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A necessária criminalização da conduta dos guardadores clandestinos de veículos (flanelinhas)

A necessária criminalização da conduta dos guardadores clandestinos de veículos (flanelinhas)

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SUMÁRIO: Introdução. 1. A garantia de um Direito Penal Mínimo versus a necessária da criminalização da conduta dos flanelinhas. 1.1. Caráter fragmentário do Direito Penal. 1.1.2. Bens Jurídicos atingidos pela conduta dos flanelinhas. 1.2. Caráter subsidiário do direito Penal. 1.2.1 O fracasso dos sistemas de controle de flanelinhas implantados nas cidades brasileiras. 2. A criminalização da conduta dos flanelinhas sob o prisma da criminologia. 3. Projetos de lei. 3.1. Argumentos pela aprovação do PL 4501/08. Considerações finais. Bibliografia


INTRODUÇÃO

"Se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar..."

Esta célebre cantiga popular fala de alguém que sonha em ser proprietário de uma rua para que possa fazer dela o que bem entender (ladrilhar com pedrinhas de brilhantes, por exemplo). Todavia, sabemos que esta pretensão é juridicamente impossível no ordenamento pátrio, que define as ruas como bens públicos de uso comum do povo [01], jamais podendo ser apropriadas por particulares ou até mesmo usucapidas.

Entretanto, alguns personagens da sociedade atual parecem querer concretizar o ideal pregado naquela antiga canção. São os guardadores de carros clandestinos, popularmente conhecidos como flanelinhas, que literalmente se apoderam das vias públicas e passam a tratá-las como propriedade privada.

Analisando o fenômeno por esse lado pode até parece que se trata de algo engraçado, mas a realidade tem revelado um cenário estarrecedor: ameaças e intimidação de motoristas, extorsão, furtos e roubos, disputas violentas por território... estes são apenas alguns dentre os muitos atos abomináveis praticados por flanelinhas que constantemente são noticiados pela mídia.

Os aspectos jurídicos da conduta já foram minuciosamente abordados em dois artigos anteriores (aos quais remetemos o leitor para melhor compreensão do problema): o primeiro [02] apontou os vícios da regulamentação da atividade através de uma decrépita lei federal e expôs os reflexos perniciosos de sua prática sobre todo o meio social em que está inserida. O artigo seguinte [03] demonstrou a relação existente entre a conduta dos flanelinhas e os tipos previstos na legislação penal vigente, demonstrando que, a partir da análise do caso concreto, é possível o enquadramento da conduta em variados delitos, tais como os crimes de extorsão, constrangimento ilegal, estelionato, usurpação de função pública e a contravenção de exercício ilegal de profissão ou atividade. Entretanto, ficou evidenciado que esta amplitude de possibilidades teve implicações práticas negativas, visto que a ausência de um consenso quanto à forma devida de repressão têm favorecido a impunidade e o conseqüente descrédito do judiciário e dos órgãos estatais encarregados de coibir delitos. Em outras palavras, a falta de uma tipificação específica tem se mostrado um grande óbice, tanto para a atuação do magistrado quanto para desempenho efetivo das atribuições constitucionalmente traçadas para os órgão executivos de repressão, que na maior parte das vezes se mantêm inertes diante de tão odiosa prática delitiva.

Em função disso, e em virtude da imperiosa de necessidade de certeza das leis, principalmente em se tratando de matéria penal, abordaremos no presente artigo a necessária e urgente criação de uma tipificação específica capaz de coibir a ação dos flanelinhas de maneira eficiente e adequada.


1- A GARANTIA DE UM DIREITO PENAL MÍNIMO VERSUS A necessária da criminalização da conduta dos flanelinhas

Pode parecer um contra-senso iniciar um artigo que defende a criminalização de uma conduta abordando o princípio da intervenção mínima, mas o que se pretende é justamente provar que a tipificação da atividade dos guardadores irregulares obedece aos mais variados limites impostos a tutela penal em um Estado de Democrático de Direito, não se tratando, portanto, de uma medida austera e imoderada, típica de um Direito Penal máximo, de um Direito Penal do inimigo.

Sendo o Direito Penal a forma mais drástica de intervenção estatal na liberdade dos indivíduos, em respeito às garantias constitucionalmente asseguradas, sua interferência no seio social deve ocorrer apenas para tutela dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa.

Essa intervenção apenas é legítima em situações extraordinárias, ou seja, como a ultima ratio, a última instância formal de controle da sociedade. Logo, sua ingerência na vida do cidadão deve ser mínima, garantia essa erigida à categoria de princípio. Este é assim definido por Cesar Roberto Bitencouert:

O Princípio da Intervenção Mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconiza que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. [...] Por isso, o Direito Penal deve ser ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramo do direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo, e da própria sociedade. [04]

O aludido princípio aparece então como uma barreira a criminalização desenfreada de quaisquer comportamentos que lesionem bens jurídicos, de forma que a atuação legislativa em matéria penal seja sempre limitada.

A jurista Alice Bianchini afirma que quando se tratam de condutas com elevado grau de reprovabilidade e danosidade social é comum o entendimento de que só um meio particularmente vigoroso, no caso a intervenção penal, poderá, a contento, proteger a sociedade [05]. Entretanto, embora o direito penal desempenhe esse imprescindível papel na promoção da paz social, sua atuação encontra sólidos limites no principio da intervenção mínima, de forma que a performance do legislador na tipificação de condutas deve ser restringida levando-se em consideração um importante binômio:

Somente podem ser ingeridas à categoria de crime, condutas que, efetivamente, obstruam o satisfatório conviver da sociedade. Desta forma, o princípio da intervenção mínima pode significar tanto a abstenção do direito penal de intervir em certas situações (seja em função do bem jurídico atingido, seja pela maneira com que veio a ser atacado) – o que lhe dá o traço fragmentário – como também a sua utilização em termos de último argumento. Neste caso o sistema punitivo é chamado a interceder de forma subsidiária... O princípio da intervenção mínima, portanto, tem seu núcleo a partir da verificação do grau do binômio subsidiariedade / fragmentariedade. [06]

Dessa forma, afirma a doutrinadora que determinada conduta só irá merecer a tutela penal quando sua criminalização mostrar-se consentânea com as duas características intrínsecas de um direito penal mínimo: a fragmentariedade e a subsidiariedade.

Nilo batista promove a mesma relação, entendendo que a intervenção legislativa em matéria penal se dará unicamente quando for demonstrada a ineficiência dos demais ramos do direito em punir com a veemência necessária a conduta (subsidiariedade) e quando restar provado que o ilícito violou valores cuja alçada de atribuição para punir é do direito penal (fragmentariedade). [07] Com arguta visão e notável poder de síntese, Francisco Assis Toledo também assevera que a limitação ao desiderato legislativo em matéria penal dá-se através das duas formas mencionadas: "Fica, pois, esclarecido o caráter limitado do direito penal, sob duplo aspecto: primeiro, o da subsidiariedade de sua proteção de bens jurídicos; segundo, o dever estar condicionada sua intervenção à importância ou gravidade da lesão, real ou potencial.." [08]

Assim, considerando os argumentos expostos, para que a cobrança pelo serviço de vigilância de veículos em locais públicos venha ser considerada como crime é necessário analisar se essa tipificação mostra-se consentânea com a garantia de um direito penal mínimo e com seu caráter subsidiário e fragmentário.

Passa-se agora a analisar essas duas características apontadas pela respeitável doutrina, comparando-as com a perspectiva da elaboração da tipificação da cobrança pelas vagas de estacionamento em vias públicas.

1.1 – CARÁTER FRAGMENTÁRIO DO DIREITO PENAL

Da observação do princípio da intervenção mínima conclui-se que o direito penal deve ocupar-se apenas de parte dos bens jurídicos protegidos pela ordem jurídica, o que faz com ele guarde sempre um nítido traço fragmentário.

Destarte, o princípio da fragmentariedade seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob a sua proteção constitui uma orientação dirigida ao legislador nas escolhas das condutas que devem ser tuteladas penalmente, não cabendo a ele criminalizar todas as ações capazes de vulnerar bens jurídicos, mas apenas aquelas mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais importantes. Essa característica levou Luiz Regis Prado a afirmar que o bem jurídico revela-se como marco de legitimidade da legislação penal [09]. Sobre o tema, o ilustre penalista Francisco Assis Toledo assevera que "bens jurídicos são valores éticos sociais que o Direito para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas". [10]

Esse caráter fragmentário guarda ainda relação com outros dois importantes princípios do direito penal: o princípio da ofensividade, segundo o qual o legislador deve adotar, na elaboração do tipo penal, a exigência indeclinável de que a conduta proibida represente ou contenha conteúdo verdadeiramente ofensivo a um bem jurídico penalmente protegido [11] ; e o princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos, segundo o qual não compete ao Direito penal tutelar valores puramente morais, éticos ou religiosos. [12]

Ao abordar essa questão, Alice Bianchini relaciona o merecimento da tutela penal com a dignidade do bem jurídico e a gravosidade da conduta que lhe seja substancialmente ofensiva [13]. Essa análise permite a autora concluir que "deve-se verificar se a conduta que se está criminalizando (e, por conseqüência, protegendo), efetivamente, é danosa para a sociedade – tanto que justifique a sua inscrição em um tipo penal". [14]

Paulo de Souza Queiroz compara o Direito Penal a uma UTI de um grande hospital, só devendo ser acionado quando realmente a gravidade da situação assim o justifique. [15] Embora pela afirmação acima possa parece que esse caráter fragmentário coloque os indivíduos probos em situação de desamparo, como doentes sem médicos, na verdade essa característica configura verdadeiro instrumento de proteção do cidadão. È o que observa afirma Maura Roberti: Sendo o Direito Penal a forma mais drástica de intervenção na vida social, seu caráter fragmentário, antes de representar um defeito, se apresenta como uma virtude, na medida em que impõe o limite imprescindível a um totalitarismo da proteção estatal, este sim prejudicial dentro de um Estado Democrático de Direito. Assim é que a natureza da fragmentariedade do Direito Penal trata de um limite material do ius puniendi, de natureza político-criminal, que tem a sua origem no princípio da intervenção mínima. [16]

Isto posto, considerando que o Direito Penal se preocupa apenas com fragmentos do amplo rol de bens juridicamente tuteláveis, deve o legislador erigir a categoria de crime apenas aqueles casos em que há uma ameaça real a esses bens, não disciplinando condutas de menor relevância.

Dessa forma, para tipificação da conduta dos flanelinhas, deve-se antes verificar se esta é uma atividade "efetivamente, é danosa para a sociedade – tanto que justifique a sua inscrição em um tipo penal" [17]. É, portanto, indispensável a constatação de que a ação por ele realizada venha a atingir "bens jurídicos considerados essenciais à existência do indivíduo em sociedade " [18].

1.1.2. Bens Jurídicos atingidos pela conduta dos flanelinhas

Primeiramente deve-se destacar que a conduta do guardador clandestino é pluriofensiva, uma vez que lesa ou expõe a perigo de dano mais de um bem jurídico.

A primeira vista, nota-se que a atividade é lesiva ao patrimônio, pois motorista é constrangido a pagar para estacionar em uma vaga que, sendo pública, deveria ser-lhe garantida sem qualquer contraprestação. É motivo de revolta para um trabalhador honesto ter que despender de parte seu dinheiro para um meliante cuja renda mensal pode ser até maior que a sua.

O valores exigidos tem aumentado na proporção em que cresce o temor da população em relação a eles, visto ser cada vez mais comum os relatos de crimes praticados contra aqueles que resistem a cobrança. Trata-se é um ciclo vicioso, pois à medida que a atividade tem se tornado mais rentável, mais pessoas de suspeita índole tem se interessado em praticá-la.

O patrimônio é também atingido quando o guardador arranha veículo, fura o pneu, arranca peças e acessórios ou ainda atua como facilitador no furto do automóvel. Assim como a pena no direito penal, tais práticas tem função retributiva (sansão a motoristas que negaram o pagamento exigido) e preventiva (inibir que outros condutores venham a resistir a cobrança).

Outro bem jurídico atingido é a liberdade individual, compreendendo a liberdade psíquica (livre formação da vontade) e liberdade física (liberdade de movimento) [19]. Ao motorista, como qualquer outro ser humano, é reconhecido o direito fundamental de fazer tudo aquilo que a lei não proíba expressamente, não podendo ser compelido a fazer senão o imposto por lei (art. 5°, inc. II, CF/88).

Todo cidadão tem o direito de utilizar-se do espaço público, principalmente tratando-se de bens públicos de uso comum do povo, como ruas e praças (art. 99, inc I, CC/02). Ao obstaculizar o exercício desse direito, os flanelinhas impedem que o condutor faça algo que a lei permite e, dessa forma, atenta contra sua liberdade.

Considerando que no mundo moderno é indispensável a utilização de automóveis para locomoção, qualquer conduta que perturbe a circulação dos motoristas representa também um embaraço ao direito de ir e vir (jus ambulandi).

No modus operandi da atividade ainda há outra afronta à liberdade individual: o guardador intimida o motorista através da forma ameaçadora com que faz sua cobrança. Essa ameaça, mesmo que velada, mostra-se eficaz em aterrar o sujeito passivo (motorista), atentando contra sua tranqüilidade, sua paz de espírito.

Destarte, tem-se a produção de efeitos negativos na livre capacidade autodeterminação da vontade do condutor. Os guardadores geram um clima de intranqüilidade e se aproveitam do medo da violência. Isto é inadmissível nos dias atuais, cujos índices de criminalidade e banalização da vida por si só já são capazes atemorizar demasiadamente o cidadão, que vive em constante estado de estarrecimento.

A atividade constitui ainda um afronta a administração pública, uma vez que a cobrança pelo estacionamento em locais públicos compete, nos termos do CTB, aos órgãos municipais de trânsito, o que lhe confere e nítido caráter de serviço público [20]. Além disso, ao exigir uma contraprestação por um serviço de vigilância imposto ao cidadão, está o flanelinha cobrando por um direito constitucionalmente garantido ao indivíduo e sua propriedade, a segurança pública (art.144, caput, CF/88) [21], cujo dever de zelar cabe aos órgãos do estatais competentes, e nesse caso mais precisamente à policia militar, cuja tarefa constitucionalmente traçada é a de "polícia ostensiva e a preservação da ordem pública"(art.144, par. 5°, CF/88).

Existem ainda outras ações que, embora praticadas de forma secundária, costumeiramente aparecem relacionadas aos guardadores irregulares de veículos, evidenciando assim a necessidade de sua repressão. São exemplos: agressões a motoristas (violando assim sua integridade física e psíquica), disputas violentas entre si pela demarcação de pontos, corrupção ativa perante policiais e fiscais municipais, dentre outros.

Pelo exposto é também possível observar que a conduta atinge frontalmente a paz pública, na medida em que o guardador se aproveita do medo do cidadão em relação à violência, o que contribui para o incremento desse clima de intranqüilidade e promove a uma ainda maior degradação do ambiente urbano.

Notadamente, trata-se de uma atividade que representa a impotência do poder público perante a marginalidade, sua ineficiência em manter a ordem e coibir práticas que atentam contra a paz social. Por conseguinte, outro bem tutelado através da criação do novo tipo seria o sentimento de paz jurídica. E isso porque a conduta gera no espírito do indivíduo insegurança quanto à proteção dispensada pelo Direito. O cidadão tem a impressão de se viver em uma terra sem lei, ou melhor, em uma terra de muitas leis, porém sem respeito a elas. Deve o Estado tutelar penalmente os importantes bens jurídicos atingidos pela atividade, sob pena de um irremediável descrédito.

Portanto, a criminalização da conduta do flanelinha mostra-se consentânea com o caráter fragmentário do direito penal pois mesmo quando a atividade não atinge diretamente um bem jurídico relevante, expõe esse bem a um perigo concreto, real e efetivo de lesão.

1.2 – CARÁTER SUBSIDIÁRIO DO DIREITO PENAL

Seguindo a análise intervenção mínima, tem-se que o direito penal deve ser visto como remédio último, cuja presença só se legitima quando os demais ramos do direito se mostram ineficazes, o que lhe garante seu caráter subsidiário. Sobre essa característica, assim observa a Alice Bianchini:

A criminalização de determinada conduta que ofenda bens ou valores fundamentais de forma grave ou que os tenha exposto a perigo idôneo só se justifica se a controvérsia não pôde ser resolvida por outros meios de controle social, seja formal ou informal, menos onerosos (princípio da necessidade), o que caracteriza o direito penal como sendo subsidiário. [22]

Dessa forma, além de verificar se a conduta a que se pretende criminalizar é de fato ofensiva a bens jurídicos relevante (conforme se verificou no tópico anterior), deve o legislador penal observar se em relação a estes bens se mostraram insuficientes as garantias oferecidas pelo ordenamento jurídico em outras áreas extrapenais.

A esse respeito é também oportuna a lição de Claus Roxin:

A proteção de bens jurídicos não se realiza só mediante o Direito Penal, senão que nessa missão cooperam todo o instrumental do ordenamento jurídico. O Direito Penal é, inclusive, a última dentre todas as medidas protetoras que devem ser consideradas, quer dizer que somente pode intervir quando falhem outros meios de solução social do problema – como a ação civil, os regulamentos de polícia, as sanções não penais etc. [23]

Assim sendo, o Direito Penal deverá sempre ser visto como suplementar a outros ramos do ordenamento jurídico, os quais são primeiramente preparados para solucionar lides e desavenças sociais, sem maiores traumas e evitando sempre a sanção penal. Estabelece, portanto, uma proteção acessória aos bens jurídicos, proteção esta que se atem apenas àquelas condutas particularmente danosas, cuja repressão não se possa, efetivamente, confiar a instâncias mais adequadas e socialmente menos onerosas de controle social. [24]

Esse traço subsidiário implica, portanto, que a intervenção repressiva no círculo jurídico dos cidadãos só tenha sentido como imperativo de necessidade, isto é, quando a pena se mostrar como único e último recurso para proteção do bem jurídico, cedendo a ciência criminal a tutela imediata dos valores primordiais da convivência social e atuando somente em último caso. [25] Logo, o direito penal deve ser a visto como última ratio, como a solução derradeira para o problema que se pretende enfrentar.

Diante disso, conclui-se que a atividade dos flanelinhas, ainda que lesione ou exponha a perigo de lesão importantes bens jurídicos tutelados pelo Estado, apenas poderá ser erigida a categoria de crime se ficar constatada a ineficiência dos demais ramos do direito em reprimir com a veemência necessária a tão intolerável conduta. É o que se buscará demonstrar nas próximas linhas.

1.2.1 O fracasso dos sistemas de controle de flanelinhas implantados nas cidades brasileiras

No combate a ação dos guardadores clandestinos de veículos, todos as alternativas extrapenais empregadas até o momento não obtiveram êxito. Conforme já foi evidenciado de forma minuciosa [26], a legislação pátria contempla uma regulação para profissão através de uma lei federal, porém, após mais de trinta anos de vigência desta normatização, ela ainda está longe de alcançar o seu objetivo de conter o loteamento das ruas e os abusos costumeiramente praticados. Estes problemas apenas aumentaram desde sua edição.

Além de ignorada e de ser ineficaz na repressão dos delitos decorrentes da atividade, a referida regulamentação apresenta série de irregularidades, sendo patentemente contrária ao ordenamento jurídico como um todo. Em síntese, não pode uma lei legitimar a apropriação de um espaço público e a cobrança imposta por particular pela prestação de um serviço que legal e constitucionalmente é atribuído aos órgãos do Estado. [27]

Não obstante o insucesso desta legislação, algumas cidades têm buscado, sem sucesso, soluções administrativas para amenizar os impactos nocivos da atividade sobre seus cidadãos. São exemplos atuais as cidades de Porto alegre (MS) e Brasília (DF) cujos projetos de regularização foram apresentados à população como uma panacéia para a insegurança urbana gerada pela atuação dos flanelinhas. Todavia, tais ações pecam por ignorar que vários municípios já se empenharam neste mesmo propósito e em todos os casos ficou evidenciado que esta é uma questão mais afeta ao direito penal que à seara administrativa.

A primeira cidade a tentar regulamentar a atividade foi Ribeirão Preto (SP) através da Lei Municipal 8341/99, que permitiu a celebração de um convênio entre a prefeitura e um sindicato de guardadores de veículos. Teoricamente esta lei faria diminuir os ilícitos habitualmente praticados pelos guardadores informais através do controle municipal, mas na prática, verificou-se a impossibilidade de uma efetiva fiscalização já que a questão ultrapassava o âmbito administrativo, sendo um verdadeiro caso de polícia. O convênio foi extinto e atualmente a cidade está entre aquelas que mais enfrenta problemas com flanelinhas na país.

A despeito deste fracasso, dois deputados federais apresentaram projetos de lei que pretendiam expandir a experiência de Ribeirão Preto para todo país, a saber, o PL 6958/02, de autoria do Deputado Lamartine Posella (PMDB/SP), e posteriormente o PL 2725/03, de autoria do Deputado Cláudio Magrão (PPS-SP). Por óbvio, ambas propostas foram rejeitadas, ficando inclusive demonstrado pelo relator do último projeto que a lei editada em Ribeirão preto é flagrantemente inconstitucional porque "contraria o art. 30, inciso I, da Constituição Federal e o princípio federativo". Na condição de relator, o deputado Eudes Xavier (PT/CE) afirmou ainda que "deve ser lembrado, outrossim, que a segurança dos cidadãos deve ser garantida pelo Estado, mediante a atuação de servidores públicos e não de trabalhadores autônomos."

Em Maringá, cidade paranaense onde existem mais de 200 mil veículos, a prefeitura também experimentou um projeto de regularização, com oferta de cursos de qualificação e cadastramento, mas a experiência novamente foi fracasso. Os flanelinhas foram convocados a devolver os coletes de identificação após a constatação de que os abusos continuavam a ser cometidos e continuariam independentemente de qualquer intervenção do poder municipal. Percebeu-se também que a presença dos guardadores estava sempre atrelada a alguma forma de criminalidade.

Dentre os muitos crimes ocorridos, um chamou atenção: uma motorista se recusou a dar gorjeta a um flanelinha e teve o vidro do carro quebrado por uma pedra lançada pelo guardador. Os estilhaços feriram seu filho de 8 meses, que estava no banco traseiro, na semana anterior. [28] Na semana anterior um guardador teria batido com um facão no carro de um motorista que tinha se negado a lhe pagar; outro foi autuado por desacatar um policial ao reagir à abordagem dizendo "estou pedindo dinheiro sim e vou continuar, pois sou cadastrado na prefeitura, seu palhaço". [29] Além destes casos, no ano anterior um guardador foi assassinado em uma disputa por território entre os próprios flanelinhas

Everaldo Belo Moreno, presidente do Conselho de Segurança da cidade, que também organizou o projeto, reconheceu seu insucesso e foi mais além, afirmando: "Vamos iniciar também uma campanha de conscientização, pedindo à população para que não dê dinheiro a eles, pois o motorista não precisa pagar para estacionar o carro em um local público específico para isso... Ajudá-lo significa, muitas vezes, abastecer a venda ilegal de entorpecentes." [30]

Em São José do Vale do Rio Preto (SP) foi editada a Lei Municipal n° 7246/98 com o fim de regulamentar a atividade dos guardadores de veículos "em dias de aglomeração pública", atividade esta definida como "biscate" pela própria lei. Posteriormente essa lei acabou sendo declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que julgou procedente uma ADIN [31] proposta pelo Prefeito da cidade. Ficou evidenciado que esse tipo de regulamentação, além de ineficiente, é inconstitucional.

Em Volta Redonda (RJ) constatou-se a ineficácia da instalação de paquímetros com forma de inibir a ação dos flanelinhas [32]. Isto porque os agentes municipais limitavam-se a verificar se o motorista tinha em seu carro um tíquete referente ao paquímetro mas, alegando ser uma questão de segurança pública, declaravam-se incompetentes para reprimir a ação dos guardadores que continuavam a coagir os condutores apesar da instalação do mecanismo. Os motoristas muitas vezes acabavam sofrendo uma dupla cobrança pela utilização da mesma vaga: pagavam ao paquímetro (para evitar a multa) e ao flanelinha(para evitar danos no veículo).

A Prefeitura da cidade de São Paulo tentou camuflar o problema dos flanelinhas, ou melhor, dar a ele uma aparência de legalidade regulando a implantação de um sistema de vallets, copiando o modelo americano de guarda de veículos. Esqueceu, entretanto, que este sistema foi projetado para uma realidade diversa, já que os EUA não têm os mesmos problemas verificados no Brasil. [33]

Na verdade, não se pretendeu solucionar a questão dos flanelinhas, cuja área de atuação se dá em locais públicos, mas apenas legitimar a sua atuação em determinados locais privados, tais como bares e restaurantes (o município ainda se mantém apático diante dos abusos praticados nos demais lugares). Contudo, nem mesmo aquele restrito objetivo foi atingido. Segundo Renato Balbin, doutor em mobilidade urbana, esses manobristas paulistas não passam de "flanelinhas de terno e gravata" [34]. Teoricamente os vallets são proibido de estacionar os veículos nas vias públicas, devem ter seguro para os carros e usar as vagas de alguma garagem legalizada. Todavia, conforme observou o advogado Ciro Vidal, não passam de "flanelinhas de luxo", já que muitos também estacionam os carros em vias públicas. [35] O próprio diretor jurídico da associação das empresas de vallets, Syrius Lotti Jr, adimitiu o insucesso do sistema em entrevista ao Jornal Folha de São Paulo: "nada mudou e a bagunça continua... Você sabe, eu sei, todo mundo sabe que há uma penca de vallets que deixam os carros nas ruas" [36].

A Prefeitura de São Paulo regulamentou o serviço com a justificativa de facilitar a fiscalização do setor. Porém, um levantamento feito no final de 2008 constatou que apenas 11 das mais de 600 empresas que prestam esse serviço estavam regularizadas [37]. Em suma, a capital paulista agora tem dois problemas com que se preocupar: os flanelinhas e vallets ilegais.

O caso mais recente de um equivocado tratamento municipal para a conduta está sendo experimentado em Brasília. A edição do Decreto nº 30.522 em 3 julho de 2009, que prevê o cadastramento dos flanelinhas, foi manchete em vários jornais do país e foi anunciada com otimismo pelos seus idealizadores. Entretanto o neonato regulamento está fadado ao fracasso, já que ele exige dos candidatos a guardadores oficiais a ausência de antecedes criminais. [38]

Ora, um levantamento feito pela polícia civil no ano passado constatou que 80% dos guardadores que atuam no Distrito Federal possuem passagem pela polícia por algum tipo de delito. [39] Assim, ainda que alguns flanelinhas venham a ter sua situação regularizada, a maioria permanecerá na ilegalidade por possuir máculas pretéritas em sua ficha criminal e continuarão a cometer toda sorte de abusos. [40]

A mesma crítica vale para o sistema implantado em Porto Alegre no mesmo mês. A cidade que também insiste em repetir o famigerado cadastramento de guardadores pela prefeitura, mas neste caso o poder municipal optou por um eufemismo para se referir aos flanelinhas, os quais preferiu chamar de "protetores de patrimônio". A instituição desta denominação diversa revela uma verdadeira hipocrisia: é um absurdo tentar colocar fita colorida num embrulho de marginalidade e violência!

Segundo o jornal O Globo, o objetivo da implantação do sistema "é acabar com a guerra entre guardadores a extorsão principalmente em eventos artísticos e esportivos na capital gaúcha" [41]. Nota-se claramente que o município busca solucionar problemas com violência e extorsão com medidas administrativas, quando na verdade é obvio que se tratam de questões que dependem de uma intervenção penal. Isto que ficou claro já no primeiro dia de funcionamento do novo sistema. Sua estréia ocorreu no entorno do estádio Beira-Rio, onde acontecia a final da Copa do Brasil, entre Internacional e Corinthians. Verificou-se que os guardadores clandestinos continuavam a coagir os motoristas independentemente da presença dos "protetores de patrimônio" e de uma suposta fiscalização. [42]

Os municípios citados são apenas alguns dentre os muitos que tentaram, sem êxito, coibir esta tormentosa atuação [43]. Mas o maior exemplo de que outros ramos do direito são incapazes em solucionar o problema dos guardadores clandestinos encontra-se na cidade do Rio de Janeiro.

Na capital fluminense, vários sistemas já foram testados ("vaga certa", "período único", "rio rotativo", etc.) sem que nenhum resolvesse ou ao menos amenizasse a questão, que atualmente é umas das principais reclamações dos cariocas. Já se tentou colocar a venda de talões a cargo de um sindicato de guardadores, sem êxito. Implanto-se um modelo em que os motoristas podiam comprar tíquetes em bancas de jornais, igualmente sem sucesso. Em 2001 a prefeitura iniciou o sistema "auto-operativo", no qual o negócio de compra e venda de talões de estacionamento foi colocado a cargo de pessoas físicas e de um sindicato (Singaerj), cooperativas e associações, o que acirrou ainda mais disputa pelas vagas [44]. Neste caso, o fracasso do sistema "auto operativo" teve repercussão nacional após reportagem do programa Fantástico, da T.V. Globo.

O programa, exibido no dia 6 de abril de 2008, denunciou o "mercado negro da vaga certa", uma verdadeira máfia dos flanelinhas, e revelou, através de câmeras escondidas, o esquema de aluguel e venda de pontos de vias públicas para se trabalhar como guardador, o envolvimento de policiais no comércio e monopólio de vagas, dentre outras irregularidades. [45]

Essas e outras denúncias levaram a prefeitura a realizar uma concorrência para que uma empresa privada assumisse o gerenciamento dos estacionamentos públicos. A licitação foi vencida pela Empresa Brasileira de Estacionamentos Ltda. (Embrapark), mas após três dias de confusão nas ruas pela violenta resistência dos flanelinhas [46], o Tribunal de Contas do município decidiu suspender o contrato por suspeitas irregularidades no processo licitatório (quando na verdade apenas se queria amenizar o caos instaurado pela resistência dos guardadores clandestinos).

Recém empossado como prefeito, Eduardo Paes mostrou-se preocupado com a questão. Tanto que, após poucos dias do início de seu mandato, foi publicado um decreto no qual a prefeitura ditava regras para atuação dos flanelinhas, determinando seu cadastramento e estabelecendo critérios para sua atuação. [47]

Entretanto, como persistiram as denúncias de abusos e loteamento de ruas, Eduardo Paes revoltou-se contra os guardadores. Em entrevista ao jornal O Globo, declarou: "Não dá pra ficar com o modelo que temos hoje, que é de agiotas de vagas públicas, institucionalizado pela prefeitura. Queremos acabar com isso." [48]

O governo municipal então determinou a empresa Embrapark reassumisse a exploração das vagas. Contudo, esta solução (licitação para empresas privadas explorarem as vagas) também não se mostrou eficaz em conter a atuação dos flanelinhas, que continuaram a agir deliberadamente, agora hostilizado os empregados da empresa contratada. Um levantamento feito após dois meses de atuação da concessionária mostrou que "enquanto a Embrapark tem um prejuízo mensal de R$ 900.000,00 e seus funcionários abandonam, muitas vezes seus postos... quem dirige continua à mercê de flanelinhas que extorquem os motoristas." [49]

A experiência carioca deixa bem claro que o Estado deve procurar maneiras efetivas de solucionar o problema e não unir-se a ele. Vimos aqui que muitas cidades repetem as experiências que fracassaram em conter a atividade. Buscam variadas maneiras de coibir ou regulamentar a cobrança pelas vagas em locais públicos, mas de forma alguma inibem a atuação dos guardadores irregulares, que permanecem achacando os motoristas e cometendo os mais variados abusos. Indubitavelmente trata-se de uma questão de segurança pública, que não se pode vencer através da utilização de intervenções extrapenais.

Com base no exposto, percebe-se que é legitima a ação do direito penal na repressão dos flanelinhas, pois nenhum mecanismo administrativo mostrou-se capaz de solucionar o conflito. Dessa forma, pode-se concluir que a tipificação da conduta atende também ao princípio da subsidiariedade, já que "fracassam as demais formas protetoras do bem jurídico previstas em outros ramos do direito" [50].

Em suma, ainda que a atuação legislativa em matéria penal encontre variados limites, a atividade em tela é merecedora da tutela penal em virtude da existência de lesão efetiva a bens jurídicos relevantes e do fracasso das outras formas de intervenção menos gravosas.


2- Criminalização da conduta DOS FLANELINHAS sob o prisma da criminologia

O ramo do direito permite uma perfeita averiguação da pertinência de criminalizar determinada conduta é a Criminologia, que conforme definição de Edwin H. Suntherland, "é um conjunto de conhecimentos que estudam o fenômeno e as causas da criminalidade, a personalidade do delinqüente, sua conduta delituosa e a maneira de ressocializá-lo" [51].

Para esta ciência, conforme observa Sérgio Salomão Shecaira [52], o delito deve ser encarado como um problema social e, por isso, é preciso que existam alguns critérios para se entender um fato coletivamente como crime.

O aludido jurista elenca quatro critérios: i) incidência massiva na população; ii) incidência aflitiva; iii) persistência temporal; iv) existência de consenso a respeito de sua etiologia e das técnicas de intervenção eficazes para o seu combate.

A criminalização da conduta dos guardadores irregulares de veículos atende a todos estes critérios, sendo assim um imperativo também sob o ponto de vista deste ramo do direito.

A incidência massiva na população exige a ocorrência relativamente freqüente do fato, não se podendo criminalizar um acontecimento isolado, ainda que tenha causado certa revolta na comunidade. A ação dos guardadores irregulares de carros atende facilmente a esse requisito, visto que ela tem se mostrado cada vez mais comum nos centros urbanos (e agora até mesmo nas pequenas e médias cidades), tornando-se uma prática corriqueira, habitual.

O criminalista aponta também que a conduta deve produzir incidência aflitiva, pois não faz sentido que um caso sem relevância social seja criminalizado. A atividade dos flanelinhas é altamente prejudicial à população, em especial aos motoristas, que são submetidos a uma cobrança indevida pela utilização de um bem público e cotidianamente vêem ameaçados seu patrimônio e integridade física. A sociedade como um todo também é atingida na medida em que essa atividade aproveita-se do medo dos cidadãos e reforça o já presente clima de intranqüilidade, contribuindo assim para degradação do ambiente urbano.

O terceiro critério indica que a conduta praticada deve ter persistência temporal, isto é, não se deve estigmatizar comportamentos que representem uma moda ou algo transitório. O ato de cobrar pelo estacionamento em vias públicas existe há décadas e sua ocorrência tem crescido progressivamente em razão do crescimento de sua lucratividade, da ausência de repressão e do aumento do medo dos motoristas em relação aos abusos costumeiramente praticados pelos guardadores. No que se refere a esse quesito, a negligência estatal ao longo do tempo foi o determinante para o problema atingisse o elevado grau de danosidade atual.

Por fim, um fato a ser alcançado pela esfera criminal deve resultar de um consenso da sociedade. Por óbvio, não se exige uma anuência absoluta da população, impossível de ser obtida, mas sim um consentimento geral e expressivo. Dessa forma, muito embora a ingestão de bebidas alcoólicas possa ensejar um fenômeno massivo, aflitivo e de persistência temporal é consenso que na sociedade seu consumo e venda não deve ser criminalizado. [53]

Tal requisito relaciona-se com a teoria da adequação social, formulada por Hans Welzel. "Segundo Welzel, o Direito Penal tipifica apenas condutas que tenham um certa relevância social; caso contrário não poderiam ser delitos." [54] Trata-se do princípio da adequação social, segundo qual uma conduta não será considerada típica se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada. [55]

No que se refere aos flanelinhas, é inegável que se trata de uma atividade socialmente considerada como uma transgressão, como um mal que deve ser combatido. Tal conduta é altamente reprovada pela população, que, por entender ser esta uma questão de segurança pública, exige das autoridades uma atuação mais incisiva na solução das questão. A demonstração desta reprovação pública pode ser observada nas colunas dos leitores nos jornais, em blogs na internet [56] e no site de relacionamentos "orkut", no qual existem várias comunidades que manifestam sua desaprovação aos flanelinhas, sendo que uma delas, denominada "eu odeio guardadores de carros", conta com mais de dez mil membros. Há casos em que o inconformismo da população atinge níveis preocupantes, já havendo inclusive episódios de motoristas que reagem violentamente a abordagem dos guardadores, como 2003, quando um flanelinha foi assassinado após efetuar a cobrança [57] (existem ainda outros casos de guardadores baleados por motoristas indignados). [58]

Não se pode considerar que o pagamento efetuado pelo motorista ao guardador o torna conivente com sua atuação, pois é notório o fato de esse adimplemento decorre do temor suscitado pela presença do flanelinha, pelo medo de que um mal maior lhe sobrevenha. Além disso, é sabido que os motoristas inconformados muitas vezes não recorrem à força policial por temer represálias ou por não crer na eficácia da repressão promovida pelo poder público.

Destarte, estão presentes todos os requisitos mínimos para que a atividade do guardador irregular de veículos venha ser entendida coletivamente como crime. Cabe agora, considerando que a criminologia é uma ciência que leva em consideração o fenômeno da criminalidade como um todo (inclusive a pessoa do delinqüente), expor como o aspecto sociológico da conduta se relaciona com esta perspectiva de crimininalização.

Neste sentido, um recente estudo feito pela socióloga Neiara Araújo, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), conclui que "a rigor", não se pode nem configurar a atividade dos guardadores como trabalho já que o cliente não procura pelo serviço e quase sempre remunera o flanelinha por cansaço, medo, culpa ou coerção. A organizadora do estudo afirma ainda que "é hipócrita achar que organizando, eles estão melhorando de vida. É como se o cidadão tivesse que responder pelo desemprego em cada esquina." [59]

O cientista político Francisco Moreira, professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), também aponta para a situação insustentável que se desencadeou pela atuação dos guardadores clandestinos. Ele assevera que "hoje somos reféns dessas pessoas que não sabemos nem quem são." [60]

Uma pesquisa coordenada por Elizete Menegat, professora da disciplina pesquisa social na Universidade Federal de Juiz de Fora, abordou o problema da ação dos guardadores clandestinos naquela cidade, confirmando o loteamento de pontos e a demarcação de território pelos flanelinhas. O estudo revelou que eles trabalham em áreas limitadas e confessam usar a rua como propriedade privada (guardadores mais antigos, que se intitulam proprietários das pistas e impõem o pagamento de aluguéis diários dos que estão no ponto há menos tempo, ou seja, o critério cronológico é o principal fator no estabelecimento das relações de poder, aliado sempre a um caráter intimidatório), demonstrando também que muitos possuem casa própria e um padrão de vida acima do que se imaginava. [61]

Para a professora e Assistente Social Angélica Duarte de Aguiar, autora da dissertação de mestrado "A lógica doméstica do espaço público de Brasília: flanelinhas no setor informal de trabalho" [62], pela Universidade de Brasília (UNB), "os guardadores de carros criam em suas áreas de trabalho pequenas sociedades com suas próprias regras e leis". Pela análise do referido estudo percebe-se que a conduta dos guardadores está ligada até mesmo a uma idéia de anarquia, de negação do regramento imposto pelo Estado para desenvolvimento das relações sociais.

Ainda assim, há quem pretenda justificar a atividade dos flanelinhas na questão da pobreza [63] e na falta de melhores oportunidades [64]. Seriam eles os frutos de uma sociedade desigual, as verdadeiras vítimas em um sistema capitalista opressor. Porém esse argumento ignora as peculiaridades da conduta frente às demais formas de ocupação informal, já que, dentre todas as opções de ofícios irregulares a que um cidadão pode valer-se em uma situação de desemprego, tais como venda de produtos falsificados ou oferecimento de transporte irregular, a atividade de guardador de carros é aquela que afronta mais diretamente a coletividade e por isso sequer deveria ser considerada como opção, como já afirmou a socióloga Neiara Araújo.

Diferentemente de outros trabalhadores que atuam na informalidade, os flanelinhas colocam os destinatários de seus serviços (que sequer são prestados) em uma incômoda situação de constrangimento, de forma que o motorista deve optar entre pagar ao guardador ou ter seu veículo ou até mesmo sua integridade física atingidos. Ao contrário dos demais trabalhadores irregulares, o guardador não oferece um serviço, ele o impõe através de uma ameaça velada. Quem remunera ao flanelinha não o faz por ato volitivo incólume mas sim tem sua vontade viciada pelo medo, pelo temor que um mal maior lhe sobrevenha.

Ainda que outros agentes da economia informal igualmente venham a praticar atos contrários ao ordenamento jurídico, a diferença está na natureza do bem lesionado, pois suas atividades atingem, quando muito, a economia popular, enquanto a conduta dos guardadores atenta contra a liberdade individual das pessoas, seu patrimônio, sua livre capacidade autodeterminação, dentre outros bens jurídicos, o que denota a sua maior reprovabilidade.

Neste sentido, cabe relembrar as palavras do Juiz Daniel Ribeiro Lagos: "se for justificar essa atividade no desemprego, estaria justificado a pistolagem, o tráfico de entorpecentes, entre outros, com reflexos econômicos, o que é inadmissível" [65]. Da mesma forma, a Juíza Liana Bardini Alves também afirmou que o desemprego "não implica em flanelinhas lotearem grande parte das vias públicas, exigindo preços altíssimos para que os veículos permaneçam incólumes" [66]. Assim sendo, não se pode admitir que a falta de ocupação seja usada como pretexto para práticas criminosas, como por exemplo, a coação de motoristas a pagarem pela utilização de bem público.

Não se pretende negar o fato de que muitos recorrem a "flanelagem" por falta de oportunidades no mercado de trabalho. Entretanto, são comuns os relatos de que muitos guardadores auferem uma renda significativa em sua atividade (muito superior ao ordenado dos trabalhadores formais) e que a conduta tem se mostrado cada vez mais lucrativa. Muitos se mantém no ofício, não pela ausência de uma alternativa idônea, mas sim por ser este o caminho que lhe garante maior benefício próprio, sem que se importar com questões legais, éticas ou morais. [67]

Neste contexto, para que não restem dúvidas quanto a necessidade desta criminalização, cabe tecer uma breve consideração sobre o principio da co-culpabilidade. Segundo este princípio, o juízo de reprovabilidade sobre uma conduta deve basear-se na concreta experiência social dos réus, nas oportunidades que se lhes depararam e na assistência que lhes foi ministrada, correlacionando sua própria responsabilidade a uma responsabilidade geral do Estado que vai impor-lhe a pena [68]. Em outras palavras, a idéia da co-culpabilidade funda-se na constatação de que, se nenhuma sociedade apresenta mobilidade vertical, a ponto de oportunizar a todos os seus integrantes o mesmo espaço social, o juízo de reprovação penal deve adequar-se, em cada caso, ao espaço social conferido ao indivíduo. [69]

Este princípio possui grande relevo quando percebemos que muitos se tornam flanelinhas em virtude da ineficiência assistencial do Estado. Todavia, isso não implica em considerar o aludido princípio como um óbice a criminalização da atividade. Isto porque a doutrina que advoga pela aplicação da co-culpabilidade entende a mesma como circunstância supra-legal de atenuação da pena e não como orientação a atuação legislativa na tipificação de condutas. Logo, trata-se de um princípio a ser empregado pelo magistrado (na análise do caso concreto, na atenuação da sanção penal) e não pelo legislador (na criminalização de condutas ofensivas a sociedade). Dessa forma, ainda que o juiz possa optar por relevar a sanção a ser aplicada a um flanelinha levando em consideração sua condição social adversa, tal fato não impede que a atividade seja erigida a categoria de crime em razão de todos os argumentos apontados até agora no presente artigo.

Dito isto, passamos agora a analisar como o legislativo pátrio vem enfrentando este tormentoso problema.


3- Projetos de lei

Diante de todo o exposto até o momento, fica patente a necessidade da criação de uma tipificação específica capaz de coibir de forma eficaz a ação dos guardadores de carros clandestinos, uma tarefa que cabe ao legislativo federal, o único competente a legislar em matéria penal (art. 22, Inc. I, CF/88). Dois projetos de lei visando essa criminalização já foram apresentados no Congresso Nacional, um foi rejeitado e o outro está em tramitação. [70]

A proposta pioneira foi uma iniciativa do então deputado federal pelo PFL/SP, Sr. Neuton Lima, que, ao defender a necessidade de se responsabilizar penalmente aqueles que se aproveitam da frágil posição dos proprietários de veículos, acabou rompendo com forma pusilânime pela qual o legislativo tratava a questão até aquele momento. Ele foi o autor do PL 2953, apresentado em 2004, cuja pretensão era tornar crime a "cobrança de taxa pelo serviço de vigilância de carros em locais públicos", tipificando a atividade como modalidade de extorsão indireta [71]. Na fundamentação de sua proposta, Neuton Lima discorreu acerca da fragilidade dos motoristas diante da injusta atuação dos guardadores:

A segurança pública é dever do Estado... não obstante, é fato corriqueiro, principalmente nos centros urbanos, os proprietários de veículos passarem pelo constrangimento de pagar para que particulares vigiem seus veículos, ao estacionarem os mesmos em vias e locais públicos. No mais das vezes, o dono do veículo submete-se ao pagamento temendo que o pseudo-guardador possa lhe afligir danos não somente materiais como físicos. [72]

Mesmo tratando-se de uma iniciativa louvável, a proposta foi arquivada após parecer negativo da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania no final de 2005. Na época, o Deputado Federal Marcelo Ortiz, na condição de relator da referida comissão, embora tenha entendido pela constitucionalidade e boa técnica legislativa do projeto, proferiu parecer pela injuridicidade e no mérito, pela rejeição.

Três anos depois o assunto volta a ser discutido no Congresso Nacional, agora em razão de uma iniciativa do Deputado Federal Antônio Carlos Biscaia (PT/RJ), autor do PL 4501, apresentado em 16 de dezembro de 2008. Ignorando o precedente negativo, Biscaia volta a propor a criminalização dos flanelinhas.

O deputado, que já foi Secretário Nacional de Segurança Pública em 2007, expõe de forma clara a justificação de sua proposta:

É grave situação a que estão sujeitos cidadãos e cidadãs que, ao procurarem um local para estacionar seus veículos, tornam-se reféns da ação injustificada e desordenada de guardadores clandestinos, conhecidos como "flanelinhas", que controlam as vias públicas sem possuir qualquer autorização do poder público... aqueles que se recusam a pagar as elevadas quantias exigidas, tem seus veículos furtados, danificados ou sofrem agressões físicas. [73]

Biscaia também propõe que vigilância de carros em locais públicos seja tipificada como modalidade de extorsão indireta. Para isso, pretende acrescentar ao Código Penal o artigo 160-A, que figuraria a seguinte redação:

Art.160- A Solicitar ou exigir, para si ou para terceiro, a qualquer título, dinheiro ou qualquer vantagem, sem autorização legal ou regulamentar, a pretexto de explorar a permissão de estacionamento de veículo alheio em via pública:

Pena – detenção, de 1 a 3 anos, e multa.

Atualmente (leia-se: agosto de 2009) o projeto está em tramitação no congresso e aguarda parecer a ser proferido pelo relator da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, o Deputado João Campos (PSDB-GO). Antes de seguir para votação no plenário, a proposta deve passar ainda pela Comissão de Constituição e Justiça.

3.1 – Argumentos pela aprovação do PL 4501/08

Em defesa da aprovação desta recente proposta pela criminalização da conduta dos guardadores clandestinos podemos invocar todos os argumentos expostos no presente artigo, tais como existência de lesão efetiva a bens jurídicos relevantes, o fracasso das outras formas de intervenção menos gravosas e o merecimento desta tutela penal diante da criminologia.

Para somar os argumentos apresentados e para que não restem dúvidas quanto à viabilidade desta necessária criminalização, passa-se a analisar o pretexto utilizado pelo relator Marcelo Ortiz para rejeitar a proposição anterior de autoria de Neuton Lima. Com isso, pretende-se demonstrar que os argumentos apresentados anteriormente não são aptos a obstar o sucesso deste novo projeto, de autoria do Deputado Antônio Biscaia.

No que tange a juridicidade, assim afirmou o relator:

A proposta se vale de núcleos verbais incompatíveis com a tipificação da extorsão, como ‘receber’ ou ‘aceitar’.

Receber ou aceitar dinheiro ou outra vantagem econômica como modalidade de pagamento pela vigilância de automóveis em estacionamento não se coaduna com a conduta própria do crime de extorsão...

Assim, a nosso, ver é injurídico o Projeto, por estar em desacordo com a sistemática penal vigente em nosso ordenamento jurídico.

De fato o PL 2953/04 pecou ao apontar um rol amplo de ações com caracterizadoras do delito a ser tipificado. Segundo a proposta, o crime teria como ação incriminada exigir (forçar,coagir), solicitar (requerer,requisitar), receber (ser-lhe enviado) e aceitar (admitir, anuir) a promessa de receber dinheiro ou qualquer outro vantagem econômica. [74]

Esta crítica foi superada pelo PL 4501/08, que não contempla os núcleos verbais alvos da objeção (receber e aceitar), prevendo apenas as condutas de exigir e solicitar. Portanto, quanto à técnica legislativa, não há razões que possam ensejar a rejeição do PL 4501/08.

No que se refere ao mérito do projeto, tal foi a argumentação do relator:

Quanto ao mérito, a proposição não merece prosperar. A busca de novas tipificações não se tem revelado meio eficaz de combate ao crime.

Agravar penas, criminalizar novas condutas, retirar benefícios dos condenados, todas estas manobras legislativas não têm sido eficazes como prevenção dos delitos.

A maior eficiência da Justiça, a celeridade processual e a efetividade da punição são aspectos muito mais importantes, que estão a merecer atenção do legislador.

Não se nega que, conforme expressa Francisco Assis de Toledo, o delito é um "fenômeno social complexo que não se deixa vencer totalmente por armas exclusivamente jurídico-penal." [75] Mas o fato de o direito penal não ser a resposta definitiva para o crime não o impede de desempenhar um importante papel no combate a delinqüência. O próprio Assis Toledo afirma ser este ramo do direito "um instrumento eficaz na prevenção do crime." [76]

A ação do legislador, no momento da cominação legal abstrata da pena, funciona como prevenção geral a pratica de novos delitos, seja de forma negativa, através da intimidação sobre a generalidade das pessoas, atemorizando os possíveis infratores em potencial; seja de forma positiva, contribuindo para o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade.

Quando o relator afirma que o agravamento de penas e a diminuição de benefícios dos condenados não são uma solução para a questão da violência, ele está com a razão. Como bem observa Luiz Flávio Gomes, o infrator valora mais as conseqüências próximas e imediatas de sua conduta - risco de ser preso - que as finais e mediatas - gravidade da pena cominada. [77]

Entretanto, quando o relator assevera que a criminalização de uma forma de delinqüência não é um mecanismo importante a ser usado contra a conduta que se pretende combater, trata-se de um verdadeiro disparate. Como pode a força policial mostrar eficiência no enfrentamento de uma atividade que sequer está tipificada?

Pela afirmativa de Luiz Flávio Gomes acima citada observa-se que deve haver ao menos a possibilidade de o infrator ser preso, tendo assim o legislativo um importante papel preventivo.

Dessa forma, para inibir uma atuação ilícita deve haver ao menos uma correta tipificação penal, somada a uma atuação eficaz da força policial e do poder judiciário, de forma que o infrator venha ao menos cogitar a possibilidade de sofrer alguma sansão relevante.

O relator declara ainda que a maior eficiência da justiça e a efetividade da punição são mais importes e merecem maior atenção do legislador que a criminalização. Porém, como pode haver efetividade da punição de uma conduta que em si não constitui nenhum delito previsto na legislação vigente?

Atualmente a atividade dos flanelinhas é enfrentada de forma variada, ora sendo considerada crime, ora simples contravenção, mas na maioria das vezes encarada como um ato meramente imoral. Isso enfraquece tanto o poder judiciário quanto os mecanismos executivos de controle, o que pode ser resolvido da forma apontada por Cesare Beccaria: "em um povo forte e valoroso, a incerteza das leis é constrangida finalmente a substituir-se por uma legislação exata" [78].

Neste sentido, este renomado penalista ainda observa:

Uma boa legislação não é mais do que a arte de propiciar aos homens a maior soma de bem-estar possível e livrá-los de todos os pesares que se lhes possam causar, conforme o cálculo dos bens e dos males desta existência...Desejais prevenir os crimes? Fazei leis simples e evidentes. [79]

Esta primorosa afirmativa denota a incontestável necessidade da atuação inovadora do legislador penal para reprimir essa atividade que atenta contra a liberdade individual, o patrimônio, a ordem pública e o bem estar social, e que até o momento não tem recebido a devida atenção dos órgãos competentes.

A urgência desta lei específica guarda relação com princípio da legalidade, mais precisamente com o sub-princípio da taxatividade (nullum crimen, nulla poena sine lege certa), que constitui uma comando dirigido ao legislador para redigir a disposição legal de modo suficientemente determinado para uma mais perfeita descrição do fato típico [80]. Sobre este a finalidade deste princípio e sua relação com a tipificação de novas condutas, é oportuna a lição de Juarez Tavares:

Considerando que a função primeira do direito penal é a de delimitar as áreas do justo e do injusto, mediante um procedimento ao mesmo tempo substancial e informativo, a exata descrição dos elementos que compõem a conduta criminosa serve, primeiramente, ao propósito de sua materialização, quer dizer, sua condição espaço-temporal; depois, como instrumento de comunicação entre o Estado e os cidadãos, pelo qual se assinalam as zonas do proibido e do permitido; por fim, de regulação sistemática [81]

Logo, deve o legislador atuar de forma que os dispositivos penais sejam exatos, impedindo que um comportamento seja encarado por vezes como crime e por outras com um ato desprovido de qualquer ilicitude. [82]

Sobre esse papel do legislativo, vale citar o ensinamento de Eduardo Bittar:

O Poder Legislativo é mesmo o coração do Estado, para Rousseau, enquanto que o Poder Executivo é-lhe o cérebro; se o cérebro se paralisa e o coração funciona, ainda assim há vida, mas se o coração cessa suas funções, não há mais vida. [83]

Assim, o desempenho do poder executivo na promoção do bem estar social depende diretamente do legislativo. Ora, sabe-se que no Brasil o poder executivo muitas vezes tem uma atuação caquética, se envolvendo constantemente em escândalos de corrupção. Se, além de uma aplicação deficitária das leis, estas sequer forem criadas, o colapso de todo o sistema inevitavelmente será instaurado.

Não se propõe aqui uma "inflação legislativa", expressão empregada por Francesco Carnelutti ao comentar o exagerado aumento do número de leis penais. [84] A atuação desmedida do legislador é, de fato, prejudicial. Entretanto, não se pode ignorar a existência de casos em que se torna imprescindível uma atuação inovadora do Direito Penal.

Essa necessidade se dá em decorrência das constantes e significativas transformações sociais, cujos impactos muitas vezes se traduzem em nocivas conseqüências a toda coletividade. Não se pode negar que a dinâmica da vida impulsiona a dinâmica normativa. Se uma conduta, até então não tipificada, torna-se altamente reprovada pela população, atinge frontalmente bens jurídicos relevantes e, por conseqüência, atenta contra paz social, é inegável a urgência da atuação legislativa. Mesmo que essa criminalização não seja a solução categórica para o problema, é incontestável que a mesma desempenha um papel vital em sua repressão.

É justamente o que se observa em relação à atividade dos flanelinhas. O problema, que parecia inofensivo no início, tem tomado grandes proporções e se tornado uma questão de segurança pública. Diante disso, o cidadão, que cotidianamente vê seu patrimônio, liberdade individual e integridade física ameaçados pelos guardadores irregulares de veículos, muitas vezes tem a sensação de não ter a quem recorrer, de não ter meios legais para proteger-se de seu algoz. Essa realidade demanda uma correta tipificação da atividade, de forma que Direito Penal venha cumprir sua função precípua de preservar as condições essenciais a uma pacífica convivência dos indivíduos. [85]


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto no presente artigo, considerado a existência de lesão efetiva a bens jurídicos relevantes e o fracasso das demais formas de intervenção, fica evidente a urgência e necessidade da criação de uma tipificação específica apta a coibir de maneira eficiente a ação dos flanelinhas.

Todavia, apesar desta necessidade inequívoca, sempre faltou interesse político para que o legislador promovesse esta criminalização, afinal de contas, deputados e senadores sempre estiveram temerosos de que ações como essas pudessem ser taxadas como insensibilidade social. Apesar de a conduta em tela não poder ser justificada na questão da pobreza (conforme evidenciado anteriormente), o fato é que muitos ainda consideram os guardadores com vítimas da desigualdade social. Ora, nenhum deputado tem interesse em adotar medidas (ainda que urgentes e essenciais) que teoricamente poderiam tirar sua credibilidade frente às classes menos favorecidas, que na maioria das vezes constituem a maior parte de sua base eleitoral. Em se tratando de usar a máquina legislativa como forma de buscar prestígio, sem dúvida lhes é mais interessante a adoção de medidas assistenciais (ainda que jurídica e moralmente condenáveis) do que medidas de repressão aos ilícitos.

Essa postura do legislador resultou em uma atitude comum da política brasileira em relação aos seus problemas. Ao invés de combatê-los, junta-se a eles, de modo que aquilo que é clandestino acaba se tornando público e oficial, ainda que seja flagrantemente acintoso à moralidade pública e ao sistema jurídico como um todo. Problemas que por pura incompetência e pulso fraco deixam de ser energicamente combatidos acabam sendo vergonhosamente institucionalizados. Tal postura resultou na indigesta regulamentação da atividade dos guardadores de carros através da edição da famigerada Lei n° 6.242/75, elaborada pelo então senador Eurico Resende e sancionada pelo General Ernesto Geisel.

Alguns outros políticos tem repetido essa postura covarde e, por questões eleitoreiras, acabam também se tornado cúmplices da ação dos flanelinhas, propondo projetos que direta ou indiretamente apóiam a prática da conduta. Seguem um raciocínio simples: tanto os flanelinhas quanto às classes menos favorecidas como um todo são eleitores em potencial daqueles que os "defendem" no congresso, logo, aqueles que querem garantir uma longevidade na vida política jamais poderão desagradá-los.

Além das propostas dos Deputados Lamartine Posella e Cláudio Magrão, já apontadas neste artigo, pode-se também citar como outro exemplo dessa conivência estatal um curioso projeto, o PL 1108, datado dos primórdios da atividade dos flanelinhas no Brasil, em 1948, segundo o qual o então deputado Segadas Viana (PTB/DF) pretendia incluir os flanelinhas entre os associados facultativos do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários (IAPC), sem dúvida uma proposta desprovida de qualquer razoabilidade.

Não obstante essa enxurrada de demagogia legislativa, ainda existem resquícios de sensatez no Planalto Central. Conforme observamos, dois projetos de lei visando a criminalização da conduta foram apresentados no Congresso Nacional. São propostas audaciosas, visto que contrariaram a linha demagógica que até então imperava no Congresso.

A proposta pioneira foi rejeita com base em uma argumentação falaciosa do relator, mas o PL 4501/08 permanece vivo, simbolizando uma luz no fim do túnel para todos aqueles motoristas que diariamente recebem um duro golpe sua dignidade, vivendo como reféns daqueles que levam sua vida concretizando o ideal pregado naquela velha canção... se essa rua, se essa rua fosse minha...

Entretanto, não bastará a mera edição de uma lei específica, sendo imprescindível a existência de um policiamento ostensivo adequado de forma a garantir seu efetivo cumprimento. É preciso advertir ainda que o sucesso dessa intervenção penal pressupõe um mínimo de condições de aplicabilidade das normas, o que reclama uma legislação técnica e coerente, além da necessidade de estruturação dos órgãos de jurisdição e aparelhamento dos mecanismos de execução das penas.

Ressalta-se que para solução definitiva da questão faz-se necessária ainda uma atuação integrada entre o Direito Penal e as políticas sociais, visto que afastando os flanelinhas de sua atividade criminosa, ainda assim persistirá o problema da falta de ocupação. O que é inadmissível, entretanto, é justificar no desemprego uma prática que atenta contra toda a coletividade, contra a paz social, contra a liberdade das pessoas, seu patrimônio, sua livre capacidade autodeterminação, além de promover a degradação do ambiente urbano, criar um clima propício para a criminalidade e gerar no espírito do indivíduo uma insegurança quanto à proteção dispensada pelo poder público e a certeza de que, neste país paradoxal, a malandragem é vista com bons olhos e a probidade é motivo de escárnio.


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Notas

Entretanto, a crítica feita ao uso do núcleo verbal "aceitar" é razoável, pois não é interessante que, ao tipificar a conduta do flanelinha, o legislador faça referência a ações que dependam da conduta do motorista, que, ao menos em tese, poderia até ser considerado partícipe na infração. Por óbvio não se deve punir a motorista que é coagido a pagar para não ter seu veículo danificado.

  1. Art. 99, inc I, CC/02
  2. GUEDES, Oneir Vitor Oliveira. Guardadores clandestinos de veículos (flanelinhas). O impacto deletério na sociedade e o fracasso de sua regulamentação legal. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2197, 7 jul. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/13110>. Acesso em: 25 jul. 2009.
  3. GUEDES, Oneir Vitor Oliveira. A conduta criminosa dos guardadores clandestinos de veículos (flanelinhas) e a legislação penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2209, 19 jul. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/13144>. Acesso em: 30 jul. 2009.
  4. BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal: Parte Geral, 2006, pág. 17
  5. BIANCHINI, Alice. Pressupostos Materiais Mínimos da Tutela Penal, 2002, pág.. 54
  6. BIANCHINI, Alice. op. cit., pág. 29
  7. BATISTA. Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 1999. p. 84-87
  8. TOLEDO, Francisco Assis de. Princípios Básicos de Direito Penal. 1994. pág. 14
  9. PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico-Penal e Constituição. 2003, pág. 2
  10. TOLEDO, Francisco Assis de. op. cit,. pág. 16-17
  11. BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit, pág. 28
  12. GOMES, Luiz Flávio, Princípio da ofensividade no Direito penal, 2002, pág. 43
  13. BIANCHINI, Alice. op. cit., pág. 27 e ss.
  14. BIANCHINI, Alice. op. cit,. pág. 56
  15. QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do direito penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal. 2001. pág. 121.
  16. ROBERTI, Maura. A intervenção Mínima como princípio no Direito Penal Brasileiro. 2001. pág. 102
  17. BIANCHINI, Alice. op. cit. p.57
  18. BIANCHINI, Alice. op cit. p. 41
  19. PRADO, Luiz Regis, op. cit., pág. 292
  20. ADIN 113.984.0/9, TJ-SP, 1ª Câmara de Direito Criminal, Relator: Desembargador João Silveira Netto, Acórdão expedido em 6 de abril de 2005
  21. Art. 144 CF/88: A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
  22. BIANCHINI, Alice. op. cit., pág. 142
  23. ROXIN, Claus apud GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Geral. 2002. pág.39.
  24. QUEIROZ, Paulo de Souza. Da Subsidiariedade do Direito Penal. 1998
  25. CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal: Parte Geral, 2004, pág. 22
  26. GUEDES, Oneir Vitor Oliveira. Guardadores clandestinos de veículos (flanelinhas). O impacto deletério na sociedade e o fracasso de sua regulamentação legal. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2197, 7 jul. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/13110>. Acesso em: 25 jul. 2009.
  27. Art. 24, inc. X do CTB: "Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:... X - implantar, manter e operar sistema de estacionamento rotativo pago nas vias"
  28. Jornal de Maringá online, notícia: "Flanelinha joga pedra contra carro e fere um bebê", publicada em 11 de fevereiro de 2009, disponível em: <http://portal.rpc.com.br/jm/online/conteudo.phtml?tl=1&id=856700&tit=Flanelinha-joga-pedra-contra-carro-e-fere-um-bebe>, acesso em 05/05/2009 – segundo a notícia, o flanelinha que feriu a criança quase foi linchado pela população
  29. Jornal de Maringá online, notícia: "Projeto social com flanelinhas acaba e coletes devem ser devolvidos nesta sexta", publicada em 13 de fevereiro de 2009, disponível em: <http://portal.rpc.com.br/jm/online/conteudo.phtml?id=857480>, acesso em 05/05/2009
  30. Jornal de Maringá online, notícia: "Projeto social com flanelinhas acaba e coletes devem ser devolvidos nesta sexta", publicada em 13 de fevereiro de 2009, disponível em: <http://portal.rpc.com.br/jm/online/conteudo.phtml?id=857480>, acesso em 05/05/2009 - posteriormente, o procurador do Ministério Público do Trabalho em Maringá, Fábio Alcure, voltou a defender a reulamentação afirmando que o uso privado de um espaço público, como é feito pelos flanelinhas, não é algo incomum na sociedade, citando o caso dos pedágios em rodovias (um argumento pífio que demonstra total desconhecimento do direito), mas ainda assim a regulação foi extinta
  31. ADIN 113.984.0/9, TJ-SP, 1ª Câmara de Direito Criminal, Relator: Desembargador João Silveira Netto, Acórdão expedido em 6 de abril de 2005
  32. Diário do Vale online, notícia: "Flanelinhas são detidos na Vila", disponível em: <http://www.diarioon.com.br/arquivo /4991/policia/policia-67623.htm>, acesso em 05/06/2009
  33. Nos EUA não havia o problema da ação dos guardadores clandestinos em áreas públicas, logo, a implantação desse sistema nunca foi encarada como meneira de solucionar esse tipo de delinqüência, mas apenas como uma regulação das relações no âmbito privado
  34. Folha online, notícia: "São Paulo tem somente 11 valets legalizados", publicada em 14 de dezembro de 2008, disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u479193.shtml>, acesso em 01/07/2009
  35. O Globo online, notícia: " ‘Flanelinha’ vira profissão regulamentada no Distrito Federal", publicada em 6 de julho de 2009, disponível em: < http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2009/07/06/flanelinha-vira-profissao-regulamentada-no-distrito-federal-756677333.asp>, acesso em 15/07/2009
  36. Folha online, notícia: "São Paulo tem somente 11 valets legalizados", publicada em 14 de dezembro de 2008, disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u479193.shtml>, acesso em 01/07/2009
  37. Folha online, notícia: "São Paulo tem somente 11 valets legalizados", publicada em 14 de dezembro de 2008, disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u479193.shtml>, acesso em 01/07/2009
  38. Art.1°, inc I, decreto 30522/09 c/c art.3º, inc. II e III, lei 6242/75
  39. Portal Nacional dos Delegados, notícia: "DF: 80% dos ''flanelinhas'' tem ''ficha'' na polícia", publicada em 6 de dezembro de 2007, disponível em: <http://www.delegados.org/noticia_06dez08_DF_80_por_cento_flanelinhas_ficha_policia.html>, acesso em 20/07/2009 - Segundo a delegada-chefe da 1ª DP de Brasília, Martha Vargas, o tráfico de drogas em algumas quadras utiliza como fachada o trabalho dos flanelinhas.
  40. O maior absurdo da regulamentação brasiliense é que ela não foi motivada por questões de segurança pública, mas sim (pasmem) para o bem da natureza. Explica-se: Segundo o decreto, o que se pretende é buscar uma economia de água na lavagem dos carros pelos guardadores, ensinando a eles uma espécie de lavagem a seco, a "biolavagem" – tratar o sério problema da extorsão cotidiana desta forma é sem dúvida um disparate!
  41. O Globo online, notícia: " ‘Flanelinha’ vira profissão regulamentada no Distrito Federal", publicada em 6 de julho de 2009, disponível em: < http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2009/07/06/flanelinha-vira-profissao-regulamentada-no-distrito-federal-756677333.asp>, acesso em 15/07/2009
  42. O Globo online, notícia: " ‘Flanelinha’ vira profissão regulamentada no Distrito Federal", publicada em 6 de julho de 2009, disponível em: < http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2009/07/06/flanelinha-vira-profissao-regulamentada-no-distrito-federal-756677333.asp>, acesso em 15/07/2009
  43. Na cidade de São Paulo a prefeitura procurou "maquiar" o problema através da implanção de um sistema de
  44. O Globo online, notícia: "guardadores sindicalizados e cooperativados se enfrentam na lapa", publicada em 18 de março de 2009, disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/mat/2009/03/18/guardadores-sindicalizados-cooperativados-se-enfrentam-na-lapa-754887775.asp>, acesso em 25/04/2009
  45. A transcrição completa da reportagem "o mercado negro da vaga certa" está disponível em: <http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL698894-15605,00.html>
  46. O Globo online, notícia: "guardadores resistem ao novo sistema de estacionamento na Zona Azul", publicada em 10 de novembro de 2008, disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/mat/2008/11/10/guardadores_ resistem_novo_sistema_de_estacionamento_na_zona_sul-586330655.asp>, acesso em 10/04/2009
  47. O Globo online, notícia: "prefeito cria regras para atuação de guardadores", publicada em 22 de janeiro de 2009, disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/transito/mat/2009/01/22/prefeito-cria-regras-para-atuacao-de-guardadores-754101644.asp>, acesso em 10/04/2009
  48. O Globo online, notícia: "guardadores pretender ir a justiça contra novo modelo de estacionamento na Zona Azul", publica em 30 de março de 2009, disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/transito/mat/ 2009/03/30/guardadores-prometem-ir-justica-contra-novo-modelo-de-estacionamento-na-zona-sul-755066658.asp>, acesso em 15/04/2009
  49. O Globo-Zona Sul, Notícia: "Flanelinhas: os donos das ruas cariocas", publicada em 2 de julho de 2009, disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/bairros/posts/2009/07/02/flanelinhas-os-donos-das-ruas-cariocas-201102.asp> acesso em 10/07/2009
  50. CONDE, Muñoz. Apud BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit., pág. 18
  51. SUNTHERLAND, Edwin H. Apud FERNANDES, Valter. Criminologia Integrada. 2 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, pág. 26
  52. SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 1 ed.,São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
  53. SILVEIRA, Filipe Coutinho da. [não] Sobre a criminalização de condutas e a proibição de venda de armas e munições. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 840, 21 out. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7459>. Acesso em: 24 abr. 2009.
  54. BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit, pág. 24
  55. PRADO, Luiz Regis, op. cit.
  56. Dentre os quais destaca-se o blog "Eu odeio flanelinhas", disponível em: <http://euodeioflanelinhas.blogspot.com/>
  57. O Povo online, notícia: "Crime na manchete", publicada em 15 de fevereiro de 2003, disponível em: <http://www.opovo.com.br/opovo/ombudsman/robertomaciel/226208.html >, acesso em 05/06/2009
  58. Portal JFMG, notícia: "Flanelinha é baleado por motorista em São Mateus", publicada em 04 de maio de 2009, disponível em: <http://www.portaljfmg.com.br/ver.php?centro=print&dados=27195>, acesso em 01/06/2009
  59. Jornal O POVO, notícia: "Atividade de flanelinha deve ser regulamentada?", publicada em 21 de julho de 2009, disponível em: <http://www.opovo.com.br/opovo/fortaleza/895026.html>, acesso em 24/07/2009
  60. Jornal O POVO, notícia: "Atividade de flanelinha deve ser regulamentada?", publicada em 21 de julho de 2009, disponível em: <http://www.opovo.com.br/opovo/fortaleza/895026.html>, acesso em 24/07/2009
  61. Diretoria de comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora, Boletim informativo 18-09-2007 disponível em <http://www.ufjf.br/dircom/2007/09/18/18-09-2007/> acesso em 05/01/2009 – a pesquisa foi intitulada "O perfil e a trajetória de inserção dos guardadores de carro no mercado informal em Juiz de Fora".
  62. AGUIAR, A. D. A lógica do doméstico no espaço público de Brasília: os flanelinhas do setor informal de trabalho. Brasília: Programa de Pós Graduação em Política Social / Universidade de Brasília, Dissertação de Mestrado, 2003
  63. Entendo a atividade dos flanelinhas como decorrência da pobreza: FAÇANHA, Jose M. de Sousa. Flanelinhas: a realidade dos sinais(Apresentação de Trabalho/Congresso). Fortaleza: Universidade Estadual do Ceara (UECE), 2005
  64. Entendo a atividade dos flanelinhas como resultado da falta de oportunidades aos jovens: MILLEN, Milene. Flanelinhas no Espaço urbano: um estudo sobre a inserção dos jovens no mercado informal de trabalho em Juiz de fora. Dissertação (mestrado em educação). Universidade federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2007 – A pedagoga chega a defender a cobrança pela utilização das vagas alegando que "os espaços não deixam de ser públicos para se tornarem privados, o que ocorre são territórios justapostos."
  65. Assessoria de Comunicação Institucional - TJ RO, nota publicada em 29 de setembro de 2008, disponível em:<http://www.tj.ro.gov.br/noticia/faces/jsp/noticiasView.jsp;jsessionid=ac13022130d544e3acb9afe14f458368b2c58d04 4deb.e3iRb3eTc310bxeOa3yPah8Le0?cdDocumento=10568&tpMateria=2>, acesso em 11/12/2008
  66. Jornal da OAB Santa Catarina, edição 105 - 05 de agosto de 2008, disponível em <http://fit.oab-sc.org.br/news/edicoes/105.htm >, acesso em 15/12/2008
  67. Neste sentido é elucidativo o relato de um flanelinha ao Jornal O Diário de Maringá: "Aqui é assim. É a lei do mais forte. Meu ponto era na frente das Casas Bahia, vendi lá por mil. Aí entrei aqui (na frente das Casas Ajita), onde estou há mais de ano. Arrumei emprego (sou soldador, sabe?), trabalhei sete meses na firma e deixei aqui alugado. Cara, me pagavam 30 reais por dia. Aí sai do emprego, voltei e peguei o meu ponto de volta" – Fonte: Jornal O Diário de Maringá, notícia: "No Centro de Maringá, Flanelinha "vende" ponto por até R$ 3,5 mil", publicada em 18 de junho de 2009, disponível em: <http://odiariomaringa.com.br/noticia/219536>, acesso em 01/07/2009
  68. BATISTA, Nilo, op. cit.
  69. ZAFFARONI, Eugenio Raúl apud MOREIRA, Reinaldo Daniel. Breves apontamentos acerca da noção de co-culpabilidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 801, 12 set. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7268>. Acesso em: 05/03/2009
  70. Além dos dois deputados federais autores dos citados projetos de lei contra a atividade dos flanelinhas, outros que também já se manifestaram favoravelmente a essa criminalização são o Deputado federal Celso Russomano(PP-SP), que em um livro de sua autoria veio a definir a ação dos guardadores como autêntica extorsão (Você merece o melhor, São Paulo: Editora Gente), e o Deputado Federal Edmar Moreira (DEM/MG), que em entrevista ao site da Câmara declarou que a atividade dos flanelinhas é o "embrião das milícias" e afirmou que ela deve ser severamente reprimida pela polícia ostensiva. (Agência Câmara de notícias, nota: "Projeto contra milícias protege eleições, diz Jungmann", publicada em 28 de agosto de 2008, disponível em: <http://www2.camara.gov.br/comissoes/cspcco/projeto-contra-milicias-protege-eleicoes-diz/?searchterm=Projeto%20contra%20milícias%20protege%20eleições,%20diz%20Jungmann>, acesso em 02/02/2009
  71. O crime constaria no art.160-A ao CP, com a seguinte redação: "Exigir mediante ameaça, solicitar, receber ou aceitar a promessa de receber dinheiro, ou qualquer outra vantagem econômica, em contrapartida da promessa ou da efetiva vigilância de veículos estacionados em vias e locais públicos. Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa."
  72. PL 2953/2004, apresentado em 10/02/2004 - afirmativa contida na justificação da proposta
  73. PL 4.501/2008, apresentado em 16/12/2008 - afirmativa contida na justificação da proposta
  74. Argumenta o relator que os núcleos verbais "receber" e "aceitar" são incompatíveis com a tipificação da extorsão. Esse argumento está incorreto pois o núcleo verbal "receber", apesar de não se coadunar com o crime de extorsão genericamente previsto no art. 158 do CP, é uma expressão contida na própria redação do crime de extorsão indireta (art.160, CP).
  75. TOLEDO, Francisco Assis de. ob. cit. pág. 5.
  76. TOLEDO, Francisco Assis de. ob. cit. pág. 5
  77. GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Criminologia. 3 ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 2000
  78. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das Penas. Tradução J. Cretella jr. e Agnes Cretella. 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, pág. 93
  79. BECCARIA, Cesare. Op. cit., pág. 93
  80. PRADO, Luiz Regis, op. cit.
  81. TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 2002. pág.173.
  82. Até mesmo cidadão comum deve saber com clareza se um comportamento é ou não proibido, pois "para que a lei penal possa desempenhar função pedagógica e motivar o comportamento humano, necessita ser facilmente acessível a todos, não só aos juristas." (TOLEDO, Francisco Assis, op. cit. pág 29)
  83. BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Teorias sobre a justiça: Apontamentos para a história da filosofia do direito. São Paulo : Juarez de Oliveira, 2000. pág. 175.
  84. CARNELUTTI, Francesco Apud LUISI, Luiz. Princípios Constitucionais Penais, 1991, pág. 28
  85. RODRIGUES, Anabela Miranda. A Determinação da medida da pena privativa de liberdade: os critérios da culpa e da prevenção, 1995. pág. 282

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUEDES, Oneir Vitor Oliveira. A necessária criminalização da conduta dos guardadores clandestinos de veículos (flanelinhas). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2231, 10 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13272. Acesso em: 19 abr. 2024.