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Responsabilidade civil do condomínio edilício no caso de furto em garagens e áreas comuns

Responsabilidade civil do condomínio edilício no caso de furto em garagens e áreas comuns

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SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 O Condomínio Edilício. 3 Responsabilidade Civil. 4 Cláusula de não indenizar. 5 Furto em garagens e áreas comuns. 6 Projeto de Lei nº 5.330 de 2005. 7 Conclusão. Referências Bibliográficas. Notas.


1.INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda a responsabilização civil do condomínio edilício no caso de furto em garagem ou área compartilhada pelos condôminos. Inicialmente, são apresentados os conceitos básicos referentes ao condomínio edilício, sua natureza jurídica e a convenção do condomínio, de modo a contextualizar o objeto desse artigo.

A seguir, são examinadas a responsabilidade civil subjetiva e a responsabilidade civil objetiva, assim como as teorias nas quais essas espécies de responsabilidade são fundadas. O tópico seguinte versa sobre a cláusula de não indenizar, quando é admitida e quais as suas limitações.

Na sequência, ao tratar do furto em garagens e áreas comuns do condomínio edilício, discorre-se sobre o tema principal do trabalho, incluindo o entendimento da doutrina e da jurisprudência acerca da questão.

Finalmente, é tratado do Projeto de Lei nº 5.330 de 2005, de iniciativa da Câmara dos Deputados, que pretendia normatizar matéria, insistentemente submetida ao judiciário, sobre a responsabilidade que deve ou não ser assumida pelo condomínio de reparar o prejuízo causado por furtos e roubos de veículos estacionados na garagem ou estacionamento interno de condomínios.


2.O CONDOMÍNIO EDILÍCIO

O condomínio edilício é uma espécie do gênero condomínio. É formado por partes de uso exclusivo do seu titular, que detém o direito de propriedade sobre a unidade, e partes comuns a todos, cujo direito é subordinado à "reunião orgânica e indissolúvel sobre as partes e coisas comuns"[1]. O art. 1.331 do Código Civil de 2002 estabelece que, nas edificações, pode haver partes que são propriedade exclusiva do condômino e partes que são de propriedade comum [2]. O terreno e tudo que seja afetado ao uso de todos no edifício são partes comuns aos proprietários, ou seja, as fundações, o telhado, os muros e paredes divisórias, as escadarias, os elevadores, etc. Assim, as partes privativas são de propriedade autônoma, enquanto que as partes comuns são de condomínio forçado [3].

Existe certa divisão na doutrina quanto à caracterização da natureza jurídica do condomínio edilício. Alguns autores classificam tal condomínio como pessoa jurídica (de cunho societário, ou então como universalidade). Outros consideram que não se trata de pessoa, pois os titulares dos direitos pelas partes autônomas e comuns são os próprios condôminos, "e não uma inexistente ou fictícia pessoa jurídica" [4]. O entendimento firmado pela I Jornada de Direito Civil, por meio do enunciado 90 (alterado pelo En. 246 – III Jornada), é que "deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício" [5].

Tendo em vista a forçosa convivência entre os condôminos, o Código Civil de 2002 estabelece direitos e deveres dos mesmos, nos arts. 1.335 a 1.347. Além disso, outras disposições relativas a direitos e deveres dos condôminos podem ser definidas livremente na Convenção de Condomínio, desde que não ultrapasse as previsões imperativas ou proibitivas da lei [6]. Dessa forma, são nulas as cláusulas que contrariem as normas legais, assim como a Constituição Federal [7].

A natureza jurídica da Convenção de Condomínio assemelha-se ao contrato, pois é formado pela emissão convergente de vontades. Porém, como não é necessário o voto unânime dos condôminos para a sua aprovação, mas se aplica coercitivamente até para quem tenha manifestado-se discordante na sua elaboração, não pode ser considerado um contrato [8] (Orlando Gomes discorda: "Sua natureza é contratual" [9]. Já Sílvio Venosa admite que a Convenção decorre de avença contratual, mas que não é essa sua natureza primordial [10]). A Convenção de Condomínio assume caráter normativo, tornando-se obrigatória aos condôminos, desde logo, assim como a todas as pessoas que ingressem no edifício, em caráter permanente ou individual, a partir da sua inscrição no Registro de Imóveis [11]. Tal previsão é expressa no caput do art. 1.333 do Código Civil de 2002, obrigando os condôminos [12], assim como no parágrafo único do mesmo artigo, vinculando terceiros [13]. No mesmo sentido, estabelece a Súmula 260 do Superior Tribunal de Justiça: "A convenção de condomínio aprovada, ainda que sem registro, é eficaz para regular a relação entre condôminos".

Apresentados os aspectos básicos relativos ao condomínio edilício, passa-se à análise do instituto jurídico da responsabilidade civil.


3.RESPONSABILIDADE CIVIL

O instituto da responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, pois consiste na obrigação do autor de um ato ilícito indenizar a vítima pelos prejuízos causados. A vítima assume a posição de credora, podendo exigir do autor a reparação dos danos por ele provocados [14]. Essa obrigação está prevista no caput do art. 927 do Código Civil de 2002 [15]. Excepcionalmente, a obrigação de indenizar decorre de ato não classificado como ilícito, como é o caso da responsabilidade civil objetiva ou do ato praticado em estado de necessidade [16].

A responsabilidade civil pode ser subjetiva ou objetiva. O Código Civil de 2002 estrutura-se, basicamente, na responsabilidade civil subjetiva, fundada na teoria da culpa. Nesse caso, o dever de indenizar é gerado pela culpa em sentido amplo, ou seja, o autor da conduta causadora do dano precisa ter agido com intenção deliberada de causar um prejuízo ou, pelo menos, violado um dever de cuidado. Por outro lado, a responsabilidade civil objetiva não decorre da culpa para a geração do dever de indenizar, tendo como base a teoria do risco [17].

Pela teoria do risco, aquele que expõe terceiros a risco de dano por meio de sua atividade, torna-se responsável pela reparação, caso o dano se concretize, mesmo que seu comportamento seja isento de culpa. Desse modo, o elemento subjetivo culpa "passa a ser irrelevante, à medida que o autor da conduta assume o risco de dano que emerge do simples exercício de sua atividade" [18]. Nesse sentido, dispõe o parágrafo único do art. 927 do Código Civil de 2002 [19].

Concluída a análise da responsabilidade civil e das teorias que a fundamentam, introduz-se à matéria da cláusula de não indenizar, devido à relevância e pertinência com o tema aqui tratado.


4.CLÁUSULA DE NÃO INDENIZAR

A cláusula de não indenizar é uma estipulação que afasta as consequências normais da inexecução de uma obrigação, eximindo o devedor da reparação do dano. É denominada, por alguns autores, de cláusula exonerativa de responsabilidade, ou cláusula de irresponsabilidade. Porém, essa cláusula "não exime da obrigação, não afasta o dever de indenizar, nem elide a obrigação; afasta, apenas, a indenização, a reparação do dano, (...)" [20].

Apenas a lei pode excepcionar a responsabilização do agente pela sua conduta causadora de dano, como são os casos de legítima defesa, de estado de necessidade e de exercício regular de um direito (Art. 188 do Código Civil de 2002). Já a convenção jamais poderá exonerar de qualquer responsabilidade quem pratica determinada conduta, pois isso escapa do campo da disposição das partes. A elas, só é permitido ajustar as consequências da responsabilidade, ou seja, a reparação. Desse modo, a causa de exclusão de responsabilidade distingue-se da cláusula de não indenizar, pois exonera o provocador do dano da obrigação de indenizar, enquanto que essa cláusula apenas afasta a reparação do dano [21].

A cláusula de não indenizar está fundada no princípio da autonomia da vontade e na liberdade de contratar, porém, seu campo de incidência possui algumas limitações. Só é possível ajustar a cláusula de não indenizar no âmbito da responsabilidade contratual, não sendo admitida a sua aplicação na responsabilidade extracontratual. Além disso, a liberdade de contratar está sujeita às restrições impostas pela ordem pública, ou seja, apenas a norma que tutele mero interesse individual e privado pode ser afastada pela cláusula de não indenizar. Da mesma forma, não é admitida a cláusula de não indenizar nos casos de dolo ou de culpa grave, pois as ações danosas e de maior gravidade ficariam impunes, contradizendo a própria ideia de ordem pública. Por último, não é possível afastar o dever de indenizar quando se tratam de elementos essenciais do contrato [22].

Terminando o exame da cláusula de não indenizar, passa-se ao tópico seguinte, onde se avalia o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca das consequências jurídicas que afetam o condomínio edilício na ocorrência de furto em garagens e em suas áreas comuns.


5.FURTO EM GARAGENS E ÁREAS COMUNS

São poucos os autores de manuais de direito civil que abordam, especificamente, a responsabilidade civil do condomínio em caso de furtos, roubos ou danos ocorridos nas garagens e áreas comuns do edifício. Venosa afirma ser válida a inclusão de cláusula de não indenizar na Convenção de Condomínio. Traz como jurisprudência, os seguintes trechos de julgados [23]:

Lícito aos condôminos estabelecer não ser devida indenização, pelo condomínio, em virtude de danos sofridos por veículos estacionados na garagem do edifício (STJ, 3ª T., RE 10.285-SP).

Não se configura a responsabilidade do condomínio, quando nenhuma obrigação assuma perante condôminos relativamente à guarda de veículos. Inocorrente, ademais, a culpa do preposto, funcionário da portaria do edifício (STJ, RE 9.191-PR).

Maria Helena Diniz não discorre diretamente sobre o tema, mas transcreve algumas passagens de enunciados e decisões judiciais, em nota de rodapé, quando trata de direitos e deveres dos condôminos [24]:

Responde civilmente o condomínio pelo furto de veículo de morador do prédio, ocorrido no interior da garagem, pela culpa in eligendo, decorrente da omissão de seus prepostos encarregados da guarda dos bens comuns e dos particulares (1º TARJ, 1983, n. 90.154 – esse julgamento é anterior ao Código Civil de 2002; além disso, a jurisprudência mudou sensivelmente desde 1983).

"Prevendo a convenção que o condomínio não é responsável pelos danos sofridos por veículos estacionados na garagem do prédio, não é admissível, em caso de furto, pleitear-se indenização, porque lícita a cláusula de não indenizar" (AASP, 1917:101).

Cavalieri Filho cita o trabalho do Des. Renato Maneschy sobre a responsabilidade do condomínio por furtos e danos de veículos em garagem de edifícios [25]:

(...) lícita não será aquela cláusula se ela implicar em desnaturar aquilo que constitui obrigação principal do contrato e sem a qual ele não existe, uma vez que, se não há a obrigação de indenizar, não há também a de guardar.

O autor considera que os proprietários transferiram o dever de guarda de seus veículos, que é a essência da obrigação, à administração do condomínio. Nesse caso, a cláusula de não indenizar afastaria o próprio dever de guarda, "mutilando e tornando nula a própria relação jurídica" [26].

Não obstante, Cavalieri Filho reproduz trechos de julgados em sentido contrário, mostrando que a jurisprudência dominante tem aceito a cláusula de não indenizar em convenções condominiais, nas situações acima descritas [27]:

Condomínio de edifício de apartamentos. É válida, em princípio, a cláusula da convenção condominial que exclui a responsabilidade do condomínio por danos e furtos de veículos estacionados na garagem (TJRJ, Ap. Cível 4.322/87).

Condomínio horizontal. Cláusula de não indenizar em caso de furto de veículos na garagem do prédio. É válida e eficaz, em princípio, a cláusula inserta em convenção ou regulamento que exclui a responsabilidade do condomínio por danos e furtos em veículos estacionados na garagem (TJRJ, Ap. Cível 5.744/89).

Condomínio. Cláusula de irresponsabilidade. Para os condôminos, não há qualquer restrição para que decidam convencionar a cláusula de não indenizar, eis que estão dispondo livremente no alcance do seu particular interesse, sem qualquer ofensa à ordem pública, aos bons costumes ou a preceito cogente de lei. Precedente da Corte (TJRJ, Ap. Cível 4.177/89).

Rui Stocco aborda especificamente a questão da responsabilidade do condomínio quando ocorre furto em garagens ou áreas comuns, servindo de base doutrinária para recentes decisões judiciais [28]:

(...) os edifícios em condomínio não respondem, como regra, pelo furto de veículos, seus acessórios ou objetos neles deixados, quando estacionados na garagem do prédio. Ao estacionar seu veículo na vaga de garagem existente no prédio o condômino ou apenas morador ou usuário não transfere a sua guarda à administração do condomínio, nem entre eles se estabelece um contrato de depósito (...) para que se possa responsabilizar o condomínio, seria necessário que, por deliberação dos condôminos, determinadas medidas de segurança devessem ser adotadas e houvessem falhado no caso concreto, por culpa do síndico ou de algum preposto.

Nascimento Franco e Niskke Gondo entendem que a Convenção de Condomínio deve prever expressamente o que a lei aborda apenas em linhas gerais. Para os autores, o condomínio deve responder pelo prejuízo causado a terceiros, devido ao descumprimento do dever de vigilância pelo síndico. Assim, o condomínio não responde por danos causados a veículos estacionados na garagem apenas se ficar provado que não há culpa dos empregados ou se a convenção condominial isentá-lo expressamente do dever de indenizar [29].

Por outro lado, Biasi Ruggiero considera que o dever de indenizar precisa ser expresso na Convenção, e não a isenção desse dever. Para tanto, o condomínio deve adotar o serviço de guarda dos bens dos condôminos, reservando verba própria no seu orçamento. Do contrário, não terá como responder por aquilo a que não era obrigado. Assumir essa responsabilidade, "importa em atribuir ao condomínio a qualidade de depositário de toda sorte de objetos que os moradores conduzam para o interior do prédio. É transformar o pagamento das despesas condominiais em apólice de seguro" [30].

Denis Danoso conclui, em artigo relacionado ao tema aqui discutido, que só é reconhecida a responsabilidade do condomínio por fatos ilícitos ocorridos em áreas comuns quando for prevista na Convenção de Condomínio, "pois a socialização do prejuízo sofrido por um dos integrantes do grupo onera a todos, de tal modo que é preciso que todos, ou a maioria exigida, estejam conscientes dessa obrigação e a ela tenham aderido" [31].

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, há diversos acórdãos que mostram a orientação jurisprudencial de não responsabilizar o condomínio quando ocorrer furto em garagens ou áreas comuns, a menos que a Convenção de Condomínio apresente cláusula expressa prevendo indenização. O STJ tem reformado decisões de tribunais inferiores em sentido contrário. A seguir, são apresentadas ementas de julgados do STJ sobre a questão.

RESPONSABILIDADE CIVIL - CONDOMÍNIO - SUBTRAÇÃO DE EQUIPAMENTO DE SOM E DE PERTENCES DEIXADOS NO INTERIOR DE AUTOMÓVEL ESTACIONADO NA GARAGEM COLETIVA DO PRÉDIO - INEXISTÊNCIA DE PREPOSTO, COM A INCUMBÊNCIA DE GUARDAR E VIGIAR OS VEÍCULOS – ENCARGO DE PROMOVER VIGILÂNCIA, COMETIDO AO SÍNDICO, EM CARÁTER GENÉRICO, QUE HAVERÁ DE SER EXERCIDO EM SINTONIA COM OS MEIOS POSTOS À SUA DISPOSIÇÃO, PELO ORÇAMENTO DE RECEITAS - INEXISTÊNCIA DE APARATO ESPECÍFICO DE VIGILÂNCIA E SEGURANÇA - SUBTRAÇÃO, ADEMAIS, QUE TERIA SIDO COMETIDA, COM AMEAÇA A MÃO ARMADA – NÃO CONFIGURAÇÃO DE CULPA IN VIGILANDO - RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.

- Ao contrário da posição adotada pela Corte de origem, mostra-se relevante a necessidade expressa previsão na convenção ou, ainda, de deliberação tomada em assembleia no sentido de que o condomínio tenha, especificamente, serviço de guarda e vigilância de veículos. In casu, a circunstância de existir porteiro ou vigia na guarita não resulta em que o condomínio estaria a assumir a prefalada guarda e vigilância dos automóveis, que se encontram estacionados na área comum, a ponto de incidir em responsabilidade por eventuais subtrações ou danos perpetrados.

-Em harmonia com os precedentes desta Corte Superior, bem como com lições doutrinárias, merece acolhido o inconformismo, a repercutir na inversão do ônus da sucumbência.

- Recurso especial conhecido e provido (RESP 618.533-SP, 03/05/07).

Civil. Condomínio. Responsabilidade. Furto.

Não tendo assumido, explícita ou implicitamente, o dever de guarda e vigilância, o condomínio não pode ser responsabilizado por furto de veículo ocorrido na garagem do edifício. Recurso não conhecido (RESP 37098-1-SP, 21/09/93).

RESPONSABILIDADE CIVIL. CONDOMÍNIO. FURTO DE MOTOCICLETA ESTACIONADA NA GARAGEM.

Não se configura a responsabilidade do condomínio quando nenhuma obrigação assuma perante os condôminos relativamente à guarda de veículos. Precedentes do STJ.

Recurso especial conhecido e provido (RESP 160790-SP, 19/03/98).

Direito civil. Responsabilidade civil. Condomínio. Garagem. Furto de veículo. Silêncio da convenção. Doutrina. Precedente da Turma. Recurso conhecido pelo dissídio e provido.

- Inexistindo previsão e culpa de condomínio, não responde ele por eventuais furtos ocorridos na garagem do prédio. (RESP 20.303-3-DF, 26/05/92).

RESPONSABILIDADE CIVIL. CONDOMÍNIO. VEÍCULOS.

Não se configura a responsabilidade de condomínio, por danos ou furto causados a veículos estacionados na garagem do edifício, se inexistente previsão condominial relativa ao dever de guarda e vigilância. Mormente, se não resta demonstrada culpa do síndico.

Recurso conhecido, mas não provido. (RESP 31.541-8-SP, 23/03/93).

DIREITO CIVIL. CONDOMÍNIO. FURTO DE BENS DE CONDOMÍNIO. CONVENÇÃO CONDOMINIAL. CLÁUSULA EXPRESSA.

Somente cláusula expressa na convenção condominial, tocante à guarda e vigilância de coisas dos condôminos, em espaços comuns, pode imputar ao condomínio responsabilidade por furto daqueles bens ou dano. (RESP 32.828-0-SP, 14/06/93).

CIVIL – AÇÃO ORDINÁRIA – RESPONSABILIDADE CIVIL – INDENIZAÇÃO – FURTO DE VEÍCULO EM GARAGEM DE EDIFÍCIO – CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO – INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA DE RESPONSABILIDADE.

I – A doutrina e a jurisprudência do STJ afirmou entendimento no sentido e que, inexistindo cláusula expressa na Convenção relativa ao dever de guarda e vigilância, não responde o Condomínio por eventuais furtos ocorridos na garagem do prédio.

II – Recurso conhecido e provido. (RESP 72.557-SP, 18/06/96).

Condomínio. Dano causado em veículo estacionado em área externa de condomínio.

1. Entende o Relator que não há o dever de indenizar sem expressa estipulação na convenção. No caso, entendeu a maioria que a indenização não seria cabível porque o cenário dos autos não autoriza a conclusão sobre a existência do dever de guarda e vigilância, nos termos do precedente.

2. Recurso especial conhecido e provido. (RESP 133.071-CE, 24/03/98).

Condomínio. Furto de veículo. Cláusula de não indenizar.

1. Estabelecendo a Convenção cláusula de não indenizar, não há como impor a responsabilidade do condomínio, ainda que exista esquema de segurança e vigilância, que não desqualifica a força da regra livremente pactuada pelos condôminos.

2. Recurso especial conhecido e provido (RESP 168.346-SP, 20/05/99).


6.PROJETO DE LEI Nº 5330 DE 2005

Em 31 de maio de 2005, o Deputado Federal João Batista apresentou, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 5330/2005, acrescentando os artigos 1.336-A e 1.336-B na Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil Brasileiro). Tais artigos versavam sobre a reparabilidade pelo condomínio em caso de furto ou roubo de veículo automotor, motocicleta ou bicicleta de condômino, ocorrido na garagem ou estacionamento interno.

Art. 1.336-A. Na ocorrência de furto de veículo automotor, motocicleta ou bicicleta da propriedade de condômino, ocorrido na garagem ou estacionamento interno do condomínio, pode este ser responsabilizado a indenizar o lesado na ocorrência de um dos seguintes casos:

I - quando houver concordância dos condôminos de indenizar, expressa em cláusula da convenção ou do regulamento interno do condomínio;

II - o furto ocorrer em condomínio onde existirem funcionários contratados com a finalidade exclusiva de realizar a guarda dos bens mencionados no caput.

§1º O monitoramento realizado por funcionário da portaria, mediante circuito interno de câmeras de vídeo, não pode gerar a obrigação de o condomínio indenizar.

Art. 1.336-B. Na ocorrência de roubo de veículo automotor, motocicleta ou bicicleta da propriedade de condômino, não poderá o condomínio ser responsabilizado a indenizar, ainda que neste existam funcionários contratados com o fim exclusivo de realizar a segurança desses bens, salvo o disposto no inciso I do artigo anterior.

O autor do projeto, em sua justificativa, apontou a polêmica sobre a responsabilidade, que deve ou não ser assumida pelo condomínio, de reparar o prejuízo causado por furtos e roubos de veículos estacionados na garagem ou estacionamento interno de condomínios. Um dos motivos para a controvérsia é que a Lei nº 4.591/64 (Condomínio em edificações e incorporações imobiliárias), o Código Civil de 2002, ou qualquer outra norma jurídica não fazem alusão a essa questão. Como consequência, ocorre a indesejável proliferação de ações de indenização, que acabam sobrecarregando o Poder Judiciário e tornando a Justiça ainda mais morosa.

Os novos artigos, se incluídos ao Código Civil de 2002, estabeleceriam em lei o que já vinha sendo decidido na jurisprudência. Assim, mesmo que exista cláusula em convenção ou regimento interno que desobrigue o condomínio a indenizar no caso de furto, há reiterados julgados nos quais o condomínio é obrigado a indenizar se houver funcionário contratado especificamente para cuidar da garagem, como um garagista ou vigia, pois se supõe que houve falha no sistema de segurança. Já a simples existência de câmeras de vídeo para monitoramento da garagem pelo porteiro, não tem gerado a responsabilização do condomínio. No caso de roubo, o autor do projeto entendeu que não se pode responsabilizar o condomínio, mesmo havendo funcionários contratados para realizar a segurança, pois dificilmente poderiam estes impedir uma ação praticada mediante violência ou uso de armas.

Com a aprovação da norma proposta, o autor pretendia que muitos conflitos, que ocorrem nos condomínios, fossem solucionados de forma mais clara e mais célere, no âmbito interno de cada condomínio.

O Projeto de Lei, submetido ao exame de constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e mérito, foi aprovado com texto substitutivo, conforme Parecer do Deputado José Divino, de 10 de maio de 2006. Os art. 1.336-A e 1.336-B, a serem incluídos no Código Civil de 2002, teriam a seguinte redação:

Art. 1.336-A. Cabe à convenção ou ao regulamento interno definir a responsabilidade ou irresponsabilidade do condomínio, na ocorrência de furto de veículo automotor, motocicleta ou bicicleta de propriedade de condômino, ocorrido em garagem ou estacionamento interno do condomínio.

§ 1º A convenção ou o regulamento interno pode definir os limites da responsabilidade do condomínio.

§ 2° Se a convenção e o regulamento interno forem omissos, o condomínio somente será responsabilizado, caso existam funcionários contratados com a finalidade exclusiva de realizar a guarda dos bens mencionados no caput.

§3º O monitoramento realizado por funcionário da portaria mediante circuito interno de câmeras de vídeo não gera a obrigação de o condomínio indenizar.

Art. 1.336-B. Na ocorrência de roubo de veículo automotor, motocicleta ou bicicleta da propriedade de condômino, o condomínio não será responsabilizado, ainda que neste existam funcionários contratados com o fim exclusivo de realizar a segurança desses bens, salvo o disposto no inciso I do artigo anterior.

Porém, após ser aberto o prazo para emendas do substitutivo, o projeto foi arquivado em 31 de julho de 2007 pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, com base no Artigo 105 do Regimento Interno dessa Casa [32]. Persiste, portanto, a lacuna na legislação a respeito da responsabilização do condomínio em caso de furto em áreas comuns, sendo necessário recorrer ao judiciário toda vez que a situação mencionada voltar a acontecer.


7.CONCLUSÃO

O condomínio edilício é formado por partes de uso exclusivo e partes de uso comum. Para definir as regras de convivência entre os condôminos, que são obrigados a compartilhar as partes de uso comum, há normas legais e a Convenção de Condomínio. Ambas estabelecem direitos e deveres aos condôminos; a primeira, em linhas gerais e a segunda, de forma específica, conforme as peculiaridades do condomínio em questão.

A doutrina e a jurisprudência apresentam entendimentos diferentes acerca da responsabilidade do condomínio edilício frente à ocorrência de furto dentro de suas dependências. Conforme foi tratado no tópico referente à responsabilidade civil, esta consiste na obrigação do autor de um ato ilícito indenizar a vítima pelos prejuízos causados. A partir dessa definição e, levando-se em consideração a posição dos autores e julgados, é possível concluir que há, basicamente, duas formas de enfocar a questão abordada neste artigo:

1ª) O condomínio é civilmente responsável por furto ocorrido em suas dependências, devendo indenizar os danos causados pelo furto, ainda que a Convenção de Condomínio silencie a respeito desse tema, pois possui responsabilidade civil objetiva pela omissão de seus prepostos (síndico, vigia, porteiro, etc). A única forma de eximir-se da reparação do dano é prever, em Convenção de Condomínio, a cláusula de não indenizar;

2ª) O condomínio não é civilmente responsável por furto ocorrido em suas dependências, devendo indenizar os danos causados pelo furto apenas se existir cláusula expressa na Convenção de Condomínio, pois tal disposição traduz a vontade da maioria em adotar o serviço de guarda dos bens dos condôminos (o que não deixa de ser uma espécie de seguro).

Pela análise das obras de direito civil e das decisões judiciais, conclui-se que predomina o segundo entendimento sobre o tema, ou seja, o condomínio só deve indenizar os danos causados por furto em garagens e áreas comuns se for prevista expressamente tal disposição na Convenção de Condomínio. Embora esse entendimento pareça já estar firmado, especialmente na jurisprudência, ainda existem ações judiciais discutindo o assunto, já que o projeto de lei que pretendia positivar a questão foi arquivado, por inércia e desinteresse legislativos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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NOTAS

[1] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Volume IV: direitos reais. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 185.

[2] Ibid, p. 186. O autor considera que a redação do art. 1.331 do Código Civil é infeliz, pois insinua que poderia "não haver" essas partes, o que negaria a própria existência do condomínio edilício.

[3] GOMES, Orlando. Direitos reais. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 222.

[4] PEREIRA, Caio Mário da Silva, op. cit., p. 187.

[5] JORNADA de Direito Civil. Org. Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr. Jornada de Direito Civil. 2. v. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2007, p. 838.

[6] PEREIRA, Caio Mário da Silva, op. cit., p. 189.

[7] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Volume V: direito das coisas. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 377.

[8] PEREIRA, Caio Mário da Silva, op. cit., loc. cit.

[9] GOMES, Orlando, op. cit., p. 230.

[10] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. v. 5, 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 352.

[11] PEREIRA, Caio Mário da Silva, op. cit., loc. cit.

[12] "A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção".

[13] "Para ser oponível contra terceiros, a convenção do condomínio deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis".

[14] SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 17.

[15] "Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".

[16] Ibid, loc. cit.

[17] Ibid, p. 26.

[18] Ibid, p. 26-27.

[19] "Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".

[20] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 514.

[21] Ibid, p. 515.

[22] Ibid, p. 516-517.

[23] VENOSA, Sílvio de Salvo. op. cit., p. 369.

[24] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 4º volume: direito das coisas. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 207.

[25] CAVALIERI FILHO, Sergio, op. cit., p. 519.

[26] Ibid, loc. cit.

[27] Ibid, p. 525.

[28] STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 661-662.

[29] FRANCO, J. Nascimento e GONDO, Nisske. Condomínio em edifícios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 250.

[30] RUGGIERO, Biasi. Questões imobiliárias. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 65.

[31] DANOSO, Denis. Responsabilidade civil extracontratual do condomínio edilício – A responsabilidade por furto ou roubo e por danos causados a terceiros. Disponível em: <http://www.iobonlinejuridico.com.br>. Acesso em: 24/06/09.

[32] Art. 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados: "Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as: I - com pareceres favoráveis de todas as Comissões; II - já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno; III - que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias; IV - de iniciativa popular; V - de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República. Parágrafo único. A proposição poderá ser desarquivada mediante requerimento do Autor, ou Autores, dentro dos primeiros cento e oitenta dias da primeira sessão legislativa ordinária da legislatura subsequente, retomando a tramitação desde o estágio em que se encontrava". Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legislacao/publicacoes/regimentointerno.html>. Acesso em: 23 de junho de 2009.


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MAYER, Cristina Fleig. Responsabilidade civil do condomínio edilício no caso de furto em garagens e áreas comuns. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2540, 15 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15044. Acesso em: 2 maio 2024.