ou sem escolarização, a educação constitui um processo de transmissão cultural, cuja tarefa elementar é a reprodução do sistema social (ou, se queremos amenizar, das "condições da vida social herdada") ou sua contestação e reprovação, total ou parcial, se pensamos em posições mais críticas e radicais.

Isto nos remete à possibilidade de observar o "fenômeno da educação" por meio de chaves teóricas que abram nossa própria visão de mundo e nos coloquem diante da realidade – pode ser uma visão "nova" ou "envelhecida" do real. (No caso da educação, é preciso dar tempo à formação: "maturação, maturidade do conhecimento"). É preciso ter paciência com a consciência.

Assim, a sociologia é "a ciência que tem a interação social como objeto de investigação". por sua vez, a interação exige um mínimo de sociabilidade; ajuda mútua; coexistência ética (ethos : valores ou costumes); "convivência possível, mesmo ante conflitos de interesses" (individuais ou de classes). Já a sociologia da educação é um ramo da sociologia que tem na escola o seu objeto microssociológico.

Porém, para os objetivos desse texto, trata-se de uma educação integral (permanente): socialização e inclusão 15. Em que alunos e professores compartilhem uma visão de mundo capaz de apresentar a "legitimação da coisa ensinada" – e não como "conhecimento estranho".

  • Uma educação com visão de mundo de aproximação ou de convicção: tornar o outro convicto de que se fala ou, ao menos, se busca a verdade. uma educação em que alunos e professores queiram convencer-se e não vencer: como na disputa política. Uma educação republicana, em que o compromisso sociológico do educador seja político.

  • Uma educação capaz de transformar necessidades em oportunidades para ser livre: auto governo; participação com responsabilidade social; construção da autoridade individual interiorizada. Da autonomia à autarquia ou entre o reconhecimento das normas e o exercício ou o requerimento social do poder.

Voltaremos a rever todos os tópicos anteriormente apontados, mas Florestan Fernandes (1979) já reconhecia a importância da investigação sociológica da educação, mas não achava necessário criar uma ciência especial — a Sociologia da Educação não deveria ser em si uma disciplina. A Sociologia da Educação não teria objeto e nem problemas próprios a investigar. Mas, é claro que admitia pensarmos a educação como um objeto de estudo sociológico.

De outro modo, pode-se pensar a Sociologia da Educação como parte do esforço para se concretizar a análise científica dos processos e das regularidades sociais inerentes ao sistema educacional. O objetivo seria passar do uso dos manuais para a investigação da realidade social (empírica) que conforma o fenômeno educacional. Afinal, a educação é um conjunto de ações intencionais (nem sempre institucionais) e a sociologia se dedica ao estudo dos níveis de sociabilidade (ou estranhamento) e da interação social (ou dos processos de contradição social).

Neste sentido, de um ramo aplicado da Sociologia (Ciência Social que tem por objeto a interação social ou humana), pode-se dizer que a Sociologia da Educação tem a escola como objeto microssociológico (uma vez que a educação é objeto da Pedagogia). A escola é o objeto microssociológico ou meso porque estaria entre o micro (os indivíduos, agentes: professores, funcionários, alunos) e o macro (o próprio sistema de ensino).

Para Antonio Cândido (1979), as escolas são o eixo da sociedade moderna, mas "possuem vida própria" com "leis" que escapam à super-ordenação social. A escola é uma unidade social que determina tipos de comportamento, posições e papéis, além de agenciar formas de sociabilidade. Seus elementos integradores são, simultaneamente, transpostos de fora (redefinidos para ajustar-se às condições grupais), porém, desenvolvidos internamente.

Desse modo, como há intercâmbios variados e vida própria, a escola não é mero reflexo social ou depósito de crianças, pois tem atividade criadora. Temos uma idéia disso quando notamos que há uma tensão própria ou natural, da nova geração, ante a ação exercida pelas gerações adultas: os educadores. Por isso, constituir a autoridade é exemplo de um dos seus mais claros desafios. Além disso, há um choque entre docentes e administradores, que podem/devem definir tendências de sociabilidade e formas variadas de competição ou de acomodação, assimilação ou conflito.

De todo modo, tendo-se a escola como eixo da modernidade, têm-se na escola a perspectiva de se estudar a socialização. Portanto, deve-se ver a escola como grupo social complexo — afinal, o processo educativo espelha valores e estruturas sociais, originando, obrigatoriamente, formas de ajuste social. Mas nunca se deve esquecer que a observação do "objeto escola" corresponde à observação de que a escola é um objeto composto de sujeitos:

Se cada escola é um grupo característico, o educador só poderá agir nele adequadamente se for capaz de proceder à análise desta situação e traçar as normas convenientes de ajustamento social, sem o qual periga a eficiência pedagógica [...] Não menos importante é esta redefinição para a pesquisa, que encontrará nas situações pedagógicas um elemento concreto, que permita passar decididamente da era dos manuais para a da investigação da realidade (Cândido, 1979, p. 18).

De forma objetiva, uma definição moderna de Sociologia da Educação pode ser algo como: análise científica dos processos e realidades sociais inerentes ao sistema educacional, uma vez que a escola consiste numa combinação de ações sociais e a Sociologia na análise da situação (e interação) social. Como indicado, não há em outra atividade profissional, como "ação" ou pesquisa, comparativamente à educação, maior clareza quanto à idéia de que é preciso ter paciência com a consciência.

Já para Durkheim a educação tem funções essenciais e complementares: função homogeneizadora; função diferenciadora. "A educação não é, pois, para a sociedade, senão o meio pelo qual ela prepara, no íntimo das crianças, as condições essenciais da própria existência" (1979, p. 42). A educação tem como pressuposto a socialização: "Na verdade, o homem não é humano senão porque vive em sociedade" (Durkheim, 1979, p. 46. – grifos nossos). O caráter social e essencial da educação (agora como objeto da Sociologia da Educação) é preparar uma geração de tal modo que esteja capacitada para receber a seguinte. Para Durkheim, uma socialização metódica das novas gerações.

Em Mannheim, certamente, a contribuição da sociologia para o entendimento aprofundado e sistemático do processo de ensino-aprendizagem é destacado: "1) A educação não molda o homem em abstrato, mas em uma dada sociedade e para ela [...] 4) Para o sociólogo, códigos e normas não constituem fins em si mesmos, mas sempre a expressão de uma interação entre o ajustamento individual e grupal" (1979, pp. 89-90). Desse modo, é preciso remover a passividade, a continuidade omissa, a adesão acrítica que leva a inúmeras formas de "embotamento", e a educação assim cumpriria seu papel de "fazer desabrochar as qualidades e habilidades" de cada um.

Foucault e "o poder da educação"

Foucault escreveu sobre o sujeito, os saberes, os poderes e as instituições modernas, mas que também discutisse o que se pode e o que não se pode fazer com ele e a partir dele e o quão produtivo tudo isso é para a Educação.

Para Foucault, os saberes engendram-se e organizam-se para que se atenda a uma "vontade de poder" (como Weber falava de uma "disposição do dominado para a dominação 16"). Trata-se do poder onde ele se manifesta, ou seja, é o micropoder que se exerce (não que se detém) e que se distribui capilarmente. Há uma positividade do poder: propriedade de produzir alguma coisa. O poder se dispõe em uma rede, na qual há pontos de resistência, minúsculos, transitórios e móveis 17.

Poder e saber são os dois lados do mesmo processo: entrecruzam-se no sujeito, seu produto concreto. Não há relação de poder sem a constituição de um campo de saber, nem saber que não pressuponha e não constitua relações de poder. Foucault considera que o poder produz saber: o que afasta do campo da educação, o sujeito epistêmico.

Em educação, o problema não é menor, pois como um autor como Foucault poderia ser assimilado de modo útil ao processo educacional? É óbvio que não se trata somente de dominação, disciplina, adestramento ou acomodação (o que seria meramente utilitário).

É indiscutível que reflexões sobre saber, poder, subjetividade, ética, linguagem, discurso, tão caras ao filósofo, são indispensáveis para os que se dedicam ao ofício de pensar e fazer currículos (planos de ensino), que pensam a "estrutura" o edifício ou sistema educacional e que reconhecem o quanto são complexas práticas e relações intrínsecas ao complexo (até contraditório) processo de pesquisa-ensino-aprendizagem.

Em relação à educação, o processo pedagógico corporifica relações de poder entre professores e aprendizes. A pedagogia se baseia em técnicas particulares de governo, e produz e reproduz, em diferentes momentos, regras e práticas particulares, pelo qual os estudantes devem conservar a si e aos outros sob controle 18.

Outra importante novidade dessas investigações é não considerar pertinente para as análises a distinção entre ciência e ideologia [...] O objetivo é neutralizar a idéia que faz da ciência um conhecimento em que o sujeito vence as limitações de suas condições particulares de existência instalando-se na neutralidade objetiva do universal [...] A investigação do saber não deve remeter a um sujeito de conhecimento que seria sua origem, mas a relações de poder que lhe constituem. Não há saber neutro. Todo saber é político (Machado, 1986, p. XXI – grifos nossos).

Em síntese, não há sujeito epistêmico, mas sim sujeito de poderes, uma vez que não há saber sem poder e vice-versa, nem sujeitos ausentes ou independentes desta relação. Decerto, também não haveria muita reserva de segurança para se falar, como em Weber, em "individualismo metodológico": "O indivíduo é uma produção do poder e do saber [...] Ele não pode ser considerado uma espécie de matéria inerte anterior e exterior às relações de poder que seria por elas atingido, submetido e finalmente destruído" (Machado, 1986, pp. XIX – grifos nossos).

O sujeito e seus saberes podem ser pródigos, mas apenas na relação ou no interior dos poderes dominantes e determinantes (e ainda que haja e que se deva falar em "resistência"). Mais uma vez, não há saber neutro . Assim, as chamadas "novas ciências" nada mais seriam do que a necessidade de o saber constituído corresponder às necessidades relevantes ou prementes do poder atual, ou seja, tal qual se apresente naquele determinado momento/espaço da sociedade capitalista.

É verdade o que é poder

Assim, é na questão do poder que há uma ruptura maior com as teorias clássicas, onde o poder não pode ser visto como um bloco ao qual o indivíduo cede seus direitos, pois a pessoa está atravessada por relações de poder. Para Foucault, o poder não só reprime, domina, mas também produz relações com a verdade e o saber, constituindo verdades, práticas e subjetividades, algo muito próximo da idéia de "pensamento em rede". É verdade o que é poder:

O importante, creio, é que a verdade não existe fora do poder ou sem poder (não é – não obstante um mito, de que seria necessário esclarecer a história e as funções – a recompensa dos espíritos livres, o filho das longas solidões, o privilégio daqueles que souberam se libertar) [...] Há um combate "pela verdade" ou, ao menos, "em torno da verdade" – entendendo-se, mais uma vez, que por verdade não quero dizer "o conjunto das coisas verdadeiras a descobrir ou a fazer aceitar", mas o "conjunto das regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeitos de poder" [...] se trata de um combate [...] em torno do estatuto da verdade e do papel econômico-político que ela desempenha. É preciso pensar os problemas políticos dos intelectuais não em termos de "ciência/ideologia", mas em termos de "verdade/poder". É então que a questão da profissionalização do intelectual, da divisão entre trabalho manual e intelectual, pode ser novamente colocada (Foucault, 1986, pp. 12-13 – grifos nossos).

Por isso, além de ser poder, o saber (como a verdade posta a serviço de) é também uma definição de perfis e de papéis a serem cumpridos (com mais ou menos observância das expectativas depositadas). De todo modo, é fonte de poder:

Um novo modo de "ligação entre teoria e prática" foi estabelecido. Os intelectuais se habituaram a trabalhar não no "universal", no "exemplar", no "justo-e-verdadeiro-para-todos", mas em setores determinados, em pontos precisos em que os situavam [...] Certamente com isso ganharam uma consciência muito mais concreta e imediata das lutas [...] E, no entanto, se aproximaram deles, creio que por duas razões: porque se tratava de lutas reais, materiais e cotidianas, e porque encontravam com frequência, mas em outra forma, o mesmo adversário do proletariado, do campesinato ou das massas (as multinacionais, o aparelho jurídico e policial, a especulação imobiliária, etc.). É o que eu chamaria de intelectual "específico" por oposição ao intelectual "universal" (Foucault, 1986, p. 09. – grifos nossos).

O intelectual específico é também profissional comprometido por/com seus cânones, luta pela verdade dos fatos: o que revela que essa luta dos especialistas torna o saber, outra vez, fonte de "disputa pela verdade" e, por fim, poder 19. Mas, o saber também é um campo de provas dos próprios intelectuais:

O problema político essencial para o intelectual [é] saber se é possível constituir uma nova política da verdade. O problema não é mudar a "consciência" das pessoas, ou o que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional de produção da verdade. Não se trata de libertar a verdade de todo sistema de poder – o que seria quimérico na medida em que a própria verdade é poder – mas de desvincular o poder da verdade das formas de hegemonia (sociais, econômicas, culturais) no interior das quais ela funciona no momento. Em suma, a questão política não é o erro, a ilusão, a consciência alienada ou a ideologia; é a própria verdade (Foucault, 1986, p. 14).

No desenvolvimento do seu pensamento em lugar de análise histórica, realiza uma genealogia, um estudo histórico que não busca uma origem única e causal, mas que se baseia nas multiplicidades (e nas lutas), e de modo especial o discurso, abrindo novos capôs de estudo para a história e para a epistemologia.

Marx educador

Em escritos da juventude, Marx nos diz que o objetivo da educação condiz com a apreciação dos grandes clássicos: "O Princípio fundamental [...] que nos deve guiar na escolha de uma vocação é o bem da humanidade e o nosso próprio aperfeiçoamento" (Giddens, 2005, p. 27. – grifos nossos). Do mesmo modo, todos sabemos, para Marx é preciso "educar os educadores", retirando-lhes o véu da ideologia dominante. Também faz parte dessa (re)educação dos educadores, o seu melhor ajuste diante das contínuas transformações porque passam o mundo do trabalho e da produção:

A burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos de produção e, por conseguinte, as relações de produção, portanto todo o conjunto das relações sociais [...] O contínuo revolucionamento (Umwälzung) da produção, o abalo constante de todas as condições sociais, a incerteza e a agitação eternas distinguem a época burguesa de todas as precedentes. Todas as relações fixas e cristalizadas, com seu séqüito de crenças e opiniões tornadas veneráveis pelo tempo, são dissolvidas, e as novas envelhecem antes mesmo de se consolidarem (Marx, 1993, p. 69).

Este refazer(-se) contínuo se dá mediante o trabalho e a adequação aos modos ou moldes em que se colocam os meios e as formas da própria dinâmica da produção:

O homem – ou melhor, os homens – realizam trabalho, isto é, criam e reproduzem sua existência na prática diária, ao respirar, ao buscar alimento, abrigo, amor, etc. Fazem isto atuando na natureza, tirando da natureza (e, às vezes, transformando-a conscientemente) com este propósito. Esta interação entre o homem e a natureza é – e ao mesmo tempo produz – a evolução social. Retirar algo da natureza, ou determinar um tipo de uso para alguma parte da natureza (inclusive o próprio corpo) pode ser considerado e é o que acontece na linguagem comum, uma apropriação, que é, pois, originalmente, apenas um aspecto do trabalho. Isto se expressa no conceito de propriedade (que não deve ser, de forma alguma, identificado com a forma histórica específica da propriedade privada). No começo, diz Marx, "o relacionamento do trabalhador com as condições objetivas de seu trabalho é de propriedade; esta constitui a unidade natural do trabalho com seus pré-requisitos materiais" [...] Sendo um animal social, o homem desenvolve tanto a cooperação como uma divisão social do trabalho (isto é, especialização de funções) que não só é possibilitada pela produção de um excedente acima do que é necessário para manter o indivíduo e a comunidade da qual participa, mas também amplia as possibilidades adicionais de geração desse excedente. A existência deste excedente e da divisão social do trabalho tornam possível a troca. Mas, inicialmente, tanto a produção como a troca têm, como finalidade, apenas o uso – isto é, a manutenção do produtor e de sua comunidade (Hobsbawm, 1991, p. 16).

Mas, o trabalho do educador tem especificidades e Marx não reconhecia esse sentido próprio como o destacou em passagens sintomáticas ao apresentar a tese do "trabalho vivo", em oposição ao "trabalho morto" (já coisificado) e que, "por estar vivo", pode ser criativo, propositivo de novas dinâmicas sociais. Em tese, é esta qualidade do trabalho vivo que permite a alguns (ou muitos) fugirem do cerco das forças hegemônicas em que se colocariam as ideologias da educação como mero efeito/propulsão da reprodução social. Para aqueles "pensantes" do trabalho vivo, a educação não se esgota e pode ser teleológica de condições sociais mais libertárias e democráticas.

Pode-se, então, argumentar que o jovem Marx já salientara a "criatividade" e "mobilidade", intelectual e social, desse trabalho vivo que é a educação, quando não reificada e satisfeita com a reprodução sistemática de conteúdos empedernidos. Desse modo, se a educação também pode se "(re)configurar" como trabalho vivo, então, a "transmissão de dados", não mecânica ou "analógica", ainda dependeria desse trabalho ativo — tanto dos pais, quanto dos filhos —, mas agora para se verter em conhecimento transformador, criativo, dialético. Vejamos alguns recortes da análise de Marx — a citação é longa, contudo esclarecedora do conceito (trabalho vivo) e da própria crítica marxiana:

A questão é de que maneira algo se torna real, isto é, algo "posto’’ do "lado de fora’’ do "mundo dos fenômenos’’, enquanto real. Para tanto deverá, em primeiro lugar, ser "possível’’. "O que é essencial (Weseniliche) à realidade’ é a possibilidade (Möglichkeit)’’, não meramente "formal’’, mas enquanto "identidade’’. O que se torna real chama-se de "contingente (Zufällig) justamente por ter sido possível: "Possibilidade e contingência as aquelas etapas da realidade – a interior e a exterior – consideradas como simples formas que constituem a exterioridade do real’’. Para que o contingente passe de "possível’’ para "real’’, é preciso que ele satisfaça às "condições’’ (Bedingungen): "Se todas as condições se encontrarem presentes, a coisa (Sache) só pode (muss) se tornar real’’. É, entretanto, necessário uma terceira etapa para que a "coisa’’se torne "real’’. É necessária a "atividade’’ (Tätigkeit): "a) A condição 1) é o que é suposto previamente (...), 2) as condições são passivas (...); b) sendo que, graças à verificação das condições, ela recebe sua existência exterior, aquele ato pelo qual se realizam (realisieren) as determinações do seu conteúdo (...); c) também a atividade , 1) não deixa de ser menos existente de maneira autônoma, e somente a coisa e as condições a tornam possível, 2) ela é o movimento que consiste em transpor as condições para dentro da coisa’’. Finalmente, depois que a coisa real satisfaz às suas condições, ela passa a ser "necessária’’ (notwendig); é a substancia (Substanz), "enquanto potência e, ao mesmo tempo riqueza (Reichtum) de tudo o que ela contém’’. Agora, sim, podemos dizer que " substancia é uma causa (...), isto é sua própria possibilidade se apresenta com sendo o seu próprio negativo e produz, então, um efeito (Wirkung), uma realidade, que, por isso mesmo, não passa de uma realidade ali posta. Poderíamos concluir, dizendo que este "reino da necessidade’’ (de causa, efeito, ação recíproca etc.) se transformam finalmente em um "Reino da Liberdade’’: "Eis aí o concreto, o reino da Subjetividade ou da Liberdade’’ [...] "Enquanto tal, ele não é matéria-prima, nem instrumento de trabalho, nem produto bruto; ele é o trabalho separado de todos os meios de trabalho e objetos de trabalho, de toda a sua objetividade; é o trabalho vivo existente como abstração desses aspectos da sua realidade real (realen Wirklichkeit) (igualmente não-valor); é esse despojamento total, essa desnudez de toda objetividade, essa existência puramente subjetiva. É o trabalho enquanto pobreza absoluta (absolute Armut); é a pobreza não enquanto carência, mas enquanto completa exclusão da riqueza (Reichtum) objetiva’’ [...] 2) Trabalho não-objetivado, um não-valor – se o considerarmos positivamente, ou negativamente em relação a si mesma, eis o que é a existência não-objetivada, isto é, não objetiva, - em outras palavras, subjetiva – do próprio trabalho. É o trabalho não como objeto, mas como atividade (Tätigkeit); não como auto-valor, mas como a fonte viva do valor (lenbendige Quelle dês Werts). (... O trabalho vivo é) a riqueza universal – comparada com o capital, dentro do qual existe objetividade, - como possibilidade universal, possibilidade 20 que se realiza na atividade enquanto tal" (Dussel, 1995, pp. 34-39).

Portanto, um dos temas clássicos da Sociologia da Educação é o direito à educação, como um direito que desabrocha da consciência e da luta alimentada pela própria condição específica da atividade do educador: o trabalho vivo, pulsante. Seqüencialmente, por sua vez, o direito à educação congrega outro, menos institucional e, por definição, da ordem da intersubjetividade, que é a educação para ter direitos.

A luta pelo Reconhecimento da "Educação a ter Direitos"

Reconhecer a educação como direito fundamental, inalienável é o equivalente da proposta de uma educação republicana: 1º) como direito individual-fundamental estamos falando do reconhecimento deste direito no plano individual, mas com a qualidade da intersubjetividade (ou seja, sociabilidade) e, portanto, 2º) a práxis , a labuta pela consciência da educação de valores públicos, na fase posterior, atua como reconhecimento coletivo, social daquele mesmo direito individual. Desse modo, na transposição da consciência individual à práxis social, o direito à educação, de direito individual, passa à ordem do direito público.

Esta confluência de sentidos e de efeitos políticos (integrativos) da educação, também poder-se-ia chamar de sentido positivo da Educação como Prática Hegemônica 21: a educação que é de todos e que serve a todos, precisa, antes de mais nada, de uma consciência que leve à prática de requerer a sua própria educação como direito e também a querer outros direitos.

O sentido de hegemonia aplicado à educação, deixa transparecer a idéia de que se trata de um problema complexo, difuso e multifacetado e por isso requer empenho e ação global. Nessa dimensão, a educação é um dos temas mais caros ao republicano suprapartidário. Isso porque é de interesse de todos e do qual, portanto, todos devem participar.

Não há educação individual, pois mesmo o autodidata estará se beneficiando do conhecimento produzido e disponibilizado por muitos outros que pensam como ele — ou que tem interesse em ver o conhecimento fluir de maneira livre. É fácil perceber, sem trocadilhos, como a educação é um direito individual que só tem eficácia na dimensão pública, porque o conhecimento que não se exterioriza, não é diferente do segredo, da informação sem relevância, do saber encapsulado do ignorante.

O conhecimento sem a vida pública existe como uma informação qualquer, que se fica remoendo e que depois de um tempo se torna um fardo, um peso, uma dor de consciência, na melhor das hipóteses, uma autocrítica pelo tempo perdido. Ninguém compra um conhecimento acumulado, todos que necessitam do tratamento da informação (pela ação da reflexão e da crítica), também necessitam do conhecimento apto à expansão e geração de outros valores que possam ser agregados ao dado original.

O conhecimento acumulado, não partilhado pelo público, equivale a um livro fechado, sem uso, ou com mero valor-de-uso decorativo à espera da crítica roedora dos ratos. A rigor, nem faz sentido falar em conhecimento acumulado, como sinônimo de fechado em si mesmo, em reserva, estocado, sem manifestação pública — é um contra-senso.

Por outro lado, para se promover uma educação de descompressão, aberta ao público, é preciso ter regras de qualidade que sejam bem claras, de compromisso com os clássicos (especialmente com os clássicos da República, com a honestidade intelectual). A disciplina, como ritmo de estudos, deve ser ensinada e praticada desde cedo, para que o ato de estudar seja mais agradável, rotineiro, para que faça parte da vida cotidiana do maior número possível de pessoas. Então, há nisso tudo uma crítica ideológica.

Bourdieu e a "crítica ideológica" ao direito à educação

Como crítica à manipulação ou reprodução ideológica mais especificamente na educação, pode-se tomar um autor como Bourdieu que, já nos anos 60, passou a criticar especialmente a idéia de "neutralidade do conhecimento e da escola" e a sua correspondente versão pragmática da educação como elevador social. Sua principal alegação acerca disso é de que a escola tem um papel relevante na reprodução e na legitimação das desigualdades sociais; além do que a herança cultural familiar repercute no desempenho escolar.

A convicção na competência escolar como elevador social, no entanto, já começara a ser questionada (como "suposição sociológica") a partir dos anos 50, com inúmeras pesquisas quantitativas na Inglaterra, EUA e França, revelando-se claramente a incidência da colocação social do ingressante.

Além da classe social, destacava-se a etnia, o sexo, o local de moradia e outras variáveis e componentes sociais. Nos anos 60, também era crescente o sentimento de frustração dos estudantes franceses que chegaram ao ensino secundário e à universidade, mas que esbarraram no retorno econômico muito baixo.

Como supunham algumas das concepções funcionalistas (e até publicistas) da educação, a massificação não trouxe progresso econômico imediato. A própria massificação desvalorizou os títulos escolares e, é claro, a escola não proporcionou mobilidade social suficiente. Desse modo, essa "geração engajada" eclodiu suas críticas ao sistema em 1968.

Bourdieu propôs, então, uma "revolução científica", estabelecendo-se a mais forte conexão entre origem social e desempenho escolar. A educação, ao invés de emancipar, apenas legitimava desigualdades já trazidas de casa.

O que se entendia por meritocracia (igualdade de oportunidades que afloram os méritos pessoais) passou a ser analisado como reprodução e legitimação de desigualdades sociais e culturais.

Os alunos não são indivíduos abstratos que competem em condições equilibradas na escola, mas sim "atores socialmente construídos", com uma bagagem social e cultural (herdada) que se reflete no mercado (escolar e profissional).

Portanto, importa mais a origem social do que os dons pessoais ou a consciência social, constituição biológica ou psicologia particular.

A escola não é uma instituição imparcial que seleciona os mais talentosos, a partir de critérios puramente objetivos.

No fundo, a escola cobra de seus alunos os gestos, os gostos, as crenças, os valores, o imaginário, a postura dos "grupos dominantes" (mas, dissimulados como cultura universal).

A escola teria um papel ativo quanto à desigualdade, quando define currículos, métodos de ensino e formas de avaliação.

Assim, a escola dissimula as reais desigualdades sociais na forma de diferenças acadêmicas e cognitivas.

O poder, de certo modo, também é estabelecido por uma rede completa de relações circulares que unem estruturas e práticas pela mediação do habitus 22, definindo-se limites de validade — um tipo de nexo conceitual entre estruturas e práticas. O Poder Simbólico é definido como poder circular — a citação é muito utilizada, mas vale retomar:

No entanto, num estado do campo em que se vê o poder por toda a parte, como em outros tempos não se queria reconhecê-lo nas situações em que ele entrava pelos olhos adentro, não é inútil lembrar que – sem nunca fazer dele, numa outra maneira de o dissolver, uma espécie de "círculo cujo centro está em toda a parte e em parte alguma" – é necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem (Bourdieu, 1989, pp. 7-8).

Também retoma uma definição simplificada do campo:

  • O campo é a zona intermediária entre qualquer texto (e seu autor) e o contexto (relações determinadas); pois há o mundo do consumo, as instituições e o que sentem ou sofrem desses reflexos secundariamente.

  • Espaço relativamente autônomo.

  • Microcosmo que têm leis próprias.

  • Sofre a imposição das leis sociais gerais, mas não são as mesmas.

No campo científico, as disciplinas marcam também o grau relativo de autonomia. O mesmo dilema se dará entre agências e instituições, uma vez que:

  • Há choque entre coerção, leis sociais gerais e determinações internas.

  • Não há pensamento livre, já dizia Newton.

  • O campo científico é um mundo social.

  • As pressões externas são mediadas / mediatizadas pelo campo.

  • Há uma autonomia que pode se traduzir em refração (Bourdieu, 2002, pp. 20-21).

Desde 1971, preocupa-se com o mercado dos bens simbólicos: A luta científica é uma luta armada.

  • Artes, ciências: Campo da produção em sentido estrito (erudição) – produtores pra produtores (concorrentes diretos); Campo da grande produção cultural (jornalismo ou indústria cultural).

  • Em 1975 rompe com a visão predominantemente conciliadora da comunidade científica.

  • Introduz a contradição na análise: campo científico X capitalismo do campo científico.

  • Mas matem éticas avançadas, os clientes são os piores concorrentes, mas a reação avança (Bourdieu, 2002).

A forma como a análise de Bourdieu esteve centrada, quase que unicamente, nas classes sociais acabou por se tornar criticável por vários motivos — especialmente no século XXI.

Em síntese: os indivíduos e suas famílias não se resumem à "condição de classe". O "pertencimento" pode indicar certas disposições, mas, tomados separadamente, os indivíduos são o resultado de múltiplas (e contraditórias) influências sociais (ou "determinações históricas").

  • Acentua-se a trajetória ascendente ou descendente do grupo familiar, o próprio nível educacional, o meio rural ou urbano (ou ainda uma postura mais ou menos conservadora do grupo).

  • O habitus familiar pode não decorrer diretamente do habitus da classe. Por exemplo, o senador Suplicy ou uma família urbana, com bom nível de escolaridade, em ascendência e pouco religiosa (menos afeta a tradições) seria mais liberal em termos de educação.

  • Outra ressalva diz que esse habitus familiar não é transmitido de forma mecânica (por "osmose") aos filhos.

  • A transmissão do capital cultural dar-se-ia em contato prolongado e afetivamente significativo, entre os portadores desses recursos (não só os pais) e seus destinatários — os filhos podem ter "comportamentos contraditórios aos valores herdados".

A crítica ao reprodutivismo é atualíssima, mas não podemos perder de vista a dinâmica e a histórica de lutas e de conquistas que se relacionam ao direito à educação.

C. W. Mills e a "crítica pragmática" ao direito à educação

Veremos brevemente que, outra abordagem crítica da educação como elevador social — mas mais ao sabor do "pragmatismo crítico" americano—, nos foi dada por C. W. Mills. O que vemos em termos de Educação e de trabalho, no curso da modernidade tardia do século XX (desde a década de 1950), é a sujeição de todos os estudantes-trabalhadores, de seus valores e virtudes, ao sucesso e à coisificação. Há um rebaixamento total da busca pela emancipação à passividade, ao servilismo, e à manipulação.

Os conteúdos clássicos acabaram substituídos por regras fáceis. Vejamos no liberalismo crítico de C. W. Mills uma análise do projeto pedagógico que habilitou o Estado Cientificista, nos EUA, pelo menos desde a década de 1950:

Na passagem do capitalismo liberal de pequenas propriedades para um sistema corporativo de capitalismo monopolista, encontramos a razão para a mudança surgida no conteúdo do sucesso e na trilha a ser seguida para que o alcancemos. No modelo mais velho, o trabalho white collar 23 era apenas um passo no grande caminho para atingir-se o status empresarial independente; no modelo mais novo, o caminho white collar implica promoções dentro de uma hierarquia burocrática (Mills, 1979, p. 268).

Tanto em 1950, quanto no século XXI, mais se valoriza a agilidade moral, do que a habilidade intelectual — certamente, a crise da educação é também uma crise moral:

Maior ênfase é dada em "quem" se conhece do que no "que" se conhece; em técnicas de auto-exibição e na habilidade generalizada de manejar pessoas mais do que na integridade moral, realizações concretas e solidez de personalidade; é mais louvada a lealdade ou mesmo identidade com a firma do que uma virtuosidade empresarial [...] Ser cortês o "ajudará a ir para a frente [...] Assim, "treine-se no sorrir" [...] Irradie autoconfiança [...] Em uma palavra, ser inteiramente digno de confiança e ter em geral uma atitude serviçal e otimista (Mills, 1979, pp. 269-270).

Na modernidade, talvez desde Balzac (em Ilusões perdidas), há maquiavelismo 24 explícito, como forma de oportunismo que só mascara a real coisificação e subordinação: "A manobra habilidosa, a aproximação diplomática nos contatos, a planejada boa impressão a causar nos superiores tornam-se, para o pequeno funcionário, uma espécie de maquiavelismo, um transformar-se em instrumento pelo qual se usam os outros com o objetivo de ascender" (Mills, 1979, p. 270). Em suma: da tática à prática, sem virtudes. Há uma competição crescente (quase sempre desleal) pela sobrevivência e sobra pouco espaço, tempo e energia para se pensar e propor uma "educação de virtudes", baseada em conteúdos clássicos, em que se reconheça as individualidades sem soçobrar diante do individualismo. Do século XIX, do conteúdo clássico, passando pelo século XX, da competição pelo mercado de trabalho, até o século XXI, o que haverá de ter mudado?

Com a nova sociedade, o significado da educação escolar saiu das esferas políticas e da posição social para as econômicas e ocupacionais. Na vida do white collar e em seus modelos de obtenção de sucesso, o aspecto educacional da carreira do indivíduo torna-se a chave de todo o seu destino ocupacional (Mills, 1979, p. 273).

Educação, trabalho e sociedade sempre andaram articulados, mas o que esperar realmente para o amanhã? Parece que de cinqüenta anos para cá, a seguirmos as indicações de Mills, a política deixou de ser um desses conteúdos da educação. Como se educar fosse um ato natural, uma mera reprodução de regras de adição. Como complemento, retirando-se de cena a figura do capitão da indústria, emergindo a do manager, o tecnicismo recebe ainda mais alento (a par de um certo rebaixamento intelectual): "Tal emprego exige do candidato preparo técnico especializado, bem como polimento e boas maneiras" (Mills, , 1979, p. 273). Com isto, a educação tende a perder seu fluído político, a fim de ingressar no mundo do trabalho, recebendo-se um gesso econômico. Mas, o limite é o desemprego, tanto lá, quanto cá, pois o mercado não absorve a todos os estudantes-trabalhadores e isso acirra a crítica social. Um revés, portanto, para quem esperava ver na educação técnica uma forma simples e direta de cooptação:

O chanceler William J. Wallin, da Comissão de Regentes do Estado de Nova York, manifestou-se contra a educação superior para todos, ao declarar que "o país poderá produzir um excesso de graduados que, amargurados pela sua frustração, se voltariam contra a sociedade e o governo, mais eficazmente e melhor armados pela educação que lhes demos, na sua ira destrutiva (Mills, 1979, p. 277).

Hoje chamaríamos de consciência acerca do estelionato educacional (especialmente no ensino superior privado, no Brasil). Ocorre, porém, que o cinismo ainda depositaria a culpa da perda da "solidariedade social" nos estudantes descontentes — aliás, exatamente o que ocorreu na França em 2005, levando ao Estado de Sítio camuflado de Estado de Emergência. Com isto crescem a desilusão e o próprio desemprego, porque o estudante insatisfeito, logo também estará marcado, pelo mercado. A submissão, então, reta como arma de sobrevivência para alguns, resignando-se às condições precárias de emprego e de colocação social:

O operário casa-se cedo, de maneira que ele deve ganhar para o sustento da família e, assim, durante os primeiros anos mais difíceis de sua vida ocupacional, não pode pensar seriamente em se preparar para um trabalho especializado. Quando ele atinge os 25 anos, "a órbita na qual se moverá pelo resto da vida já se encontra firmemente estabelecida" [...] Vem a compreender que o bom emprego é escasso e ele acaba por desenvolver uma técnica para obter tais empregos, contando com seus amigos para os "palpites" (Mills, 1979, p. 285).

O que, por fim, desemboca em eterno servilismo, compadrios, as conhecidas trocas de favores, tão negativas à verdadeira solidariedade republicana baseada no mérito e não no casuísmo. Também não será novidade que a razão política da República acabe como razão instrumental que garanta alguma sobrevivência. E é ainda mais claro que esse instrumento não se dá pela ordem da convivência, mas sim da sobrevivência e do egoísmo:

O assalariado operário limita suas aspirações e as torna mais específicas: ganhar mais dinheiro, fazer com que o sindicato modifique tal detalhe ou tal condição, e mudar de turno na semana seguinte. Neste ínterim, a esperança de maiores índices de mobilidade ascensional fica limitada àquelas que já iniciaram a carreira do nível do operário não especializado (Mills, 1979, p. 286).

Enfim, já se sabia há mais de cinqüenta anos que o reconhecimento de direitos sociais esbarrava na luta pela autoconservação dos trabalhadores (o que aumenta a concorrência entre eles próprios). Os próprios sindicatos e demais organizações de trabalhadores já vinham abrindo mão da intersubjetividade de classe para atender à modificação de detalhes ou para prestar serviços aos associados. A luta política de enfrentamento, pelo reconhecimento de direitos no mundo do trabalho, já vinha cedendo diante do ganho mais fácil.

Provocações de Mannheim para a educação

Uma corrente oposta a Durkheim y Parsons estaria constituída pela obra de Dewey e Mannheim. O processo educacional para Dewey e Mannheim, possibilita ao indivíduo atuar na sociedade sem reproduzir experiências anteriores, acriticamente. Pelo contrário, elas serão avaliadas criticamente, com o objetivo de modificar seu comportamento e desta maneira produzir mudanças sociais.

Para Mannheim, a educação é uma técnica social, que tem como finalidade controlar a natureza e a historia do homem e a sociedade, a partir de uma perspectiva democrática.

As técnicas sociais são evidenciadas na "economia" (como "racionalização crescente da relação custo/benefício"), nas "tecnologias aplicadas diretamente à produção" e no exército. Neste caso específico, a intenção é promover a "ordem unida", a "disciplina e organização", treinamento de autocontrole e a obediência.

Mas as "técnicas sociais" também estão presentes na vida civil e não necessariamente como "tecnologias aplicadas ou meros aplicativos", como no caso mais atual de automação. Para Mannheim, aliás, a técnica empregada como recursos sociais é um substrato da Revolução Francesa, com destaque para o "incremento demográfico":

Esse crescimento deve-se, principalmente, ao espantoso aumento da população desde Revolução Francesa – produto, ela própria, da técnica da máquina 25. Há muito tempo estamos conscientes de que a utilização em larga escala da maquinaria acarreta conseqüências sociais (Mannheim, 1979, p. 89).

Assim, a educação é apenas um desses "suportes de ajustamento" aos padrões (pre)dominantes e pode ou não ser democrática:

Estamos pensando em "técnicas sociais" na esfera da política, da educação, da guerra, da comunicação, da propaganda, etc. Sua verdadeira natureza revelou-se apenas nas últimas décadas [...] Por técnicas sociais refiro-me a todos os métodos de influenciar o comportamento humano de maneira que este se enquadre nos padrões vigentes da interação e organização sociais [...] O padrão dominante pode ser democrático ou autoritário; a educação serve a ambos os sistemas. Ao mesmo tempo, ela é apenas uma das técnicas sociais destinadas à criação do tipo desejado de cidadão... (Mannheim, 1979, p. 89. – grifos nossos).

A prática da socialização percorre diversos espaços, como família e outros grupos primários: escola, clubes, sindicatos. Assim, a prática democrática emerge horizontalmente permitindo a estruturação da sociedade igualitária.

Para Mannheim, portanto, a contribuição da sociologia para o entendimento aprofundado e sistemático do processo de ensino-aprendizagem é destacado. Como "processo de conhecimento" seriam de seis "ordens ou naturezas diferentes" as principais instituições que definem a educação (ou seu papel), como parte integrante de um "sistema social" que nem sempre se propõe a modificações:

1) A educação não molda o homem em abstrato, mas em uma dada sociedade e para ela [...] [...] 2) A unidade educacional fundamental nunca é o indivíduo, mas o grupo, que pode variar em extensão, objetivo e função [...] Os objetivos educacionais da sociedade não podem ser adequadamente entendidos quando separados das situações que cada época é obrigada a enfrentar e da ordem social para a qual eles são formulados. 4) Para o sociólogo, códigos e normas não constituem fins em si mesmos, mas sempre a expressão de uma interação entre o ajustamento individual e grupal [...] Para este, elas parecem decretos absolutos e inalteráveis, e sem essa crença em sua estabilidade elas não podem operar [...] 5) As técnicas educacionais, por sua vez, não se desenvolvem isoladamente, mas sempre como parte do desenvolvimento geral das "técnicas sociais" [...] 6) Quanto mais consideramos a educação [...] mais evidente se torna que mesmo a técnica educacional mais eficiente está condenada a falhar, a menos que esteja associada às demais formas de controle social (Mannheim, 1979, pp. 89-90 – grifos nossos).

A verdadeira função do "sistema social" e da educação como técnica social", seria estimular os níveis mais gerais de interação entre os indivíduos e os grupos sociais, como "formas de adaptação coletiva" e relacionadas a mudanças no bach-ground geral.

Assim, os "objetivos educacionais" são transmitidos às novas gerações e, portanto, a educação só poderia ser compreendida como uma "técnica comportamental que favoreça o controle social".

Porém, há necessidade de que a educação esteja sempre associada às demais técnicas de controle social (como a ideologia, o direito, as tradições). São técnicas e meios que atuam em conjunto para o "controle" e "conformação social".

A juventude, vista por esse ângulo, é um "recurso latente das sociedades" e pode ser "instrumentalizada tanto para a guerra, quanto para a paz", como ocorreu com as experiências totalitárias de poder, de forma geral, e com o nazi-fascismo especialmente:

A Rússia, a Alemanha, a Itália fascista e o Japão de hoje contam com organizações monopolísticas de juventude, promovidas pelo Estado e marcadas por um traço acentuadamente militarista 26 [...] O problema sociológico está em que, embora surjam sempre novas gerações [...] depende da natureza de uma dada sociedade se esta se utiliza delas; e, da estrutura social dessa mesma sociedade, depende a maneira como realiza esse uso (Mannheim, 1979, pp. 91-92 – grifos nossos).

Esta comunicação de Mannheim ("Funções das novas gerações") foi redigida em 1941, ou seja, em plena Segunda Guerra Mundial. O que o motivou a se perguntar como foram otimizados os "recursos latentes para a guerra":

A vitória depende da absorção do último desempregado, da utilização das mulheres na indústria e do uso que se faz do capital [...] da utilização total daquela reserva psicológica que existe na mente humana ou na nação; da mobilização da capacidade de sacrifício, resistência e iniciativa (Mannheim, 1979, p. 92. – grifos nossos).

A forma ou possibilidades como cada sociedade lida com seus recursos, especialmente os latentes é que determinaram o seu futuro:

Acredito que as sociedades estáticas, que se desenvolvem apenas gradualmente, e nas quais o grau de mudança é relativamente pequeno, confiarão principalmente na experiência [dos mais velhos] As reservas vitais e espirituais da juventude serão deliberadamente negligenciadas, enquanto não houver desejo colidente contra as tendências até então vigentes na sociedade (Mannheim, 1979, p. 92).

O Brasil, pode-se dizer, é um misto dessas duas afirmações, pois o maior índice de mortalidade se dá entre os jovens de 20 a 30 anos, e os "mais velhos" seguem relegados. Seria necessário, portanto, uma "simbiose de gerações", que o bom senso indica, mas que não se vê na prática (a não ser na retórica, como "Estatuto do Idoso").

As gerações mais velhas ou intermediárias podem ser capazes de prever a natureza das mudanças futuras e sua imaginação criadora pode ser empregada para formular novas políticas; mas a nova vida será vivida apenas pelas gerações mais jovens. Estas viverão os novos valores que os velhos professam somente em teoria (Mannheim, 1979, p. 93. – grifos nossos).

O Brasil, como bem se sabe, é um país e sociedade de extremos não só nos índices de concentração de renda. A sociedade precisaria estar atenta a este "mecanismo social de dupla face". O bom senso diria (como em T. Adorno) que é preciso ter paciência com a consciência, mas não se pode viver à espera da "boa vontade". Sobretudo no Brasil, país múltiplo, multicultural, mas cindido em "guerra civil" e em que o povo está em luta constante pela sobrevivência.

Quanto à juventude, como vimos, é um recurso latente que precisa de utopias (mas suportar a pressão das entropias), mas não de mitos: "Quando eu era jovem, vigorava a crença de que a juventude é progressista por natureza" (Mannheim, 1979, p. 94. – grifos nossos). A juventude, entretanto, tem algo de especial, pois não foi totalmente configurada (ou desfigurada) na ação do "superego":

Do nosso ponto de vista, a maior qualidade da juventude, no auxílio para que a sociedade opere em nova direção, está no fato de que, além de seu maior espírito de aventura, ela não se acha ainda completamente envolvida pelo status quo da ordem social (Mannheim, 1979, p. 94).

Mannheim nos dá, então, uma dica fundamental para vermos os dias de hoje, esta nebulosa entre passado-futuro, antigo-moderno, tradicional e pós-modernidade:

O maior conflito de consciência de nossa juventude é, apenas, o reflexo do caos reinante em nossa vida pública; e a perturbação que então aparece, uma reação natural da mente inexperiente [...] No contexto de nossos problemas, o fato relevante é que a juventude vem "de fora" para os conflitos de nossa moderna sociedade. E é esse fato que faz da juventude o pioneiro predestinado para qualquer mudança da sociedade [...] Essa penetração na sociedade, feita de "fora" 27, torna, então, a juventude especialmente apta a simpatizar com os movimentos sociais dinâmicos que, por razões muito diferentes da sua, se chocam com o estado de coisas existentes (Mannheim, 1979, p. 95. – grifos nossos).

O choque de gerações, portanto, nada mais é do que este reflexo de um "estranhamento social" enfrentado pelos jovens quando se posicionam diante de um mundo já sedimentado pelo capital e pelo consumismo (pensando nos dias atuais), bem como pela desordem, desemprego e violência, no caso brasileiro.

Assim, a juventude se explica e se "aplica" muito mais ao social do que pelas "ingerências biológicas" ou hormonais:

Em linguagem sociológica, ser jovem significa, fundamentalmente, ser um homem marginal, em muitos aspectos, um estranho [...] A meu ver, essa posição de estranho é um fator mais importante do que a fermentação biológica, para a disposição à mudança e para a permeabilidade mental; e tende a coincidir com as atitudes "de estranhos" de outros grupos e indivíduos que, por outros motivos, vivem no limiar da sociedade, tais como as classes oprimidas, os intelectuais não comprometidos, o poeta, o artista, etc. [...] sua supressão ou mobilização e integração num movimento dependem grandemente da manipulação e controle das influências exercidas "de fora" por outrem (Mannheim, 1979, p. 96. – grifos nossos).

Em seguida, Mannheim traz outro dado da "política partidária empregada na educação nazista", como exemplo histórico-concreto desse "deslocamento do jovem do mundo real" ("estranhamento 28"), mas que seria de reflexão para o estudo desse tipo de "sentimento de brutalização das relações sociais e afetivas" porque passa boa parte da juventude brasileira:

No aparecimento do Partido Nazista, essa posição típica do adolescente foi reforçada pela posição "de estranhos" em que tinham sido postas certas classes da população alemã, primeiro pela inflação e, depois, pela crise econômica de 1929 [...] Dos 11.160 professores que desempenhavam trabalhos honoríficos em 1º de outubro de 1937, na juventude Hitlerista, 15,8% tinham mais de 40 anos de idade; 40,5% tinham de 30 a 40 anos; e 4,27% tinham menos de 30 29 (Mannheim, 1979, p. 96-97).

Vejamos alguns dados dessa 2ª Guerra e do uso dos "recursos latentes", materiais e humanos de forma geral, e do "acoplamento" do mundo ao sistema de produção capitalista.

O que foi esta Guerra

A 2ª Grande Guerra produziu:

  • a) 80 milhões de mortos – além dos que morreram de fome e de doenças: oito vezes mais do que na 1ª Guerra Mundial;

  • b) Uma qualidade diferenciada para as mortes: câmara de gás; torturas extremas; experiências com pessoas vivas; massacres programados;

  • c) A América se envolveu na 2ª Grande Guerra porque a lógica da economia de guerra estava em ação, e era expansionista e acumulativa. "No período 1938-1944, a produção de guerra passou de 2 para 100, nos Estados Unidos; de 4 para 100, na Inglaterra; de 16 para 100, na Alemanha; de 8 para 100 no Japão" (Coggiola, 1995, p. 42).

  • d) Daí por diante, a chamada economia de guerra tornou-se uma peça fundamental (um motor) na estrutura da economia global:

    • Da Guerra do Vietnã à invasão da Ilha de Granada.

    • Da Guerra-Fria às duas Guerras do Golfo.

    • Da Revolução Cultural Chinesa e Cubana às guerras fratricidas (de descolonização, descontaminação) na África.

    • Da repressão e da eliminação dos movimentos socialistas na América Latina às FARC, na Colômbia hoje em dia.

    • Da Guerra da Coréia aos Bálcãs e agora no Iraque, novamente.

    • Além das duas dezenas de "decretação" de Estado de Exceção (Estado de Sítio ou Estado de Emergência), em todos os continentes.

Porém, como se diz, a história mudou de figura, após o rompimento do Pacto de não-agressão entre Hitler e Stalin. A lógica socialista da planificação movimentou a URSS como um gigante-ágil. A articulação entre consciência e resistência, entre Povo e Estado foi fundamental:

A consciência das massas provou-se naquele momento. Depois da derrota inicial, que quase dizimou o exército soviético [...] A nova indústria, reconstruída nas regiões não ocupadas, produziu 800 mil tanques entre 1941 e 1945, 400 mil aviões só em 1944. Como termo de comparação basta dizer que na Inglaterra não invadida, e que "ganhou a guerra nos ares", essa cifra corresponde à produção total da guerra, não de um ano só (Coggiola, 1995, p. 51).

Pela lógica da economia de guerra global, a chamada desnazificação foi uma farsa. Basta-nos lembrar que a Bomba A foi construída com o auxílio dos cientistas alemães. Além disso:

A "desnazificação" foi cuidadosamente planejada para ser a perfumaria suscetível de tornar "populares" os acordos contra-revolucionários. Dos supostos cinco mil alemães pertencentes ao alto escalão nazista, em 1951 apenas 50 permaneciam presos. No total, de mais de 13 milhões de alemães "questionados", em 1949 havia apenas 300 presos: "Dos 11.500 juízes em atividade na Alemanha do pós-guerra, 5000 haviam atuado nas cortes nazistas". A execução dos carrascos julgados em Nuremberg foi a cortina de fumaça desta preservação da coluna vertebral do Estado burguês, seja totalitário ou "democrático" (Coggiola, 1995, p. 55. – grifos nossos).

A lógica da "razão instrumental" não estava presente apenas nos campos de concentração e em sua contabilidade apurada (Auschwitz foi apenas seu ícone maior), pois também se verificou muito "versátil" no pós-guerra, com esta "desnazificação" amena: o exemplo maior foi Von Braun, principal cientista alemão que entrou nos EUA através de um programa secreto de "recepção de cientistas nazistas": Operação Paperclip. Depois, naturalizou-se americano, em 1955, e foi trabalhar na NASA em 1960, quando dirigiu os programas de vôos habitados. Ele é o pai do foguete Saturno V que levou os astronautas estado-unidenses à Lua. Essa não-purificação da política no cenário mundial só alimentou a tragédia que nascera com o Estado Nazista.

Os séculos XX e XXI já estavam nos clássicos?

No contexto dos anos 60-70 o debate acerca do poder estava intimamente ligado a três correntes histórico-analíticas sobre o Estado: 1) sua superação pela revolução; 2) a ampliação das bases do Estado Social (herdeiro da 2ª Grande Guerra); 3) uma demarcação "positivista", no sentido da eficácia do direito positivo ou posto, do Estado de Direito que não fosse "prejudicada pelo dogmatismo" (veremos no final do texto).

Mas, então, como relacionar sociedade/Estado, o indivíduo e a autonomia versus as instituições e seus mecanismos disciplinares coercitivos?

Seja como for, como há intercâmbios variados e "vida própria", a escola não é um mero reflexo social: tem atividade criadora. Temos uma idéia disso quando notamos que há uma tensão própria ou natural, da nova geração, diante da ação exercida pelas gerações adultas: pais e educadores. Por isso, constituir a autoridade é exemplo de um dos seus mais claros desafios, e ao pensarmos a autoridade, logo vem à mente a educação e o direito.

De forma objetiva, uma definição "moderna" de Sociologia da Educação poderia ser algo como: "análise científica dos processos e realidades sociais inerentes ao sistema social e educacional, uma vez que a escola consiste numa combinação de ações sociais e a Sociologia, na análise dos níveis de controle e de interação social". Não há em qualquer atividade profissional, como ação educativa ou na forma de pesquisa, comparativamente à educação, outra com maior clareza quanto à idéia de que é preciso ter "paciência com a consciência".

Desse modo, pode-se pensar a Sociologia da Educação como parte do esforço para se concretizar a análise científica dos processos e das regularidades sociais, inerentes ao sistema educacional. Afinal, a educação é um conjunto de ações intencionais (nem sempre institucionais) e a sociologia se dedica ao estudo dos níveis de sociabilidade e interação social ou, ao invés disso, estranhamento e processos de contradição social. Isto depende dos princípios e da "visão de mundo" que orienta o "sistema" ou os educadores envolvidos. Porém, quando se vê que o "direito à educação" não é parte da realidade de milhões de pessoas, então, passamos a pensar a educação e o direito não mais como garantias. Neste caso, tanto podem ser pensados como processo de libertação e autonomia, quanto de massificação e dominação; tendentes tanto à democracia e à "igualdade de condições de partida", quanto à tirania e suas desigualdades mais elementares:

O Informe de Educação 2007 divulgado em janeiro pela Campanha Mundial pela Educação aponta que, em 178 países investigados, 72 milhões de crianças permanecem sem escolarização, 774 milhões de adultos são analfabetos e serão necessários mais 18 milhões de professores antes de 2015 para que se atinjam os objetivos do Educação Para Todos, estabelecidos em 2000, na Cúpula de Dakar (Muñoz, 03/02/2008).

É fato, portanto, que o direito à educação não tem coerção — como direito público-subjetivo, julga-se que a prestação estatal é "opcional". Aqui, faz-se uma tergiversação com o conteúdo "programático" da Constituição brasileira de 1988, como se por causa dessa condição de "programa", determinados artigos pudessem "ser ou não" implementados, ficando a bem prazer dos interesses do governo de plantão ou se houvessem "verbas suplementares". O curioso é que, para o Estado de Direito formal, todo direito se exerce mediante o poder, ou seja, a coerção ou violência — com a óbvia exceção feita aos direitos sociais.

Para Durkheim, que segue esta base do "positivismo jurídico", o direito manifesta-se como fato social (assim como a educação), mas como parte do processo histórico-evolutivo da humanidade (acompanhando a "divisão social do trabalho") irá proporcionar uma migração da esfera penal para o âmbito propriamente dito da produção ("direito contratual"). Em Weber, se seguirmos o mesmo raciocínio "histórico-evolutivo", sairíamos das formas primárias de dominação (tradicional e carismática – e ainda que encontremos seus rastros na atualidade) para a forma avançada da "dominação racional-legal".

Nos próximos itens veremos como Durkheim e Weber nos auxiliam a compreender e fixar melhor algumas das categorias presentes neste conceito de Estado Cientificista.

Weber e o aparador de arestas do mundo moderno: razão e direito

Neste contexto, formam-se conceitos e realidades básicas do mundo moderno: Razão de Estado; Estado de Direito; modernidade tardia. A Razão de Estado, na primeira fase da chamada "modernidade clássica" (liminarmente, a partir do Renascimento) e a modernidade tardia (formando-se na segunda fase da modernidade clássica, Iluminismo, até a contemporaneidade), nada mais são do que formas de "atualização" do "fluxo de racionalidade política" presente no "desencantamento do mundo", e que sempre orientou o longo processo civilizatório. Portanto, para melhor compreender esse processo repleto de procedimentos (dentre eles destaca-se o "uso instrumental" e utilitário, da cognição e da razão), é preciso reconstruir alguns conceitos-chave de Weber, como: desencantamento do mundo, dominação racional-legal, Estado de Direito.

Pode-se dizer que há um duplo sentido para a racionalização: a) perspectiva secular e temporal: o comportamento católico foi estruturado da forma mais racional possível, regras morais de conduta, como também não seria permitido que as ações/relações jurídico–mercantis estivessem reguladas por procedimentos de luta - duelo, por exemplo; b) direito calculável (como se toda relação humana ou social pudesse ser programada, programável, previsível). Numa fórmula: Estado de Direito (jurisprudência formal) é a forma jurídica equivalente ou subserviente ao modelo desenvolvido do capitalismo.

A racionalização presente nas ações e relações sociais, bem como na forma de conduto do longo "processo civilizatório" traria consigo tanto um sentimento de responsabilidade política quanto um sentido de proporção.

Para Weber, o que transforma um político normal em chefe político é o fato de ter uma causa e servir a ela com um profundo sentimento de responsabilidade política e, por isso, um inimigo vulgar da política é colocar a vaidade como esta causa principal (narcisismo). No fundo, há dois males terríveis: não ter ou não defender causa alguma (individualismo exacerbado) e/ou não se sentir responsável pelas próprias ações políticas (cinismo: o adorador do poder pelo poder). O senso de responsabilidade indica que é necessário saber para onde se vai. Diria que também precisamos saber com quem se vai. Em política, o cinismo ou imobilismo também é mortal porque, das duas uma: "em política pode errar quem tenta acertar, mas erra sempre quem não arrisca".

O sentido de proporção é um equilíbrio psicológico que se deve colocar entre dois estados mentais: a) a paixão, que leva à expansão, a agir impulsivamente e, b) o recolhimento diante dos fatos ou da própria causa, a fim de que se possa ver à distância, analisar os vários ângulos envolvidos na questão, para só depois mirar o ponto de chegada. A paixão em política mantém a chama acesa, e anima o chefe político a buscar caminhos para a causa. Porém, só a distância dos fatos, o recolhimento, traz frieza ou mais sobriedade (não indiferença) para que se decida com mais controle e racionalidade. Como se diz, não há como analisar bem, no calor da hora: é preciso esperar pelo rescaldo, a poeira abaixar, para depois decidir. Mas é certo que se trata de um enorme esforço psicológico essa qualidade de se afastar para olhar de fora: nem todos conseguem realmente subjugar energicamente a alma. Afinal, também é preciso saber por onde se vai. O porquê se vai também é importante ter claro, exatamente porque é a parte da história que deverá convencer aliados e/ou eleitores que devem seguir o chefe político. Este conjunto seria uma parte do fluxo contínuo da racionalidade, em Weber, que se aplicaria à educação e ao direito:

Esse modelo distinto envolve seis processos sociais e culturais fundamentais e largamente ramificados: 1. o desencanto e a intelectualização do mundo, e a resultante tendência a ver o mundo como um mecanismo causal sujeito, em princípio, ao controle racional; 2. o surgimento de um ethos de realização secular impessoal, historicamente alicerçado na ética puritana da vocação; 3. a crescente importância do conhecimento técnico especializado em economia, administração e educação; 4. a objetificação e despersonalização do direito, da economia e da organização política do Estado, e o conseqüente recrudescimento da regularidade e da calculabilidade da ação nesses domínios; 5. o progressivo desenvolvimento dos meios tecnicamente racionais de controle sobre o homem e a natureza; e 6. a tendência ao deslocamento da orientação da ação tradicional e assente em valores racionais (wertrational) para a ação puramente instrumental (zweckrational) (Outhwaite & Bottomore, 1996, p. 642).

Na modernidade, boa parte das alegações da Razão de Estado (da razão das razões) vem agora estruturada sob os domínios de uma justificativa sistematizada por aspectos econômicos, administrativos e jurídicos: a alma do Estado Cientificista. Para um autor como Weber, é possível um sentido de racionalidade política, ainda que não seja o único e nem mesmo o principal; a racionalidade é a própria derivação da lógica (elo lógico entre meios e fins), tanto quanto se aplicou ao surgimento de uma ética de fins próprios ou de acordo com a própria intelectualização. Foram exatamente essas três tipologias de racionalidade que Giddens destacou:

(1) o que ele diferia diversamente como (no aspecto positivo) "intelectualização" ou (no aspecto negativo) como "desencantamento" (Entzauberung) do mundo; (2) o crescimento da racionalidade no sentido do "elo metodológico entre um determinado fim prático estabelecido e o uso de um cálculo crescentemente preciso dos meios adequados"; (3) e o crescimento da racionalidade no sentido da formação de uma "ética que fosse sistematicamente e de modo não ambíguo orientada para objetivos fixados" (Giddens, 1998, p. 55).

Como veremos na terceira parte do trabalho, o sentido de proporção deve estar afinado à paixão, quando se fala em termos de educação. Pois, para Weber, se o direito decorre da racionalidade e da previsibilidade constantes do Estado Racional (quando em curso a dominação racional-legal), a educação precisa de paixão e de intuição para florescer.

Durkheim e a obrigatoriedade de ser "reto" no direito

Émile Durkheim (1858-1917) era um filho de judeus que não seguiu o caminho do rabinato. Quando formou-se, passou a lecionar Pedagogia e Ciência Social na Faculdade de Letras de Bordeaux (1887 a 1902). A cátedra de Ciência Social foi a primeira em uma universidade francesa e foi concedida àquele que criou a "Escola Sociológica Francesa". A maioria de seus alunos era de professores do ensino primário.

A França desta época enfrentava muitos problemas sociais e tinha de se "adaptar" à Revolução Industrial e digerir seus "ganhos desiguais". Neste período, o motor de combustão interna, o dínamo, a eletricidade, o telégrafo e o petróleo formavam as vedetes do mundo. Outro fatores, de ordem política, também avolumavam a crise, como: a anexação da Lorena, região em que nasceu Durkheim, foi tomada pela Alemanha. Fato que gerou guerra entre os países em 1871 e levou à proclamação da Terceira República Francesa. Este outro "modelo político" trouxe consigo a obrigatoriedade escolar para crianças de 6 a 13 anos e a proibição do ensino religioso em escolas públicas: nascia ou se fortalecia ali "a escola laica republicana". Posto que a educação pública, de caráter universal, data da própria Revolução Francesa.

Tanto Weber quanto Durkheim (e Marx) dedicaram seus esforços contínuos em busca de um conhecimento aprofundado do sistema capitalista de produção: os métodos e os objetivos é que divergiam entre si. Para Durkheim, interessava destacar o aprimoramento da crescente divisão social do trabalho e a racionalização do processo produtivo. Em suma, trata-se do capitalismo dependente da divisão social do trabalho, como sua fonte de energia e impulso, isto é, sem divisão social do trabalho de pouco adiantariam os esforços intelectuais e ideológicos propostos ao Estado Cientificista.

Para Durkheim, a modernidade representava a fase mais desenvolvida da divisão social do trabalho, momento em que se articulam, ajustando-se às necessidades diversas da produção industrial, o trabalho manual e o intelectual, na forma da função homogeneizadora e da função diferenciadora. O papel do Estado seria, portanto, o de regular os contratos estabelecidos e garantir seu cumprimento.

Para Durkheim, a competição capitalista não é o elemento central da ordem industrial emergente, e algumas das características sobre as quais Marx pusera grande ênfase, ele via como marginais e transitórias. O caráter de rápida transformação da vida social moderna não deriva essencialmente do capitalismo, mas do impulso energizante de uma complexa divisão de trabalho, aproveitando a produção para as necessidades humanas através da exploração industrial da natureza. Vivemos numa ordem que não é capitalista, mas industrial (Giddens, 1991, p. 20).

Também inspirado no liberalismo (princípio da liberdade "Minha liberdade começa onde termina a sua"), Durkheim irá associar liberdade a um conjunto de regras.

Para ser mais preciso, mais moderno, poder-se-ia dizer: "só se livre no direito". É interessante notar que Durkheim falaria de uma autoridade moral superior da coletividade: "De fato, uma regra não é apenas uma maneira habitual de agir; é, antes de mais nada, uma maneira de agir obrigatória, isto é, que escapa, em certa medida, do arbítrio individual [...] pois a única personalidade moral que está acima das personalidades particulares é a formada pela coletividade" (Durkheim, 1999, p.X).

Esta coletividade, sob o capitalismo e a modernidade, deveria imprimir coesão e regularidade ("solidariedade orgânica"). Para Durkheim, a divisão do trabalho é evolutiva, uma vez que se desenvolve concomitantemente à solidariedade orgânica da era moderna. De toda forma, a grande indústria é um pólo dessa definição da modernidade.

Por sua vez, a grande indústria, surgiria como parte dos conflitos da "sociedade moderna" que se abria, a partir da Idade Média. Como nos indica Durkheim, no período da Idade Média, o direito ao trabalho era resguardado tanto quanto era diferente do próprio curso dado ao capitalismo moderno: "Assim, os patrões eram proibidos de frustrá-lo de seu direito ao trabalho’, fazendo-se assistir por seus vizinhos ou mesmo por suas esposas" (Durkheim, 1999, p.XX). É óbvio que Durkheim via o direito ao trabalho, mais não percebia a luta de classes em torno da espoliação ao trabalho.

Outro dado interessante na modernidade de Durkheim, era o papel destacado às corporações profissionais, como mediadoras da relação social e, neste sentido, é fácil perceber que a modernidade demora muito a recuperar a idéia de "probidade profissional" (basicamente, no século XIX). O direito administrativo Francês é um marco. Entretanto, para Durkheim, as corporações na Idade Média já anunciaram a chegada da Burguesia ou terceiro estado: De fato, durante muito tempo Burguês e "gente de ofício eram uma só coisa" (Durkheim, 1999, p. XXVIII).

Durkheim via-se como herdeiro da Revolução Francesa, assim como a maioria dos franceses, mas é no debate acerca do direito e da educação que procurou se afirmar como sustentáculo da Terceira República.


3ª PARTE

Duas regras têm sido atribuídas ao pensamento republicano e "socializador", desde a Revolução Francesa: 1) tanto a instituição do chamado Estado de Direito (principalmente com a Constituição de 1791); 2) quanto a perspectiva de que a educação é um direito público-subjetivo, como parte integrante do processo socializador e formador de cada indivíduo. Para Durkheim este é o cerne da questão: "Constituir esse ser social em cada um de nós — tal é o fim da educação" (1979, p. 43). Este seria o esforço social empreendido pela Função Homogeneizadora da educação:

Não há povo em que não exista certo número de idéias, de sentimentos, e de práticas que a educação deve inculcar a todas as crianças, indistintamente; seja qual for a categoria social a que pertençam [...] No decurso da história, constituiu-se todo um conjunto de idéias acerca da natureza humana, sobre a importância respectiva de nossas diversas faculdades, sobre o direito e sobre o dever, sobre a sociedade, o indivíduo, o progresso, a ciência, a arte, etc., idéias essas que são a base mesma do espírito nacional; toda e qualquer educação, a do rico e a do pobre, a que conduz às carreiras liberais, como a que prepara para as funções industriais, tem por objeto fixar essas idéias na consciência dos educandos. Resulta desses fatos que cada sociedade faz do homem certo ideal, tanto do ponto de vista intelectual, quanto do físico e moral; que esse ideal é, até certo ponto, o mesmo para todos os cidadãos (Durkheim, 1979, p. 41).

Para Durkheim (1999b), "a educação é um fato social" (requisita e expõe, obrigatoriamente: coercitividade 30, exterioridade, universalidade), mas também é uma instituição. Já a escola funciona como "organização social", porque reúne "meios de "identificação sistemática", reprodução afirmativa de valores, do "dever" e das regras morais pré-estabelecidas e do próprio direito. Por isso, pais e professores são considerados como "personificação do dever": a autoridade moral é uma qualidade fundamental.

Com esta ascendência moral tem início, para o sociólogo francês, o processo de socialização primária, coadunando-se liberdade e autoridade: a liberdade é filha da autoridade que se reconhece. Ser livre implica na autogestão da vida, agindo-se conforme a razão e cumprindo-se o dever estabelecido, isto é, satisfazendo-se as expectativas sociais. Portanto, o indivíduo requer educação para socializar-se e viver em sociedade: o homem precisa de modelos sociais porque é egoísta.

A educação enquanto instituição-socializadora, atua como mecanismo essencial de reconstituição, manutenção e perpetuação da sociabilidade e dos sistemas sociais: sem a socialização, o sistema é ineficaz e se desintegra. Ocorre, porém, que esta socialização (identificação com o sistema social), além da própria escola, também se verifica fortemente na família, em igrejas (nas "tradições"), em comunidades (nas regras morais e no direito). É isto que imprime à educação um caráter processual e procedimental, mas não obrigatoriamente de "escolarização".

Para Talcott Parsons, sociólogo americano e divulgador da obra de Durkheim, além de "reproduzir o sistema" como fato social, a educação (como parte do sistema) deveria propiciar uma complementação entre o sistema social (o que inclui política, direito, economia) e o sistema da personalidade da criança. A harmonia, dizia Parsons, está neste equilíbrio, pois os dois sistemas (micro e macro) têm necessidades básicas que precisam ser resolvidas complementarmente.

Uma diferença sensível entre Durkheim e Parsons, está em estabelecer qual "o marco normativo do sistema social". A criança recebe amor e carinho dos pais e, com isso, recepciona o processo de socialização primária, uma vez que seus pais são instrumentos mediadores do sistema social, desde o momento em que se internalizaram essas regras e as transferiram a seus filhos. Assim, as necessidades dos filhos passaram a ser equivalentes, e o indivíduo tornou-se funcional ao sistema: uma correia de transmissão que passa não só pela coerção (no "mundo do adulto", pelo direito), mas também pelo afeto e educação básica da criança.

Os indivíduos precisam assimilar valores e normas que regem o funcionamento social, num processo de "contínua aceitação" e "internalização acrítica", para que haja "reprodução sincrônica do sistema". Diferenças à parte, para ambos há elementos a serem mantidos nos sistemas da educação e do direito: continuidade; conservação; ordem; harmonia; equilíbrio.

Direito e Educação Capitalista

De modo crítico, porém, a questão não é simples assim, porque a "função diferenciadora" (ao contrário da socialização básica) da educação é elitista: "Nem todos somos feitos para refletir; e será preciso que haja sempre homens de sensibilidade e homens de ação [...] Ora, o pensamento não pode ser desenvolvido senão isolado do movimento" (Durkheim, 1979, p. 35. – grifos nossos).

Os gregos também pensavam que quem trabalhava era um aneu logou ou idiotes, ou seja, aquele que não reúne capacidade e condições de pensar e de falar por si mesmo. Sem autonomia, não dispõem dos princípios da isonomia ou da isegoria (liberdade de livre-expressão 31) e, por isso, não colabora com a cidadania. O educando que aceite a condição de ser cliente (cliens = vassalo) não está imune a essas implicações.

Este também seria o "fator hegemônico" que açambarca a todos, em toda a cadeia produtiva da sociedade. Nas sociedades capitalistas, mas democráticas e republicanas, é o fenômeno que ainda contabiliza a educação como instrumento de requisição do "direito a ter direitos".

Assim, o emprego do termo hegemonia — para além de Durkheim ou quando acompanhado do sentido amplo de educação republicana, sem a imposição elitista da "diferenciação profissional" —, deve seguir o princípio grego:

O termo hegemonia deriva do grego eghestai, que significa "conduzir", "ser guia", "ser líder", ou também do verbo eghemoneuo, que significa "ser guia", preceder, "conduzir", e do qual deriva "estar à frente", "comandar", "ser o senhor". Por eghemonia, o antigo grego entendia a direção suprema do exército. Trata-se, portanto, de um termo militar 32. Hegemônico era o chefe militar, o guia e também o comandante do exército. Na época das guerras do Peloponeso, falou-se da cidade hegemônica para indicar a cidade que dirigia a aliança das cidades gregas em luta entre si (Gruppi, 1978, nota 01).

Muito depois é que foi apropriado por Lênin (1905) e subseqüentemente por Gramsci. No caso deste trabalho, seguimos a lição grega: "dar boa direção ao que é público".

De modo complementar, e se cabe uma licenciosidade, a educação (primeiro com a função homogeneizadora) ainda iria conferir um aspecto massificante, mas também dominador, uma vez que se realizaria complementarmente com a Função Diferenciadora — completaria sua função no moderno mundo capitalista. Esta massificação ou socialização, a partir do ensino fundamental, por exemplo, é responsável pela transmissão dos chamados direitos da cidadania: entre eles, o próprio direito à educação, mas também o "sagrado direito à propriedade". Neste sentido, teríamos aqui a hegemonia como dominação, mas que provém da diferenciação:

Ainda hoje não vemos que a educação varia com as classes sociais e com as religiões? A da cidade não é a do campo, a do burguês não é a do operário [...] Cada profissão constitui um meio sui generis, que reclama aptidões particulares e conhecimentos especiais, meio que é regido por certas idéias, certos usos, certas maneiras de ver as coisas; e, como a criança deve ser preparada em vista de certa função, a que será chamada a preencher, a educação não pode ser a mesma, desde certa idade, para todos os indivíduos (Durkheim, 1979, p. 40. – grifos nossos).

Portanto, o sentido de hegemonia aplicado à educação, deixa transparecer a idéia de que se trata de um problema complexo, difuso e multifacetado e, por isso, requer empenho e ação global: dominação ou direção?

Assim, mesmo diante deste duplo sentido, a educação é um dos temas mais caros a todo pensamento ético, republicano, suprapartidário e convincente da necessidade da mínima convivialidade. Se partirmos, principalmente, da premissa de que esta convivência é alicerçada e reforçada pela "expectativa do direito", sobretudo se temos o pensamento de que o direito nasce da necessidade de uma sociedade organizada e, por este motivo, o direito passa a abranger todas as áreas da convivência humana. Devemos lembrar também que, historicamente, nem sempre foi assim.

Por essas razões, alguns chegaram a definir o sociólogo francês E. Durkheim como um "pensador republicano" 33. Na verdade, como já esboçado, Durkheim procura ver e fortalecer (como herdeiro de Descartes, Bacon e Conte) as bases do Estado Cientificista (Pisier, 2004, p. 493). Um claro sinal das sociedades desenvolvidas está próximo à idéia de que se lucraria mais com as formas sociais mais equilibradas e desenvolvidas:

Não somente a força é a companheira inseparável do direito, mas é da força que surge o direito [...] Mas logo se descobriu que era geralmente mais econômico não pretender a completa aniquilação do adversário; daí surgiram as instituições da escravidão, os contratos e os tratados de paz, primeiras formas de direito. Todo tratado é, com efeito, uma ordem que determina um limite para o poder do conquistador (Durkheim, 2003, p. 51. – grifos nossos).

A idéia subjacente à expressão todo tratado, obviamente, passa pelo direito e mais especialmente o "direito contratual" (direito público, no século XX) e quiçá pela noção do "contrato social". No século XX, o direito público passou a envolver e a redimensionar o próprio poder, numa aliança entre "democracia representativa" e Estado de Direito. Durkheim também inventariou algumas das criações mais lógicas da modernidade, para em seguida confrontá-las com suas formas contraditórias:

Quanto à civilização, ela tem uma influência complexa sobre essa tendência. Aprimoramento dos meios de transporte e de comunicação certamente contribuíram para a aceleração desse movimento de concentração; avanços tecnológicos aliviaram o peso esmagador do trabalho mecânico sobre o desenvolvimento da mente; a educação se distribuiu entre classes que a ela não tinham acesso, e o Estado passou a exigi-la de seus cidadãos [...] Finalmente, a atual organização da indústria tem o efeito de separar os empresários mais e mais dos trabalhadores, revivendo a escravidão, que assume uma nova forma (Durkheim, 2003, p. 75).

Neste circuito não há volta possível, em razão do que nos impulsiona à autoconservação. Afinal: "Isto não é razão para fazer retroceder a humanidade – proposta tão ridícula quanto absurda -, pois o mundo avança inexoravelmente e é impossível evitar a mudança" (Durkheim, 2003, p. 75).

No fundo, é como se dissesse que a socialização necessita tanto do direito quanto da educação a fim de se obter melhores resultados do próprio "processo civilizatório". Durkheim ainda afirmava que, na Alemanha, burguês e citadino eram sinônimos, e que o direito urbano era o direito do lucro. Os termos forenses ou mercatores designavam sem distinção os habitantes das cidades: o jus civile ou direito urbano ("evolutivamente" contratual, retraindo-se o penal) era sinônimo de jus fori ou direito do mercado.

Como complemento, o direito constituído (Jus constitutum) é o direito da autoridade (pode ser o pai ou o professor), do governo, de que tem o poder (Jus empirii), e funciona como reflexo da arte do bom e do justo (Jus est ars boni et aequi). Por esta vertente funcional-sistêmica, equilíbrio e harmonia estão na não-dissensão, coibindo-se a anomia (= sem normas), como atentado contra o direito posto. É evidente como se fundem direito e capital.

Então, este "funcionalismo" requer certa "harmonia social", e que também emerge da "solidariedade orgânica": o tipo essencial das modernas sociedades capitalistas – alicerçadas mais no "contrato" e no direito civil ou direito contratual, do que no âmbito penal. Basicamente, porque o direito contratual se aplica ao comércio, à indústria, à ciência e tecnologia (direitos autorais, por exemplo) e subseqüentemente ao Estado.

Portanto "a educação e o direito contratual são os meios pelo quais a sociedade renova continuamente suas condições de existência", mas isto só ocorre se há uma mínima homogeneidade entre seus membros. Acentuaria Durkheim: "a educação perpetua e reforça a homogeneidade, fixando muito cedo na alma da criança semelhanças básicas que a vida coletiva supõe". A vida coletiva, o "mundo adulto do trabalho e do dever", supõe exatamente o "agir social" em conformidade ao direito e às normas (Durkheim, 1979; 1983). É disto que a produção precisa, além de bons cientistas e de centros de pesquisa de excelência — o que reforça seu status de Estado Cientificista.

Enfim, está claro que, nos parâmetros restritivos do Estado Cientificista, a educação e o direito não são meios de mudança, mas sim de preservação e de continuidade. A "escola funcionalista" tem uma posição "conservadora" porque seu objetivo é conservar a homogeneidade social, preservando o status quo predominante, a partir da socialização primária dos indivíduos aptos a contribuírem com a (re)produção da "república capitalista".

Portanto, direito e educação são fundamentos ideológicos do capitalismo, assim como a base de sustentação e reformulação constantes do "pensamento produtivo" que move o Estado Cientificista. Em Weber, o que aqui é tratado como cientificismo, será definido como Estado Racional e, mesmo sob críticas do autor, tem por base a racionalização e a "legalidade moderna", da "dominação racional-legal".


4ª PARTE

Weber terá, desde muito novo, uma vida pública incomum, distinta – uma duplicidade acadêmica e política: educação humanista apurada 34. Na maioridade, já perto da morte, participa das discussões e da elaboração da conhecida Constituição de Weimar (1919), tida como um dos três documentos 35 de sustentação do Estado Social: a base jurídico-política vigente, ao menos em todos os países ocidentais desenvolvidos. Dela advém, por exemplo, os direitos sociais e trabalhistas previstos na Constituição Brasileira de 1988, especialmente os artigos 6º e 7º. Seu pensamento político, portanto, está no eixo do mundo moderno, interferindo diretamente nos pressupostos políticos atuais e ainda hoje, de certo modo, predominantes — se pensarmos que daí decorre o Estado Democrático de Direito, entre 1950 e 1970, na Espanha e em Portugal.

Desse caminho da "racionalidade crescente", retenhamos como exemplo geral a adequação dos meios aos fins e como exemplos específicos tomemos a relação custo-benefício e a planilha de contabilidade por partida dobrada – passos decisivos na direção à Política Econômica Estatal (outrora, iniciada como base do mercantilismo). A outra fonte de sustentação desse modelo social e estatal é a burocracia. A isto ainda se fundem algumas bases legais e democráticas, e com isso teremos o Estado Social e a dominação baseada na lei, a dominação legal ou estatutária (também dominada "racional-legal"):

Dominação legal em virtude de estatuto. Seu tipo mais puro é a dominação burocrática. Sua idéia básica é: qualquer direito pode ser criado e modificado mediante um estatuto sancionado corretamente quanto à forma. A associação dominante é eleita ou nomeada, e ela própria e todas as suas partes são expressas [...] Obedece-se não à pessoa em virtude de seu direito próprio, mas à regra estatuída, que estabelece ao mesmo tempo a quem e em que medida se deve obedecer. Também quem ordena obedece, ao emitir uma ordem, a uma regra: à "lei" ou "regulamento" de uma norma formalmente abstrata [...] a burocracia constitui o tipo tecnicamente mais puro da dominação legal. Nenhuma dominação, todavia, é exclusivamente burocrática, já que nenhuma é exercida unicamente por funcionários contratados [...] É decisivo todavia que o trabalho rotineiro esteja entregue, de maneira predominante e progressiva, ao elemento burocrático. Toda a história do desenvolvimento do Estado moderno, particularmente, identifica-se com a da moderna burocracia e da empresa burocrática, da mesma forma que toda a evolução do grande capitalismo moderno se identifica com a burocratização crescente das empresas econômicas [...] Na época da fundação do Estado moderno, as corporações colegiadas contribuíram de maneira decisiva para o desenvolvimento da forma de dominação legal, e o conceito de "serviço", em particular, deve-lhes a sua existência. Por outro lado, a burocracia eletiva desempenha papel importante na história anterior a da administração burocrática moderna (e também hoje nas democracias) (Weber, 1989, p. 128-129, 130-131).

Dessa experiência direta com o direito (Estado mais "social", do que "democrático") podemos distinguir, como questão de método, o debate central em torno da racionalidade. É no modelo do direito racional (herdeiro do direito romano) que encontrará a base histórica de sua argumentação. Sem dúvida, a modernidade tem uma significação para a compreensão desta cultura que estamos apontando — do mesmo modo, esta advertência deveria distanciar a análise de um sentido puramente ideal e mal-empregada, por exemplo, do conceito de Estado Democrático de Direito 36. Para nossa análise, essa racionalidade crescente (desde os mitos) tanto está no direito, quanto na educação.

Mas, diante desse quadro "teórico-evolutivo", caso tomássemos a longa trajetória de "construção do conhecimento" pela humanidade, haveria diferenças substanciais entre educação e escolarização? Para um pensador da importância de Max Weber, seria oportuno destacar algumas dessas diferenças?

Educar é revelar

Em primeiro lugar, destaca-se a intelectualização (como ação direta da educação: educare ou "desvelamento") e só depois a escolarização, porque a educação se construiu ao longo do próprio "desencantamento do mundo".

A "escolarização", como "institucionalização do conhecimento" (digamos que tenha alguns milhares de anos), continua sendo bem mais recente do que a racionalização ou "desencantamento do mundo" (ou simplesmente "procura por explicações razoáveis, racionais para os fenômenos da vida").

Em decorrência, a escola como instituição em relação direta com o Estado, só apareceu na modernidade, com destaque para as Revoluções Industriais (a partir da "especialização do conhecimento para o trabalho" - como destacou Durkheim) e reafirmando-se com a Revolução Francesa: quando se "instituiu" a educação pública, ou seja, "a educação passou a ser responsabilidade direta e oficial do Estado".

Na modernidade, descontada a "vocação", foi isto o que Weber destacou: o desencantamento - que tanto se alimentou da educação (como processo de conhecimento, descoberta e "racionalização da vida") - culminou na escolarização ("o controle institucional e a validação do conhecimento pelo Estado"). Assim, "a educação como escolarização" (controlada e validada pela ação pública) é parte integrante da "dominação racional-legal" (burocrática).

Para Weber, diga-se que esta relação se dá no bom sentido, porque se trata de um "controle público" (ou do Estado) acerca do conhecimento que possa interessar ao "desenvolvimento da sociedade moderna" (capitalista). O controle público do conhecimento seria legítimo e conferiria ainda maior legitimidade ao aparato estatal, uma vez que se articularia ao próprio domínio do direito e da coerção (violência institucionalizada, capitaneada pelo Estado).

É difícil assegurar com todas as letras, mas é bem provável que sem esta "escolarização" a dominação racional, na modernidade, teria suas atribuições prejudicadas. A "vocação para a ciência", portanto, seria um aditivo, uma reserva (no âmbito do "individualismo metodológico") que poderia conferir resistência aos desvios e abusos cometidos contra esse mesmo "crescimento da racionalidade, mediante a escolarização", a exemplo das pressões do mercado (vistas por Weber) valorizando os tais "professores de sala cheia" (mais como pregadores do que "profissionais comprometidos com a razão").

Este seria "o outro lado da racionalização": "a social, com vistas a fins", cuja expansão conduziu à falta de valores comuns, antes efetivos e permeados pela religião. Com isso, a educação também se tornou presa da burocratização e do cálculo racional, perdendo-se em dimensão ética e ganhando em especialização.

Este seria o cume da racionalidade moderna: a educação se resumiu à escolarização (como "instituição a serviço de") e, por sua vez, acabou por gerar os especialistas. A alimentação da "divisão social do trabalho", na sociedade capitalista avançada, já seria justificada pela "ética protestante". A força instigante por um mundo moderno e mais "racionalmente equilibrado" pode-se ver nesta comparação em Weber, entre a formação da "racionalidade capitalista" e as formas sociais e "éticas" anteriores, como o confucionismo, taoísmo e outras mais.

Porém, a ciência (razão e verdade) perderia com esse afunilamento da especialização e pela burocratização excessiva, sendo mera presa do mercado - caso não fossem reintroduzidas a "esfera ética" e a própria "vocação para a ciência": essa "embriaguez singular", "paixão", "inspiração" que nada tem em comum com o cálculo frio, pois só ocorre após esforço profundo.

Concluindo-se este item com Weber (1979), e pensando a profissionalização da educação: A posição pessoal do homem de ciência nos diz que ele se dedica à ciência pela ciência, e não apenas para que da ciência possam outros retirar vantagens comerciais ou técnicas.

O desencantamento do mundo e a "intelectualização progressiva"

O "desencantamento do mundo" é um "apuramento intelectual progressivo e contínuo" que passa, necessariamente, pelo aprendizado e isto envolve educação, quer seja pela prática, pela observação atenta das circunstâncias, quer seja pela reflexão dos dados coletados. A intelectualização é, sem dúvida, decorrente desse aprendizado, da "educação como processo de desencantamento e de conhecimento".

Ocorre, porém, que pode-se dar (ou não) pela escolarização. A história demonstra que a escola — como temos hoje — é uma criação da modernidade. Mas, é inegável que entre civilizações antigas e diversificadas, como os Sumérios, Persas, Chineses, no Egito antigo ou nos Liceus gregos, havia educação.

Aqui compreendida a educação, como intelectualização progressiva. Essa intelectualização pressupõe um "amadurecimento intelectual-conceitual" ou mesmo um "apuramento técnico", de habilidades ou de conhecimentos práticos e empíricos e, certamente, isto envolve educação.

Mas, como dissemos, nem sempre o aprendizado e a intelectualização se dão em escolas, a exemplo das guildas ou corporações de ofício, em que o aprendizado era de ordem prática, pela ação do "refinamento da arte do trabalho" e sob a supervisão do "mestre de ofício". Esta foi a "educação do artesão", e sem escola, mas sempre "estudando" novos meios e práticas.

Nesse sentido, o conhecimento empírico contribuiu muito para a intelectualização posterior dos "inventores", como o próprio Galileu e Da Vinci, e ainda que muito distantes da "escola formal". A educação, portanto, também passa pela prática, pelo trabalho e, assim, é, enfim, uma "racionalização de métodos e de operações" (como se viu na "contabilidade por partida dobrada: essencial à escrituração racional capitalista).

De outro modo, o Narrador de W. Benjamin também não nos revela como a "oralidade" é uma manifestação da grande enciclopédia das experiências de vida e de cultura? Ao revelar sua cultura aos mais jovens, os mais velhos estão a educar: mostrando aos jovens certos sentidos da vida. E essas "histórias", como parte da cultura, são racionalizadas, isto é, "esquematizadas" para que seu enredo e conteúdo tenham sentido claro ou mais ou menos preciso. Aliás, como ocorre com o mito.

O ascetismo e as "rejeições religiosas do mundo": inação ou contemplação?

Porém, Weber destaca somente o que significa para o homem médio, comum, este fardo do cotidiano, este peso e encargo trazido pelo desencantamento, que é suportar no dia-a-dia a falta do que celebrar. No texto rejeições religiosas do mundo e suas direções (em que mais se detém sobre o tema desencantamento do mundo), são várias as "esferas da vida" que corroboram para a crescente "racionalização e intelectualização": econômica, política, estética, erótica, intelectual e as três fases da teodicéia.

A própria Razão de Estado teria ganho contributo essencial com a racionalização da esfera política, encarnando-se no homo politicus. Neste sentido, o ascetismo é uma forma de racionalização (dedução lógica, coerência) do mundo prático e da própria religião. Em Weber, no entanto, esse papel esclarecedor da ciência é o que conta, é o que deve ser pensado e destacado, incluindo-se aí o trabalho do professor, como um trabalho intelectual (ou voltado à intelectualização) e que tem a grande sina de esclarecer e de elevar os espíritos.

Primeiro, é claro, a ciência contribui para a tecnologia do controle da vida calculando os objetos externos bem como as atividades do homem. Bem, direis vós, afinal de contas isso equivale ao verdureiro do rapaz americano [...] Segundo, a ciência pode contribuir com algo que o verdureiro não pode: métodos de pensamento, os instrumentos e o treinamento para o pensamento. Direis, talvez: Bem isso não são verduras, mas não vai, também, além dos meios para conseguir as verduras [...] Felizmente, porém, a contribuição da ciência não alcança seu limite, com isso. Estamos em condições de levar-nos a um terceiro objetivo: a clareza. Pressupomos, decerto, que nós mesmos possuímos clareza [...] Tendes, então, simplesmente de escolher entre o fim e os meios inevitáveis. Justificará o "fim" os meios? Ou não? O professor pode apresentar-vos a necessidade de tal escolha. Não pode fazer mais do que isso (Weber, 1979, pp. 177-178 – grifos nossos).

Aí estará a ética na educação? Nesta "suposta" neutralidade? Mas, será que há neutralidade em não justificar mais os "fins" do que os "meios", e vice-versa, ou não há neutralidade alguma em educação? Weber está querendo somente dizer: "O professor não poderá impor a seus alunos (discípulos ou não) um determinado caminho que ele próprio tenha definido como o método mais metódico". Quem poderá assegurar que, sempre e indubitavelmente, os meios devem ser valorizados em relação aos fins, especialmente se o "fim" ou objetivo for a autoconservação justificada legitimamente?

Educação e "cultura da vida moderna"

Inspirando-se em Weber, pode-se dizer que é a educação, como fundamento do aprendizado contínuo (e sistemático ou sistematizável), quem orienta e/ou impulsiona o "desencantamento do mundo".

Na verdade, talvez até pudéssemos dizer que ele não fala explicitamente da educação. Mas, Weber não foi um autor que tivesse se preocupado ou destacado a educação em seus trabalhos, a não ser em dois momentos e essencialmente se refere à Universidade: em A ciência como vocação e outro traduzido como Universidade.

No texto em que analisa a idéia de ciência como vocação, como sendo um conjunto de preparos, aptidões intelectuais e tirocínio pessoal, na verdade, é o papel do pesquisador-educador que está em destaque: scholar. Mas, na Alemanha, o jovem cientista era o Privatdozent.

No texto, que é uma conferência, inicia indicando explicitamente esse ponto: "No caso presente, parto da seguinte indagação: quais são, no sentido material do termo, as condições de que se rodeia a ciência como vocação?" (Weber, 1993, p. 17).

Nesta exposição, no entanto, não devemos entrar no mérito das discussões entre o paralelo do ensino na Alemanha e nos EUA, que é um dos belos exemplos de apresentação do modelo típico ideal. Quanto ao sistema em geral, há alguns pontos a ressaltar:

  • a) A idéia da ética profissional: quando Weber diz que seus jovens orientandos deveriam qualificar-se melhor com outros professores, igualmente titulares.

  • b) A escola como empresa capitalista cria problemas para a ciência, pois quem define as "prioridades" é o diretor (um burocrata ou um capitalista, mas não um "homem de ciência").

  • c) Há crescente especialização e divisão do trabalho intelectual:

    • Por um lado o processo é benéfico, porque acirra a competição, quando se elevam as "qualificações técnicas" e também burocráticas das universidades;

    • Por outro, há um grande choque entre gerações e isso afeta as próprias "tradições acadêmicas" (o que não deixa de ser uma questão ética). Assim nos diz:

    • -"Há um abismo, tanto visto de fora quanto visto de dentro, entre essa espécie de grande empresa universitária capitalista e o professor titular comum, de velho estilo. Isto se traduz até na maneira íntima de ser" (Weber, 1993, p. 20. – grifos nossos).

    • -"Em nosso tempo, obra verdadeiramente definitiva e importante é sempre obra de especialista" (Weber, 1993, p. 24. – grifos nossos).

Mas a empresa capitalista de ensino aprofunda essas relações, até o nível da maneira íntima de ser. Se a ciência e o cientista devem ser determinados por sua real vocação, acabam compungidos pelo mercado. O ideal é que tivessem vocação:

Todo jovem que acredite possuir a vocação de cientista deve dar-se conta de que a tarefa que o espera reveste duplo aspecto. Deve ele possuir não apenas as qualificações do cientista, mas também as do professor [...] É possível ser, ao mesmo tempo, eminente cientista e péssimo professor (Weber, 1993, p. 22).

E quem será o bom professor, para essas "empresas da educação", que barganham por e com seus alunos? Novamente a questão ética, pois nem sempre o "melhor professor" é prestigiado, porque tudo se remete à quantificação e não, propriamente, qualificação do professor e do conhecimento que oferta:

...as universidades alemãs, particularmente as pequenas, entregam-se, entre si, à mais ridícula concorrência para atrair estudantes [...] continuará a ser na verdade que o número de estudantes constitui um critério tangível de valor, enquanto que o mérito do cientista pertence ao domínio do imponderável (Weber, 1993, pp. 22-23 – grifos nossos).

Engana-se, portanto, quem não vê em Weber a preocupação ética quanto à ciência e à "empresa particular de ensino" (via de regra, subvertendo-se valores e "razões"). Chega a ser enfático e irônico:

Avalia-se, portanto, o bom e o mau professor pela assiduidade com que os Senhores Estudantes se disponham a honrá-lo. Ora, é indiscutível que os estudantes procuram um determinado professor por motivos que são em grande parte [...] alheios à ciência, motivos que dizem respeito, por exemplo, ao temperamento ou à inflexão da voz (Weber, 1993, p. 23. – grifos nossos).

Aqui, alguns acenos críticos de Weber ao Estado Racional ou ao oportunismo (do marketing) que vinha destacando-se em sua época. Hoje, em alguns casos, pode-se até dizer que é com a facilidade com que atribui notas (às vezes, em troca de certos favores que envolvem a "maneira íntima de ser"). Assim, a contra gosto das multidões, o verdadeiro cientista (e também o bom professor) é o que tenha vocação: próprio daquele que sente o despertar da "experiência viva da ciência".

Sem essa embriaguez singular, de que zombam todos os que se mantém afastados da ciência, sem essa paixão, sem essa certeza de que "milhares de anos se escoaram antes de você ter acesso à vida e milhares se escoarão em silêncio" se você não for capaz de formular aquela conjectura; sem isso, você não possuirá jamais a vocação de cientista e melhor será que se dedique a outra atividade. Com efeito, para o homem, enquanto homem, nada tem valor a menos que ele possa fazê-lo com paixão [...] Essa inspiração não pode ser forçada. Ela nada tem em comum com o cálculo frio [...] Normalmente, a inspiração só ocorre após esforço profundo (Weber, 1993, p. 25. – grifos nossos).

Para Weber, então, a ciência e a educação são feitos de vocação: paixão e esforço profundo. Mas ainda dirá que deve surgir e ser valorizada, a intuição:

Se a inspiração não substitui o trabalho, este, por seu lado, não pode substituir, nem forçar o surgimento da intuição, o que a paixão também não pode fazer. Mas o trabalho e a paixão fazem com que surja a intuição, especialmente quando ambos atuam ao mesmo tempo [...] A intuição, ao contrário do que julgam os pedantes, não desempenha, em ciência, papel mais importante do que lhe toca no campo dos problemas da vida prática, que o empreendedor moderno se empenha em resolver. De outra parte — e é ponto também freqüentemente esquecido — o papel da intuição não é menos importante em ciência do que em arte (Weber, 1993, pp. 26-27 – grifos nossos).

Mas o que é vocação, empenho, intuição? É, em última instância, a dedicação integral (verdadeiramente) a uma causa nobre: "Só aquele que se coloca pura e simplesmente ao serviço de sua causa possui, no mundo da ciência, "personalidade" (Weber, 1993, p. 27).

Por fim, antes de abrir a discussão de que a ciência e sua contribuição ao processo de racionalização é o motor do "desencantamento do mundo", na sociedade moderna, Weber ainda fará uma ressalva quanto à "razão instrumental". Pois, a ciência e suas contribuições pertencem à humanidade, em seu esforço de crescimento pelo conhecimento (racionalizado) e não pode ser reduzido ao mercado:

...qual a posição pessoal do homem de ciência perante sua vocação? [...] Ele nos diz que se dedica à ciência "pela ciência" e não apenas para que da ciência possam outros retirar vantagens comerciais ou técnicas ou para que os homens possam melhor nutrir-se, vestir-se, iluminar-se ou dirigir-se (Weber, 1993, p. 29. – grifos nossos).

Quer dizer que o "homem de ciência", vocacionado, tem disposição de passar a vida atrás de uma verdade regulada por condições/proposições imponderáveis, porque poderá ao final encontrar bem poucas respostas satisfatórias, especialmente às perguntas mais contundentes e decisivas.

Da vocação ao desencantamento do mundo

Se, como veremos, o progresso científico é a mais notável contribuição da sociedade moderna ao processo de hominização (pela profunda racionalização que congregou), então, é óbvio que a educação é a chave dessa vocação moderna, e que sem educação (e ética) todo conhecimento produzido e acumulado seriam instrumentalizados sem nenhum "pudor" ou respeito pela própria humanidade:

O progresso científico é um fragmento, o mais importante indubitavelmente, do processo de intelectualização a que estamos submetidos desde milênios [...] Equivale isso a despojar de magia o mundo [...] O destino de nosso tempo, que se caracteriza pela racionalização, pela intelectualização e, sobretudo, pelo "desencantamento do mundo" levou os homens a banirem da vida pública os valores supremos e mais sublimes (Weber, 1993, pp. 30-51).

É tão grande nossa dívida à racionalização e à intelectualização (de que tanto se vale o "progresso científico") que, sem educação, não há intuição que desperte o homem para si mesmo. Portanto, tanto quanto o "desencantamento do mundo" (como desmagificação), a educação quer sempre (digamos por ofício) revelar, revelar-se, revelar-nos.

A educação implica no ato propositivo/positivo de educar e deriva do latim educare = revelar o que está dentro, instigar e deixar aflorar habilidades e potencialidades, explicitando-se poderes inatos ao homem. Portanto, este revelar é parte do grande esforço pela racionalização (pois só se revela o que se compreende), pelo "desencantamento do mundo".

Se para racionalizar significados (para melhor compreender e assim poder explicá-los) a educação tem a força (necessidade) de revelar, isto também implica em "deslindar" sentidos e, ao final, é claro, "desligar-se" de algo já inapropriado (sinal do próprio "envelhecimento científico"). O que acelera ainda mais o "desencantamento do mundo". Porém, tanto quanto a educação nos "desliga" de "pré-conceitos", por exemplo, o mito, por seu turno, tem a força de reatar, trazer de volta, "reviver", pois o mito realiza-se ao "religar" sentidos e significados supostamente racionalizados (como adormecidos, domesticados, "controlados"). É este "ato de voltar à cena" que demonstra a força do mito — e voltar sempre como "religar" (ou religare). Este religare, entretanto, nada mais é do que o mito às vésperas de ser racionalizado como religião.

A religião, portanto (e neste sentido), é um demonstrativo do enorme esforço humano de fazer avançar o "processo civilizatório". No caso específico, a "religião" seria a prova material de que houve uma "racionalização do mito". Disso decorre a idéia-força da religião como "religare": religando-se ao mundo, ao tempo, ao passado como formação da cultura, dos sentidos, significados e sentimentos.

A religião indica que, em tempos muito remotos (assim como hoje), o homem procurou por respostas, isto é, "razões" explicativas e convincentes para suas dúvidas. Certamente, a religião é uma "resposta" mais elaborada (racionalizada) do que o mito (seu predecessor), mas guardou do mito exatamente o sentido do religare, desse religar-se, "ser presente e atuante". Isto também explicaria porque os mitos estão tão próximos e ativos na sociedade moderna.

O ascetismo funcionaria como um "método investigativo primitivo" (de ordem basicamente introspectiva): "para melhor entender um problema, é preciso afastar-se dele" (guardando distância, tem-se uma "visão mais objetiva" — "não-contaminada pelos sentimentos"). O ascetismo implica exatamente em certo distanciamento, ausência: afastar-se do sentimento "nublado" da fonte do prazer ou do desprazer. Para, enfim, refletir com a "mente limpa", sobre os problemas aflitivos, é necessário afastar tudo que venha a obnubilar ou trazer perturbação da consciência, ofuscação da vista ou obscurecimento do pensamento.

Por isso, certo ascetismo (como o Taoísmo de Lao-Tsé) não é mera fuga, resignação ou só contemplação, mas, antes de tudo, "reflexão (inação) para o agir futuro". No geral, as máximas militares de Sun Tzu sinalizam que a sabedoria (vitória) vem com a prudência (aqui reflexão). Afinal, tanto na guerra quanto na vida civil, é preciso ter "paciência com a consciência".

Também na educação (tão antiga quanto o mito) não será diferente, porque não se "pensa" e nem se aprende (ou educa) às pressas. Portanto, a educação é parte desse "religare", uma vez que, socializa e assim contribui para "racionalizar as regras e os meios da vida social". A escola, como veículo da educação, origina-se da necessidade desse "religar-se ao saber" (conhecimento que provém da razão) e ao controle social.

Assim, a educação também impulsiona o processo de "desencantamento do mundo", ao organizar e formular (meios) para a divulgação e expansão do saber constituído. Mas, esta é apenas uma forma de socialização, porque teríamos, necessariamente, de aprofundar a discussão ética, do próprio "curso do desencantamento do mundo atual", da racionalidade, da tecno-ciência, enfim, do "livre desenvolvimento material que deixou o espiritual apenas como poeira": as portas abertas ao Estado Cientificista. Isto é, ao que parece, o que o próprio Weber nos chamou a atenção a todo instante. O "sucateamento da educação", a perda da vocação do homem de ciência que não mais vive para a ciência é, sem dúvida, uma das facetas do Estado Cientificista.

Para além do Estado Cientificista

Pensar para além do modelo estatal que vem se estabelecendo tão longevamente, não é tarefa para um só, nem coisa de gabinete, tal qual é preciso recuperar a própria história como vislumbre de caminhos para esse esforço. Também sabemos que a definição formal de Estado de Direito não é suficiente, por muitas razões aqui alegadas e por outras mais que o cotidiano nos ensina sobejamente. Uma das possibilidades, e que remonta ao mesmo período contemplado como o mais efervescente da crítica ao direito à educação, é igualmente dos anos 1960-70. Trata-se do que conhecemos por Estado Democrático de Direito Social, mas que àquela altura na Espanha (e só depois em Portugal) trazia a alcunha de Estado social e democrático de Direito.

Os pressupostos fundamentais que acompanham este tipo de definição seriam: a limitação dos órgãos e das atividades do poder, mediante o princípio da legalidade; a garantia (conferida pela legalidade) da positivação dos direitos público-subjetivos (sujjekitiven öffenlichen Rechte); controle jurisdicional efetivo de toda atividade do Estado (independente de qualquer perspectiva jusnaturalista). Sob este prisma, o Estado não pode se dissociar do direito ou da legalidade, se pensarmos no direito positivo de modo mais estrito.

Mesmo Hans Kelsen, na vida madura e na segunda edição do livro Reine Rechtslehre, considerou as limitações dessa abordagem. Dizia ser um pleonasmo a conjugação de que todo Estado é Estado de Direito, se este Estado estiver identificado pelo direito — porque todo Estado está identificado de um modo ou outro a algum "conteúdo" de direito: liberal ou autocrático. Na segunda versão de Kelsen, além do pleonasmo, há que se identificar Estado de Direito com "democracia" e "expectativa do direito":

...aquele que possui um ordenamento jurídico relativamente centralizado, com base na qual a jurisdição ou a administração se vêem vinculadas pela lei, isto é, por normas gerais emanadas de um parlamento eleito pelo povo; cujos membros do governo respondem por seus atos; cujos tribunais são independentes; e onde se garantem determinadas liberdades aos cidadãos, especialmente a liberdade de religião, de consciência ou de expressão (Luño, 2003, p. 239).

Este era o Kelsen maduro, em conflito com a "ideológica da teoria pura do direito". É nítida a influência dos mecanismos regulatórios da democracia representativa — também se vê que não se tratava de nenhuma apostasia da democracia plebiscitária. Talvez se possa dizer que, além de uma expectativa do direito, há uma "certeza do direito".

A par disso, há um sentido propriamente "ideológico" do Estado de Direito: "Esse é o sentido que deve atribuir-se às novas adjetivações de sozialer, ou demokratischer demokratischer Rechtsstaat, Stato di giustizia, Stato di equità... e nas que se dá um maior ou menor grau de utopismo com respeito ao funcionamento efetivo da práxis estatal" (Luño, 2003, p. 240).

À esquerda do debate, pode-se citar Galvano Della Volpe (no livro Rousseau e Marx) e a perspectiva de que a legalidade socialista é equivalente ao espírito liberal encarnado em Locke e Kant.

À direita, o discurso encobre uma "legalidade de exceções", principiando pelo próprio "direito de exclusão" nazi-fascista:

Pode citar-se, como caso limite neste processo de fungibilidade ideológica do Estado de Direito, o de alguns juristas fascistas e nacional-socialistas por demonstrar a predicabilidade dessa noção a respeito de suas realidades políticas. Deste modo, Koellreutter pode aludir a um nationaler Rechtsstaat para designar o sistema político totalitário do III Reich (Luño, 2003, p. 240).

O que está sugerido, portanto, é que analisemos meios e fins, ao tratar do tema Estado de Direito (mas poderia dizer, simplesmente, direito, educação, Estado e política). Seguindo Weber (1979), seria como buscar a relação entre os "valores quanto aos meios" ou a "ética da responsabilidade". O mesmo que não valorar somente os fins ideologicamente propostos e perseguidos, como também as técnicas com as quais atuamos. Há um percurso histórico paralelo, "evolutivo" entre ambos.

Em termos políticos, o resultado pode ser observado na conquista do "direito a ter direitos" (Bobbio, 1992). De modo particular ou objetivo: o próprio direito à educação, o direito de greve, o sufrágio universal, os direitos da seguridade social. São direitos ligados diretamente à luta do movimento trabalhista.

A própria democracia política, a partir mesmo do Bill of Rigths, representa este curso contínuo da longa trajetória da luta política, dos trabalhadores, dos desafortunados de poder. O Habeas corpus é um desses instrumentos de defesa, nascidos ou forjados na luta política, contra o abuso do poder de indivíduos, grupos ou classes que pudessem controlar principalmente os "aparelhos repressores do Estado". Voltemos à sugestão de Luño, para rever Della Volpe (na edição portuguesa) — a citação é longa, mas necessária pois se trata de um "tema em conflito":

A dupla face, as <duas almas>, da liberdade e da democracia moderna. A liberdade civil intitulada pela democracia parlamentar e teorizada por Locke, Montesquieu, Humboldt, Kant, Constant, e a liberdade igualitária instituída pela democracia socialista e teorizada explicitamente por Rousseau, e subentendidas por Marx, Engels e Lenine. A liberdade civil, ou propriedade burguesa, é, no seu sentido histórico e técnico, a liberdade ou conjunto das liberdades dos membros da <sociedade civil> enquanto sociedade (de classe) de indivíduos produtores: é o conjunto das liberdades ou direitos da iniciativa econômica individual, da segurança da propriedade privada (dos meios de produção), do habeas corpus, de livre culto, consciência e imprensa etc. (de alguns dos quais direitos se viu que transcendeu o Estado Burguês pela sua tendência para o universal). Instrumentos jurídico-políticos da liberdade civil: a separação dos poderes do Estado e o aparelho do poder legislativo como representativo-nacional etc.; o parlamentarismo do Estado liberal, burguês. A outra liberdade (Della Volpe, 1982, pp. 55-56).

Talvez neste sentido se apanhe e se aproveite melhor as sugestões de Della Volpe, de que a democracia socialista não substitui e nem está em contradição com os institutos políticos da democracia política (moldados na forja do liberalismo, desde os séculos XV-XVI). A democracia política seria um pré-requisito daquela, uma exigência do movimento dos trabalhadores socialistas.

Na construção do socialismo, a liberdade, a garantia dos direitos fundamentais, a Justiça, deveriam se plasmar, como esteio do próprio Estado de Direito. Com isso, não haveria melhor demonstração ou efetivo uso de práticas políticas democráticas e populares, controlativas de qualquer ímpeto autocrático de poder (ainda que fossem lançados em nome do próprio socialismo).

Por aqui também se encaminha a doutrina do "jusnaturalismo iluminista": as leis devem conter os valores de Justiça e esta certeza deve induzir o Estado de Direito. Como se a lei fosse "expressão da racionalidade histórica e produto de uma vontade majoritária, autenticamente democrática" (Luño, 2003, p. 245).

De todo modo, há um funcionamento efetivo da práxis estatal, seja à esquerda, seja à direita. Também não deixa de ser irônico que esta discussão "ideológica" tenha sobrevindo após as últimas manifestações de Kelsen, em favor de uma "adjetivação" democrática, liberal, socialista ou nazista do Estado de Direito.

Por isso, ainda hoje, podemos/devemos pensar uma "educação após Auschwitz".


5ª PARTE37

A educação libertária precisa enfrentar diretamente a consciência maquínica (Guattari, 1991). Esta (in)consciência é um tipo especial de pensamento positivista, é um "pensamento positivo acerca da técnica". Sem nenhuma consideração do "mal", a consciência maquínica é um pensamento deslumbrado, formado à base da reificação: em que pessoas e máquinas são iguais, são igualmente "coisas". Neste processo de contínuo "desencantamento do mundo", de racionalização progressiva e "civilizatória", como bem salientou Adorno (1995), há momentos estupendos, como também vemos dos mais estúpidos.

A consciência maquínica, entretanto, é mais do que isso, é um positivismo que se apega ao poder, um "positivismo com obsessão pelo poder", como veremos mais adiante. Esta talvez seja a lição mais importante de T. Adorno no clássico "Educação após Auschwitz": o que o autor chamou de "consciência coisificada" (ainda poderia ter dito que é toda "consciência apegada a coisas").

Goethe, com a sua clarividência da impossibilidade de todas as relações humanas que ameaçava a insipiente sociedade industrializada, tentou, nas novelas dos anos de viagem, apresentar o tacto como a informação salvadora entre os homens alienados. Esta informação afigurou-se-lhe inseparável da resignação, da renúncia à proximidade e à paixão não diminuídas e à felicidade duradoura. O humano consistia, para ele, numa auto-limitação que, conjurando-a, convertia em coisa sua o inevitável curso da história – a inumanidade do progresso, a atrofia do sujeito (Adorno, 2001, p. 30).

Para Adorno, a principal tarefa da educação é evitar Auschwitz: o próprio símbolo da consciência maquínica. Porém, Auschwitz é também o símbolo da modernidade e da civilização, em que predomina o "mundo administrado". Então, Auschwitz é "barbárie sofisticada" ou só civilização, e aí está o drama, pois não se combate apenas um dos lados desta contradição hodierna: "Se a barbárie encontra-se no próprio princípio civilizatório, então pretender se opor a isso tem algo de desesperador" (Adorno, 1995, p. 120). A civilização é a "barbárie racionalizada"?

A Bomba A lançada no Japão, para combater o fascismo, seria parte da mesma moeda. Outro dado aventado por Adorno é que, antes de Auschwitz, o nacionalismo (talvez o mais forte componente do Estado Moderno...) serviu de empuxo para o genocídio ou "assassinatos planejados e programados".

Neste sentido, a "educação após Auschwitz" tem uma missão espinhosa: combater os ícones da modernidade, os "mecanismos que produziram pessoas capazes de cometer atos tão horrendos": matar em nome da razão e de modo estritamente calculado (as linhas férreas que conduziam aos campos de extermínio eram as mais rápidas e "precisas" da Alemanha).

A educação que nos importa, portanto, é aquela que revela ("educare"), é "a educação que produz auto-reflexão crítica". Crítica a ponto de perceber as armadilhas da modernidade, este pensamento maquínico que nos "enreda" numa rede claustrofóbica:

É possível falar da claustrofobia das pessoas no mundo administrado, um sentimento de encontrar-se enclausurado numa situação cada vez mais socializada, como uma rede densamente interconectada. Quanto mais densa é a rede, mais se procura escapar, ao mesmo tempo em que precisamente a sua densidade impede a saída. Isto aumenta a raiva contra a civilização. Esta torna-se alvo de uma rebelião violenta e irracional [...] A pressão do geral dominante sobre tudo que é particular, os homens individualmente e as instituições singulares, tem uma tendência a destroçar o particular e individual juntamente com seu potencial de resistência (Adorno, 1995, p. 122).

Este "poder em rede", mas em "rede hierarquizada" em que um "nó" comanda os demais (a exemplo da "convergência nacional ascendente na manutenção da Razão de Estado), portanto, em sentido pejorativo de clausura que provoca a sensação de "emparedamento", também foi descrita por Bourdieu. Ambas as análises sugerem dramaticamente a necessidade do poder ser "visto", porque só assim poderia ser destacado, entendido e enfrentado 38.

De certo modo, é o oposto do que propunha Deleuze e o rizoma, um "poder em rede", mas sem cataclismo ou alguma forma de "teleologia da opressão". É como se a sociedade moderna fosse tecida sem fios, sem cabos, e menos suscetível à firmeza em que se baseia a soberania do Estado-Nação. É uma sociedade de platôs:

Um platô está sempre no meio, nem início nem fim. Um rizoma é feito de platôs [...] uma região contínua de intensidades, vibrando sobre ela mesma, e que se desenvolve evitando toda orientação sobre um ponto culminante ou em direção a uma finalidade exterior [...] Cada platô pode ser lido em qualquer posição e posto em relação com qualquer outro (Deleuze, 1995, pp. 32-33 – grifos nossos).

Mas, será esta "concepção social" adequada ao modelo cibernético (diretivo) da Razão de Estado ou desse coletivo ou "geral dominante", de que falou Adorno?

Em sentido próximo, Foucault propunha exatamente um combate para além ou fora do modelo sincrônico do Estado Leviatã ou da Razão de Estado (aliás, como fazem ou procuram fazer todos os que lutam a "guerra de guerrilha):

...em vez de orientar a pesquisa sobre o poder no sentido do edifício jurídico da soberania, dos aparelhos de Estado e das ideologias que o acompanham, deve-se orientá-la para a dominação, os operadores materiais, as formas de sujeição, os usos e as conexões da sujeição pelos sistemas e os dispositivos estratégicos. É preciso estudar o poder colocando-se fora do modelo do Leviatã, fora do campo delimitado pela soberania jurídica e pela instituição estatal (Foucault, 1992, p. 186. – grifos nossos).

A luta está em sair dessa pressão do "geral dominante" e uma "saída pela educação" seria criar uma "consciência sobre o horror". Esta educação deveria nos preparar para resistir às autoridades com dimensões altamente destrutivas. A autoridade gerada na ausência da liberdade e da autodeterminação gera autoritarismos, "complexos sado-masoquistas", "síndromes e cultos ao personalismo" e de "salvacionismo".

Esse proto-fascismo (Eco, 1998), latente e lancinante, continua como um fenômeno social — não só da "consciência individual deformada". Assim, ver esta "rede opressiva" seria uma forma diferente, alternativa, revigorada de se "enredar por dentro do sistema", propondo-se uma outra entrada (nova) no sistema: "para além do Estado". De todo modo, é claro que este "círculo vicioso" do "poder circular" precisa ser evitado (a todo custo). Mas como, se é parte estruturante da modernidade clássica, da Razão de Estado e do próprio Estado Moderno?

Como ensinou Adorno, a perda da autoridade acirra o "pavor sado-masoquista" e, por isso, sempre há (haverá) quem queira fincar o pé nas hostes do poder: a "índole dos algozes". Isto leva a crer que precisamos ter na educação a vontade da não-participação na heteronomia, subvertendo-se o sentimento de "permanente estado de exceção de comando" (justamente o que leva ao Estado de Exceção). A educação deve "refletir", provocar o "Poder Heterônomo" e ensinar a dizer não 39.

Como se sabe, Adorno era um crítico da "cultura de massas", e os meios de comunicação acabavam por fortalecer essa "massificação": "Sobretudo é preciso atentar ao impacto dos modernos meios de comunicação de massa sobre um estado de consciência que ainda não atingiu o nível do liberalismo cultural burguês do século XIX" (Adorno, 1995, p. 126). A leitura de um clássico da literatura (mesmo "liberal-burguês) deve ensinar mais do que o "entretenimento" e a dispersão da TV.

Mas isto é "coisa do passado"? Não, pois há uma tendência de regressão à "consciência mutilada" que se reflete na não-liberdade e que se inclina à violência. Portanto, a "educação do não à heteronomia" é um combate à imposição dos coletivos e dos seus hábitos, folk-ways. É preciso combater a "cegueira" característica do "modelo viril da educação espartana", "a ferro e fogo", da disciplinarização e da "indiferença à dor" (de si mesmo e, principalmente, do Outro). Daí Adorno dizer que "o medo não deve ser reprimido", porque seria como reprimir a dor (e provocar mais indiferença). A repressão de sentimentos que alimenta os coletivos e suas consciências maquínicas.

É difícil combater os coletivos impostos porque aí se dissolvem as pessoas como "seres autodeterminados", impondo-se a todos um tratamento de "massas amorfas". O coletivo ainda produz um tipo aficcionado e manipulador, um verdadeiro adorador da realpolitik, sempre "mais realista do que o rei": "A qualquer custo ele procura praticar uma pretensa, embora delirante, realpolitik [...] Ele faz do ser atuante, da atividade, da chamada efficiency enquanto tal, um culto, cujo eco ressoa na propaganda do homem ativo" (Adorno, 1995, p. 129). Com esse grau de massificação, adoração do poder e "servilismo produtivo", a "desumanidade só poderia ter um grande futuro pela frente".

A "mesmice" ou "consciência coisificada" acaba, então, por se defender contra qualquer "vir-a-ser", porque só se reconhece o "ser-assim", sem se ter a mínima idéia de "como-ficou-assim". O que chamamos de consciência maquínica, é óbvio, também resulta disso, mas advém de uma relação ambígua: tanto há "racionalidade" (Weber diria "desencantamento"), quanto "fetiche pelo novo". É uma "adoração técnica":

Um mundo em que a técnica ocupa uma posição tão decisiva como acontece atualmente gera pessoas tecnológicas, afinadas com a técnica. Isto tem a sua racionalidade boa: em seu plano mais restrito elas serão menos influenciáveis, com as correspondentes conseqüências no plano geral. Por outro lado, na relação atual com a técnica existe algo de exagerado, irracional, patogênico. Isto se vincula ao "véu tecnológico’. Os homens inclinam-se a considerar a técnica como sendo algo em si mesma, um fim em si mesmo, uma força própria, esquecendo que ela é a extensão do braço dos homens (Adorno, 1995, p. 132).

Esses adoradores de "bugigangas tecnológicas" (alguém já falou em "chofer de computador") é o protótipo do que Adorno denominou de "sujeito experimental" que adora equipamentos e, lógico, experimentos: diríamos que é um positivista-consumista que adora se "equipar". O problema é que este "sujeito" se considera o próprio "espírito do mundo" e assim não percebe esta "racionalidade mesquinha quanto a fins", pois lhe faltam os "meios" para ver isto.

Auschwitz é precisamente o "espírito dessa civilização" em que vivem (sobrevivem) "pessoas civilizadas sem alteridade". Para Adorno, basicamente, só os "utópicos clássicos" perceberam que civilização e barbárie não se excluem, mas se completam, e que o nacionalismo gera a exceção: "Provavelmente até hoje nunca existiu aquele calor humano que todos almejamos, a não ser durante períodos breves e em grupos bastante restritos, e talvez entre alguns selvagens pacíficos" (Adorno, 1995, p. 135). Neste sentido, a utopia funciona bem como "escape", porque não reprime.

Por fim, precisamos enfrentar as "tradições do poder", o que nominamos de Poder Heterônomo: esse "poder aparentemente sem sujeitos", em que só vige a Razão de Estado. Na vigência desse Poder Heterônomo o sujeito é oculto, exatamente porque foi "ocultado" pela grandiosidade da Razão de Estado: "Seria preciso tratar criticamente um conceito tão respeitável como o da razão de Estado, para citar apenas um modelo: na medida em que colocamos o direito do Estado acima do de seus integrantes, o terror já passa a estar potencialmente presente" (Adorno, 1995, p. 137. – grifos nossos).

"Após a educação de Auschwitz"

De lá para cá, o que aprendemos? O que será que aprendemos "após a educação de Auschwitz"? Será que aprendemos que é preciso combater o "hábito" da reprodução, o mecanicismo, todas as formas de determinismo, quase todos os "ismos"?

Por ironia ou infelicidade, para a maioria dos "clássicos da sociologia", educação é uma prática socialmente difundida, "reproduzida", mas nem sempre democrática ou sequer institucionalizada. Portanto, com ou sem escolarização, para este "viés sociológico", a educação constitui um processo de transmissão cultural, cuja tarefa elementar é a reprodução do sistema social (ou, se queremos amenizar, das "condições da vida social herdada"). Subentende-se aqui uma idéia subjacente de "Auschwitz após a educação".

A partir de Durkheim (quer como conformismo ou confirmação, quer como denúncia), temos visto que a educação serve à reprodução do sistema social. Para o próprio Durkheim, isto se dá mediante a ação/reprodução dos fatos sociais: a educação é um fato social. Para Bourdieu, a "reprodução do sistema social" se dá pelo habitus, pela família e outras instituições de socialização primária, por onde passam o social e o cultural.

Mas, será que pode(m) haver outro(s) modelo(s) para a educação e que passem pela liberdade, autonomia e "resistência ao mal"?

Para o filósofo-educador americano John Dewey, por exemplo, é impossível separar a educação do mundo da vida, porque a educação não é preparação nem conformidade: "Educação é vida, é viver, é desenvolver, é crescer". Para Dewey, "a escola é uma micro-comunidade democrática", o ponto de partida para a socialização democrática da sociedade como um todo. A sociedade democrática é mais plural e, por isso, pode haver igualdade de oportunidades dentro de um universo social de diferenças individuais. A diversidade leva à diferença, mas não à desigualdade, porque devem atuar mecanismos compensatórios, como ações afirmativas, "discriminação positiva" e a própria tolerância.

Uma das tarefas da "educação para a vida", portanto, é preparar o sujeito para a liberdade e igualdade. Um dos caminhos, certamente, seria "alavancar resistências ao mal". Para tomar um caso concreto, o mal maior provém das ameaças e do enfraquecimento do modelo democrático, ao mesmo tempo em que há um recrudescimento do uso/abusivo da coerção: uma espécie de Estado de Exceção Permanente. Portanto, a "educação para a liberdade" é toda forma de "educação contra as exceções (espúrias)", é toda "educação após Auschwitz" (Adorno, 1995), isto é, uma "educação contra o mal" sempre está contra o Estado de Exceção e seu inerente "direito à exclusão", querendo-se afirmar a liberdade (como "princípio educativo"). A luta, portanto, é em torno de muitas promessas da modernidade ainda não cumpridas.

A educação na modernidade tardia

A modernidade tardia, enquanto contemporaneidade, coloca-se entre a modernidade clássica e as bases da razão, como "luzes iluministas" da liberdade e da emancipação, para depois (des)construí-la sob a forma do "Estado de Exceção Permanente". Portanto, utilizando-se de uma figura de linguagem, "a modernidade perdeu a razão" (ao menos a razão que nos levaria à liberdade) e criou sua própria "razão instrumental": configurando-se a "crise da razão política" a partir da perspectiva da formação do Estado Moderno. Mais especialmente, essa "crise" consagrou a chamada "Razão de Estado" e desembocou no Estado de Exceção: o nazismo foi um "Estado de Sítio" que durou 12 anos.

Estávamos nos séculos XV e XVI, de Maquiavel à era do saber é poder (de Bacon), de Da Vinci e Galileu, mas partíamos para os séculos XVII e XVIII. Nesta fase, vimos variações e mudanças na Razão de Estado, fase em que o poder exerceu forte conotação de apoio ao status quo, fortalecendo-se ao mesmo tempo em que se aprimoraram as bases materiais e intelectuais de sua existência: da bússola e das grandes navegações à imprensa. Esta foi uma forma intermediária elaborada como "Estado de Necessidade": a primeira forma da exceção no ápice da Revolução Francesa. Houve aí uma "naturalização das necessidades políticas": necessitas legem non habet.

Portanto, não se trata de um corpo estranho, mas de metamorfose da Razão de Estado – um estágio aprimorado em termos técnicos de poder, para além da fundação do Estado Moderno. Também foi o "ponto de inflexão mais forte da razão": da Razão de Estado ao Estado de Exceção Permanente, intercalando-se com o Estado Cientificista.. Em suma, esta metamorfose permitiu a permanência da condição primária e autocrática da soberania.

O ponto de inflexão, de torção (ou extorsão) da razão em instrumento de poder, revelou que a modernidade perdeu a razão em um processo lento, corrosivo, transformando a "ratio" (elemento vivo e sincero do Iluminismo) em "razão instrumental". Por isso, o nazismo é considerado o ápice da "sociedade racionalizada": Adorno diria que o símbolo da modernidade é Auschwitz. Mas, Weber já alertara que o "desencantamento do mundo" é um processo secular, tendo-se iniciado a partir da própria "racionalização do sagrado". Weber ainda diria que "o erotismo é um gozo consciente", ou seja, racional, planejado, quase "não-emocional": nada "platônico".

Assim, com Weber, vimos a passagem do Iluminismo à razão instrumental, sob o argumento de que a "ética protestante" foi a mais ajustada ao "espírito do capital". Esta é a súmula da instrumentalização e não se trata de maniqueísmo, bem ou mal: o capitalismo é contraditório e tem dois lados, ou muitos lados e reversos. Trata-se apenas de um instrumento do sistema de poder hegemônico. Portanto, Weber foi o intérprete sagaz que visualizou a trajetória da ética protestante, como apta a conferir razão e instrumentalidade ao sistema de produção. Ainda que o processo de "desencantamento do mundo" tenha origem remota, como "ascetismo do mundo", é no contexto capitalista que o sagrado foi mais profano, quando ética e capital estão interligados, quando a "desmagificação" e a "perda de sentidos" se fizeram nítidos. Porém, curiosamente, quem melhor narrou esta fase não foi Weber.

Outros estavam ungidos de dor e de glória, com olhos saltados sobre o "caos construtivo", como: Hamlet (o Maquiavel da Literatura: "Se o grande cai, não possui mais amigos / Sobe o pobre, e não tem mais inimigos"); Goethe e o mundo fáustico que se abria com Mefisto; Balzac e as Ilusões Perdidas, listando "maldades e corrupções vulgares e mundanas"; Marx, no libelo insuperável da modernidade - afinal, hoje em dia, quem não sabe, não vê ou não crê que "tudo que é sólido desmancha no ar"?

A Razão de Estado forneceu os indicativos de que o sistema iria, rapidamente, instrumentalizar o poder. Neste sentido, a Razão de Estado teria sido a primeira manifestação clara de que "a política se converteria em razão instrumental", a serviço do Estado e dos grupos de poder hegemônicos. Weber foi, talvez, o autor que não só percebeu esse movimento, como perscrutou por seus caminhos mais inconfessáveis. A ética desse sistema, portanto, era (e é) a ética do poder instituído - mas instituído como poder ou soma de poderes em que se plasmaria toda a sociedade. Por isso, "a ética protestante desempenhou um esforço notável a serviço do espírito do capitalismo".

Pelas razões alegadas, a "modernidade tardia" não pode ser confundida com o que alguns chamam de "pós-moderno" (e mesmo que não saibam muito bem o que isto quer dizer). Mas, na verdade, esta modernidade tardia (aliás, o nome já diz) não é o pós-moderno e é mais do que este "não saber ao certo do que se trata".

No fundo, não há pós-moderno, quer dizer, como se fosse um "mundo novo" que veio depois da modernidade (pode ser que venha, daqui uns 200, 500 ou mil anos – quem sabe?).O que há hoje, na contemporaneidade, é a mesma modernidade desenhada há mais de quinhentos anos. Ainda que seja um lusco-fusco, meio confusa e "perdida de esperanças", numa área cinzenta, é a mesma modernidade.

Temos a mesma modernidade desenhada nos séculos XV-XVI e redesenhada nos quinhentos anos seguintes. De lá para cá, o que a humanidade tem feito é justificação, desculpando-se pelo que não fez. Vez ou outra tenta melhorar, promete a si mesma (e a nós), novamente, mas dificilmente tenta suprir as deficiências iniciais.

Do Renascimento (a "modernidade clássica" de Galileu, Leonardo da Vinci, centralização do Estado-Nação, expansão capitalista) ao Iluminismo (Revolução Francesa, "Séculos das Luzes", "a razão que liberta e só faz o bem"), por exemplo, as bases científicas mantiveram-se basicamente as mesmas (Voltaire não desmentiu Bacon: no "empirismo necessário à ciência moderna"), mas, politicamente, houve traição e foi dolosa.

No Iluminismo da Revolução Francesa, o sonho de um mundo livre, de igualdade e de fraternidade acabou na guilhotina e no Estado de Exceção (o mesmo que foi aplicado no Brasil, no Estado Novo de Getúlio e, depois, em 1964). Dos séculos XVIII-XIX vieram outras tantas "conquistas", derrotas e mais promessas. Uma das derrotas foi o soterramento da liberdade dos insurretos libertários e socialistas: a antevéspera do "proto-fascismo" e do nazismo.

Quando Mary Shelley escreveu o primeiro "romance de terror", publicado em 1848, impiedosa não era a assim denominada "criatura", mas sim Victor Frankenstein: o criador. Com este jovem brilhante e obstinado cientista em busca de glória e de ouro (do "Santo Graal"), tomara "corpo e alma" a própria desilusão com a ciência: suas vítimas, diria a escritora de apenas 19 anos, é toda a humanidade.

Também por essa época "mediana da modernidade", entre os séculos XIX-XX, as promessas passaram do movimento feminista ao voto popular, incluindo-se a "educação pública e gratuita".

Esta Educação Republicana, apesar de ser um dos projetos iluministas do "setecentos", só foi levada (um pouco) mais a sério quase duzentos anos depois – especialmente em países pobres como o Brasil (com as chamadas "reformas da educação").

Daí em diante (ou melhor, desde o Iluminismo), dizia-se: "a popularização do saber será a alavanca do progresso material e da democracia". Bem, como se sabe, no século XXI, nesta água turva contemporânea, olhamos para trás, para nós mesmos e buscamos desculpas para tudo que naufragou ou só ficou na onda das promessas.

Isto é a modernidade tardia, o contemporâneo, o passado-presente e suas promessas não-cumpridas: uma tentativa de acerto de contas com o passado. Não há pós-moderno - a não ser como retórica e uso de instrumentos e chaves não-sectárias -, porque a modernidade ainda não acabou (ou melhor, ainda tenta descobrir o que não foi capaz de fazer, mas que prometeu em nome da "alma mais pura").

A modernidade tardia, não é, portanto, um mundo de mentiras, mas sim de promessas – e é certo que muitas em vão. Na educação, por fim, a maior promessa descumprida é exatamente a do "ensino público e gratuito", mas de qualidade. Simplesmente não há qualidade no ensino público – salvo honrosas exceções – porque o usuário do sistema público não é "cliente", é só um "onerador de serviços" e para este (pobre) a qualidade é um bem de luxo.

Na modernidade tardia, no Brasil e na maior parte do mundo ocidental, para os pobres, "a qualidade permanece como um bem supérfluo".

Além dos males que já vimos em Auschwitz, é fácil perceber que a MODERNIDADE trouxe "novos" valores e mais conflitos, como a recusa do "pensamento metafísico" e a procura por um "paradigma científico", destacando-se a "pluralidade" e a "conflitualidade" (depois a incerteza e a fragmentação: ora chamada de Teoria do Caos, ora apropriada à "pós-modernidade"). Também nos trouxe outro "tipo" de conhecimento e de distinções acerca da realidade, obrigando-nos a abrir o leque da compreensão.

A modernidade, portanto, precisaria redefinir seus padrões também para a Educação — uma definição de EDUCAÇÃO ÉTICA, isto é, uma Educação Integral (permanente), no sentido da "socialização não-excludente 40": uma educação em que alunos e professores compartilhassem de uma visão de mundo de aproximação: de "legitimação da coisa ensinada" – e não como um "conhecimento estranho 41". Uma educação com visão de mundo de aproximação ou de "convicção" (Júnior, s/d). É preciso pensar uma educação ou práticas pedagógicas em que se seja possível tornar o Outro convicto de que se fala ou, ao menos, busca-se a verdade. Uma educação em que "alunos e professores queiram convencer-se e não vencer": como na disputa política (Saviani, 1989).

Uma EDUCAÇÃO REPUBLICANA, em que o compromisso sociológico do educador fosse político (não-partidário), mas focado em reconhecimento, convicção e validação da procura da verdade e do Outro. Uma educação política, mas não para se viver da política e sim para a política. Por isso não cabe o famoso "Alea iacta est" ("a sorte está lançada"), exatamente para que a autoridade educacional não fale como general: "A mãe do covarde não chora" ou, então, "isso é bom de se aprender, mesmo com o inimigo" (Ovídio). Esta "arte da educação", não-indiferente, mas fazendo oposição ao "realismo político" estaria, por fim, em contraste com o antigo provérbio da "arte da conquista": O conquistado de luto, o conquistador à vontade.

Então, que seja uma educação capaz de transformar necessidades em oportunidades para ser livre. Uma educação em que o mais importante seria perceber qual o projeto humano que está direcionando o atual "processo civilizatório". Em poucas palavras:

A educação na modernidade tardia precisa mais de superação do que de um ou outro modelo.

Uma política ética que se aplique à "educação do convencimento" não implica, necessariamente, que se deve evitar (para manter a "sobriedade") ou que se satanize os temas da modernidade e o fluente vigor tecno-científico. Quer dizer apenas que é preciso tratar a política, a tecnologia, o direito, a ética e a educação, cada um a seu tempo, e de forma responsável e "democraticamente comprometida com a dignidade humana".


6ª PARTE

Neste item do texto, o objetivo é analisar (ou pelo menos indicar) as bases de uma ampla rede técnica, científica e intelectual de apoio à modernidade: racionalismo-mecanismo, positivismo-industrialismo. A modernidade construiu as bases técnicas e científicas de sua razão e as transportou por meio dos meios de comunicação os média. O contexto sócio-político em que isto ocorreu pode ser tratado como Estado-Ciência, quando se vê uma forma política que precisa da ciência para o seu próprio desenvolvimento, mas, para isso, sabe que é preciso ter "liberdade para conhecer" e, para conhecer, é preciso difundir.

A mídia, então, nada mais é do que a fase em que ocorre esta difusão de conhecimentos necessários à preservação do próprio modelo sócio-político. Em determinados momentos, é claro, surgem mídias alternativas – a exemplo dos panfletos e dos escritores populares na Revolução Francesa.

A visão/convicção da imprensa livre vem do Iluminismo. Porém, para se chegar a tanto, foi necessária a ocorrência de uma ampla modificação no cenário e no imaginário, portanto, uma fase anterior. Esta fase teve uma partida mais acentuada no Renascimento.

O Renascimento de Gutemberg

A descoberta da prensa e depois a invenção da imprensa por Gutemberg (por volta de 1450) fortaleceu a afirmação do Estado-Laico, do mesmo modo como seria o marco precursor da base material do Iluminismo e isto, é claro, proporcionou novos níveis de racionalidade. O suporte técnico (a prensa 42) permitiria uma difusão de idéias, conhecimentos, teses, ideologias num nível realmente revolucionário. Com os copistas, o conhecimento não poderia ser levado ao mundo e nem a revolução das idéias poderia ser deflagrada, daí o impacto sensacional que o suporte técnico (prensa) teria na designação futura da divulgação do saber e dos ideais modernos. Séculos depois, a Revolução Francesa investiria intensamente neste processo/fluxo, pois, ao criar a escola pública, divulgaria amplamente seu referencial ideológico e amalgamaria popularmente o saber que era portador desta modernidade que se iniciara em 1450.

No sentido apontado, portanto, uma das grandes chaves da modernidade — quanto à sua produção e interpretação — será o aporte/suporte tecnológico. Com isto veio a necessidade de se fixar, para melhor compreender, esta noção de modernidade tecnológica. Assim, divulgar a racionalidade era como iluminar o mundo de um novo sentido, equivalia a revelar novos conteúdos. E este foi o papel desempenhado por esta tecnologia, naquele momento, pois, do mesmo modo, divulgar a racionalidade foi fundamental porque sem a precisão do cálculo (previsibilidade que gera estabilidade) não haveria controle rigoroso sobre o possível valor atribuído às coisas (criações, invenções) e nem às relações sociais e ideologias. As novas idéias a serem "trocadas" nesta fase, eram os ideais propriamente modernos, clássicos — o que também aprofundou as próprias bases racionais deste processo de formação/expansão do "moderno".

Desse modo, a imprensa teria contribuído para a criação de um espaço público? Se assim se deu, houve então um tempo em que a imprensa realmente se podia dizer pública?

Há imprensa pública?

Este processo, portanto, teria criado um "padrão cultural", racional e, em complemento, a perspectiva moderna de espaço público. De modo simples, entendendo-se espaço público como a superação política dos interesses e conflitos individuais e afirmação de uma generalidade por meio de um processo de legitimação de interesses difusos e coletivos (portanto, públicos). Na prática da Revolução Francesa, porém, o iluminismo se revelaria mais ideológico (como idealização contratualista, por exemplo) ou seria mais realista, materialista, limitando-se a impulsos mais exclusivistas?

Curiosamente, este é um dos problemas instrumentalizados nesta fase, mas que nos aflige atualmente, ou seja, foi aí que criamos uma dimensão que agora parece subvertida (para não dizer soterrada). Foi aí que criamos o Estado Liberal e o espaço público, mas parece que hoje vivemos sob o Estado (que tende a se encolher na prática das políticas públicas) só que sem a égide do público. Certamente, tal qual aí floresceu a concepção vencedora do espaço público, hoje vivenciamos o declínio desse mesmo homem público.

A comunicação moderna gera liberdade?

É difícil responder a isso de um modo definitivo (sim ou não) e é provável que poucos se arrisquem a isso, pois há exemplos tanto para o sim, quanto para o não.

Mas, se retomarmos o realismo, veremos que se apóia na idéia da difusão para salientar o papel da imprensa (a mídia impressa) e, se fosse hoje, diria da comunicação (incluindo a idéia de rede ou ciberespaço). Para Victor Hugo é o caminho da liberdade, como diz: é o pensamento humano que larga uma forma e veste outra...

Victor Hugo ainda nos leva a seguir por um minuto o caminho do sociólogo Max Weber, quando analisa o "desencantamento do mundo" (no sentido de desmagificação ou a própria "construção humana de sua inteligência"), ao dizer que: (a imprensa) é a completa e definitiva mudança de pele dessa serpente diabólica, que, desde Adão, representa a inteligência.

Um século e meio depois, diz-se que o ciberespaço é nossa segunda pele (acompanhado da idéia de que a pós-modernidade é um segundo "desencantamento do mundo"). Literalmente, a comunicação iria do "grito ao satélite", tendo a TV como grande espaço de mediação (depois seguida pela web) e Marshall Macluhan foi seu ícone. Sua expressão mais clara e conceitual do período das mídias, mas também dos efeitos da comunicação da condução do processo humano-civilizatório é: "o meio é a mensagem". Agora, o mais curioso é que aí se tem um slogan que nada mais procurou retomar o pensamento clássico e há muito bem-dito: "Só a mão que apaga pode escrever a coisa certa" 43.

Então, quando se diz que Só a mão que apaga pode escrever a coisa certa, em si, não configura uma proposta avançada de educação, no sentido de "conhecer para crescer"?

Como grande mago da mídia moderna, MacLuhan tinha uma posição de crítico severo da educação, quando se aplicassem formas de puro entretenimento. A isto se poderia acrescentar que as novas mídias desmascaram a educação fundamentada no uso da memória. .. melhor usar o pen-drive. Porém, MacLuhan foi um crítico dessa modernidade tardia:

Por muito tempo, supusemos que civilização e humanização fossem a mesma coisa. A civilização é fruto da cultura letrada; a humanização pode ser ou não [...] O homem civilizado imagina que irá ajudar o nativo liquidando o seu mundo, feito de mito e lenda, ritual e superstição. O paradoxo é que, na idade eletrônica, nós próprios estamos caminhando, retornando para o mundo acústico do envolvimento e da percepção simultâneos, experimentando o afloramento da vida subliminar. Quando todas as coisas são simultâneas, isto é, à velocidade da luz, aquelas que comumente são postas de lado no subconsciente voltam ao consciente. Tal é o significado de A interpretação dos sonhos, de Freud. O afloramento do subconsciente do homem ocorreu com o telégrafo, o telefone, o rádio, a televisão e outros meios elétricos. É impossível sublimar ou manter qualquer coisa oculta a essa velocidade [...] Imaginávamos poder, simplesmente, aniquilar a cultura acústica dos primitivos e nativos para civilizá-los; no entanto, o aniquilamento de nossa própria civilização está ocorrendo ao mesmo tempo, graças à nova tecnologia (MacLuhan, 2005, pp. 348-349 – grifos nossos).

De um modo amplo, Benjamin (1996) assim se referiu à "perda da aura" (outra idéia de "desencantamento do mundo", na era da massificação técnica). Portanto, para que se faça um uso não-meramente instrumental do conhecimento e dos sentidos (de modo não-egoísta e utilitário), nada substitui a livre manifestação dos mesmos sentidos, ordenados por pensamentos e transformados em palavras (e conceitos).

Os recursos tecnológicos, desde o binóculo aos telescópios, inicialmente, e depois os microscópios eletrônicos e finalmente o Hubble, todos têm o "sentido" de dar visão a quem não tinha, a não ser por seu entorno, a realidade imediata à sua volta. Desde com o rádio (ultrapassando de vez o telégrafo) e, definitivamente na era da TV (do crítico McLuhan), com o maior alcance da cultura de massa, substituindo-se a idéia de massificação (Adorno e a Teoria Crítica), nunca se pensou tanto sobre a informação e seu conteúdo político, educativo (ou não).

Atualmente, na era das redes, da cibercultura, vemo-nos obrigados ao trabalho coletivo, contra uma "guerra individualista" por publicações quase sempre repetitivas e pouco criativas. Seria curioso pensar a produção de um Balzac, hoje em dia (chegou a escrever por 18 horas seguidas e, no fim da vida, tendo escrito/publicado centenas de livros, artigos e resenhas, morreu pobre).

Na cultura de massa, de certo modo, o sistema cientificista aboliu o belo retirando dele a estética e a arte, "matando a subjetividade de muitos" com uma falsa objetividade científica: incluindo a idéia de uma "informação neutra" criando "métodos mais metódicos" para a transmissão desses conhecimentos. Mas é certo que, sem liberdade não há informação e esta é mãe do conhecimento — o conhecimento indispensável ao nosso crescimento (o que retoma o papel educativo das mídias livres).

Como diz Chauí, na cultura de massas, houve uma privatização da liberdade, portanto, da vida das pessoas e, especialmente, do que até então também se entendia como "vida pública". É como se dissesse: "tanta informação para ficar calado". Esse é um dos efeitos de se consumir cultura/educação. Este curso data do século XIX, quando o projeto da modernidade procurou inibir o público:

No século XIX, em Paris [...] Urbanizar significava construir grandes e largas avenidas, largos espaços abertos por onde os carros militares podiam trafegar rapidamente e sobretudo tornavam impossível construir barricadas 44 [...] Uma das características da sociedade contemporânea [...] é a privatização de nossas vidas, isto é, o isolamento dos indivíduos, a separação entre o local de trabalho e a moradia, formas de lazer solitárias (como a televisão ou o rádio 45), a impessoalidade dos lugares onde fazemos nossas compras (em lugar dos mercados e feiras ao ar livre, onde as pessoas se encontram, artistas populares executam suas artes, vendedores ambulantes anunciam seus produtos milagrosos, pregadores religiosos convidam as pessoas a se converterem à sua religião etc, hoje, vamos a grandes supermercados onde não há vendedores, onde só há vigilantes e caixas, onde as pessoas não se falam, onde nada acontece senão o consumo). Toda uma arquitetura se colocou a serviço dessa privatização e desse isolamento entre as pessoas (Chauí, 1984, pp. 12-13 – grifos nossos).

Ironicamente, a modernidade que inibiu o público, passou a massificar a informação, mas com o intuito de acirrar o consumo. Um tipo de ver para consumir. Aliás, como se vê no pior sentido que há na frase de que: No futuro, toda a gente será célebre durante quinze minutos. A frase, igualmente famosa, é de Andy Warhol (1928 -1987), um dos iniciadores e principais expoentes da Pop Art.

A produção de Andy Warhol é um exemplo ou resultado claro da manifestação da cultura de massas na personalidade do autor, mas há que se ter em conta que há crítica nessa iniciativa de super-exposição do moderno: Em 1961 realizou a sua primeira obra em série usando as latas da sopa Campbell''s como tema, continuando com as garrafas de Coca-Cola e as notas de Dólar, tentando tornar a sua arte o mais industrial possível, usando métodos de produção em massa. Em 1963 a sua tentativa de «viver como uma máquina» teve uma primeira aproximação com a inauguração do seu estúdio permanente - The Factory - A Fábrica.

Andy Warhol passou então a usar pessoas universalmente conhecidas, em vez de objetos de uso massificado, como inspiração: de Jacqueline Kennedy e Marilyn Monroe, a Mao Tse-tung, Che Guevara ou Elvis Presley. A técnica baseava-se em pintar grandes telas com fundos, lábios, sobrancelhas, cabelo, etc. berrantes — estas obras foram um enorme sucesso, ao contrário da série Death and Disaster (Morte e Desastre), em que reproduzia produções monocromáticas de desastres de automóvel brutais (ou uma cadeira eléctrica). Também pode-se ver em sua produção, a crítica de quem estivesse escancarando, mostrando as entranhas de nossa cultura massificada.

É interessante pensar, entretanto, que mesmo diante da cultura de massas, há uma tensão (ou bipolaridade) entre liberdade/criativa e uso/abuso do "direito de expressão" (o exemplo que trazemos está mais para loucura). Mas, vejamos alguns positivos, da liberdade/criativa, e depois da sua própria negação.

O uso da mídia no processo de ensino-aprendizagem

Chamada de mobile learning (aprendizagem móvel) ou Mlearning, ganhou projeção em países "emergentes" (pobres) em que os computadores não são acessíveis, mas os celulares têm uso regular:

"O professor de matemática e ciências de uma escola da província de KwaZulu Natal, no leste da África do Sul, Kumaras Pillay, transformou arquivos para o formato de celular com informações complementares às aulas. "Os arquivos falam de livros, métodos de aprendizagem, como a melhor maneira de estudar as pesquisas de Isaac Newton" (Cafardo, 02/11/2007 – grifos nossos).

Sem dúvida, é o caso de uma ligação em rede entre os clássicos e o contemporâneo. Na África do Sul, apenas 20% da população têm energia elétrica e menos ainda contam com PCs, mas 80% dispõem de celulares: a experiência garantiu a premiação do primeiro lugar, em concurso promovido pelo Microsoft. Um projeto brasileiro de eleições eletrônicas, em Serra Azul/SP, ficou em terceiro lugar. Alunos da escola Francisco Ferreira Freitas usaram uma "urna virtual" para eleger representantes do grêmio estudantil — ainda abriram um espaço no Orkut para discutir os problemas da escola e as propostas de campanha. No México, o Centro de Educação Superior Tecnológico de Monterrey, usa a tecnologia 3G, praticamente desconhecida no Brasil, mas que permite transmissões dez vezes mais rápidas e pela metade do custo 46. O Brasil tem 113 milhões de celulares, três aparelhos para cada cinco habitantes, mas uma lei sancionada no segundo semestre de 2007 proíbe o uso de celulares nas salas de aula.

O abuso da liberdade

Referente à mídia, a censura é tão nefasta quanto a liberdade que se desprende da responsabilidade social, como é típico do chamado sensacionalismo. Mas há um lado muito perverso nesta frase: "todos terão quinze minutos de fama".

Um caso dramático é o do jovem Pekka Auvinen, de 18 anos, que gravou um vídeo e o fixou no YouTube (maior site de imagens e vídeos), em que anunciava o assassinato em série de colegas, em Helsinque, Finlândia. O jovem foi descrito como um garoto comum, de família comum. A Finlândia é conhecida por ter a melhor educação do mundo, como apontado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), desde 2002.

O currículo básico inclui disciplinas como artes, música, economia doméstica, meio ambiente. Nas salas de aula vêem-se instrumentos musicais, computadores e sofás: as escolas têm total autonomia, desde que se cumpra o que se propuserem a fazer. O ensino é bilíngüe: finlandês e sueco. Mas até que terminem o processo de aprendizagem, terão aprendido mais quatro idiomas, os mais procurados são: italiano, inglês, russo, alemão, espanhol e francês. Comida, materiais escolares e transportes são gratuitos, além de que são raras as escolas particulares e não há nenhuma universidade privada. Com tudo isso, por que ocorreu tamanho descalabro?

De modo geral, pode-se explicar pela superexposição do desejo da morte:

Se antes os assassinos escreviam cartas ou enviavam mensagens a jornais para se expressarem, hoje, eles publicam vídeos caseiros na internet [...] "Ele (Auvinen) foi anunciando homeopaticamente o que iria fazer. E um dos sinais que ele deixou foram os vídeos online." Nos posts colocados na internet pelo finlandês, havia homenagens aos atiradores responsáveis pelo massacre de Columbine, ao terrorista americano Unabomber e ao vilão Max Zorin, da série 007 [...] A internet também pode influenciar jovens a criar uma realidade paralela e até viver nela. "Por telefone, você tem uma referência, ainda que mínima, de quem é a outra pessoa. No espaço virtual não, você pode inventar a personalidade que quiser, num mundo sem vínculos com o que o cerca" (Helsinque, 08/11/2007).

A análise geral é de Renato Alves, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Cabe também destacar que em todos os casos onde houve esta superexposição dos agentes (jovens assassinos) os mesmos não procuravam pelo anonimato que a rede, supostamente, lhes daria; ao contrário, queriam é exatamente aparecer e deixar um "recado claro". Em sua camiseta estava escrito: "A humanidade é supervalorizada". Também deixou cerca de 80 vídeos anteriores, em que costumava afirmar: "Não quero fazer parte desta sociedade"; "já tive o bastante"; "estou disposto a morrer por minha causa". Tratava-se de uma tragédia mais do que anunciada: mesmo que os homicídios por arma de fogo sejam quase nulos, é uma das populações que mais se arma no mundo.

No caso finlandês ainda é preciso ressaltar que o isolamento social causado pelo intenso frio nórdico é um dado constante. O índice de suicídio é muito alto, provocado pelo isolamento social e depressão clínica. Esse conjunto, enfim, encontrou na superexposição um componente explosivo e ainda mais isolacionista 47:

Às vésperas do inverno, os estudantes quase não vêem a luz do dia. Entram e saem da escola na escuridão do mundo [...] Assim, a amizade torna-se virtual. A internet [...] é o substituto da televisão [...] "Na Finlândia, crianças de seis anos já freqüentam a escola com seu telefone celular 48. Isso mostra como o mundo virtual tornou-se, entre os finlandeses, um substituto do contato humano", disse o psicólogo Sven Christianson, professor da Universidade de Estocolmo, na Suécia (Helsinque, 08/11/2007).

Mas, é preciso ter claro que, o isolamento social e a depressão e outras patologias, não decorrem de forma mecânica do uso (mesmo que prolongado) da tecnologia.

Reflexões: a liberdade é educativa

Por fim, observando-se pelo lado construtivo da liberdade, como um processo de conhecimento, significa dizer que de momento a momento estamos nos fazendo, que é a nossa liberdade que nos põe um "para-si" (além de um "em-si") e um "para-o-Outro", e que é nosso aluno-interlocutor. Este senso de liberdade (tão cara à comunicação) nos diz que podemos conservar ou modificar aquilo que porventura tenham feito de nós, para isto é necessário "a consciência com paciência", formando uma consciência de nós mesmos e do mundo, mas com o tempo necessário à educação e à reflexão. O mundo moderno precisa da palavra livre:

  • O papel principal da imprensa (ou das mídias de comunicação, de forma geral) seria exatamente este: divulgar abertamente a "palavra livre" para um livre conhecimento, convicção ou convencimento, do interlocutor. Tem um papel educativo na medida em que se torna uma AÇÃO EDUCATIVA COM VISÃO DE MUNDO DE APROXIMAÇÃO ou de convicção: tornar o Outro convicto de que se fala ou, ao menos, se busca a verdade.

  • A IMPRENSA e as mídias decorrentes (não só a impressão de livros: incluindo os livros didáticos), no período glorio do Iluminismo, proporia uma "outra" ética social: de reconhecimento, convicção e validação da procura da verdade e do Outro.

  • É interessante pensar como o conhecimento (fator preponderante da educação só advém da informação (quanto mais livre a imprensa, mais real) e, por fim, como o crescimento só se dá pelo conhecimento. O dogmático, preso a certezas inquestionáveis, não se abre à informação e, assim, não conhece e, em não-conhecendo(-se), não pode crescer (como alguém modificado e que se modifica e, ao se modificar, modifica o entorno). Daí outra relação intrínseca entre educação e informação (mídias em geral).

Talvez se compreenda um pouco melhor a afirmação de Heidegger: Nenhuma época soube menos que a nossa que coisa é o homem. Pelo simples fato de que é um tempo em que tudo está por ser refeito, com muitas hipóteses e alternativas em aberto ou, no sentido clássico, "a sorte está lançada" (Alea iacta est). Então, que façamos de nossa parte um processo educativo e não só competitivo.


7ª PARTE

O que, podemos dizer, com alguma segurança, que é real ou virtual e moderno ou pós-moderno, bem como distinguiria mais claramente Civilização e Barbárie?

Neste sentido, o que há de semelhante entre um quadro como Guernica (Picasso, 1937), a Faixa de Gaza (ontem e hoje), filmes como Exterminador do Futuro ou Mad Max, livros como Mein Kampf ("Minha Luta", de A. Hitler), livros como A Arte da Guerra (Maquiavel), Numância de Cervantes ou A Peste, de Camus, um game do tipo Command&Conquer – Genrals ou um jogo analógico e de carbono, ao estilo de War?

Há ligas entre tudo isso? Estranhamente ou curiosamente para a maioria, nenhuma; para esta brevíssima análise, tudo, pois, são relatos, retratos, metáforas, narrativas, aforismos (máximas), alegorias, das fases porque veio passando e se transformando o que se convencionou chamar de Modernidade: do Renascimento aos dias atuais, da Modernidade Tardia.

Tanta confusão, contrários imiscuídos, não seria demasia dizer-se que "acabou de começar o começo do que já acabava" — fim ou começo? Pleonasmo é só uma figura de linguagem, repetição e redundância que trazem o novo pela metáfora, mas re-significando exatamente os que são/estão, aparentemente, contraditórios, como claro-escuro. Agora, só há claro ou escuro? Assim, pleonasmo é mesmo só um trejeito dos contrários. No popular: sonhar com a morte é sinal de vida, algo tão antigo quanto o esoterismo. Então, o que é a modernidade, senão a soma das duas?

A modernidade é o sorriso da Monalisa. Vejamos a belíssima narrativa de Walter Benjamin:

A imagem do artista de Baudelaire aproxima-se da imagem do herói [...] A força de vontade, assim se lê no Salon de 1845, deve ser um dom realmente precioso e aparentemente nunca se utiliza em vão, pois é suficiente para emprestar algo de inconfundível "...mesmo a obras de segunda categoria...O espectador aprecia o esforço; ele bebe o suor" [...] A apreciação mais feliz é do simbolista Gustave Kahn quando diz que "o trabalho poético se parecia em Baudelaire com um esforço físico" [...] Trata-se da metáfora do esgrimista. Nesta, Baudelaire gostava de apresentar os traços marciais como traços artísticos. Quando descreve Constantin Guys [...] como esgrime com o seu lápis, sua pena, seu pincel [...] como trabalha depressa e com ímpeto [...] Assim ele é marcial embora solitário, contra-atacando seus próprios golpes (Benjamin, 1975, p. 07-08).

Para o Baudelaire, resgatado por Benjamin, a virtù é marcial, mas é igualmente virtuosidade, virtuose: A imagem do artista de Baudelaire aproxima-se da imagem do herói. Contudo, a modernidade é bélica porque é fruto do Renascimento, altamente conflitivo, conquistador, a exemplo dos jesuítas no Brasil, dos portugueses na África com o escravismo e no México, com Cortez e o seu Estado de Sítio:

A conquista do México foi liderada por Fernão Cortez, que em 1519 foi designado para comandar uma expedição à região. Durante os 15 anos anteriores Cortez viveu nas Antilhas, onde obteve terras, riqueza e prestígio [...] O confronto iniciou-se no final de 1519 e estendeu-se até agosto de 1521. Cortez, em desvantagem numérica conseguiu reforços das Antilhas e da Coroa -- homens, cavalos e canhões -, de grupos indígenas e também da varíola. Os Astecas sitiados na capital durante meses acabaram sucumbindo, quando então a cidade foi tomada e os habitantes que restavam foram expulsos 49.

A modernidade nunca abriu mão do Estado de Exceção, porque é a parte fulcral de seu método de ação e de conquista — rigoroso como método de pesquisa ou severo como arte marcial: força, vigor, destemor, enfrentamento e severos códigos de treinamento e de conduta, como entre os samurais. O poder instiga no sujeito, o que há de mais primal no ser humano; o medo ao poder sem controle o transforma-o em serial Killer. É preciso lutar muito para ser digno, além de provar que é inocente, não culpado, é preciso lutar para não adotar a ideologia dominante, em que o Outro é inimigo: Assim, a cada um é solicitado não a ser o mais consensual possível, porém reaprender a lutar (Enriquez, 2004, p. 54). A sociedade geme quando o sitiado quer ser integrado, mas não assimilado, recusando-se a se dobrar diante da aculturação ou imposição do direito do conquistador impor seus valores culturais.

Nas sociedades conflituosas do século XIX e do início do século XX, os estrangeiros, embora muitas vezes numerosos, encontram a duras penas um lugar, ou aceitando assumir os trabalhos mais vis, tornando-se no início tão invisíveis quanto possível (caso dos que emigraram para os Estado Unidos durante todo o século XIX, ou para a França no século XX, até por volta de 1960 – com exceção dos judeus, que constituem um grupo com uma história específica) e integrando-se essencialmente como trabalhadores de mérito; ou, ao contrário, conquistando um lugar de destaque ao sol graças a seu talento criativo (Hollywood foi "inventada" por imigrantes essencialmente judeus: as grandes companhias – Metro-Goldwin-Mayer, Waner Bros, Fox ou Universal – foram todas fundadas por judeus) ou à violência, burlando as leis ( a Máfia siciliana e os gângsteres judeus nos Estados Unidos no início do século XX) [...] O estrangeiro ou se funde na paisagem (e agradece-se a eles por isso), ou ocupa um lugar à força, provocando com isso fascinação e estupor [...] pode também aceitar grupos (sicilianos, judeus) perturbadores, pois eles são veículo para o escândalo [...] e, principalmente, invejados, pois ousaram se comportar de modo diferente, como nômades em um país sedentário, como alguém que realiza os seus desejos em uma sociedade aprisionada por um superego coletivo, como se falasse a língua das pulsões mais viris e mais espetaculares em um universo civilizado tanto os invisíveis como os demasiadamente visíveis acabam excentrado [...] Permanecem, excêntricos [...] Em nossas sociedades, ainda conflituosas mas agora complexas [...] os novos imigrantes não se contentam com um trabalho vil ou servil [...] Querem (a maioria pelo menos) integrar-se sem ser assimilados, ou seja, sem ser forçados a adotar exclusivamente os "padrões" da sociedade que os acolhe. Ao contrário, tentam (sem que nem sempre seja um projeto consciente), moldar esses padrões à sua maneira acrescentar sua criatividade própria e, como dizia Foucault a respeito do pensamento de Nietzche, "utilizar [essa sociedade], deformá-la, fazê-la gemer e protestar" [...] eles, sabem, como dizia Nietzsche, "qualquer coisa decisiva só se constrói com base em um apesar de tudo" [...] Ora, o homem médio do país precisa de certezas, de respostas prontas [...] Ele gosta de idéias prontas e prefere espontaneamente o que é próximo e conhecido ao que oferece uma "estranheza inquietante" [...] Ele se sente invadido. É acometido de um complexo legítimo, complexo de intrusão, o qual expressa o temor, e até a angústia, de quem vê seu "eu-pele" perfurado e suas defesas maltratadas [...] nessa sociedade conflituosa complexa marcada pela "luta dos lugares" [...] O estrangeiro, o imigrante, torna-se nesse momento o portador de todos os pecados, da sujeira universal do mal radical (com exceção daqueles, geralmente atletas – mas são raros -, que favorecem a glória nacional) (Enriquez, 2004, pp. 55-57).

Quando só a presença já interroga, disto só pode resultar ou surgir o medo:

Nem todos os nascidos no país, naturalmente, reagem desse modo [...] Mas o fato é que a presença, em um território, de muitos estrangeiro que começam a tomar a palavra desperta em cada um algum movimento de medo, de modo que ninguém está a salvo do ódio de si e do ódio do outro [...] O estrangeiro incomoda [...] Pois um estrangeiro é sempre um "exotista" é aquele que interroga, com sua própria existência, as normas, os usos e costumes da sociedade que o "acolhe" [...] Não há homem (e grupo) totalmente aberto. Cada um precisa de seu próprio muro, sob pena de tornar-se uma esponja e perder sua consistência [...] em uma sociedade tão conflituosa o termo sociedade pode se aplicar à realidade atual [...] Assim, é preciso manter a vigilância e não se faze de santo, sob pena de, quem sabe, despertar a fera que cada um traz dentro de si (Enriquez, 2004, p. 57).

Não há tolerância total – só se fôssemos tratar de um homem-esponja. Não há luta pelo reconhecimento sem lutas pela conservação — toda luta pela autoconservação é uma luta política (Honneth, 2003). Por isso, da fera satisfeita virá o homem insatisfeito (à espera do próximo confronto):

Tudo, em nossa sociedade (continuemos esse termo) é feito para que ninguém participe do conjunto do funcionamento social. O povo se sente distante da nação, os eleitores, dos homens políticos, os executivos, dos dirigentes das grandes empresas, os habitantes de uma região, dos de outra região (pelo fato de levar-se em conta as diferenças culturais), as mulheres, dos homens, os filhos, de seus pais... É desnecessário estender uma lista que logo se tornaria enfadonha. Participamos apenas de alguns segmentos do socius (Enriquez, 2004, pp. 57-58).

Há tanto medo do Outro e do próprio narcisismo, que se prefere chorar para/por si mesmo:

Como se reconhecer numa sociedade em que os grupos se diversificam ao infinito, mesmo sem necessariamente se tornarem tribos, e em que cada um imita os outros, prega o conformismo e vive na "insignificância", para retomar o termo de Castoriadis? [...] Diversificação e uniformização alcançam o mesmo objetivo: cada homem se torna cada vez mais parecido com o outro, e cada um, por isso mesmo, vê aumentar a própria angústia diante do duplo que assalta, e cada um, igualmente, para proteger-se, refugia-se no "narcisismo das pequenas diferenças" [...] Estrangeiros pra si mesmo, estrangeiro para os outros, apesar e por causa de sua similitude. Quando esse processo é levado ao ápice, chega então "o tempo dos assassinos" (Rimbaud) [...] Bósnia, Kosovo e Ruanda são exemplos extremos [...] A humanidade, em sua marcha caótica, soube até o momento resolver – mais ou menos bem – os problemas que eram apresentados a ela. Não há nenhum motivo para desânimo, mesmo que saibamos que temos que lutar "na contra-encosta, lutar contra nós mesmos (contra a nossa parte mortífera) (Enriquez, 2004, pp. 58-59).

Então, se a modernidade expressa a morte do herói e do quixotesco, a pós-modernidade soterrou o romantismo. Hoje: "Essa instabilidade é dramaticamente acentuada pelo declínio do monopólio da força armada, que já não está nas mãos dos governos" (Hobsbawm, 2007, p. 87). Porque: "Desde o dia 11 de setembro de 2001, Washington vem impondo com descarado cinismo sua política ao resto do mundo" (Mészáros, 2003, p. 10). Hoje, o Império contra-ataca, mas tão fragilmente quanto às torres gêmeas que não suportaram nem o frescor e nem o ardor do Oriente. Como se reportou ao fatídico dia 11 de setembro de 2001, Noam Chomsky faz um retrospecto histórico para projetar seu significado no presente e ao futuro:

Para os Estados Unidos, é a primeira vez, desde a Guerra de 1812, que o território nacional sofre um ataque, ou mesmo é ameaçado [...] Pela primeira, as armas voltaram-se contra nós. Foi uma mudança dramática [...] O mesmo é verdade, e de maneira ainda mais dramática, em relação à Europa [...] A Inglaterra não foi atacada pela Índia, nem a Bélgica pelo Congo, nem a Itália pela Etiópia, nem a França pela Argélia (que a França também não reconhecia como uma "colônia") (Chomsky, 2002, pp. 11-12).

Conforme nota de rodapé explicativa, a Guerra de 1812: "Também chamada de A Segunda Guerra da Independência dos EUA. Foi a guerra declarada contra a Inglaterra [...] Em um de seus episódios mais dramáticos, um batalhão inglês, num ousado ataque, conseguiu chegar até Washington, onde incendiou alguns edifícios públicos, obrigando o presidente a fugir da Capital" (Chomsky, 2002, p. 11). Este é um exemplo de que o inusitado tira forças da virtù, dormente naqueles que se acostumaram com a vitória (ou impunidade).

Diante disso, o chamado mundo pós-moderno sua frio, tem pesadelos por sua fragilidade, sobretudo, quando houve soar às portas o infra/intra-moderno (como Roma e seus bárbaros), a tradição corrompida e seus traidores: os tradicionalismos.

A Modernidade Tardia alimentou/a crenças no imponderável e foram tantas que: um dia alguém acreditou que a fortuna e a cornucópia olhariam para Tertius, e elas olharam. Quem sabe o raio não caia duas vezes no mesmo lugar...

A tradição e a civilização são antepastos de nossa cultura, assim como a barbárie (os tradicionalismos e utilitarismos "modernos"), são nossos antípodas e antepostos. Na dialética de T. Adorno, de A Mínima Moralia:

Tal como despontou historicamente [...] individualidade burguesa emergente se combina com os fracos remanescentes das convenções aristocráticas legadas pelo ancien régime [...] Daí sua dialética [...] Nem pura auto-referência da individualidade nem convenção opressiva, pois: mas ambas definindo-se e limitando-se mutuamente. A civilização quase dispensa a convenção e quase dispensa o móvel interno: joga com ambos. É o momento, raro e fugidio [...] entre o compromisso externo e o impulso interno, entre a renúncia e a plenitude. Como fazê-lo perdurar, cobrar a promesse de civilisation sem a qual não há promesse de bombeur? A civilização envolve, primeiro, a unidade tensa entre conteúdos materiais da experiência socialmente compartilhada e os padrões de interpretação que lhe dão sentido. Depois, configura a unidade maior, entre a civilidade no plano social e a cidadania no plano político; entendida esta na sua dupla dimensão, também inseparável, de exercício de direitos (que são universais) e de participação na coisa pública pelo exercício de virtudes civis (que são contextuais) (Cohn, 2004, pp. 83-84).

O que intriga, deveras, é pensar se há direitos civis e/ou corporativos sob a coroa do Rei João Sem Terra, pois, pelo prumo dado, ali há civilização com ou sem heresia e sua Santa Inquisição ou os mais simples e terrenos crimes de lesa-majestade ou, ainda, direitos costumeiros e que alimentaram a cultura de uma tradição elitista e perversa, como o da prima note.


8ª PARTE

Mais do que ver na política um instrumento de conquista de poder, "o direito à educação pela via republicana" deveria nos nortear a procurar e compreender de que forma os meios políticos podem favorecer a formação para a vida social ou pública (no caso do "aluno" que pensa em ocupar postos de comando). Procurar destacar, a partir dos próprios meios políticos, qual o conteúdo pedagógico (educativo) que daí se destaca, priorizando-se valores sociais e inclusivos, como: tolerância, direitos humanos, democracia comunitária e cidadania radical (ativa).

Neste sentido, é necessário ao menos pontuar o que poderia ser tido como possível à Educação em Direitos Humanos, sobretudo diante da realidade do século XXI.

Qual é a essência dos direitos humanos? Em que termos se colocam democracia, cidadania e participação, "educação baseada na ética"? O que poderia ser pensado para a Educação em Direitos Humanos? Procuramos destacar o "ideal" que se projeta pelo sentido de "supradimensionalidade dos direitos humanos".

Conceitos básicos: democracia, valores e participação política.

Para o filósofo-educador americano John Dewey, por exemplo, é impossível separar a educação do mundo da vida, porque a educação não é preparação nem conformidade: "Educação é vida, é viver, é desenvolver, é crescer". Para Dewey, a é escola uma micro-comunidade democrática, o ponto de partida para a socialização democrática da sociedade como um todo. A sociedade democrática é mais plural e, por isso, pode haver igualdade de oportunidades dentro dum universo social de diferenças individuais. A diversidade leva à diferença, mas não à desigualdade, porque devem atuar mecanismos compensatórios, como ações afirmativas, "discriminação positiva".

Uma das tarefas da "educação para a vida", portanto, é preparar o sujeito para a liberdade e igualdade. Um dos caminhos, certamente, seria alavancar resistências ao mal. Neste caso, o mal maior provém das ameaças e do enfraquecimento do modelo democrático, ao mesmo tempo em que há um recrudescimento do uso/abusivo da coerção — uma espécie de Estado de Exceção Permanente. Portanto, a "educação para a liberdade" é toda "educação contra as exceções (espúrias)", é toda "educação após Auschwitz", isto é, uma "educação contra o mal" sempre está contra o Estado de Exceção e seu inerente "direito à exclusão".

Axel Honneth (2003) é o filósofo alemão "herdeiro" de Habermas e da Teoria Crítica, mais conceituado na atualidade, e que levou adiante o debate acerca da Teoria do Reconhecimento. No texto Democracia como cooperação reflexiva, Honneth (2001) recupera Dewey para traçar dois perfis de democracia: liberal e radical. Os dois módulos seriam antagônicos se as posições se acirrassem na defesa "intransigente" de que só um modelo poderia sair vencedor 50, aquele que fosse o detentor do "modelo mais metódico".

Honneth (2001) também diferencia dois modelos políticos complementares: o Republicano (no qual se filia Hannah Arendt) e o Procedimentalista (este formulado por Habermas). O modelo republicano (de Arendt) retoma a virtus, de definição clássica, como meio/instrumento de educação/formação de valores/virtudes. O que propõe Habermas é que a democracia tome assento nos meios ou nos procedimentos, em que se forma ou se educa o cidadão (para a política). Neste caso, poder-se-ia pensar na educação política de modo prático (pragmático ou até militante), mas de acordo com os procedimentos dispostos anteriormente pelo próprio pacto polítco-constitucional 51.

Entretanto, o que nos propõe Honneth (2001) é exatamente retomar Dewey por completo, não dividido em duas metades, como aparece com a proposição de Arendt e de Habermas. Honneth então incorpora Dewey para um modelo unificador, inclusivo, estendido, entre: meios e fins; valores e ações; planejamento e instrumentos; educação e política; Estado e Sociedade. Assim, em Dewey e Honneth, há um modelo político de cooperação e superação dos conflitos, e constante na forma de se educar para uma cidadania radical, expansiva e ativa: "Para Dewey, que partilha com Arendt e Habermas a intenção de criticar a interpretação individualista de liberdade, a encarnação da liberdade comunicativa não é discurso intersubjetivo, mas o emprego comunal [gemeinschaftlich] de forças individuais para contender com um problema" (Honneth, 2001, p. 70. – grifos nossos).

O que Dewey nos apresenta é um modelo de democracia comunitária e a idéia de que o povo americano, literalmente, encarna a soberania popular, como se cadenciasse a ontologia da política republicana:

Não sem orgulho, Dewey destaca que essa noção de uma incorporação de soberania popular em cada cidadão representa a contribuição central feita pela revolução americana à história das idéias políticas [...] Porque uma "vontade comum" sempre é articulada, de forma mais ou menos consciente, em razão da mera cooperação social, o aparato estatal deve ser encarnado como a instituição política de execução dessa vontade [...] na democracia, persiste uma confiança recíproca em que, em um desenvolvimento ilimitado da personalidade, cada indivíduo pode achar sua função apropriada dentro do complexo de cooperação da sociedade (Honneth, 2001, pp. 72-73 – grifos nossos).

Dewey articula procedimentos reflexivos e comunidade política, como forma de deliberação democrática a partir de valores quanto aos fins da comunidade, como "cooperação social capaz de combinar comunidade democrática e deliberação racional". Há, então, a possibilidade de uma "integração de cidadãos em uma determinada comunidade auto-organizada", unificando a idéia de autopoiésis (auto-organização do ser) e sua própria ontologia política. Mas, como ser social, o homem não conhece o Estado antes da comunidade: "Para ele, é muito irreal, mera ficção, acreditar que a vida social se desenrola sem qualquer associação entre os indivíduos anterior à formação de uma unidade política" (Honneth, 2001, p. 71). Do que se pode concluir que a democracia é uma forma reflexiva de cooperação comunitária.

Educação, democracia e direitos essenciais 52

Como diz Benevides, este modelo da educação política que propõe unificar ação e prudência, resultados e ética, é uma retomada dos clássicos gregos:

A educação política para a cidadania é um tema tão antigo quanto, pelo menos, o da democracia. Para o pensamento político clássico, a principal tarefa dos governantes — e principal virtude dos regimes políticos — era justamente propiciar a educação política do povo. A formação da sociedade pressupunha um povo "adulto’ na política, e não tutelado. Era esse, aliás, o leitmotiv de Platão, no diálogo com os sofistas e, certamente, o de Aristóteles em Política e Ética a Nicômaco. No século XIX, a educação para a cidadania foi ardorosamente defendida por pensadores como Stuart Mill (em Governo Representativo), embora, a essa época, a cidadania significasse, para muitos tementes a Deus, a formação de bons contribuintes e trabalhadores qualificados (Benevides, 1994, pp. 13-14 – grifos nossos).

Mas é claro que a eficácia política, neste caso representada pela soberania popular, também depende de meios e de instrumentos favoráveis. É como se dissesse que na democracia ativa ou radical (para Dewey "comunitária") meios e fins estão emparelhados, concorrem para a mesma média e medida, isto é, diminuir o "déficit democrático":

A introdução do princípio da participação popular no governo da coisa pública é, sem dúvida, um remédio contra aquela arraigada tradição oligáquica e patrimonialista; mas, não é menos verdade que os costumes do povo, sua mentalidade, seus valores, se opõem à igualdade — não apenas a igualdade política, mas a própria igualdade de condições de vida [...] Daí sobrelevar-se a importância da educação política como condição inarredável para a cidadania ativa — numa sociedade republicana e democrática (Benevides, 1991, p. 194).

Para a autora, que é taxativa: "Não resta dúvida de que a educação política — entendida como educação para a cidadania ativa — é o ponto nevrálgico da participação popular. Mas como educar sem praticar?" (Benevides, 1991, pp. 20-21 – grifos nossos). Não resta dúvida, porque é preciso reafirmar esse projeto de educação política popular:

Tais considerações reforçam minha avaliação inicial, referente às vantagens da participação popular como uma "escola de cidadania’, como "educação política’ do povo — apesar de toda a argumentação contrária que exagera as condições de apatia e despreparo absoluto do eleitorado, assim considerado incapaz, submisso e "ineducável’ —, como a "multidão suína’ de que falava Burke, o "rebanho miserável com suas paixões ensandecidas e ignorantes que, se não forem controladas pela lei, justificariam o mais duro despotismo (Benevides, 1991, p. 21).

Outros autores brasileiros também caminham no sentido de que a política é em si mesma um ato educativo:

A dimensão política da educação consiste em que, dirigindo-se aos não-antagônicos a educação os fortalece (ou enfraquece) por referência aos antagônicos e desse modo potencializa (ou despontecializa) a sua prática política. E a dimensão educativa da política consiste em que, tendo como alvo os antagônicos, a prática política se fortalece (ou enfraquece) na medida em que, pela sua capacidade de luta ela convence os não-antagônicos de sua validade (ou não-validade) levando-os a se engajarem (ou não) na mesma luta (Saviani, 1989, p. 94).

Porém, em Benevides, isto é explicitado na forma da participação popular através dos instrumentos jurídicos disponíveis:

Se assim é, a questão, a meu ver, não se esgota em entender o "fracasso’ — seja técnico, seja político — mas em tentar argumentar pelo lado contrário, ou seja, que os institutos de democracia semidireta contribuem para a educação política do povo [...] Finalmente é bom lembrar que a educação política através da participação em processos decisórios, de interesse público — como em referendos, plebiscitos e iniciativas populares —, é importante em si, independentemente do resultado do processo. As campanhas que precedem às consultas populares têm uma função informativa e educativa, de valor inegável, tanto para os participantes do lado "do povo’, quanto para os próprios dirigentes e lideranças políticas (Benevides, 1991, pp. 196-8 - grifos nossos).

Em contexto próximo, o jus-filósofo italiano toma experiências nos EUA como exemplos de tentativa de definição da educação para a cidadania. Porém, o esforço americano não acentuava tão claramente a participação popular :

A educação para a cidadania foi um dos temas preferidos da ciência política americana nos anos cinqüenta, um tema tratado sob o rótulo da "cultura política’ e sobre o qual foram gastos rios de tinta que rapidamente perdeu a cor: das tantas distinções, recordo aquela estabelecida entre cultura para súditos, isto é, orientada para os output do sistema (para os benefícios que o eleitor espera extrair do sistema político), e cultura participante, isto é, orientada para os input própria dos eleitores que se consideram potencialmente empenhados na articulação das demandas e na formação das decisões (Bobbio, 1986, p. 32).

Como quer toda a tradição clássica da política, do liberalismo à democracia radical, a educação como direito público-subjetivo requer isonomia e isegoria (direito de livre-expressão) dos seus cidadãos:

Porque a igualdade dos cidadãos implica a igualdade dos indivíduos em relação ao saber e à formação. Surge enfim, a questão do tipo de educação do cidadão assim definido. Essa educação não pode mais simplesmente consistir numa informação ou instrução que permita ao indivíduo, enquanto governado, ter conhecimento de seus direitos e deveres, para a eles conformar-se com escrúpulo e inteligência. Deve fornecer-lhe, além dessa informação, uma educação que corresponda à sua posição de governante potencial (Canivez, 1991, p.31).

Para Benevides (1996), há várias questões presentes: no caso de ainda haver disputa pelo poder — pois subsistiriam interesses políticos variados em jogo, individuais ou de grupos e estratos sociais —, então, de fato, uma proposta de Educação Para a Democracia (EPD) deveria contemplar o binômio governantes-governados. Porque a rotatividade do poder (dissenso-consenso-dissenso) e a alternância nos cargos (troca constante dos governos) constituiriam uma regra predominante (ou uma realidade) e, por meio de sua verificação, as minorias poderiam (re)compor-se e (re)agrupar-se em nova maioria; ao passo que a maioria governante poderia ser desfeita momentaneamente (passando a governada), mas podendo no momento futuro se realinhar e redefinir, a fim de novamente intervir na definição e escolha das prioridades públicas.

Do contrário, caso os interesses políticos individuais ou grupais estivessem totalmente subsumidos no interesse coletivo, então, o binômio governados-governantes seria uma quimera. Quando o interesse coletivo sobrepuja e amálgama os interesses individuais, ainda que com virtual deliberação dos envolvidos, tem-se a unanimidade e não o Bem Comum; portanto, não há sentido de se propor a EPD como uma educação política (intencionada) para o fortalecimento do exercício rotativo do poder. Seria muito tênue o limite que separa o consenso da unanimidade.

Deste modo, a possibilidade do dissenso poderia ser entendida como disfunção social, como uma questão anômala, anômica, e seus agentes perseguidos e punidos como tal. Ou seja, o consenso deixaria de ser uma busca rotineira, conflituosa sem dúvida, mas participativa, organizada a partir da arte da argumentação, e intermediada e intermediadora das propostas de organização política. Não haveria, enfim, solidariedade, que, inversamente à unanimidade, busca justiça.

EDUCAÇÃO: um Direito democrático

No sentido estritamente jurídico, a educação é um direito público-subjetivo. O debate quanto ao real significado e alcance desse direito é certamente amplo e percorre vários matizes de interpretação da lei. Porém, há alguns aspectos que lhe são fundamentais e, assim, inquestionáveis - sendo definidos pela filosofia do direito e também regulados pela Constituição Federal de 1988. Daí se dizer que, no direito à educação são entendidas também as garantias da gratuidade, do ensino fundamental e médio, e da universalidade quanto às oportunidades de acesso e permanência no interior da escola.

Outra questão é o debate que se faz em torno da democratização e da qualidade do ensino. Independentemente do direito, a história da educação no Brasil demonstra que as reformas que ampliaram o acesso (aumentando a quantidade de vagas), não conseguiram - dialeticamente falando - manter a mesma qualidade do ensino oferecido anteriormente a uma parcela reduzida da população. O princípio da universalização foi atendido, mas a massificação do ingresso não encontrou a mesma equivalência da qualidade antes elitizada. Com o que chegamos à última questão: a democracia exige dos governantes um ensino de qualidade para as camadas populares.

Modernidade Trans-individual - Educação em Direitos Humanos

Como vimos, a prática da soberania popular e a efetivação dos direitos humanos são requisitos básicos da democracia. Se pensarmos de maneira direta, concluiremos que a cidadania só sai fortalecida no âmbito democrático — tendo a educação como substrato — quando a teoria e a prática da educação política popular orienta-se pelos princípios democráticos e se concretiza no respeito e na aplicação integral dos Direitos Humanos.

A temática dos direitos humanos deve ser transversal a todo o processo educativo e não exclusividade desta ou daquela especialidade ou ramo do conhecimento. Por isso não há sentido em se falar de disciplinas relacionadas aos Direitos Humanos que forem implementadas no 1º e 2º graus. Porém, há sentido em se falar de disciplinas específicas quando a referência é o ensino superior ou cursos centrados no tema — como os debates em eventos — porque, neste caso, trata-se de um aprofundamento do tema, das teorias e da história, de suas conseqüências sociais — além de pedagógicas.

Daí que se fala unicamente de Educação em Direitos Humanos e não de Educação para Direitos Humanos (como se fosse algo que se quisesse alcançar), porque a efetivação ou a violação da realidade dos direitos humanos promove ou obstrui a todos os seres. Em outro exemplo, tomando o lema do movimento feminista internacional, Nenhum direito a menos, alguns direitos a mais, poderíamos depositar a ênfase nos Direitos Humanos, e não somente no direito positivo como está na frase. Com o que teríamos: Nenhum direito a menos, alguns Direitos Humanos a mais.

A maior vantagem estaria na afirmativa de que os Direitos Humanos recobrem toda a realidade da pessoa humana. Infelizmente, ainda hoje, é necessário deixar claro que os Direitos Humanos não se aplicam a este ou a aquele grupo social de interesses, independentemente até mesmo da inequívoca justiça que recubra suas aspirações. O lema adaptado à amplitude dos Direitos Humanos ainda traria outra vantagem. Deve ficar claro que, defendendo a adaptação do lema, não desconsidero a história de luta e organização que o conforma. Para o momento, bastaria lembrar o massacre das mulheres trabalhadoras têxteis, nos EUA, como marco do Dia Internacional da Mulher.

A vantagem está, justamente, na incorporação da própria história do lema e do movimento social que o gerou. Assim, é como se dissesse que a história fala por intermédio de novos interlocutores: agora, homens e mulheres, crianças e adultos etc. É a revelação do princípio universal, na medida em que desperta o universal presente no local. Por aí também se vê um bom exemplo de transversalidade dos Direitos Humanos: a luta feminina transformando-se num novo pólo de acessibilidade dos Direitos Humanos, com homens e mulheres em igualdade.

Educação para direitos afins

Por outro lado, têm recrudescido os argumentos que negam a universalização do tema. Baseados nas teses do relativismo cultural, analistas dizem que os Direitos Humanos são valores ocidentais e por isso não se pode forçar países islâmicos em aceitar seus valores. Mas se já não bastasse a argumentação de que os Direitos Humanos pertencem a todos, islâmicos ou democratas, parece necessário indicar a falácia relativista. Se as Repúblicas Islâmicas não incorporam a democracia e o respeito integral aos Direitos Humanos, por outro lado, têm incorporado como estrutura de sua sociedade uma noção realmente capitalista e ocidental — que é a engenharia do cálculo frio e a forma adaptada da razão instrumental. Hobsbawm é claro neste sentido:

Para o senso comum do século XIX, é inconcebível que um enorme progresso material coexista com um retrocesso moral. Mas a experiência demonstra que é possível. Também parece possível a combinação de ideologias anti-racionais com o controle de uma tecnologia baseada em fundamentos racionais. Em alguns países da Ásia, os movimentos fundamentalistas se apóiam em engenheiros e em especialistas em cálculos. Parece muito estranho que alguém que acredite no Alcorão possa ser, ao mesmo tempo, um engenheiro químico. É preciso ver como se resolve isso (Hobsbawm, 22/06/97).

Neste momento, antes de passarmos à frente, creio que é necessário retomar a distinção entre a idéia de direito a ter direitos (Arendt) e direito ao direito. A subsunção do direito à propriedade é claro no pensamento de Hegel — o que o distingue claramente da proposta de Arendt — como indica Bobbio:

O primeiro conceito jurídico com que deparamos é o de propriedade; mas isto ocorre quando a dialética da necessidade — de que nasce o trabalho — e do trabalho — de que nasce a posse — está em pleno desenvolvimento. O ato que transforma a posse em propriedade, isto é, o direito (neste contexto, propriedade e direito são sinônimos, tanto é que o direito à propriedade é definido como "direito ao direito’), é o reconhecimento por parte dos outros: a propriedade é a posse reconhecida (Bobbio, 1989, p. 64).

Daí que se Marx colocou Hegel de cabeça para baixo, uma leitura invertida de Hegel — direito ao direito — pode nos conduzir até Arendt com seu direito a ter direitos — onde a propriedade deixa de ser pré-requisito do próprio direito, ou seja, como se vê nas garantias expressas nas principais declarações universais de direitos humanos. Porque os direitos humanos independem, sobretudo, da condição social e econômica.

Ainda sobre aspectos convergentes, em geral, costuma-se tratar a Educação em Direitos Humanos, como sinônimo da Educação para a Democracia. Nesse sentido, pode-se dizer que, até certo ponto, ambas (Educação para a Democracia e Educação em Direitos Humanos) tratam de questões intercomunicantes. Para tomar outro exemplo, a liberdade, como se sabe, é uma questão intrínseca à democracia. Mas também é um direito básico, previsto no artigo terceiro da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Em sentido diverso, pode-se apontar a obviedade que educar para a democracia é educar para a política. O que não é tão óbvio, porque, no plano concreto, as relações políticas nem sempre estabelecem relações humanas pacíficas. Para a Realpolitik — entre outros, Maquiavel, Hobbes, Marx e Weber —, a violência é o eixo da política. E assim, se a Educação em Direitos Humanos não é neutra, e sim política, seria possível pensarmos numa contradição. Mas ocorre que a Educação para a política não é uma via de mão única. Se tomarmos a separação entre a prática política e a reflexão ética, e hoje isto está mais presente do que nunca, é fácil constatar que de um lado está a violência e do outro, a ética. E, então, se a Educação em Direitos Humanos é intencionada politicamente, a intenção deve ser claramente ética.

Se pensarmos que a Educação para a cidadania não pode estar lastreada pela desigualdade, então também é fácil localizar o conteúdo ético — e que, é bom ressaltar, não deixa de ser político, ainda que não receba o enfoque da violência. Por fim, além de verificarmos que todas estas intenções ou modalidades específicas de educação são interligadas, certifica-se a noção de que o cidadão só pode ser um sujeito social apto aos valores humanos e à ética-política. O que o habilita para noções muito além daquelas previstas pelas relações do trabalho, uma vez que o cidadão não é sinônimo de trabalhador e nem a cidadania se conforma aos caprichos da produtividade capitalista. Como se vê, a abordagem confirma uma tese de Norberto Bobbio (1995, p. 23):

...a esquerda deveria se identificar cada vez mais com a defesa dos direitos de cidadania, em favor sobretudo dos direitos não aquisitivos e dos direitos de autonomia. Quanto aos direitos sociais, conquista histórica da esquerda, sustenta que uma esquerda digna deste nome tem hoje a obrigação de resistir à tentativa liberal de desmantelar os aparatos do Estado social.

Desse modo, é um dever progressista defender o direito à educação como princípio emancipatório e republicanamente hegemônico, e não só como sustentação do Estado de Direito.

Supradimensionalidade dos direitos humanos

Vale reforçar que os Direitos Humanos são considerados naturais e universais, porque pertencem a todos os seres humanos e independem de sexo, etnia, idade, poder aquisitivo, julgamento moral, orientação política e ideológica, religião, opção sexual, condição social ou física. São considerados patrimônios da humanidade. Esses direitos são entendidos como um tipo de salvaguarda ou pleno reconhecimento, seja por parte do governo ou de qualquer outra pessoa. Exigem, portanto, uma defesa intransigente.

Os direitos humanos também são considerados inalienáveis, indivisíveis, intransferíveis e inamovíveis. Em primeiro lugar, isto quer dizer que não podemos dispor (alienar: tirar de si) de nossos direitos. São indivisíveis porque não recebemos apenas uma parte desses direitos. Tome-se o exemplo dos presos: eles não têm direito de liberdade (dada a pena de reclusão) mas estão ao alcance de todo o significado das declarações de direitos, como: direito ao trabalho, à educação, segurança, saúde, lazer, bons tratos etc.

Mas procede perguntar se a liberdade não é um direito humano e se privar alguém do seu exercício não constitui grave violação dos direitos humanos. No geral, é evidente que sim. Mas note-se que a liberdade também é um direito individual e está regulado pela legislação de cada país. Aqui, portanto, faz-se necessária outra distinção: entre os chamados direitos da cidadania ou direitos positivos (referentes a cada Estado e regulados por legislação própria) e os direitos humanos. Ainda no exemplo dos presos, é bom lembrar que também têm suspenso o direito ao voto. Isso se deve ao mesmo fato: o direito de voto é um direito político, estando regulado pelo ordenamento jurídico de cada país.

Por que os direitos humanos são considerados intransferíveis? São considerados assim, porque, para retomar o exemplo dos presidiários, nenhuma pessoa pode transferir seu direito a outro. O direito de liberdade não é exceção: uma mãe não pode transferir seu direito de ir e vir para o filho, indo ocupar seu lugar na prisão. Uma pessoa que ocupe o lugar de outra na prisão, enganando os guardas na hora da visita, por exemplo, responderá pelo crime de falsidade ideológica. E isto é fato real, já tendo ocorrido em vários casos.

Apesar de haver comunicação entre vários tipos de direitos (no mesmo exemplo, políticos, individuais e universais), também dizemos que os direitos humanos são inamovíveis. Nenhum governo pode alegar confusão entre os níveis (individual x universal) para negar ou violar um direito humano. Essa espécie de conflito de interesses entre o que quer o Estado (definido como monopólio legítimo do uso da força e do poder) e o que é direito da pessoa humana é falsa. Para retomar o exemplo dado, mas de forma radical, o governo brasileiro não poderia alegar superlotação carcerária para aplicar a pena de morte (contrariando o artigo 1º, que é o direito à vida), ou alegar falência e deixar de alimentar os presos.


9ª PARTE

Este qualificativo de "moderno" deve ser entendido como o período de "ouro" de nossa história política, social e cultural: a década de 1930. Ainda que a fase se inicie com a chamada "semana de arte moderna", os maiores intérpretes deste novo Brasil se postam nos anos 30 e são considerados os clássicos "explicadores" do Brasil: Oliveira Vianna, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior.

Do que é feito o Brasil?

Os temas propostos e desenvolvidos na grande área Sociologia da Educação, e na disciplina mais específica Educação e Sociedade, permitem caminhar literalmente dos clássicos ao contemporâneo, em uma releitura da formação da cultura e da educação, da sociedade, dos aparelhos políticos e institucionais do Estado (ideológicos, jurídicos ou de repressão), a partir de nossa formação colonial e moderna.

Uma proposta de pesquisa de cunho prático mais interessante seria redescobrir nossos saberes/poderes por meio do discurso do educador, por exemplo, em confronto com textos clássicos. O que pensam os educadores ou "formandos", como futuros bacharéis, acerca dos conceitos e da realidade que os envolve?

Poderemos perceber contradições, ilusões (desnecessárias) ou uma percepção crítica e pró-ativa. Por exemplo, pode-se procurar perceber qual o imaginário que ainda se constrói em sala de aula (a partir de relatos práticos e de verbalizações conceituais), quando se referem ao conceito/modelo (ou tipo) de:

  • Estado (liberal/constitucional/socialista/democrático/republicano).

  • Sociedade (tradicional/moderna/rural/urbana).

  • Cultura (cordialidade/passividade/resistência/conformismo).

  • Educação (bancária/escolar/reflexiva/propositiva/emancipatória).

  • Democracia (radical/plebiscitária/representativa).

  • Cidadania (ativa/eleitoral/passiva).

  • Política (liberdade/dominação).

  • Participação e responsabilidade social (reformista/revolucionária).

A técnica seria ouvir e procurar perceber o que nossos alunos entendem desses temas, num primeiro momento (aplicando questionário), para depois passar ao desenvolvimento desses temas em sala de aula, agora confrontando-se claramente os discursos com textos teóricos mais ou menos específicos. (Este é um momento do desafio educacional de que nos falava Florestan Fernandes). Isto ajudaria a entender qual a perspectiva e projeção histórica dos educadores (ou futuros bacharéis) e como a desenvolvem na sala de aula. O objetivo é identificar mais claramente qual o conteúdo dos componentes ideológicos que compõem o discurso educacional e, assim, melhor perceber a concepção que fazem ou não, acerca do Estado e da educação como parte das políticas públicas.

Alguns marcos históricos podem/devem ser tomados como referência porque identificam tanto o percurso histórico tratado, quanto se refere a uma "época de interpretação" ou historiografia brasileira. Nos anos de 1930, por exemplo, além da modernidade, temos golpe de Estado, industrialização, integral revisão legislativa, o Manifesto dos Pioneiros e os "explicadores do Brasil": Gilberto Freyre, Caio Prado; Oliveira Vianna; Sérgio Buarque de Holanda. Esse período marca o modernismo brasileiro na arquitetura, como a construção do Aeroporto de Congonhas (1936), na literatura, com Graciliano Ramos (Vidas Secas), Jorge Amado (Capitães de Areia) e nas artes (Tarsila do Amaral - Abapuru). Na seqüência, há outra reviravolta, agora na educação, com Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo. Nos anos 60, a proposta socialista e o golpe de Estado de 64; nos anos 70, a "era da economia"; na década de 80, a abertura e a retomada institucional; nos anos 90, a nova perspectiva de Brasil e que não veio; no novo milênio ainda temos problemas do início da República, como racismo e analfabetismo.

Como se sabe, data de longa história a bibliografia básica explicativa da formação da realidade brasileira, desde os "explicadores do Brasil", da chamada "Geração de 30", até clássicos contemporâneos. No passado da década mais frutífera de nossa história temos Oliveira Vianna, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior. De lá para cá, contemporaneamente, a academia forjou nomes ímpares como Alfredo Bosi, Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Antonio Cândido.

Nesta relação entre literatura e realidade, Ianni, por exemplo, dirá que a imaginação analítica do brasileiro é praticamente ilimitada:

Sim, o que se depreende dos múltiplos tipos que povoam o pensamento social brasileiro, em suas versões científicas, literárias e dos diferentes setores sociais, em suas atividades e fabulações, é que levam consigo uma forte conotação cultural, com acentuados ingredientes psicossociais. Aí entra o "homem cordial", no sentido de fortemente determinado pelas emoções, a subjetividade, o coração (córdis), um tanto alheio ou mesmo avesso ao "racional". Aí também entram o "bandeirante", o "índio, o "negro", o "imigrante", o "gaúcho", o "sertanejo", o "seringueiro", o "colonizador", o "desbravador", o "aventureiro", "Macunaíma", "Martim Cererê", "João Grilo", a "preguiça", a "luxúria", "Jeca Tatu", as "três raças tristes", a política de "conciliação", a tese das "revoluções brancas". Assim também florescem as figuras e as figurações, os mitos e as mitificações de "Lampeão", "Padre Cícero", "Antonio Conselheiro", "Tiradentes", "Zumbi" e outros, reais e imaginários. São muitos os tipos e os mitos que povoam os estudos e as narrativas, as realidades e as fantasias, compondo uma vasta cartografia (Ianni, 2001).

Para Antonio Cândido (1995, p. 09)., são três os autores e três são os livros que marcaram essa geração:

Casa grande e senzala, de Gilberto Freyre, publicado quando estávamos no ginásio; Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, publicado quando estávamos no curso complementar; Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Pardo Júnior, publicado quando estávamos na escola superior. São estes os livros que podemos considerar chaves, os que parecem exprimir a mentalidade ligada ao sopro de radicalidade intelectual e análise social que eclodiu depois da Revolução de 1930 e não foi, apesar de tudo, abafada pelo Estado Novo 53.

Antonio Cândido, agora analisando Casa Grande, destaca o tratamento da vida sexual do patriarcalismo e a importante participação do escravo no modo de ser brasileiro. Diz que: "é uma ponte entre o naturalismo dos velhos intérpretes da nossa sociedade, como Sílvio Romero, Euclides da Cunha e mesmo Oliveira Vianna, e os pontos de vista mais especificamente sociológicos que se imporiam a partir de 1940" (Cândido, 1995, p. 10). Gilberto Freyre, porém, ainda estaria restrito aos aspectos biológicos, como raça, aspectos sexuais da vida familiar, equilíbrio ecológico e alimentação.

O livro Raízes do Brasil surgiu três anos depois de Casa Grande e, como "clássico de nascença", identificava a necessidade de novas soluções de entendimento para as posições políticas da época, movido pela descrença no liberalismo tradicional ou simplesmente pela busca do novo: à direita, com o integralismo; à esquerda, com socialismo e comunismo. A abordagem trazida pelo livro estava respaldada na nova história social dos franceses, na sociologia da cultura alemã e em certos elementos teóricos da sociologia e etnologia ainda desconhecidas no Brasil. Para Octávio Ianni (em A idéia de Brasil moderno), a formação de Sérgio Buarque de Holanda contrasta com a de Caio Prado Júnior — este marxista:

A interpretação de Sérgio Buarque de Holanda tem raízes no pensamento alemão moderno, principalmente Dilthey, Rickert e Weber. Desenvolve-se em um conjunto de tipos ideais, configurando épocas, estilos de sociabilidade. Percebe de modo aberto a sociedade civil e o Estado, no passado e no presente. O "homem cordial’ sintetiza uma parte expressiva da forma pela qual apanha momentos da história, em moldes supra-históricos. Uma interpretação bastante presente em meios universitários e artísticos [...] E a interpretação de Caio Prado Júnior tem raízes no pensamento marxista. Analisa a formação social brasileira em termos de forças produtivas e relações de produção, expropriação do trabalho escravo e trabalhador livre, desigualdades sociais e contradições de classes. Apanha a história como um caleidoscópio de "ciclos’ e épocas, diversidades e desigualdades sociais, econômicas, políticas e culturais, complicadas pelas diversidades e desigualdades raciais e regionais. Desvenda as lutas, as reformas e rupturas que demarcam épocas e perspectivas da história social brasileira (Ianni, 1994, pp. 41-2).

Apesar da controvérsia em torno dos representantes do pensamento político brasileiro a partir de 30, os três autores mencionados são tratados como unanimidades nessa representação. Octávio Ianni, por exemplo, apenas acrescenta outros dois nomes, mas não questiona os anteriores:

Uma síntese das interpretações desenvolvidas por esses autores se encontra nos seguintes livros: Evolução do Povo Brasileiro, de Oliveira Vianna; Interpretação do Brasil, de Gilberto Freyre; A Evolução Industrial do Brasil, de Roberto C. Simonsen; Evolução Política do Brasil, de Caio Prado Júnior; e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. A despeito da ênfase social, econômica, política ou cultural, evidente em cada um, empenharam-se em apresentar explicações abrangentes, globalizantes [...] suas interpretações do Brasil tornaram-se paradigmáticas [...] Conservadores, autoritários, liberais, democratas e socialistas já têm ao seu dispor um esquema básico, uma referência coerente, um paradigma para pensar e agir. Assim, Oliveira Vianna, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Roberto C. Simonsen e Caio Prado Júnior adquirem a aura de clássicos (Ianni, 1994, p. 41).

É oportuno destacar também que, todos os clássicos justificam-se porque surgem sempre em momentos de graves transformações, crises sociais, revoluções e grandes descobertas no nível do conhecimento analítico, com as conseqüentes mudanças de rumo nos paradigmas analíticos, alterando as relações sociais e as visões de mundo. De acordo com Ianni, no caso do pensamento político brasileiro, a transformação histórica manteve a mesma ordem de fatores. Isto denota um significado especial para a análise desses clássicos, ressaltando-se a ótica da história política que os pressupunha, isto é, as transformações advindas da Revolução de 30:

Foi na década de 30 que se formularam as principais interpretações do Brasil Moderno, configurando "uma compreensão mais exata do país’. Muito do que se pensou antes se polariza e se decanta nessa época. E muito do que se pensa depois arranca das interpretações formuladas então [...] Mas naquela época formularam-se algumas matrizes do pensamento social brasileiro, no que se refere a questões básicas: a vocação agrária e as possibilidades da industrialização, o capitalismo nacional e associado, o federalismo e o centralismo, o civilismo e o militarismo, a democracia e o autoritarismo, a região e a nação, a multiplicidade racial e a formação do povo, o capitalismo e o socialismo, a modernidade e a tradição [...] Uns preconizam a modernização em moldes democráticos; outros em termos conservadores, ou simplesmente autoritários. Há aqueles que reivindicam reformas sociais amplas; outros até mesmo a revolução social. Um outro chega a idealizar o escravismo, o regime monárquico, o colonialismo lusitano, o alpendre da casa grande (Ianni, 1994, pp. 29-47).

Como se vê, não é possível alcançar um plano mais generalista da época do que o fornecido pelos clássicos da Geração de 30.

Então, o que se queria alcançar neste texto, com essa mistura de estilos (nem literatura, nem depoimento, nem ciência social) é exemplificar a idéia de que a cultura é uma mescla, uma sopa de letrinhas com algum sentido — mas não um sentido pronto e acabado, simplesmente porque é resultado atual da miscigenação secular.

No Brasil não se formou um sentimento comunitário e solidário, já narrava Oliveira Vianna, tido talvez como o precursor das análises realistas do Brasil. Esse patamar de organização social pressupunha um sentimento de cidadania, que não podia ser forjado onde não houvesse um sentido de comunidade ou de Estado-aldeia como definiria Vianna. A diversidade de nossa formação fica mais evidente quando comparada aos Estados-aldeia portugueses, espanhóis ou suíços, que elevaram a iniciativa política de seus povos, pela chamada democracia dos cantões.

No Brasil ao revés da lógica, por disposição legal e política, desde a colonização, fomos instados a ordem por latifúndios que se distanciavam um dos outros em muitas léguas, e sem que pudessem ser habitadas. O HOMO COLONIALIS, o Brasileiro nato tinha por referência de sociabilidade o próprio núcleo em que vivia. Cada família era uma república partidária. Este sentimento que Vianna buscava no povo, ele encontrou nas elites, era um complexo democrático de Nação, mas excluindo-se pequenos grupos, no restante sempre houve um sentimento senhorial, patriarcal:

E quem era o Homo colonialis? Pedro Malazartes é figura tradicional nos contos populares da Península Ibérica, como exemplo de burlão invencível, astucioso, cínico, inesgotável de expedientes e de enganos, sem escrúpulos e sem remorsos [...] É o tipo feliz da inteligência despudorada e vitoriosa sobre os crédulos, os avarentos, os parvos, os orgulhosos, os ricos e os vaidosos, expressões garantidoras da simpatia pelo herói sem caráter [...] O episódio mais tradicional é a venda de uma pele de cavalo, de urubu ou outro pássaro vivo, tido como adivinho, por anunciar o jantar escondido pela adúltera e expor o amante como sendo um demônio (Cascudo, 2001, pp. 351-352).

A maldade de Malazarte, por exemplo, deve servir de compensação financeira ao trabalho do irmão, este que não fora pago e que ainda teve "uma lasca de couro tirada do lombo". A atitude mal-sã, na primeira crônica sobre Malazarte, é ainda uma resposta à humilhação sofrida no trabalho, em razão do princípio da hierarquia e da subordinação (quanto a este princípio, não se sabe se mudou da escravidão, para cá).

O que se diz de Malazarte, encaixa nesse veio da "brasilidade", no jeitinho que dá em tudo (ou quase tudo): "Uma casal de velhos possuía dois filhos homens, João e Pedro, este tão astucioso e vadio que o chamavam Pedro Malazarte" (Cascudo, 2004, p. 174). (Ter astúcia é, justamente, o que recomendava Maquiavel ao Príncipe). No Brasil, faz o típico "herói sem fronteiras", certamente, mas que também forma um par muito bom com o herói sem caráter.

O fato é que há uma dificuldade em ser "exato", há mesmo um desconforto em definir-se o brasileiro em poucas palavras, pois sua cultura de miscigenação é tão grande quanto o território. Isto também anima a muitos para que procurem suas "próprias versões", como esta singela crônica publicada por mim, em jornal regional:

Muitas vezes levei " O Poço" , de Mário de Andrade, para ler na praia. Li aqui, antes de ir até você, PELÊ 54 , e aí reli umas duas vezes completas (a terceira foi parcial). Penso: seria uma tentativa inconsciente de levar água doce para beira-mar? Não sei ao certo se é para matar a sede, mas digo com certeza que voltava para casa com a consciência cansada.

Não que me torturasse com as imagens ou com a idéia de que muitos trabalhadores morreram e morrem naquelas condições desprezíveis de trabalho. Não traçava esse raciocínio, essa comparação tão evidente e clara. Não tinha uma leitura premeditada, engajada, tão politicamente correta, apenas me recostava na cadeira, abria a cerveja e me punha a ler. Ou seja, nada de cansaço à vista, pois à frente estava o mar limpo, cheio de ondas e uma brisa que me faz inveja até agora – quando me aposentar é para aí que vou. Aí só falo com o povo daqui por e-mail. (Como mando e-mail com sotaque?).

Quer dizer, não me importunava com nada - nem dinheiro, nem o tempo, nem a memória dos que ficaram me chateava, porque o sol e a brisa não deixavam. Mas assim mesmo tinha a mente cansada, os parafusos sem eixo ou em rota de colisão com o frescor do mar. Hoje penso que era consciência pesada – mas a leitura é leve, quase macia, você viaja naquele regionalismo do Mário de Andrade e pensa que está em Minas. Aliás, estava lendo o texto no Ceará e me sentia em Minas. Será que é por isso que ficava cansado? A distância teria importância neste caso? Seria um tipo de distância literária?

Depois dessa minha tentativa de retratar o mar, o cotidiano, as tardes intermináveis em que apenas observava os jangadeiros apontando para o continente e vindo em nossa direção, ao final do dia ou semana de pesca, penso na distância dos três mundos: o daí, o do Mário e o meu de hoje. Escolhi uma passagem que descreve bem o autoritarismo, o mando dos coronéis que ainda estão de vigília – aqui e aí – para você sentir o drama:

"Joaquim Prestes era assim. Caprichosíssimo, mais cioso de mando que de justiça, tinha a idolatria da autoridade. Pra comprar o seu primeiro carro fora à Europa, naqueles tempos em que os automóveis eram mais europeus que americanos. Viera uma "autoridade" no assunto. E o mesmo com as abelhas de que sabia tudo. Um tempo até lhe dera de reeducar as abelhas nacionais, essas "porcas" que misturavam o mel com a samora [...] Mas se mandava nos homens e todos obedeciam, se viu obrigado a obedecer às abelhas que não se educaram um isto" (Mário de Andrade,1999 , p. 57).

A certeza que tenho é que Mário de Andrade foi um modernista com muita densidade/profundidade de sentimentos, e talvez seja esse o choque com os dias atuais. Como se diz, é muita nuance entre política social e sentimentalidade. Agora, imagine você que eu lia esse Mário de Andrade e em seguida ia comprar camarão direto do pescador, sem intermediários ou que fossem camarões de criação. Será que essa contradição é que me deixava com as pálpebras e com o senho pesado? (Mas, não pense nisso como vista cansada ou sono). Ainda estou pensando nas hipóteses, mas certamente Hemingway estava mais à vontade nas praias de Cuba do que me senti ao fazer essa leitura.

De certo modo, isso pode ser uma demonstração do descompasso que temos no Brasil? Nossa alienação é tão grande que o choque cultural traz dor de consciência, quase dor de cabeça? Parece que as ironias da vida não fazem muito bem à saúde...

PELÊ, confesso, de novo, a você e aos amigos que fizemos juntos, que não tenho respostas prontas – vou ficar aqui pensando nisso por muito tempo. Esta semana quero ler Iracema (ainda não li), que é a própria saga do Estado do Ceará. Agora vou para o romantismo. Será que o herói nordestino é capaz de enfrentar o Joaquim Prestes?"

Portanto, para poucos é revelado o verdadeiro lado negro da escravidão, é a luta feroz contra o coronelismo e o mandonismo que nos coloniza até hoje.

Tivemos dessa mesmice a vazia e burocrática proclamação da República, essa corruptela da forma de dominação legítima: "Aos amigos tudo, aos inimigos a lei"!

Não encontramos em nossa elite modelos de urbanidade tradicional, com interiores ainda pré-modernos, convivendo com enormes ares de fronteiras, como terra sem lei. Via de regra, o que se esconde é que vivemos um modo de vida dissoluta, uma mistura de preconceito social e cultural, sobrevivemos imersos nessa negação sistemática estrutural enraizada, que gera a sensação de imperfeitos míseros resultados de uma cultura mutilada.

Sempre é oportuno destacar que a análise comparativa, reflexiva, dedutiva desses períodos, indica a forma como o Brasil entrou na modernidade (e que tipo de entrada foi essa). Porém, os vários discursos explicativos (políticos, ideológicos, institucionais) que daí resplandecem são múltiplos e por vezes eqüidistantes ou contraditórios, pois tanto surgem propostas analíticas socialistas (como Florestan Fernandes e Octavio Ianni) quanto conservadoras (Hélio Jaguaribe, João Ubaldo Ribeiro).

Na educação, de Anísio Teixeira a Fernando de Azevedo, passando por Paulo Freire, até Saviani e Gadotti e tantos outros, há uma gama enorme de "pensamentos", projetos e propostas, ementas e soluções para a educação brasileira. A idéia seria fornecer ementas desses pensadores e de suas contribuições, para que os alunos refletissem nesta relação entre Estado – Sociedade – Educação, no passado e no presente.

Será que nosso "educador do futuro" tem clareza de que seu modelo teórico (e prático) remonta àquela base original herdada dos anos 30, 40, 50, 60? Será que consegue identificar a qual dessas filiações se encaixa melhor? Será que apenas promove uma miscelânea de interpretações (quando não se identifica corretamente a origem dos dados), tal qual sofremos com a miscigenação? Neste caso, terá clareza de que a incerteza conceitual (não quer dizer que se tenha de ter um modelo rígido) também repercute em sua prática? Quando se relaciona, por exemplo, cordialidade e conformismo, saberá dizer que se tratam de características psicológicas e ideológicas brasileiras muito diferentes, até contraditórias entre si? Neste exemplo, saberá precisar que toma esta cordialidade em semelhança à passividade e, assim fazendo, estará muito distante da proposição de Sérgio Buarque de Holanda (mais como máscara social).

A interrogação desses pressupostos ou miscelânea pode-se dar por meio de questionários, análise de discurso, revisão bibliográfica e produção livre de textos. Enfim, a partir da compreensão político-ideológica dos conceitos-chave indicados (explicativos por si só da formação da realidade brasileira), tentaremos perceber qual o conteúdo ideológico que os educadores levam à prática do ensino.

Paulo Freire e a "crítica libertária" ao direito à educação

A própria relação política é pedagógica, mas, além disso, desenvolve um "senso técnico". No texto Pedagogia Histórico-crítica: primeiras aproximações — em sentido próximo ao de Paulo Freire, como se lê na próxima nota — verifica-se que:

...a identificação dos fins implica imediatamente competência política e mediatamente competência técnica; a elaboração dos métodos para atingi-los implica, por sua vez, imediatamente competência técnica e mediatamente competência política. Logo, sem competência técnico-política não é possível sair da fase romântica (Saviani, 1994, p. 83. - grifos nossos).

Já em 1960, Paulo Freire pensava na articulação de um "processo educativo formador de quadros" e que, apoiando-se no pensamento do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), ajudaria a colocar o Brasil nos trilhos do desenvolvimento e da modernidade. Tentava-se tirar o país do jugo coronelista, da dominação patrimonial e do próprio atraso que isto acarretava na infra-estrutura produtiva. Sua posição, portanto, sempre fora de uma crítica radical ao sistema pedagógico 55 — o que permite que se fale de uma Pedagogia (conformista com o passado herdado) e de uma "Anti-pedagogia" (propositiva diante das desigualdades sociais).

Desde os primeiros escritos estava latente a análise em dupla mão: a realização do homem e a realização/transformação da sociedade brasileira. Nesta fase, contudo, ainda estava limitado às leituras do "humanismo cristão", de um Maritain ou Amoroso Lima. Veja, entretanto, que nunca fora de uma ingenuidade piegas:

Compreendia o homem, em abstrato, como um ser de relações, ontologicamente limitado e ao mesmo tempo aberto para o mundo, mas também situado, datado, marcado pelas condições de seu ambiente particular. O homem era entendido como um ser dinamicamente situado em sua moldura — capaz de transcender os condicionamentos naturais e culturais de sua "circunstância" e, por isso mesmo, em conjunto com os outros homens, habilitado a interferir criadoramente em suas próprias condições de existência [...] Mas, as possibilidades de interferência do homem se definiam e encontravam limitações no interior de uma realidade histórico-social determinada. Somente a formação e o desenvolvimento de uma consciência capaz de apreender criticamente as características dessa particular realidade possibilitariam a sua ação livre e criadora no ambiente. Assim, aquela humanização do homem, isto é, a plena realização do homem enquanto criador de cultura e determinador de suas condições de existência, passava, necessariamente, pela formação e pelo desenvolvimento da consciência crítica (Beisiegel, 1979, p. 38).

A educação sempre fora vista como processo formador e capaz da conscientização, apesar de manter uma posição próxima aos ideais do ISEB e do "nacional-desenvolvimentismo", por exemplo de Alberto Guerreiro Ramos. Paulo Freire fiava-se pela tese de que o "desenvolvimento independente consolidaria o Estado-Nação no Brasil. Porém: "Concordava em que a participação conscientemente crítica do povo no processo de desenvolvimento nacional seria obtida mediante a educação conscientizadora" (Beisiegel, 1979, p. 39).

A democracia e a liberdade, quando são valores de fato, não podem ser impostos: "não se força à liberdade". Como dizia Paulo Freire, é preciso um processo que articule teoria e prática, entre educação e política, capaz de internalizar a liberdade como princípio da autonomia.

Mesmo sob o impacto do ISEB, passara desde logo a procurar delimitar, para melhor compreender, de que homem se falava e de que "tipo de consciência" se tratava:

A primeira, que denominou "consciência intransitiva", era a consciência da existência bruta, do homem dobrado sobre si mesmo, quase demitido da vida, cujo raio de apreensão dos problemas estava limitado ao alcance dos sentidos, destituído de historicidade. A segunda dessas posições, a "consciência transitiva", situaria o homem acima dos interesses meramente vegetativos. O homem ampliava o seu poder de captação e de resposta às sugestões e às questões que partem de seu ambiente, aumentava o seu poder do diálogo com os outros homens, com o mundo [...] Mas esta "consciência transitiva" ainda não se confundia com a "consciência crítica" (Beisiegel, 1979, p. 40).

E o que é a "consciência crítica"? Esta viria apenas com educação e condições históricas: "A consciência crítica, nestas circunstâncias, somente poderia resultar de trabalho formador, apoiado em condições históricas propícias [...] A educação popular identificava-se com o esforço orientado para a formação da consciência crítica do povo" (Beisiegel, 1979, p. 40).

Formação e educação se encaminhavam como fases sucessivas na formação da consciência: "intransitiva"; "transitiva", "crítica". Paulo Freire estaria convicto de que o desenvolvimento econômico e da infra-estrutura social modificaria o "pensar do povo", rumo à modernidade e urbanização. Mas, de modo crítico, Paulo Freire sempre pensou que havia o risco claro de uma "massificação de consciência ingênuas" (afinal, o processo de aculturação e da cultura de massas estava em curso). O remédio, mais uma vez, estaria na "educação popular crítica". Tratava-se da "aquisição de uma clara consciência sobre os fatores e condições que a determinam".

Contra o passado de mentalidade aristocrática e de dominação paternalista, Paulo Freire só via saída na caracterização de uma "consciência privilegiada na/pela transformação da vida social". Também por esse caminho se insurgia contra a "domesticação" que provinha do ensino bancário:

Um ensino "superposto", resultante da simples transplantação de modelos alheios, verbalistas, falsamente acadêmico, autoritário, assistencialista, rigidamente centralizado, de modo algum poderia atender às exigências de democratização e de desenvolvimento autônomo da sociedade brasileira. Este ensino levava à "domesticação" e não à conscientização dos educandos (Beisiegel, 1979, p. 41).

Era necessário formar novos quadros que se orientassem pela modernidade, desenvolvimento econômico e democratização das relações sociais, no país: com consciência crítica e autonomia. Mas, não bastava (como nunca bastou), apenas boa vontade e método próprio, era preciso recorrer insistentemente à ação, e esta "ação transformadora" viria e seria resultado da educação. Era preciso pensar de modo crítico e educar da mesma forma.

Aí estaria o germe do método de alfabetização de adultos: um "método" mais prático e realista do que propriamente "metódico". A partir da elaboração das famosas "fichas de cultura", o educando já era um "agente de si mesmo": "O educando era levado a situar-se como "agente’ no processo de sua educação. O aprendizado das técnicas de escrita e leitura tinha lugar no âmbito de um amplo processo de discussão, centralizada nas experiências da vida individual e social das localidades" (Beisiegel, 1979, p. 42).

O processo de educação e de conscientização já vinha prenhe da "riqueza da experiência de vida" de cada educando: como "co-autor de si mesmo e de seu entorno". Mediante as discussões acerca da própria vida, o educando já estaria praticando o diálogo, exercitando a reflexão, exercendo o direito de livre expressão, observando interativamente os condicionamentos e os efeitos sobre a realidade da vida individual e social. Além de tudo, era um "pragmático": as primeiras experiências educacionais realizadas em Angicos no Rio Grande do Norte, em 1962, resultaram na alfabetização de 300 trabalhadores rurais, em 45 dias.

O trabalho de Paulo Freire sempre foi uma "anti-pedagogia", entendida como "educação libertadora" que se opunha à educação autoritária predominante: o que se convencionou chamar de o "método Paulo Freire" foi posto em prática, já entre 62-64, por grupos mais radicais do que o próprio autor (houve um "engajamento partidário", posteriormente, durante a gestão de Luiza Erundina na Prefeitura de São Paulo, quando atuou como Secretário de Educação).

Após 64, todas essas atividades foram interrompidas e Paulo Freire viu-se obrigado ao exílio, onde retomou e reformulou parte de suas projeções intelectuais: esteve no Chile, EUA, México, Europa e África. De certo modo, isto aprofundou sua própria "consciência social de classe", de oprimido e, o que é pior, de sitiado e de exilado. Como "cidadão do mundo", perderia parte do idealismo (não do ideal) e da ingenuidade iniciais, mas sem jamais comprometer a utopia da Justiça Social.

Ao que se soma o fato de ter sempre mantido-se muito próximo às críticas da "mentalidade neutra em educação", pois sempre esteve atento à realidade concreta. Esta "neutralidade", no fundo, sempre foi vista como um disfarce sutil e ingênuo (ou ideológico e astuto), em favor da dominação das classes subalternizadas. Como complemento dessa dominação, adviriam ainda a "educação assistencialista", para que o povo sempre ignorasse o real formato do status quo.

Os ingênuos, diria Paulo Freire, acreditavam em modificar os "corações" de homens e mulheres — mas às custas de amortizar a opressão conservadora e manter a infra-estrutura intacta. Já os astutos e matreiros procurariam reforçar todas as formas e focos de "dominação ilegítima", e a melhor forma seria velar as "conflituosidades sociais". Para estes últimos, restaria pouco a dizer, mas aos ingênuos (de boa-fé e "convertidos"), resta a esperança ou crença de vê-los somando esforços na ótica da mudança social — desde, porém, que mudassem de cena no arco político-ideológico. No livro As igrejas, a educação e o processo de libertação humana na História, assim se refere o próprio Paulo Freire:

...através de sua própria práxis histórica ao desvendar a realidade, sendo, por sua vez, por ela desvendados, (os ingênuos) podem tanto assumir a ideologia da dominação, transformando sua "inocência’ em "astúcia’, como podem renunciar a suas ilusões idealistas. Neste caso retiram sua adesão acrítica às classes dominantes e, comprometendo-se com os oprimidos, iniciam uma nova fase de aprendizagem com eles. Isto não significa porém que seu compromisso com os oprimidos já se tenha realizado de forma verdadeira. É que na práxis de sua nova aprendizagem terão que enfrentar de maneira mais séria e profunda o risco da existência histórica. E isto não é fácil. A primeira exigência que o novo aprendizado lhes faz, sacode fortemente sua concepção elitista da existência que haviam introjetado no processo de sua ideologização. Este aprendizado requer como condições sine qua non que façam realmente sua Páscoa. Isto é, que morram enquanto elitistas para renascer, com os oprimidos, como seres proibidos de ser (Beisiegel, 1979, p. 45).

Os ingênuos precisariam fazer sua Páscoa, para renascer como Fênix convertida e comprometida com Prometeu (e não com Pandora). Sua própria trajetória de vida revela-nos como foi (e é) difícil esta metamorfose da ingenuidade em "compromisso com os oprimidos" — e de quantos traumas isto é feito. Por fim, seu pensamento e as conseqüências de sua práxis revelaram-se em conflito com as "formas legítimas de dominação do Estado Moderno", isto é, como projeto de educação popular de uma modernidade que incluísse o diálogo e as vontades do povo.

Educação e "um ponto crítico" da modernidade

Como visto, alguns problemas da educação passam, certamente, pela motivação, outros pelos "sentidos adotados" ou pelo "formalismo" que se expressa numericamente. Mas essas "desmotivações" podem vir relacionadas quando, por exemplo, tomamos o número assustador de que quase 30 mil (de um total de 230 mil) professores, da rede estadual de ensino, faltam todos os dias. As alegações são várias e contraditórias, como: há 19 dispositivos legais que permitem faltar sem ocorrer descontos; há abusos e muitos buscam as brechas; há desinteresse ou estresse da função.

Neste caso, ainda pode-se somar más condições de trabalho, jornadas duplas (e até triplas) extenuantes, classes superlotadas e péssima remuneração. Seja lá o que predomine, o índice contrasta em demasia, contra 1% de faltas no ensino particular. É claro que, ao fim, há uma relação expressiva entre o "absenteísmo dos docentes" e a queda na aprendizagem.

Se tomada a educação como um largo processo, ora de reificação, ora de emancipação, mas de todo modo como parte ativa na construção da ciência e da civilização, é preciso abandonar os números (o modelo cientificista) para ver que a relação entre educação e modernidade é mais complexa. Uma das questões percorre o próprio modelo de ciência elaborado:

E aqui, confio mais nas Humanidades (e sua natureza difusa, sem o culto do "Homem") do que nas ciências humanas. As primeiras representam a humilde tentativa humana de enfrentar sua condição humana desesperada, enquanto as segundas calculam nosso progresso (Pondé) 56.

Uma segunda situação se aplica ao plano pragmático que se adotou para o "ensino de milhões":

A escola é hoje um espaço dilacerado pelo formalismo cego, pela burocracia asfixiante das maiorias, pelas pedagogias repetitivas da felicidade e do sucesso. Esta assombrada escola na Finlândia recebeu a visita ancestral do mal. Reconhecê-lo, parece-me, é sempre um ato civilizador: alunos e professores acordaram pela manhã, tomaram café, foram para a escola e viram o monstruoso diante de si, e ele tinha uma normal face humana (Pondé - conforme nota anterior).

Nesses momentos, os apelativos a que haja maior controle sobre a rede, mais repressão e coerção ("leis mais duras!") são extravasados. Além, é claro, dos que indicam a prevenção aliando-se à ciência como uma receita de pouca embalagem. A ironia aqui estaria em associar cientificismo ("ciências sociais aplicadas") ao controle social necessário à felicidade e ao progresso:

Podemos, talvez, aumentar, as câmeras preventivas que filmam os jovens que um dia poderão filmar a si mesmos e matar colegas e diretoras de escola. Os psicopatas nos chegam já com manuais de como são produzidos. Enfim, a ciência pode ser um dos modos mais sofisticados de tornar algo irrelevante, depende de como a utilizamos (Pondé - conforme nota anterior).

É como se disse que não mais se ensinam Humanidades e seus clássicos, mas sim as "ciências naturais" ou as "ciências sociais aplicadas" (sempre, é óbvio, "com vistas aos resultados"). Em outra vertente, mas igualmente crítica, diz-se que este modelo cientificista/progressista tem imposto uma aceitação acrítica da "cultura pop/consumista":

Faz anos critiquei a cultura do pop norte-americano associada com o pós-moderno [...] Há dez anos era preciso criticar a transformação do museu em shopping [...] Hoje assistimos o seu reverso: a transformação do shopping em museu, do comércio da obra de arte e da estupidez em valor cultural [...] Hoje vivemos um grande vazio, um enorme niilismo e uma terrível angústia frente ao futuro 57.

O drama, porém, é que o "intelectualismo" (ou o próprio ensino das Humanidades) está fora dos currículos médios e de seus planos de ensino degustáveis. O que, certamente, eleva a pressão sobre uma certa regressão a padrões fascistas. A escola e a educação precisam enfrentar os problemas do niilismo, da violência e do mal, como parte integrante, contraditoriamente, do próprio processo civilizatório (como se estivesse aberta e incontrolada a Caixa de Pandora: no mito de Prometeu).


10ª PARTE

Este e-mail pedagógico, inspirado (como se verá) nas Cartas Pedagógicas de Paulo Freire tem no seu primeiro subtítulo (ver mais abaixo) o tema sorteado em prova escrita para concurso público, em Universidade Federal: "A escola como espaço sócio-cultural". Só por isso valeria a pena tentar escrevê-lo. Porém, este artigo não é propriamente o texto desenvolvido naquela ocasião. Daquele contexto, inseri breves passagens que me recordei de memória. Por exemplo:

"Quem pensa certo, pode ensinar errado, porque não se é infalível. Mas, ao ser confrontado quanto ao que se disse, tem que checar esse seu saber, para então só depois, re-dizer ou desdizer o já dito".

Também me recordo de algumas menções sobre a obra de Paulo Freire e de como seu pensamento está muito próximo do nosso contexto geral e, especificamente, do tema da aula. Pois bem, vejamos um pouco daquele contexto e do nosso, na atualidade cotidiana de cada um.

A escola como espaço sócio-cultural: Cartas Pedagógicas

Antes de ler este Paulo Freire, de que trataremos a seguir, é oportuno dizer que, anteriormente, já havia escrito e-mails pedagógicos que depois foram publicados e enviados à sala de aula. Os contextos eram/são diversos, mas o sentido tem o mesmo prumo e ritmo.

Tanto lá, quanto cá, o mundo político, a vida pública e a igualmente pessoal são feitos de/por atos impuros, dado que somos seres incompletos, imperfeitos e também insatisfeitos. Por isso, os ingênuos têm pouca sorte (e ainda que não haja maldade em tudo). Todavia, nada impede que homens e mulheres de boa fé e de vontade livre tentem modificar-se e, assim, modificar o próprio modo social de viverem – até mesmo para se tornarem menos impuros.

Isto é relativamente óbvio, até porque não haveria cultura sem inovação, uma vez que no fundo sempre precisamos aprender (antes), para poder ensinar (depois). Historicamente, a humanidade produziu a cultura da curiosidade – sem o que, ainda tatearíamos o mundo desconhecido de nós mesmos.

Historicamente, conta-nos o mito de Prometeu – primeira tentativa de racionalização do saber – que o homem teve muito que aprender, apreender (como esforço e capacidade de mediação/subsunção do real/conhecimento), para aí poder ensinar.

Esta forma de pensar vê que a educação provém de uma rigorosa intersecção entre curiosidade, dúvida metódica e rigor (ético) no método, na forma de enfrentar o problema/objeto (na vida e na escola), para que não se esmoreça nas dificuldades.

A anti-pedagogia de Paulo Freire (combatente da pedagogia oligárquica) ensina dois verbos críticos, e isto a partir de sua consciência acerca da própria vida: denunciar (a realidade) e anunciar (outro mundo, como utopia possível).

O homem sobrevive à sua saga, graças à astúcia e à inteligência (objetividade), mas só sobrevive para criar a cidade e a política (a Pólis), graças à intervenção não-neutra, isto é, como ação e intenção política e pública que passa a exercer no mundo.

Somos totalmente questionáveis, mas nossa presença no mundo nos torna inesgotáveis, porque negociamos a vida com o real a todo instante: do ar que respiramos ao direito ao trabalho, à educação, à intensa negociação política com o Outro.

Neste longo curso de iniciação política, pode-se dizer que, de um estágio de pura adaptação chegamos a uma fase de profundas transformações (desde o mito de Prometeu). No caso das teorias contratualistas, por exemplo, trata-se da partida do ponto zero, do chamado estado de natureza.

Em Vico (1999), num desses exemplos, de adaptados ao estado bestial, iniciamos um processo de aglutinação social em torno de famílias originárias (os patrícios em Roma, seriam um caso – aliás, lembrado perfeitamente por Maquiavel), até que chegássemos a sua total transformação em sociedade civil.

Com estas transformações ou poder de nos modificarmos e de interferirmos no meio, ainda aprendemos que a democracia é a metamorfose do ser: do ser despótico que se desdobra em um sujeito de vontade limitada. O déspota é exatamente o sujeito de vontade ilimitada.

Da tensão entre liberdade e autoridade é que nasceria a ética desse ser-social; antes, como freio daquela vontade inaugural; depois, afirmativamente, como leme da ação educativa necessária e como repouso da consciência, mesmo diante da realização de tarefas árduas e, inicialmente, até a contragosto. Mas, como diziam os antigos, atribulações essenciais para se repousar a cabeça e dormir com tranqüilidade, com o senso do dever cumprido, o sono dos justos.

Assim, o compromisso ético regulador da democracia, de um dever-ser, também re-configurado pela ação individual e social (mas, sempre política), vê-se modificado na plenitude da própria ação ética do agora-ser-sendo. Assim, da tensão entre autoridade e liberdade, pode surgir uma ética-em-si (mas, sobretudo, para verter-se na ética-para-si) como meio de condução democrática da ação educativa (do direito à educação como luta, se for o caso) e da vida social. A ética, enfim, seria o resultado da ação pedagógica democrática, a síntese da assunção da autoridade civil e não de sua imposição. O reconhecimento, a seguridade e a internalização da autoridade e da autonomia individual.

A prudência democrática, neste caso, não está somente em recusar os extremos, mas, muito mais, em assegurar o contraditório e assim não mais se pautar pela contradição das próprias ações: críticas-destrutivas ou licenciosas demais. Portanto, a escolha correta, derradeira, não pode estar no meio termo; pois, não há que se escolher entre indiferença e autoritarismo, entre abuso e descompromisso.

Esse tipo de escolha não pode existir, porque a democracia é a própria gestação da autonomia, mas complementarmente, a democracia é também uma economia de vontades, uma vez que, é preciso formar seres–para–si e seres–para–os–Outros. Também a prudência não estará no meio termo, no entre-choques da tensão, se num dos lados se posta o fariseu e, no outro, o puritano - ou entre o cínico e o autoritário voluntarioso.

A ética, agora como um ser–em/para–si, certamente, não nos põe à frente de escolhas simples ou sempre óbvias. Ao contrário, as escolhas democráticas (equilibrando-se em contradições, antagonismos, oposições) são sempre duras e difíceis, porque as opções são decisivas e de alto valor/custo para muitos. Por isso, a educação só tem sentido, se nós mesmos tivermos projetos para o futuro.

Enquanto tivermos/fizermos sentido para o mundo (como projetos em aberto), a educação permanece viável, e é um ato móvel que queremos implementar no projeto de vida social: o entorno que permeia nossa própria vida pessoal. Mas também a mudança necessária (ou sua recusa) são móveis ou dialéticas, mas aí já há negação entre si, os meios, os termos, os fins, e este não é o sentido que abordamos.

A inteligibilidade com o mundo, esta politicidade, anima nossa própria linguagem de acesso ao conteúdo social de que somos parte. A conjectura extraída da conjuntura (como análise já mais sistematizada) ainda permite a formulação de um projeto cognoscível do realismo político e agora como análise já problematizada(dora), e como negação da prática democrática que almejamos modificar. Com isso, novamente, temos a denúncia e o anúncio, além de sonhar com este direito que é subjacente ao projeto transformador. Isto seria anterior até mesmo à expectativa de direito que se quer, doutrinariamente, verificar na luta social pelo direito à educação.

Este é o momento de encontro entre o sonho e o projeto de futuro com um presente não reificado. Neste instante, há fruição da expectativa do direito em torno da luta política e, por isso, caminhamos no âmbito do direito à educação, numa espécie de repique entre vir-a-ser e entropia. É este o momento em que a luta política pelo direito justo e popular ultrapassa a realidade que só glorifica quem acumula poder. Também é o momento da luta política pelo direito (à educação) contra o frenesi pessoal pelo poder.

No repique entre utopia e distopia está o direito à educação de qualidade, com conteúdo clássico e não só performance, isto é, com massa crítica e não acomodada.

O verdadeiro progresso do educador está em diminuir a distância entre sua fala e sua ação, entre a utopia do direito e o direito real à educação não-massificada ou massacrada pela má formação.

O progresso está no futuro ético, na edificação de um projeto em que o Outro também participe da direção, do leme da história. Neste direito à educação há, como vimos, uma clara tensão (entropia/utopia), mas corresponde igualmente a uma verdade erga-omnes, solidária com o(a) Outro(a) ainda solitários(as) e praticamente sem projeto(s), sem sonho(s) ou ambição.

Esta vontade de ser ético ou democrático nasce, então, da raiva mais profunda à injustiça, à ignorância em não querer a modificação, da complacência em não ser um ser-ético - aqui, a apatia logo se verá como amiga da revolta social. Isto tanto vale para a vontade pessoal de abandonar o vício de fumar, quanto para a vontade necessária que deve nos impelir à luta pelo direito à educação, como constructo da consciência de cada um, além da construção social.

O que vimos, enfim, seguindo Paulo Freire, é que "ninguém supera a fraqueza sem reconhecê-la". Não há vontade e não se luta se não há amanhã, se não esperamos por um projeto de transporte para o futuro progressista.

Portanto: "Está errada a educação que não reconhece na justa raiva, na raiva que protesta contra as injustiças, contra a deslealdade, contra o desamor, contra a exploração e a violência um papel altamente formador (Freire, 2000b, p. 45).

Na mesma página, em nota de rodapé, ainda se lê acerca de que raiva se trata: "A dos progressistas contra os inimigos da reforma agrária, a dos ofendidos contra a violência de toda discriminação, de classe, de raça, de gênero. A dos injustiçados contra a impunidade. A de quem tem fome contra a forma luxuriosa com que alguns, mais do que comem, esbanjam e transformam a vida num desfrute" (Freire, 2000b, p. 45).


Considerações finais

Precisamos, acima de tudo, de uma democracia ética e castradora do mal-querer humano. Precisamos de um contrato conosco, a fim de que modismos, modernismos, pós-modernismos exuberantes, não se entrelacem ainda mais com o poder e, injustamente, às custas da injustiça social.

É por tudo isso que o sucesso desta luta política para que o direito à educação reconheça a escola como espaço sócio-cultural, democratizável, exige empenho e desempenho, brio e confiança, altivez intelectual, autonomia e trabalho árduo do educador.

A crise social da educação, da ética, da Justiça, da política, esta nebulosa ou zona cinzenta que enfrentamos, ainda revela que enfrentamos formas agudas de "estranhamento do mundo": o "medo do novo que gera a crise", como diz Arendt. Mas, muito mais do que um ensino técnico, a educação tem uma missão estabelecida entre o passado e o novo, pois quem educa em si já representa o passado: "A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens" (Arendt, 1992, p. 247). O educador é o passado encarnado — deve ser visto como alguém que traz um conhecimento real (conhecimento é história) e não um mero facilitador.

A educação que liberte o sitiado não pode limitar-se a um conjunto de informações ou de instruções que levem os indivíduos (governados), conscientes de seus direitos e deveres, a se conformarem com cuidado e parcimônia. Além dessas informações, é preciso pensar uma educação que corresponda aos interesses dos sujeitos do vir a ser. Enquanto governantes potenciais têm capacidade de transformar a sua vida, a sua história e a história da sua cidade e do seu país (Canivez, 1992). A educação tem que pensar a formação daqueles que têm a possibilidade de intervir diretamente na vida política, econômica, social e cultural do mundo em que vive. A educação deve pensar um conteúdo mínimo (os clássicos republicanos) para se formar num número maior possível de pessoas essa "responsabilidade pelo mundo".


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Notas

  1. Se bem que, é indiscutível o papel e o status desempenhados por pensadores como Galileu, Newton, Einstein e tantos outros.

  2. "Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina sua consciência" (Marx, 2003, p. 05). Marx ainda asseguraria que as idéias dominantes em uma época, são as idéias da classe dominante.

  3. A expressão "replicante" aqui é utilizada como réplica mal feita, imperfeita, de algo que já é imperfeito (a exemplo do filme Blade Runner) e que, no caso, é o próprio homem.

  4. A civilização fenícia desenvolveu-se na Fenícia: território do atual Líbano. No aspecto econômico, este povo dedicou-se e obteve muito sucesso no comércio marítimo.

  5. Aquino, 1980, p. 178.

  6. A história da civilização grega é um exemplo claro de que a propriedade traz opressão e desigualdade social.

  7. Hoje se fala em auto-governo e auto-gestão.

  8. E ainda que as câmeras espalhadas por todo o espaço público possam ser uma agressão ao desejo mais liberal.

  9. Demo = povo; cracia = governo.

  10. Mas quem o transcreveu foi Tucídides.

  11. Esta citação é do conhecido Leviatã – "o poder definido à imagem de um crocodilo imenso e invencível".

  12. Positivo no sentido de que afirma e destaca a ação.

  13. Negativamente porque, como garantia ou remédio jurídico, só atuaria depois que o mal se instalou ou em sua iminência, a exemplo do Habeas corpus preventivo – interposto justamente para evitar que haja dano ao direito.

  14. E aqui se dá o mesmo processo dialético, de constante relação de oposição entre contrários, só que agora com um revés para os adeptos da interpretação socializante do Direito, porque no Estado de Direito, sob a imposição da igualdade formal, os direitos sociais acabaram solapados na sua base popular.

  15. É preciso frisar a "socialização não-excludente" porque, pode-se como Durkheim ajustar a socialização à divisão do trabalho social: a função diferenciadora que moveria os trabalhadores ao processo produtivo, enquanto às elites caberia a "educação para comandar" (as classes médias falariam em "elevador social").

  16. Do mesmo modo, para La Boetie (1986): o escravo pode se colocar na condição de servidão voluntária por simples medo da liberdade (ou porque se julga a vida sem responsabilidades mais fácil de ser manejada).

  17. Não é tarefa fácil resumir, de modo simples, claro, preciso e rigoroso, o pensamento do trabalho de um "filósofo edificante", autor de textos densos e complexos, como Michel Foucault, que não chega jamais à "verdade" dos fatos, mas a uma possibilidade, de exploração.

  18. https://www.cchla.ufpb.br/paraiwa/01-queiroga.html.

  19. De todo modo, Bacon parece muito presente e sempre sussurrando à modernidade: "Saber é poder".

  20. Esta palavra "possibilidade’’ tanto pode ser Möglichkeit como potentia, Macht ,dynamis (usada freqüentemente por Marx, em grego, como p. ex., no texto citado dos Grundrisse, p. 237, p. 204, e Vermögen em inglês ("labor force’’), isto é "capacidade de trabalho’’ (e, anos mais tarde, "força de trabalho’’) (Dussel, 1995, p. 39. – nota 11).

  21. Retomaremos este sentido, mas aqui o termo hegemonia é utilizado no sentido grego: dar direção.

  22. Conceito de habitus: constitui-se "em um sistema de estruturas estruturadas predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes. Em outras palavras, princípios de geração e de formação de práticas e de representações que podem ser objetivamente reguladas e regulares sem serem fruto estrito de obediência a regras ou obedecerem à ação orquestradora de um regente. Espécie de social introjetado e recriado pelo aparelho mental de cada indivíduo, o "habitus" é um entroncamento entre a coerção do social que estrutura e é estruturado por cada ser humano" (grifos nossos). Veja-se em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S[010]4-93132006000200013&script=sci_arttext&tlng=pt. Ou ainda, definindo-se habitus como a contradição entre o analógico e o dialético.

  23. "Trabalho manual não assalariado", conforme nota do tradutor.

  24. Entendido aqui como deformação de Maquiavel, em termos simplistas de auto-ajuda.

  25. É clássico exemplo da reforma urbana de Paris, no pós Revolução Francesa, realizada por Georges Haussmann, nomeado por Napoleão III, no ciclo das Revoluções Liberais de 1848, com o objetivo premente de neutralizar o proletariado revolucionário de Paris, impedindo novos motins populares. Assim, abriu no centro da cidade, um conjunto de largas avenidas, destruindo quarteirões populares e ruas tortuosas que favoreciam a concentração populacional e o uso de barricadas.

  26. O exemplo pioneiro, como é bem sabido, provém da chamada "educação espartana", na Grécia clássica.

  27. O que certamente lembra Durkheim e ação exercida pela "exterioridade" e "coerção" dos fatos sociais. A diferença é que, ao invés de uma simples acomodação com as normas e regras estabelecidas, o choque, a entropia (ou anomia) do novo, com o já determinado é iminente – "este desarranjo do jovem com o já posto levaria a mudanças" (ou à sua requisição).

  28. Toda forma de obstaculização, elementos dificultadores, entraves e negativas consistentes e persistentes à passagem e afirmação do sujeito.

  29. Conforme nota 03.

  30. Como veremos adiante, o direito seria, por definição, um "fato social", uma vez que, seguindo esta tradição "positivista do direito", não há direito sem coerção ou possibilidade do "uso iminente da força física, da violência". Weber também acentuava o uso da "força": "É essa capacidade de disposição sobre meios que permitem influenciar a vontade de outrem que Max Weber chama de poder. H. Arendt reserva para tal caso o conceito de violência" (Habermas, 1980, p. 100).

  31. Do que também decorre o "direito de livre escolha".

  32. E como serviu bem às alegações da Razão de Estado, da modernidade em diante!

  33. A não ser que se compreendesse a República como sinonímia do sistema capitalista de produção.

  34. Perfeitamente distinguível no texto Ciência e Política: duas vocações.

  35. Será somada à Constituição Mexicana, de 1917, e à Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado (Constituição Russa, de 1917-18).

  36. Ainda que a expressão Estado Democrático de Direito não seja devida e nem empregada por Weber, é a este conjunto político que suas suposições nos conduziram já nos anos 50-60 do século XX, por Verdú e Díaz.

  37. Esta quinta parte do texto foi publicada separadamente em: https://www.gobiernoelectronico.org/node/5909. Site em que o autor é colaborador constante.

  38. É claro que não se fala aqui explicitamente da rede mundial de computadores.

  39. Adorno cita a peça Mortos sem sepultura, de Sartre, como exemplo desta incitação ao desconforto e enfrentamento do "horror", da barbárie (ou o que chamamos aqui de "Poder Heterônomo": poder sem sujeitos em que só age a Razão de Estado).

  40. É preciso frisar a "socialização não-excludente" porque, pode-se como Durkheim ajustar a socialização à divisão do trabalho social: a função diferenciadora que moveria os trabalhadores ao processo produtivo, enquanto às elites caberia a "educação para comandar" (as classes médias falariam em "elevador social").

  41. A criança pobre quando vai à escola de padrão "classe média", acha que estão falando em "grego".

  42. Tal qual no futuro remoto viria a ser a micro-eletrônica (para a TV) e o silício (para o ciberespaço - o mundo virtual).

  43. "O ditado certeiro é de Mestre Eckhardt, místico e visionário medieval. Ele é uma das fontes inspiradoras dessa outra fonte inesgotável de visões, o não menos célebre professor Marshall McLuhan". McLuhan assombra o Rei - Nicolau Sevcenko, em: https://bsf.org.br/2006/10/03/o-meio-e-a-mensagem/.

  44. Refere-se à derrota da Comuna de Paris: as grandes avenidas serviram ao propósito de facilitar o tráfego das forças militares e da repressão dos movimentos populares.

  45. Alguns diriam Internet, mas aí é mais complicado, diante da característica da interatividade.

  46. Porém, há sempre que se destacar que quem seleciona o material divulgado é o professor – a tecnologia não o substitui.

  47. Os próprios jovens dizem constantemente, entre si: "não temos o que fazer aqui". O mais irônico é que, num país de grande pobreza material e cultural, como a África do Sul, na sua porção negra, o celular é uma ferramenta de enorme potencial na articulação social.

  48. O país é sede da Nokia e cerca de 75% da população tem acesso à rede.

  49. https://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=36.

  50. Bobbio (1990) vai dizer, em sentido oposto, que democracia e liberalismo são complementares.

  51. Neste caso, por exemplo, haveria espaço para a desobediência civil (Thoreau, 1996), uma vez que, raramente, faz parte da Carta Política?

  52. A partir deste item, retomamos um debate (uma síntese) que retrata o sentido amplo de Educação Para a Democracia (baseada em valores humanos, como: ética e direitos humanos). É uma síntese do próprio trabalho de monitoria realizado na FEUSP (Martinez, 1999).

  53. É preciso frisar que esta década é a mais rica da história brasileira, uma "década clássica", que ainda contaria com a chamada Revolução de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas. É desse período, por exemplo, a inauguração do Aeroporto de Congonhas (1936). Na educação é lançado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova.

  54. É um personagem que comecei a desenvolver a partir da crônica, próximo a Pedro Malazartes e João Grilo, como se pudesse haver um "cordel urbano e sulista".

  55. Apesar de aos 22 anos ter sido aluno no curso de Direito.

  56. Fonte: O Estado de S. Paulo ou no site: https://www.criancaeconsumo.org.br/imprensa/870.html.

  57. Veja-se entrevista com o filósofo espanhol Eduardo Subirats, no site: https://www.mail-archive.com/[email protected]/msg00542.html.


Autor

  • Vinício Carrilho Martinez

    Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. O direito à educação no Estado cientificista. Estado, sociedade, cidadania e o direito à autonomia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2120, 21 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12666. Acesso em: 25 abr. 2024.