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Habeas corpus: inaplicabilidade dos novos ritos de recebimento da denúncia (Lei nº 11.719/2008) aos Juizados Especiais Criminais

Habeas corpus: inaplicabilidade dos novos ritos de recebimento da denúncia (Lei nº 11.719/2008) aos Juizados Especiais Criminais

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A nova redação dos §§ 2º e 4º do art. 394 do Código de Processo Penal estabelece a aplicabilidade dos arts. 395 a 398 a todos os procedimentos penais de primeiro grau. Neste habeas corpus, defende-se a inconstitucionalidade de tal dispositivo, por afrontar os delitos de competência dos Juizados Especiais Criminais, regulados por norma específica, com a consequente anulação do recebimento da denúncia.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA ... REGIÃO

U R G E N T E !


RENATO FERRARE RAMOS, brasileiro, solteiro, advogado, inscrito na OAB/ES sob o nº 12086, com escritório estabelecido na .............................................. vem respeitosamente perante V. Exa., com fulcro no 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal e dos arts. 647 e 648, inciso VI e VII, do Código de Processo Penal, impetrar a presente ordem de


H A B E A S C O R P U S COM PEDIDO DE LIMINAR

em favor do paciente ........................................................................................., contra atos coatores do EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA ...... VARA FEDERAL DE .................................................., DR. ..........................................................., proferidos nos autos do processo nº ...............................,pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir articulados.

DOS ATOS COATORES

O Paciente está submetido a constrangimento ilegal, com séria e fundada ameaça ao seu direito de locomoção, em virtude de dois atos coatores praticados pela honrada Autoridade Impetrada, descritos, sinteticamente, seguir.

Conforme cópia do processo criminal em anexo (Proc. nº ...................................., em trâmite na ....... Vara Federal de ...............................), o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra o paciente, imputando-lhe a suposta prática de crime de abuso de autoridade, nos termos do art. 4º, a e b da Lei nº 4.898/65. Eis os atos coatores:

1) PROCESSO MANIFESTAMENTE NULO : Ocorre que a digníssima autoridade coatora se equivocou, pois, SEM OBSERVAR O DEVIDO PROCESSO LEGAL (ARTS. 98, I c/c 5º, LV, CF/88), proferiu decisão (fl. 08) através da qual recebeu desde logo denúncia, imprimindo ao feito o rito processual sumário (ou ordinário), ao invés de seguir o RITO SUMARÍSSIMO nos termos da Lei nº 9.099/95 c/c Lei 10.259/02 e art. 98, I, CF, considerando que o crime imputado ao Paciente, é considerado de menor potencial ofensivo.

2)EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE : Assim, o recebimento da peça acusatória trata-se de ato nulo e, portanto, não tem o condão de interromper a PRESCRIÇÃO que ocorreu no dia 15/02/2010, nos termos do art. 109, VI do CP, pois o suposto fato que teria se verificado em 16/02/2008, conforme narra a denúncia.

Registre-se que o Paciente foi CITADO em 22/02/2010, conforme certidão de fls. 20 dos mencionados autos.


DO DIREITO

P R E L I M I N A R M E N T E

I – CONTROLE INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE

EM FACE DOS §§ 2º E 4º DO ART. 394 DO CPP

O Paciente foi denunciado pelo Ministério Público Federal em virtude de suposta prática de conduta em tese descrita no art. 4º "a" e "b", da Lei nº 4.898/65, na forma do art. 70 do CP. Em seguida, a honrada autoridade coatora, ao invés de imprimir ao feito o procedimento da Lei nº 9.099/95, recebeu a peça acusatória, conforme r. decisão de fl. 08, com fulcro no art. 394, §§ 2º e 4º, CPP, malgrado a ausência de fundamentação sobre a aplicação de tais dispositivos ao caso concreto.

Com o advento da Lei nº 11.719/08, que alterou os procedimentos do CPP, dúvidas e questionamentos começaram a ser suscitados no meio acadêmico e também na prática forense.

Entre as mencionadas controvérsias, destacamos a interpretação sobre os §§ 2º e 4º do art. 394 do referido Codex:

"§ 2º.  Aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial."

(...)

"§ 4º. As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código."

Alguns juízes de primeiro grau, com fulcro em entendimentos veiculados, sobretudo, no IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais [01], passaram a interpretar os supracitados dispositivos legais de forma literal, concluindo que os arts. 395/398 do CPC se aplicam a todos os procedimentos penais, inclusive ao sumaríssimo. Em outras palavras, mesmo se tratando de infração penal de menor potencial ofensivo, haveria recebimento da peça acusatória seguida de resposta preliminar escrita em dez dias ao invés de adotar-se o procedimento previsto pelo art. 81 da Lei nº 9.099/95. Afirma-se, inclusive, que houve revogação do precitado dispositivo legal [02].

Todavia, esse entendimento que vem sendo adotado na prática por alguns juízos criminais constitui interpretação contrária à Constituição Federal, principalmente quanto ao disposto nos arts. 5º, LIV, LV e 98, I da CRFB/88:

"Art. 5º. (...)

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"

"Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;"

(grifos nossos)

Não há dúvida de que o constituinte estabeleceu as garantias da oralidade e do rito sumaríssimo ao processamento das infrações penais de menor potencial ofensivo, não podendo o legislador ordinário subtraí-las do cidadão.

É juridicamente impossível que uma lei ordinária (Lei nº 11.719/08), tenha excluído o rito sumaríssimo de uma infração penal de menor ofensivo, considerando expressa disposição constitucional em sentido contrário (art. 98, I, CF/88).

Aliás, nem mesmo uma emenda à Constituição poderia realizar a proeza idealizada pelos defensores do entendimento ora questionado, considerando que o princípio da oralidade e o rito sumariíssimo das infrações penais de menor potencial ofensivo são garantias fundamentais e, portanto, cláusulas pétreas. Portanto, não é permitido ao legislador, muito menos ao intérprete, retirar do Paciente as garantias constitucionais em referência.

Portanto, com todo o respeito aos defensores do entendimento contrário, o rito sumaríssimo aplicável às infrações penais de menor potencial ofensivo é determinação constitucional, razão pela qual não poderia a Lei nº 11.719/08, que deu nova redação aos §§ 2º e 4º do art. 394 do CPP, determinar a aplicação o procedimento dos arts. 395 a 398 do CPP, sob pena de violação do princípio da Supremacia da Constituição e dos princípios constitucionais citados.

No caso em exame, o recebimento precipitado da denúncia pela r. decisão de fls. 08, antes da audiência preliminar, e até mesmo antes da defesa oral em audiência de instrução e julgamento (art. 74 e 81, Lei nº 9.099/95), constitui ato nulo, por inobservância das garantia da oralidade e do rito processual constitucionalmente estabelecidos (art. 98, I, CF/88) e, via de consequência, contrariedade ao devido processo legal, ampla defesa e contraditório (art. 5º, LIV, LV CF/88).

Para afastar-se a interpretação ora questionada, a qual foi adotada pela digníssima autoridade coatora, pelo qual nutrimos profundo apreço e consideração, e garantir que seja garantido ao Paciente o devido processo legal (rito sumaríssimo da Lei nº 9.099/95 c/c 98, I, CF/88), sobretudo quanto à proposta de transação penal e defesa oral antes do recebimento da denúncia (art. 81, Lei 9.099/95), é necessário no caso em apreço o controle de constitucionalidade incidental sobre os §§ 2ºe 4º do CPP, através da técnica da interpretação conforme a Constituição.

A doutrina constitucionalista estabelece que a interpretação conforme a Constituição deve ser utilizada pelo operador do direito diante de normas de caráter polissêmico ou, até mesmo, plurissignificativo, e ambíguo e indeterminado. A lei não será declarada nula quando puder ser interpretada em consonância com o texto constitucional.

Nesse contexto, o magistrado deve, no exercício de prestação jurisdicional, realizar um juízo de constitucionalidade da lei, levando em consideração que, diante de duas ou mais interpretações possíveis, há de se preferir aquela que se revele compatível com a Constituição.

Ao discorrer sobre a técnica em referência PAULO BONAVIDES enfatiza:

"Uma norma pode admitir várias interpretações. Destas, algumas conduzem ao reconhecimento da inconstitucionalidade, outras, porém, consentem tomá-la por compatível com a Constituição. O intérprete, adotando o método ora proposto [a interpretação conforme a constituição], há de inclinar-se por esta última saída ou via de solução. A norma, interpretada "conforme a Constituição", será portanto considerada constitucional." [03]

(grifos nossos)

No mesmo sentido, GILMAR FERREIRA MENDES, Jurisdição constitucional, São Paulo: Saraiva, p. 268; LUÍS ROBERTO BARROSO, Interpretação e aplicação da constituição, São Paulo: Saraiva p. 175; J. J. GOMES CANOTILHO, Direito constitucional e teoria da constituição, Coimbra: Almedina, p. 1099 e muitos outros constitucionalistas.

Quanto ao tema GILMAR FERREIRA MENDES acrescenta:

"oportunidade para interpretação conforme a Constituição existe sempre que determinada disposição legal oferece diferentes possibilidades de interpretação, sendo algumas delas incompatíveis com a própria Constituição" [04]

(grifos nossos)

LENIO STRECK registra que:

"(...) a interpretação conforme à Constituição constitui-se em mecanismo de fundamental importância para a constitucionalização dos textos normativos infraconstitucionais. A verfassugskonforme Auslegung, mais do que um método/modo de interpretar, é um princípio constitucional, justamente em face da força normativa da Constituição, no dizer de Hesse, para quem, ‘segundo esse princípio, uma lei não deve ser declarada nula quando ela pode ser interpretada em consonância com a Constituição. Essa consonância existe não só então, quando a lei, se a consideração de pontos de vista jurídico-constitucionais, admite uma interpretação que é compatível com a Constituição; ela pode também ser produzida por um conteúdo da Constituição. No quadro da interpretação conforme à Constituição; normas são, portanto, não só ‘normas de exame’, mas também ‘normas materiais’ para determinação do conteúdo das leis ordinárias." [05]

(grifos nossos)

Segundo MARCELO NOVELINO, "a utilização desta técnica de decisão judicial faz com que uma determinada hipótese de aplicação da lei seja declarada inconstitucional, sem que ocorra qualquer alteração em seu texto. Portanto, não há qualquer redução no texto da norma, mas apenas em seu âmbito de aplicação". [06]

Portanto, verifica-se, pela discussão apresentada nesta peça sobre os dispositivos legais questionados, que o caso em apreço requer o emprego da interpretação conforme à Constituição.

Face o exposto, como causa de pedir, o Impetrante requer seja promovido por reste honrado juízo o controle incidental de constitucionalidade através da técnica da interpretação conforme a Constituição em relação aos §§ 2º e 4º do art. 394 do CPP em face dos arts. 5º, LIV, LV e 98, I da CRFB/88, para que os mencionados dispositivos infraconstitucionais não sejam utilizados para afastar o rito sumaríssimo do caso concreto descrito nos presentes autos.

Como pedido, o Impetrante requer que não seja aplicado in casu os arts. 395 a 398 do CPP, sendo garantido ao Paciente o rito sumaríssimo previsto na Constituição Federal (art. 98, I, CF/88) e na Lei nº 9.099/95, a começar com a anulação do recebimento da denúncia.


II – DA INTERPRETAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

II. I – DA INTERPRETAÇÃO DO § 2º, ART. 394, CPP

Ainda que não seja acolhida a tese exposta no tópico anterior (controle incidental de constitucionalidade com interpretação conforme), circunstância que somente cogitamos em função do princípio da concentração e da eventualidade, o procedimento (sumário ou ordinário) imposto ao feito pela honrada autoridade coatora trata-se de um equívoco, posto que nem mesmo a interpretação infraconstitucional o autoriza diante do caso em apreço. Vejamos.

No que se refere ao § 2º do art. 394, CPP, há entendimento, adotado in casu pelo juízo coator, de que a parte final do dispositivo, que determina a aplicação das disposições processuais de leis especiais, subtraiu do rito sumaríssimo as infrações penais de menor potencial ofensivo que tenham procedimento estabelecido em lei especial, como a Lei de Abuso de Autoridade (Lei 4.868/65).

Data vênia, esse entendimento repousa em equivocada e odiosa interpretação literal do dispositivo, dissociada de análise sobre a compatibilidade vertical face à Constituição, conforme já enfatizado, que nos conduz a situações juridicamente impossíveis, até mesmo sob o enfoque infraconstitucional.

Não se pode ignorar uma regra básica de interpretação e vigência normativa que estaria sendo desrespeitada.

Nos termos do art. 2º, § 3º da LICC, "Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência."

Em outras palavras, a repristinação depende de expressa disposição legal. Com efeito, mesmo que se admita a validade constitucional da interpretação conferida ao § 2º do art. 394, CPP pelo entendimento ora impugnado, tal dispositivo não pode ser interpretado como determinação para subtrair o rito sumaríssimo do crime de abuso de autoridade definido em lei especial que prevê rito especial, sob pena de adotar-se efeito repristinatório da Lei nº 11.719/08 não autorizado. Vejamos.

A Lei nº 9.099/95, principalmente após a redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.313/06, revogou a parte processual da Lei Abuso de Autoridade (Lei 4.868/65) e de todas outras que previam rito especial para infrações penais de menor potencial ofensivo.

Isto, pois, a Lei nº 9.099/95, estabeleceu que "consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa" (art. 61), independentemente de rito específico previsto em lei especial, e que, portanto, tais infrações penais se submetem ao rito sumaríssimo, em consonância com o art. 98, I da CF/88.

Portanto, ao dizer que o § 2º do art. 394, CPP determina que seja aplicado às infrações penais de menor potencial ofensivo o rito da respectiva lei especial (no caso, a Lei nº 4.898/65), o intérprete (no caso, a autoridade coatora) está remetendo a infração penal de menor potencial ofensivo ao rito da lei especial, que por sua vez já havia sido revogado pela Lei nº 9.099/95.

Em outros termos, o intérprete está indevidamente pretendendo aplicar efeito repristinatório das revogadas disposições processuais da lei especial (Lei nº 4.898/65), mesmo diante de ausência de previsão legal expressa, circunstância terminantemente vedada pelo art. 2º, § 3º da LICC.

Portanto, incabível o emprego do § 2º do art. 394, CPP para afastar do caso em exame o rito sumaríssimo e suas garantias fundamentais, principalmente a audiência preliminar, transação penal, defesa oral à acusação antes do juízo de admissibilidade sobre o recebimento da denúncia etc.

II. II – DA INTERPRETAÇÃO DO § 4º DO ART. 394, CPP

No tocante ao § 4º do art. 394, CPP, o operador do direito não está autorizado a interpretá-lo para que os arts. 395/398, CPP sejam aplicados aos processos que versem sobre infrações penais de menor potencial ofensivo, ainda que previstas em leis especiais, em prejuízo das garantias estabelecidas pelo rito sumaríssimo, principalmente a audiência preliminar, transação penal, defesa oral à acusação antes do juízo de admissibilidade sobre o recebimento da denúncia etc.

Seria uma interpretação literal incompatível com a exegese sistemática que deve ser aplicada ao caso. A Lei nº 11.719/08 não poderia ter estabelecido o rito sumaríssimo, "para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei". (art. 394, § 1º, III, CPP) e logo em seguida (art. 394, § 4º, CPP) determinar-lhe a aplicação dos arts. 395/398 CPP, cuja sistemática é visceralmente contaria à "forma da lei" (Lei nº 9.099/95) imposta pelo mencionado art. 394, § 1º, III, CPP aos processos dos crimes de menor potencial ofensivo.

Não há menor razão para aplicar os arts. 395/398 CPP ao rito sumaríssimo. Em primeiro lugar, pois, conforme exaustivamente enfatizado, o art. 98, I, CF/88 impõe da oralidade e rito sumaríssimo às infrações penais de menor potencial ofensivo, garantias que estariam sendo violadas com a aplicação dos mencionados dispositivos infraconstitucionais, principalmente no que se refere à supressão do direito de defesa oral à acusação antes do recebimento da denúncia (art. 81, Lei 9.099/95), ou seja, violação da garantia constitucional da oralidade e, via de conseqüência, devido processo legal, ampla defesa e contraditório (arts. 5º, LIV, LV e 98, I CF/88),

Em segundo, o disposto nos arts. 395/398 CPP é absolutamente incompatível com a sistemática do rito sumaríssimo.

Sobre o tema convém destacar o magistério de EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA [07]:

"No procedimento sumaríssimo, as providências de rito serão semelhantes àquelas adotadas no juízo comum, por força das alterações ali promovidas pela Lei 11.719/08, a começar com o recebimento da peça acusatória, que somente ocorrerá após a resposta do réu (art. 81, Lei 9.099/95). (...)

E não se aplicarão as regras do art. 395 a 397 do CPP, por manifesta incompatibilidade entre os sistemas (processo condenatório e comum e processo conciliatório dos Juizados). Não bastasse, veja-se que o art. 396, CPP não incluiu o processo sumaríssimo em suas disposições.

(...)

Em relação ao Tribunal do Júri, de rito sabidamente especial, houve ressalva expressa (art. 394, § 3º, CPP), quanto à especialidade do tratamento procedimental, como, aliás, não poderia deixar de ser.

Mas em relação às infrações de menor potencial ofensivo (Lei nº 9.099/95) não se teve o mesmo cuidado, dispondo o § 4º do art. 394 que as disposições do art. 395 a 397, aplicar-se-iam a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados no Código.

(...)

Ora, evidentemente o rito dos Juizados é também procedimento de primeiro grau. Nada obstante, não se pode aceitar a necessidade de aplicação da regra do art. 396, àquele rito sumaríssimo. E assim é por absoluta incompatibilidade procedimental entre tais disposições (art. 396) e o procedimento dos Juizados Especiais Criminais.

(...)

Não vemos como nem por que, aplicar-se a regra do art. 396, CPP aos Juizados Especiais Criminais, ainda que não se tenha feito ressalva expressa na norma do art. 394, CPP.

Certamente a ausência de ressalva expressa no § 4º do CPP, não há de embaraçar o intérprete. A interpretação gramatical (sabe-se há tanto tempo!) é o mais frágil dos recursos hermenêuticos disponíveis. Basta um olhar dirigido por mínima preocupação de sistematização da matéria para perceber a incompatibilidade procedimental entre a regra do art. 396, CPP do rito sumário ou ordinário com as disposições da Lei nº 9.099/95, de procedimento sumaríssimo.

Não bastasse tudo isso, é o próprio art. 396, CPP, que se refere expressamente aos procedimentos ordinário e sumário, não incluindo o sumaríssimo em seu texto.

(grifos nossos)

II. III – DA ANULAÇÃO DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA

APLICAÇÃO INTEGRAL DO RITO SUMARÍSSIMO

Conforme salientado, o recebimento da denúncia (decisão de fls. 08) e adoção de rito sumário no caso em apreço é ato jurídico nulo, eis que importa em violação e negativa de vigência do art. 98, I, CF/88 e da Lei nº 9.099/95.

Além disso, conforme evidenciado nos itens anteriores, nem mesmo a interpretação infraconstitucional autoriza o emprego dos §§ 2º e 4º do art. 394 do CPP para afastar o rito sumaríssimo do caso concreto descrito nos presentes autos.

Por essa razão, o Paciente requer que não seja aplicado in casu os arts. 395 a 398 do CPP, sendo-lhe garantido o rito sumaríssimo previsto na Constituição Federal (art. 98, I, CF/88) e na Lei nº 9.099/95, a começar com a anulação do recebimento da denúncia.


III – INFRAÇÃO PENAL DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO

Conforme expressa disposição de lei (art. 61 da Lei nº 9.099/95, com redação determinada pela Lei nº 11.313/06) e pacífica orientação doutrinária e jurisprudencial [08], o crime de abuso de autoridade é considerado de menor potencial ofensivo:

CRIMINAL. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. ALTERAÇÃO DO LIMITE DE PENA MÁXIMA. ABUSO DE AUTORIDADE. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. DERROGAÇÃO TÁCITA. INCIDÊNCIA DOS DELITOS SUJEITOS A PROCEDIMENTOS ESPECIAIS. RECURSO DESPROVIDO. I - Com o advento da Lei 10.259/01 - que instituiu os juizados especiais cíveis e criminais no âmbito da Justiça Federal - foi fixada nova definição de delitos de menor potencial ofensivo, cujo rol foi ampliado, devido à alteração para dois anos do limite de pena máxima. II - Por aplicação do princípio constitucional da isonomia, houve derrogação tácita do art. 61 da Lei 9.099/95. III - Não tendo, a nova lei, feito qualquer ressalva acerca dos crimes submetidos a procedimentos especiais, todas as infrações cuja pena máxima não exceda a dois anos, inclusive as de rito especial, passaram a integrar o rol dos delitos de menor potencial ofensivo, cuja competência é dos Juizados Especiais. IV - O julgamento do crime de abuso de autoridade deve ser realizado pelo Juizado Especial Criminal. V - Recurso desprovido. (STJ, REsp 550.430/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 25/05/2004, DJ 01/07/2004 p. 261)

HABEAS CORPUS. CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. 1. O rito previsto na Lei dos Juizados Especiais deve ser empregado, mesmo quando da ocorrência de crimes que prevêem procedimento próprio, como, in casu, a Lei 4.898, de 9 de dezembro de 1965 (Lei de Abuso de Autoridade). (STJ, HC 36.429/MG, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA, julgado em 24/11/2004, DJ 17/12/2004 p. 598)

CRIMINAL. RESP. ABUSO DE AUTORIDADE. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. ALTERAÇÃO DO LIMITE DE PENA MÁXIMA. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS AINDA QUE O DELITO POSSUA RITO ESPECIAL. LEI ESPECIAL. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. RECURSO PROVIDO.(...) III. Recurso provido, nos termos do voto do Relator. (STJ, REsp 744.951/MG, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 06/12/2005, DJ 01/02/2006 p. 600)

ABUSO DE AUTORIDADE (POLICIAL). PRESCRIÇÃO (CASO). SUBMISSÃO DE MENOR SOB VIGILÂNCIA A VEXAME E A ESPANCAMENTO (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE). JUIZADO ESPECIAL (COMPETÊNCIA). 1. Além de denunciado por abuso de autoridade, também o foi o paciente por submeter adolescente sob sua vigilância a constrangimentos. (...) Tratando-se de competência de ordem absoluta, o Juiz da sentença era absolutamente incompetente, sendo competente o Juizado Especial Criminal. 5. Habeas corpus concedido para se declarar a nulidade dos atos processuais desde o recebimento da denúncia (...). (STJ, HC 46.212/MG, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 06/12/2007, DJe 09/06/2008)

CRIMINAL. RESP. ABUSO DE AUTORIDADE. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. ALTERAÇÃO DO LIMITE DE PENA MÁXIMA. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS AINDA QUE O DELITO POSSUA RITO ESPECIAL. LEI ESPECIAL. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. RECURSO PROVIDO. I. A Lei 10.259/01 trouxe nova definição de delitos de menor potencial ofensivo, para incluir aqueles para os quais a lei preveja pena máxima não superior a dois anos, sem fazer qualquer ressalva acerca daqueles submetidos a procedimentos especiais, razão pela qual todas as infrações cujas penas máximas não excedam a dois anos, inclusive as de rito especial, passaram a integrar o rol dos delitos de menor potencial ofensivo, atraindo a competência dos Juizados Especiais. II. Se a Lei 10.259/01 não ressalvou os delitos submetidos a procedimentos especiais, a superveniência da Lei 10.409/02 não exclui a competência do Juizado Especial Criminal para julgamento do feito, com a possibilidade de aplicação subsidiária dos institutos desta última. III. Recurso provido, nos termos do voto do Relator. (STJ, REsp 744.951/MG, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 06/12/2005, DJ 01/02/2006 p. 600)

HABEAS CORPUS. CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. 1. O rito previsto na Lei dos Juizados Especiais deve ser empregado, mesmo quando da ocorrência de crimes que prevêem procedimento próprio, como, in casu, a Lei 4.898, de 9 de dezembro de 1965 (Lei de Abuso de Autoridade); 2. Reconhecendo-se a competência absoluta do Juizado Especial para processar e julgar a conduta imputada ao paciente, imperioso o reconhecimento da extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição, eis que afastada a causa interruptiva (recebimento da denúncia). 3. Ordem concedida. (STJ, HC 36.429/MG, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA, julgado em 24/11/2004, DJ 17/12/2004 p. 598)

(grifos nossos)

No mesmo sentido, FERNANDO CAPEZ:

"Não mais existe a circunstância especial impeditiva do procedimento especial, estando todos os crimes da Lei nº 4.898/65 sujeitos ao procedimento sumaríssimo da Lei nº 9.099/95". (FERNANDO CAPEZ, Legislação Penal Especial, Ed. Damásio de Jesus, 3ª ed, p. 144)

(grifos nossos)

Vale lembrar que, mesmo em se tratando de suposto concurso formal de crimes de abuso de autoridade (art. 4º, a e b da Lei nº 4.898/65 c/c 70, CP) na visão do MPF, o montante da pena cominada em abstrato não ultrapassa 02 (dois) anos, considerando que a sansão máxima prevista é de 06 (seis) meses de detenção, nos termos do art. 6º, § 3º da Lei nº 4.878/65 e, mesmo acrescida da exasperação penal do art. 70, CP, permanece dentro do limite da competência do Juizado Especial Criminal. Em outras palavras, o rito processual a ser seguido, de toda sorte, é o estabelecido na Lei nº 9.099/95, considerando, outrossim, as argumentações expostas no pedido de controle incidental de constitucionalidade.


IV – INOBSERVÂNCIA DO RITO PROCESSUAL

Conforme as argumentações expostas nos tópicos intitulados "controle incidental de constitucionalidade" e "interpretação infraconstitucional do §§ 2º e 4º do art. 394, CPP", conclui-se que, no caso em apreço, o recebimento da denúncia antes da audiência preliminar, e até mesmo antes da audiência de instrução e julgamento (art. 74 e 81, Lei nº 9.099/95), constitui inobservância de rito processual determinado pela Constituição Federal (art. 98, I) e pela legislação ordinária (art. 61 da Lei nº 9.099/95, art. 394, §1º, III, CPP) e, via de conseqüência, contrariedade ao devido processo legal, ampla defesa e contraditório (arts. 5º, LIV, LV e 98, I, CF/88), considerando que as infrações penais de menor potencial ofensivo, ainda que previstas em leis especiais que estabeleçam rito especial, se submetem ao rito sumaríssimo da Lei nº 9.099/95.

Com o devido respeito à estimável autoridade coatora, verifica-se um equívoco na r. decisão de fl. 08 que recebeu a denúncia e determinou a citação nos termos do art. 394 do CPP, imprimindo ao feito o procedimento comum ordinário (ou sumário).

Registre-se que, ainda que fosse incabível proposta de transação penal no caso em apreço, circunstância que somente cogitamos em função do princípio da concentração e da eventualidade, e mesmo não tendo o MPF formulado tal proposta, a denúncia também não poderia ter sido recebida desde logo, como ocorreu in casu, tendo em vista que o procedimento sumaríssimo, aplicável ao caso (art. 98, I, CF c/c Lei nº 9.099/95), estabelece que tal ato somente pode, em tese, se verificar após a defesa oral da defesa na audiência de instrução (art. 81, Lei 9.099/95), conforme já enfatizamos alhures.


V – INEQUÍVOCO PREJUÍZO À DEFESA

AUDIÊNCIA PRELIMINAR – PROPOSTA DE TRANSAÇÃO PENAL, AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO – DEFESA ORAL ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA

Uma vez desrespeitado, in casu, o rito processual constitucionalmente imposto, o prejuízo à defesa do Paciente é inequívoco, pois lhe foi suprimida a oportunidade de: a) ser beneficiado com a proposta de transação penal a ser oferecida pelo MPF; b) oferecer defesa oral (responder à acusação) em audiência antes do recebimento da denúncia, nos termos do art. 81 da Lei nº 9.099/95; etc.

Registre-se que, conforme certidões de fls. 13 e 16 constantes da ação penal em referência, emitidas pela Justiça Federal e Justiça Estadual, não existe outro registro criminal em desfavor do Paciente, sendo este, portanto, primário e de bons antecedentes.

Em resumo, no caso em exame as garantias constitucionais do devido processo legal, ampla defesa e contraditório (arts. 5º, LIV e LV e 98, I, CF/88) foram indevidamente retiradas do Paciente pela digníssima autoridade coatora.

Quanto ao prejuízo demonstrado acima, merece destaque a jurisprudência do STJ:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL FEDERAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA PELO ÓRGÃO COLEGIADO ANTES DE AUDIÊNCIA PRELIMINAR PARA OFERECIMENTO DA PROPOSTA DE TRANSAÇÃO PENAL. VIOLAÇÃO AO RITO PROCEDIMENTAL PREVISTO NA LEI N.º 9.099/95. NULIDADE DO RECEBIMENTO DA INICIAL ACUSATÓRIA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE VERIFICADA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO PACIENTE. 1. A Lei n.º 10.259/2001, ao definir as infrações de menor potencial ofensivo, estabeleceu o limite de dois anos para a pena máxima cominada, derrogou o art. 61 da Lei 9.099/95 e alterou o limite de um para dois anos, para efeitos da transação penal, independentemente de possuírem procedimento especial, desde que obedecidos os requisitos autorizadores. Precedentes. 2. O recebimento da peça inicial acusatória, na hipótese, realizado sob a égide da Lei dos Juizados Especiais Federais, pela Corte de origem, deveria ter observado o rito procedimental previsto na referida legislação e possibilitado ao Ministério Público opinar quanto à possibilidade ou não de oferecimento do benefício da transação penal ao paciente, acusado da prática do delito de abuso de autoridade. 3. Recebida a denúncia-crime, pelo Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, antes de determinar a designação de audiência preliminar, restou precluso o momento processual oportuno para que o órgão ministerial se manifestasse quanto ao oferecimento ou não da aludida medida despenalizadora, o que, indubitavelmente, prejudicou a situação do paciente. (...) (STJ, HC 32.493/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ de 17/5/2004).

(grifos nossos)

Acreditamos que o mencionado equívoco verificado nos autos foi determinado por um também equívoco do MPF, órgão constitucional pelo qual nutrimos profundo respeito e consideração, a saber.

Na parte final da peça acusatória, mais precisamente no tópico dos pedidos (fl. 06), o Parquet requereu desde logo o recebimento da denúncia e a citação do Paciente para responder à acusação em dez dias, ou seja, o MPF considerou que se tratava de infração penal sujeita ao procedimento comum ordinário (ou sumário), esquecendo-se de que o limite da pena não é superior a dois anos (mesmo incidindo a exasperação do art. 70, CP), circunstância que impõe a observância do procedimento sumaríssimo previsto na Lei nº 9.099/95.

Além disso, o Exmo. presentante do MPF não solicitou audiência preliminar, não ofereceu transação penal e não justificou o motivo pela qual não oportunizou a medida despenalizadora ao Paciente, mesmo sendo este primário e de bons antecedentes, conforme certidões da Justiça Federal e Estadual (fls. 13/16).

Diante dos requerimentos do MPF, a respeitável autoridade coatora recebeu a denúncia, supondo que se tratava de rito processual comum ordinário (ou sumário), ou seja, não se percebeu que os requerimentos do Parquet conduziam o feito a um rito processual inadequado.

Neste contexto, compete ao Estado reconhecer o equívoco e saná-lo, a começar com a anulação do recebimento da denúncia, conforme determina o art. 98, I do Pacto Supremo.


VI – DA PRESCRIÇÃO

Uma vez anulado o recebimento da denúncia em função da ilegalidade deste ato judicial no caso em apreço, conforme enfatizado acima, mostra-se necessário verificar a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva. Vejamos.

Segundo a cópia do processo criminal em anexo, a denúncia do MPF imputa ao Paciente suposta prática de crime de abuso de autoridade (art. 4º, a e b da Lei nº 4.898/65 c/c 70, CP) que teria, em tese, ocorrido no dia 16/02/2008.

De acordo com a capitulação jurídica imputada pelo MPF, a pena máxima cominada ao suposto crime é de 06 (seis) meses de detenção, nos termos do art. 6º, § 3º da Lei nº 4.878/65:

"Art. 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal.

(...)

§ 3º A sanção penal será aplicada de acôrdo com as regras dos artigos 42 a 56 do Código Penal e consistirá em:

a) multa de cem a cinco mil cruzeiros;

b) detenção por dez dias a seis meses;

c) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até três anos."

Nesse contexto, verifica-se que no caso em apreço a prescrição consumou-se em 15/02/2010, conforme art. 109, VI, CP:

"Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:

(...)

VI - em dois anos, se o máximo da pena é inferior a um ano."

(grifos nossos)

Vale lembrar que a prescrição ocorreu no caso em apreço mesmo em se tratando de suposto concurso de crimes de abuso de autoridade proposto pelo MPF (art. 4º, a e b da Lei nº 4.898/65 c/c 70, CP), considerando que a exasperação da pena é desprezada na fixação do prazo prescricional, por força do art. 119 do CP:

"Art. 119. No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente."

(grifos nossos)

Considerando a nulidade do recebimento da denúncia no caso em apreço, conforme as razões já enfatizadas, é imperioso reconhecer a prescrição, pois, afastada a causa interruptiva consistente no referido recebimento (art. 117, inc. I, do Código Penal), encontra-se transcorrido o prazo prescricional, a teor do inserto no art. 109, VI do CP.

A título ilustrativo, destacamos julgados do STJ que retrata situação muito semelhante a dos presentes autos, em que houve recebimento indevido da denúncia antes da audiência, com inobservância do rito processual do juizado especial criminal, e posterior ocorrência da prescrição decorrente deste erro de procedimento e afastamento da causa interruptiva do prazo prescricional:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL FEDERAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA PELO ÓRGÃO COLEGIADO ANTES DE AUDIÊNCIA PRELIMINAR PARA OFERECIMENTO DA PROPOSTA DE TRANSAÇÃO PENAL. VIOLAÇÃO AO RITO PROCEDIMENTAL PREVISTO NA LEI N.º 9.099/95. NULIDADE DO RECEBIMENTO DA INICIAL ACUSATÓRIA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE VERIFICADA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO PACIENTE. 1. A Lei n.º 10.259/2001, ao definir as infrações de menor potencial ofensivo, estabeleceu o limite de dois anos para a pena máxima cominada, derrogou o art. 61 da Lei 9.099/95 e alterou o limite de um para dois anos, para efeitos da transação penal, independentemente de possuírem procedimento especial, desde que obedecidos os requisitos autorizadores. Precedentes. 2. O recebimento da peça inicial acusatória, na hipótese, realizado sob a égide da Lei dos Juizados Especiais Federais, pela Corte de origem, deveria ter observado o rito procedimental previsto na referida legislação e possibilitado ao Ministério Público opinar quanto à possibilidade ou não de oferecimento do benefício da transação penal ao paciente, acusado da prática do delito de abuso de autoridade. 3. Recebida a denúncia-crime, pelo Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, antes de determinar a designação de audiência preliminar, restou precluso o momento processual oportuno para que o órgão ministerial se manifestasse quanto ao oferecimento ou não da aludida medida despenalizadora, o que, indubitavelmente, prejudicou a situação do paciente. 4. Reconhecida a vicissitude do ato de recebimento da peça acusatória e declarado a sua nulidade, faz-se imperioso, in casu, na proclamação da extinção da punibilidade do agente, pois, afastada a causa interruptiva consistente no recebimento da denúncia (art. 117, inc. I, do Código Penal), encontra-se transcorrido o prazo prescricional, a teor do inserto no art. 109, inc. VI, do Código Penal. 5. Ordem concedida para declarar extinta a punibilidade estatal pela prescrição intercorrente." (STJ, HC 32.493/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ de 17/5/2004).

HABEAS CORPUS. CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. 1. O rito previsto na Lei dos Juizados Especiais deve ser empregado, mesmo quando da ocorrência de crimes que prevêem procedimento próprio, como, in casu, a Lei 4.898, de 9 de dezembro de 1965 (Lei de Abuso de Autoridade); 2. Reconhecendo-se a competência absoluta do Juizado Especial para processar e julgar a conduta imputada ao paciente, imperioso o reconhecimento da extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição, eis que afastada a causa interruptiva (recebimento da denúncia). 3. Ordem concedida. (STJ, HC 36.429/MG, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA, julgado em 24/11/2004, DJ 17/12/2004 p. 598)

(grifos nossos)

Registre-se que a Defesa não acredita que o recebimento indevido da peça acusatória em 25/01/2010 (r. decisão de fls. 08) tenha sido um artifício ou estratégia vil utilizada pelo Estado para evitar a prescrição, que estava na iminência de ocorrer (e que naturalmente ocorreria se o rito constitucional fosse observado), e livrar o MPF do constrangimento da caracterização de sua desídia.

Destarte, o Paciente requer a anulação do recebimento da denúncia e sem seguida decretada a prescrição no caso em apreço, com a extinção da punibilidade, nos termos dos arts. 107, V c/c 109, VI, CP.


VII – DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS

Consoante o art. 5º, LXVIII da Constituição Federal:

"conceder-se-á habeas - corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;"

O art. 648, VI e VII do Código de Processo Penal define a coação ilegal nos seguintes termos:

"Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal: (...)

VI - quando o processo for manifestamente nulo;

VII - quando extinta a punibilidade."

(grifos nossos)

Com efeito, o remédio constitucional é perfeitamente cabível no caso em exame, nos termos do art. 5º, LXVIII da CRFB/88 c/c art. 648, VI e VII, CPP, tendo em vista que o Paciente está submetido a constrangimento ilegal, com séria e fundada ameaça ao seu direito de locomoção por obra da digníssima Autoridade Coatora, pois: 1) o processo penal em referência é manifestamente nulo desde o recebimento da denúncia, por violação ao disposto no art. 98, I c/c 5º, LIV e LV da CF, considerando a inobservância do rito processual constitucionalmente estabelecido; 2) está extinta a punibilidade pela prescrição, diante da nulidade da causa interruptiva (recebimento ilegal da peça acusatória).


VIII – PRESSUPOSTOS DA MEDIDA LIMINAR

A ordem ora pleiteada comporta prestação liminar, o que desde já se requer, eis que presentes todos os pressupostos necessários para o seu deferimento.

A plausibilidade jurídica para a concessão da medida de urgência encontra-se devidamente caracterizada na presente peça processual, na qual foi demonstrada a ilegalidade praticada pela digníssima autoridade coatora no recebimento indevido da denúncia, além da inobservância de rito processual sumaríssimo constitucionalmente estabelecido (art. 98, I, CF/88), violando-se o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LIV, LV c/c 98, I, CF). Em outras palavras, o fumus boni iuris foi devidamente demonstrado pelos elementos fáticos e jurídicos e documentos trazidos à colação.

A incidência do periculum in mora reside na iminência, em que se encontram o paciente, de sofrer coação ilegal na liberdade de ir e vir, na medida em que está sendo processado, com fundado risco de sofrer condenação criminal, em ação penal em que já ocorreu PRESCRIÇÃO da pretensão punitiva.

Além disso, ainda que não se considere a prescrição supra, circunstância que somente se cogita em função do princípio da concentração e da eventualidade, o risco à ameaça ilícita à liberdade de ir e vir do paciente mostra-se igualmente comprovada, pois a honrada autoridade coatora está imprimindo ao feito rito processual diverso do constitucionalmente estabelecido (sumaríssimo, art. 98, I, CF/88), subtraindo do paciente as garantias previstas em lei, sobretudo quanto à proposta de transação penal (art. 76, Lei nº 9.099/95) e defesa oral antes do recebimento da denúncia (art. 81, Lei 9.099/95).


DOS PEDIDOS

Face ao exposto, requer a Vossa Excelência se digne em conceder ao Paciente LIMINAR da ordem de HABEAS CORPUS, inaudita altera pars, com a expedição de salvo contudo, a fim de que seja:

1) promovido o controle incidental de constitucionalidade dos §§ 2º e 4º do art. 394 do CPP, com a aplicação da técnica da interpretação conforme dos mencionados dispositivos legais em face do arts. 5º, LIV, LV e 98, I da CRFB/88 (causa de pedir), para que sejam deferidos os seguintes pedidos:

a) não sejam utilizados pela autoridade coatora os §§ 2º e 4º do art. 394 CPP para afastar o rito sumaríssimo do caso concreto;

b) não seja aplicado in casu os arts. 395 a 398 do CPP, sendo garantido ao Paciente o rito sumaríssimo previsto no art. 98, I da CF/88 c/c Lei nº 9.099/95.

3) seja anulado o recebimento da denúncia e atos processuais posteriores decorrentes (AP. nº .........................................);

4) seja decretada a prescrição, com a extinção da punibilidade em favor do Paciente, nos termos dos arts. 107, V c/c 109, VI, CP;

5) caso não acolhidos os pedidos supra, requer, ainda em sede de liminar, que seja determinada a suspensão do andamento da ação penal (Proc. nº ............................), instauradacontra o Paciente até o julgamento final do presente writ, sendo comunicado à digníssima Autoridade Coatora nos moldes de estilo;

6) caso não seja acolhido o pedido anterior, seja sendo garantido ao Paciente o rito sumaríssimo previsto no art. 98, I da CF/88 c/c Lei nº 9.099/95, sendo designada audiência preliminar (art. 72 e ss., Lei nº 9.099/95) para que o MPF ofereça transação penal ou justifique a recusa;

7) caso não acolhido o pedido anterior, seja designada audiência de instrução e julgamento, na forma do art. 81 da Lei nº 9.099/95, sendo garantido ao Paciente o direito de responder à acusação em plenário, antes da análise de admissibilidade de recebimento da peça acusatória;

Requer sejam requisitadas as devidas informações da digníssima autoridade coatora e colhido o parecer do MPF, e ao final CONFIRMADA A LIMINAR e tornando-se definitiva ordem, como medida de inteira JUSTIÇA!

N. Termos,

P. Deferimento.

.................................................., 10 de março de 2010.

RENATO FERRARE RAMOS

ADVOGADO - OAB/ES 12086


Notas

  1. "A nova lei 11.719/08 e seus efeitos sobre o rito dos juizados especiais criminais" Periódico: Boletim IBCCRIM: Local: São Paulo: Volume: 16: Fascículo 193, Dez/2008 – p. 12/13
  2. ob. Cit. p. 13
  3. Curso de direito constitucional, Malheiros, 21ª ed,. p. 474.
  4. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996.
  5. Hermenêutica Jurídica e(em) Crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
  6. NOVELINO, Marcelo. Formas de Declaração da Inconstitucionalidade. Material da 4ª aula da Disciplina Direito Constitucional, ministrada no Curso de Especialização TeleVirtual em Direito Público – UNISUL - REDE LFG.
  7. Curso de Processo Penal, Ed. Lumen Juris, 11ª ed., p. 2009, pág. 553, 633/634
  8. Esse entendimento já estava pacificado com o advento da Lei nº 10.259/03.


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Renato Ferrare. Habeas corpus: inaplicabilidade dos novos ritos de recebimento da denúncia (Lei nº 11.719/2008) aos Juizados Especiais Criminais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2589, 3 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/17093. Acesso em: 19 abr. 2024.