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As organizações criminosas e seus reflexos na democracia

As organizações criminosas e seus reflexos na democracia

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Sumário: 1. Introdução; 2. Estado democrático e o crime organizado. 2.1 Modalidades do crime organizado. 3. Interferência do crime organizado no Estado de direito. 3.1. Crime organizado e o enfraquecimento do Estado. 4. Prejuízos sociais. 5. Pela permanência do Estado democrático: ordem jurídica no combate ao crime organizado. 5.1. Posicionamento doutrinário e jurisprudencial. 6. Síntese conclusiva. 7. Bibliografia.

RESUMO: Pretende-se com o presente trabalho apresentar as características formais do Estado de direito e suas fragilidades em vista à atuação das organizações criminosas, apontando fatos que comprometem o verdadeiro sentido do regime político na forma democrática. Em seguida, avaliam-se os prejuízos ocasionados aos cidadãos e ao próprio Estado, enquanto vítimas dessas modalidades criminosas. E, ainda, neste artigo, procura-se apontar o modus operandi e o combate a essas organizações sob a ótica das normas jurídicas vigentes, aí considerando os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, de modo a garantir a prevalência do Estado de direito. Ao final, abordam-se os pontos negativos e positivos, relativamente à atuação das instituições estatais empenhadas no combate ao crime, sem, contudo, esgotar o tema, haja vista a diversidade dessas organizações e suas nuances, as quais interferem, sobremaneira, na atuação do Estado democrático.

Palavras-chaves: Democracia, crime organizado, estado de direito.

ABSTRACT: It is intended with the present work to present the formal characteristics of the Rule of law and its fragilities in sight to the performance of the criminal organizations, pointing facts that compromise true sensible of the regimen the politician in the democratic form. After that, the damages caused to the citizens and the proper State are evaluated, while victims of these criminal modalities. E, still, in this article, is looked to point the way operandi and the combat to these organizations under the optics of the effective rules of law, there considering the doctrinal and jurisprudenciais positionings, in order to guarantee the prevalence of the Rule of law. To the end, the points are approached negative and positive, relatively to the performance of the pledged state institutions in the combat to the crime, without, however, to deplete the subject, has seen the diversity of these organizations and its nuances, which intervenes, excessively, in the performance of the democratic State.

Word-key: Democracy, organized crime, rule of law.


1. Introdução

Inicialmente cumpre-nos apontar os aspectos formais e específicos do Estado democrático, para, em seguida, descrevermos as formas de atuação das organizações criminosas que comprometem a própria existência do Estado de direito.

Para tanto, dada a relevância dos fundamentos da democracia, apontados por Bobbio [01], que identifica, na visão tecnocrática de um lado e na postura indiferente, do outro, duas situações adversas à democracia. A primeira teimava em reduzi-la apenas a um ritual mecânico de sucessivas eleições, enquanto que a outra, ao dizer que podia ser eleito qualquer um, tanto faz, a desqualificava. De modo geral, pode-se dizer que, para Bobbio [02] (1986: 36-37), a democracia tinha como fundamentos:

- estar sempre em transformação. O seu estado natural é a dinâmica, enquanto que no despotismo predomina a estática, sempre igual a si mesmo;

- o direito e o poder são duas faces da mesma moeda. Somente o poder cria o direito, e só ao direito cabe limitar o poder;

- o centro da atenção da democracia repousa numa concepção individualista da sociedade. Ela somente se desenvolve onde os direitos de liberdade têm sido reconhecidos por uma constituição;

- trata-se de um conjunto de regras que estabelece quem está autorizado a tomar decisões coletivas e quais são os seus procedimentos;

- baseia-se na regra de que a democracia é o regime da maioria e que o Estado Liberal é o suposto histórico-jurídico do Estado Democrático;

- é um regime que define o bom governo como aquele que age em função do bem comum e não do seu exclusivo interesse, e se move através de leis estabelecidas, claras para todas, e não por determinações arbitrárias;

- considera um governo excessivamente paternal (imperium paternale) como negativo insistindo que a democracia é um governo de leis por excelência.

Acolhendo esses fundamentos, o estado democrático surge com o propósito de garantir as liberdades individuais e coletivas, visando a prevalência dos direitos civis, a segurança, a propriedade privada, enfim, o exercício dos direitos garantidos pela ordem estatal por meio da Constituição.

Todavia, a emergência desses direitos, somente adveio por meio de longo processo histórico que bem pode ser definido pela conhecida expressão "a luta pelos direitos", como nos ensinou Rodolfo van Ihering [03], sobrevindo pela emergência da doutrina dos direitos do homem, do cidadão, etc., como produto da história moderna.

Surgiu, pois, com as revoluções liberais do século XVIII, graças ao engajamento dos pensadores iluministas como Locke, Montesquieu, Voltaire, e J.J. Rousseau. No entanto, a sua universalização somente conquistou notoriedade com a aprovação da Declaração dos Direitos Universais do Homem e do Cidadão, em 1948, na Assembleia Geral da ONU.

Se numa primeira fase os direitos foram concebidos pelos teóricos jusnaturalistas modernos, o homem tem direitos por natureza e ninguém, muito menos o Estado, pode subtraí-los ou aliená-los. De outra banda, a transição da teoria à pratica deu-se graças as revoluções liberais de 1776 e 1789. Com a declaração de 1948 a política dos direitos humanos passou a ser estendida ao mundo inteiro.

Nesse longo percurso, os direitos humanos deixaram de ser aplicados somente em determinadas pólis, nos estados-nacionais que os aprovaram a exemplo dos Estados Unidos, França, Itália, etc., e passaram a ser difundidos por todos os países integrantes do planeta como um todo.

No entanto, graças às mobilidades sociais, ocorrem as modificações dos direitos, enquanto possibilidade ofertada pelo regime democrático, a exemplo do que se verifica em determinado momento histórico em que os jusnaturalistas procuraram fixar uma universalidade abstrata dos direitos (direito à vida, à liberdade, à propriedade), gradativamente, no transcorrer dos dois últimos séculos, verificou-se a incorporação de novos direitos (ao trabalho, à educação, à organização sindical e partidária). Subdividindo-se, contemporaneamente, nos direitos da mulher, da criança e do idoso. Neste espaço de tempo os defensores dos direitos, para se afirmarem, tiveram que enfrentar os poderes religiosos (a resistência das igrejas), os poderes políticos (resultantes do estado de conquista) e, por fim, o poder econômico (o peso do capital).

Uma distinção chama a atenção: na luta pela conquista da primeira geração dos direitos – sob a égide da ideologia liberal - o indivíduo posicionava-se contra o estado (absolutista). Na segunda geração, a dos chamados direitos sociais – sob influência do socialismo -, o estado (preferivelmente democrático) é visto como aquele que irá garantir as conquistas alcançadas, evitando que o poder econômico as revogue.

Notório que os direitos, por serem históricos, jamais serão os mesmos e nunca serão estáticos. Cada época formula um conjunto deles para serem atingidos por novos grupos sociais, sexuais ou étnicos, que a cada instante solicitam que suas demandas sejam atendidas e incorporadas no corpo geral dos direitos. Esses grupos, agindo como se fossem ondas, alcançam as nações mais distantes e afastadas. Vivemos, pois, no que Bobbio [04] (1986: 57) chamou de a Era dos Direitos, uma longa caminhada da humanidade em direção a maior liberdade e maior igualdade possível.

De outra parte, também em decorrência do processo histórico e das formas de organização social, política e econômica, surgem as organizações criminosas que, dada a fragilidade das instituições integrantes do aparelho estatal, encontram terreno fértil para a prática de crimes com amplo reflexo social e que, em certos casos, o Estado, por ação ou omissão, não consegue combater essas práticas delituosas, comprometendo a sua própria existência.

Com essa contextualização procuramos, a seguir, apresentar a atuação do Estado no combate ao crime organizado, sem que haja a perda de seu caráter, isto é, mantendo as linhas mestras caracterizadoras do Estado democrático, retratando os prejuízos sociais decorrentes da atuação das organizações criminosas, assim como o regime jurídico, doutrina e jurisprudências, norteadores do combate às facções criminosas, para ao final apontar os aspectos conclusivos do presente trabalho.


2. Estado democrático e o crime organizado

A Constituição brasileira, no tocante à proteção do Estado e os indivíduos, representa esforço notável no sentido de regulamentar, com nitidez, os dois elementos da noção de cidadania, quais sejam: a proteção dos direitos e liberdades individuais frente às ameaças a eles representadas pela força e poder das instituições do Estado - o âmbito do controle do uso dos meios de violência na produção da ordem social - e a proteção da vida e da propriedade dos cidadãos ameaçadas pela predição criminosa - o âmbito da eficiência no controle social.

Essas garantias, inerentes ao Estado moderno, decorrem da transformação do estado absoluto em estado de direito que, segundo Bobbio [05], (1986:103), só se viabiliza

Se o poder visível nunca for capaz de se livrar completamente ou de anular o poder invisível, "o tema mais interessante, com o qual é possível realmente colocar à prova a capacidade do poder visível de debelar o poder invisível, é o da publicidade dos atos do poder que representa o verdadeiro momento da reviravolta na transformação do estado moderno que passa do estado absoluto a estado de direito.

Portanto, o estado de direito baseia-se na publicidade de suas ações, de forma a garantir aos seus cidadãos o conhecimento da atuação do estado e, consequentemente, conquistar a confiança de todos de modo a preservar as garantias asseguradas pelo regime democrático, que, segundo Lafer [06], (1994:234):

a democracia se baseia no princípio da confiança e da boa-fé, e não do medo, ela sucumbe quando a esfera do público perde transparência e se vê permeada pelo segredo e pela mentira, que é o que ocorre quando a palavra esconde e engana, ao invés de revelar, conforme determina o princípio ético da veracidade.

Assim, quando o(s) representante(s) do estado democrático esconde(m) seus atos, engana, camufla a realidade, impedindo de chegar ao conhecimento público àquilo que de fato deveria se revelar, mas não os revela, justamente porque em razão desses atos eles obtêm vantagens ilegais, surgindo, daí, uma das práticas criminosas comumente chamadas de corrupção.

A propósito, havendo corrupção, às vezes tolerada pelo corpo social, até determinado ponto. Todavia, levada ao conhecimento público, a corrupção deixa de ser vista como uma ilegalidade tolerada e começa a ocupar sua dimensão como crime, ligado a outros crimes.

Dessa feita, no estado democrático os Partidos políticos e movimentos sociais reivindicam radicalmente o princípio da transparência, da publicidade, da visibilidade do poder público, da participação na gestão da coisa pública. A invenção das novas formas e conteúdos da ação política aparece como um antídoto eficiente contra os crimes praticados pelos agentes públicos. A propósito, admite Lafer [07], (1994:233), que:

É por este motivo que, por obra do legado kantiano, no como são tomadas as decisões numa democracia, o princípio da visibilidade do poder é constitutivo, pois permite a informação sem a qual todos não podem formar uma opinião apropriada sobre a gestão da coisa comum, para, desta maneira, exercer seu poder de participação e controle.

Malgrado esse entendimento, a considerar que a corrupção varia segundo o momento e as concepções vigentes em cada sociedade, o que se revela especialmente interessante é porque, seguindo a proposta de José de Souza Martins [08] (1994: 35), determinados conjuntos de práticas começam, em determinado momento, a ser reiteradamente questionados são

condutas e práticas que, nos episódios recentes, foram incluídos no conceito de corrupção têm ocorrido, na sociedade brasileira, ao longo de sua história, sem causar estranheza, indignação ou repulsa política. A questão, portanto, que a situação atual oferece à reflexão sociológica, é a de buscar explicação para a mudança de concepção havida, o que mudou no Brasil que levou a sociedade a classificar negativamente o que até há pouco aparecia interpretado pelo senso comum na perspectiva de valores positivos.

Por isso é que, a corrupção, agrupando uma série de práticas, situadas de forma privilegiada no âmbito político e administrativo, que, se não são consideradas como valores positivos, são vistas como toleráveis ou como inevitáveis, próprias da única forma possível de governar ou de administrar.

Estas ilegalidades conquistadas de forma estatutária (privilégios e isenções para as camadas sociais altas), pela inobservância geral e maciça, pelo desuso progressivo, pelo consentimento e modo do poder, pela negligência ou pela impossibilidade efetiva de impor a lei e reprimir os infratores. Daí abe-se, margens de tolerância conquistadas pela força e pela obstinação, claramente delimitadas de acordo com o estrato social.

As ilegalidades toleradas funcionariam nos interstícios das leis, apresentando uma heterogeneidade de modalidades, encaixando-se no jogo das tensões entre os ordenamentos legais, as práticas e técnicas administrativas e o que cada sociedade vai reconhecendo como normal e anormal, lícito ou ilícito, legítimo ou ilegítimo.

Decorrência dessas ilegalidades, Flávia SCHILLING [09], admite que o quadro resultante refletiria as distribuições desiguais de força e poder na sociedade e levaria à constatação da existência de um pluralismo jurídico, com formas de gestão diversas que, mais do que ocorrer em confronto com as leis escritas, ocorreriam em suas brechas, a partir de seus silêncios ou suas imprecisões.

Como causas são apontadas: as novas formas de acumulação das riquezas (capital), as novas relações de produção e de estatuto jurídico da propriedade e o crescimento demográfico.

Daí advém as ilegalidades que se reestrutura com o desenvolvimento da sociedade capitalista, com a ilegalidade dos bens sendo separada da ilegalidade dos direitos. Divisão essa que correspondeu a uma oposição de classes, pois, de um lado, a ilegalidade mais acessível às classes populares será a dos bens - transferência violenta da propriedade -, enquanto que de outro lado, a burguesia, que segundo SCHILLING [10], (1984: 80):

se reservará a ilegalidade dos direitos: a possibilidade de desviar seus próprios regulamentos e suas próprias leis; de fazer funcionar todo um imenso setor da circulação econômica por um jogo que se desenrola nas margens da legislação - margens previstas por seus silêncios, ou liberadas por uma tolerância de fato

Essas ilegalidades se caracterizam pela constituição em escala nacional e até mesmo, internacional de grandes ilegalidades ligadas aos aparelhos políticos e econômicos, passando por ilegalidades financeiras, serviços de informação, tráfico de armas e drogas.

Trata-se, portanto, de uma multiplicidade de ilegalidades organizadas em torno do comércio e da indústria, com sua diversidade de natureza e de origem e seu papel específico nada mais é que a obtenção de vantagens, sobretudo o lucro.

Dessa feita, a corrupção é, conjuntamente com o crime organizado ligado, sobretudo, ao tráfico da droga e ao branqueamento do dinheiro, a grande criminalidade que Sousa Santos chama de crise do Estado-Providência e coloca os tribunais no centro de um complexo problema de controle social.

A propósito, a Organização das Nações Unidas, em seu Nono Congresso sobre Prevenção do Crime e Tratamento dos Transgressores, o Secretário Geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali fez o seguinte comentário:

os poderosos cartéis do crime estão fora do alcance das leis nacionais e internacionais (...) esses elementos criminosos se aproveitam tanto da liberalidade da nova ordem econômica internacional quanto das diferenças existentes nas leis e práticas dos países. Eles movimentam gigantescas somas de dinheiro, que usam para subornar autoridades e alguns desses impérios do crime são mais ricos do que muitas nações do mundo. (ONU, 1995:2).

Chama a nossa atenção para a dimensão do crime organizado internacional, como este se vincula com a nova ordem econômica e para as diferenças existentes entre as leis internas e as práticas dos países no comércio e relações internacionais.

Estas novas dimensões do crime organizado constituíram um poder secreto, sub-Estados, cripto-governos, um Estado dentro do próprio Estado, com enorme poder de influencia tanto na política quanto na administração, formando um substrato que ameaça profundamente o exercício da democracia e a possibilidade de um Estado de Direito, com seu exercício de poder necessariamente ligado à visibilidade e transparência.

E, nesse caso, segredo e visibilidade, os dilemas da democracia como significado do público como contraposto ao que é privado e do público como contraposto ao que é oculto. Público, também, no sentido do que, pela visibilidade, é apresentado - representado ao público - ao espectador. Portanto, são os lugares comuns de todos os discursos sobre a democracia é de que este é o governo do poder visível. Estes dois significados do público - como res publica - e do público.

Um dos princípios do Estado constitucional é o de que o caráter público das atividades públicas é a regra, com o segredo sendo a exceção, justificável apenas se limitada no tempo. Este é, portanto, um dos traços essenciais do Estado constitucional. Através do acesso aos fatos e ações do governo, criam-se as condições para que o soberano - o povo - forme sua opinião, participe e julgue. E, acrescenta Bobbio [11] (1986: 89),

Entende-se que a maior ou menor relevância da opinião pública entendida como opinião relativa aos atos públicos, isto é, aos atos próprios do poder público que é por excelência o poder exercido pelos supremos órgãos decisórios do Estado, da res publica, depende da maior ou menor oferta ao público, entendida esta como visibilidade, cognoscibilidade, acessibilidade e portanto controlabilidade dos atos de quem detém o supremo poder.

Se o poder visível nunca é capaz de se livrar completamente ou de anular o poder invisível, Bobbio [12] (1986: 103), afirma:

o tema mais interessante, com o qual é possível realmente colocar à prova a capacidade do poder visível de debelar o poder invisível, é o da publicidade dos atos do poder que, como vimos, representa o verdadeiro momento da reviravolta na transformação do estado moderno que passa do estado absoluto a estado de direito.

Logo, a mentira na política, com o poder que se oculta - o segredo de Estado - e com o poder que oculta - a mentira. Duas são as razões que justificam tradicionalmente o segredo e mentira na política: a necessidade de rapidez de toda decisão que diga respeito aos interesses do Estado e o desprezo pelo povo.

Quando o poder é invisível, pois cercado pelo segredo ou pela mentira, proliferam as histórias de conspirações e "assaltos ao poder". O contato com o público só é feito portando-se a máscara que, segundo Bobbio [13] (1986: 86),

torna-se communio opinio que quem detém o poder e deve continuamente se resguardar de inimigos externos e internos, tem o direito de mentir, mais propriamente "simular", isto é, de fazer aparecer aquilo que não existe, e de "dissimular", isto é, de não fazer aparecer aquilo que existe.

Assinala-se uma assimetria fundamental: a que existe entre governantes e governados. Se os governados devem aparecer e se mostrar em sua veracidade, os governantes escudam-se no direito de mentir sob determinadas circunstâncias.

Constatação que ocorre simultaneamente à percepção da corrupção como uma das formas do crime organizado, que questiona radicalmente os fundamentos das práticas de governo, abrindo fossos entre "o que é" e o que "deve ser" na gestão, minando a confiança na política. Neste contexto a corrupção deixa de ser vista como uma "ilegalidade tolerada" e começa a ocupar sua dimensão como crime, ligado a outros crimes.

Partidos políticos e movimentos sociais reivindicam radicalmente o princípio da transparência, da publicidade, da visibilidade do poder público, da participação na gestão da coisa pública. A invenção de novas formas e conteúdos da ação política aparece como um antídoto eficiente contra os crimes que nos preocupam. Preocupação que Lafer [14] (1994: 233), assim expressa:

É por este motivo que, por obra do legado kantiano, no como são tomadas as decisões numa democracia, o princípio da visibilidade do poder é constitutivo, pois permite a informação sem a qual todos não podem formar uma opinião apropriada sobre a gestão da coisa comum, para, desta maneira, exercer seu poder de participação e controle.

À margem dessa premissa, ocorrendo a omissão do Estado no que diz respeito a investimentos assistenciais, atendimento às demandas sociais, ocorre a perda do controle sobre a atuação dos indivíduos, abrindo margem para a sedimentação do crime, a exemplo da tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, que deveria ser considerada estratégica pelo Estado. A relevância da estratégia tem sua pertinência em face de ser essa área corredor do tráfico de drogas dos países andinos par ao Brasil.


3. Como o crime organizado interfere no Estado de direito.

Ao julgar pela realidade brasileira da atualidade e pelo que se tem visto pelo noticiário na mídia, não fica difícil dizer que o crime organizado, mais do que nunca, invadiu o Brasil e aqui investe em vários setores da atividade econômica como o imobiliário, hoteleiro, dentre outros, com o objetivo de promover a chamada ‘lavagem de dinheiro’, conforme aludem dados da Polícia Federal e outros setores de inteligência, citado pelo jornalista Ricardo Galhardo, in "Máfias investem no Brasil", Jornal O GLOBO (RJ), de 13 de abril de 2008.

Com isso, inexoravelmente, ocorre o comprometimento do poder visível, o governo do público em público, precondições da democracia, quando se detectam os poderes e articulações do crime organizado em sua inevitável relação com a corrupção em suas novas dimensões internacionais e nacionais, criando novos espaços de segredo e de influência na gestão.

Doutra modalidade é a atuação das organizações criminosas nas chamadas áreas de risco - favelas e bairros onde a população honesta é submetida ao domínio da bandidagem -, como há bem pouco tempo "políticos foram impedidos de fazer propaganda, por determinação de traficantes ou milicianos que mandam nesses territórios e formaram uma espécie de Tribunal Eleitoral do crime. Ameaçam candidatos e cabos eleitorais que não caem nas suas graças, enquanto abrem caminhos para outros com os quais têm parceria". Revista Isto é, de 30.06.2008, nº 2021, Ano 31, p. 50. Assim, à evidência, o Estado deve desarticular as milícias, pois uma campanha para esclarecer a população de que o voto é secreto é atitude básica do Estado democrático. Entretanto, naquelas áreas (de risco) os milicianos traçam planos eleitorais. Eles têm objetivos políticos audaciosos, pretendiam eleger políticos com o apoio dos milicianos, diz a matéria referida.

Chama a atenção a atuação criminosa, organizada em família, denunciada no estado do Rio de Janeiro (Revista Isto É). Assemelha-se, em muito à máfia italiana. Ao estilo mafioso, o grupo trabalhava com a lógica de que entre gente do mesmo sangue a traição é um fato raro. Para os criminosos, não é fácil achar alguém em quem depositar confiança total. Assim, eles escolheram os parentes, com a pretensão de eleger um dos membros da família com a força extra da pressão exercida pelos milicianos sobre os eleitores da região, isso, fazendo imperar a chamada "Lei do Silêncio".

Ainda de acordo com a matéria jornalística citada, um ex-policial e deputado estadual, que, segundo a polícia, criou a organização criminosa denominada "Liga da Justiça", formado por policiais, bombeiros e agentes penitenciários, com o objetivo de manter o poder paralelo para usar como alavanca eleitoral.

Atuando assim, uma força política paralela, fica difícil dizer da existência de um estado democrático com suas garantias. Para tanto, é preciso ação enérgica das instituições garantidoras e representativas do Estado para assegurar a liberdade do voto, pois só através do sufrágio, livre de qualquer coação é que o povo, verdadeiro detentor do poder, no Estado democrático, poderá exercer o seu direito de cidadania.


4. Modalidades do crime organizado.

Tarefa árdua consiste em dizer quais as modalidades do crime organizado, dada à sua complexidade e as formas de atuação das facções criminosas, em face da ousadia e prepotência dos seus integrantes. Contudo, seria pretensioso, esgotar o tema, dado à humildade a que se propõe o presente trabalho.

No entanto, numa contextualização mais recente, com a participação decisiva da impressa - meios de comunicação de massa - verifica-se que, a partir da década de 1980, especialmente por ter sido um período de transição entre a velha ordem internacional bipolar do pós-guerra, denominada Guerra Fria, e uma nova ordem internacional que deu fim ao dualismo político-econômico entre o bloco comunista e o bloco capitalista, acompanhando essa transformação, o crime organizado se ampliou de forma geométrica.

Com a nova ordem internacional caracterizada principalmente pela integração econômica regional, pelo neoliberalismo e pela globalização, que revolucionou o sistema de acesso e circulação de informações pelo mundo e mudou o papel dos estados nacionais na sociedade. O processo de globalização econômica vem criando instrumentos que facilitam a circulação de fundos monetários entre países.

Verdade é que, milhões de dólares circulam diariamente pelos países através de transferências monetárias. Com isso, criaram-se condições perfeitas para organizações criminosas executarem a lavagem de dinheiro, tornando-se cada vez mais difícil identificar a origem desses recursos. E, porque não dizer, com o processo de globalização veio, também, é a internacionalização do crime organizado em suas diversas modalidades.

Desse modo, ousamos afirmar que, hodiernamente, existem organizações criminosas que atuam em vários países praticando tráfico de drogas e de armas, prostituição, ações terroristas, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, entre outros atos ilícitos.

A propósito, por ocasião da convenção contra a corrupção, organizada pela ONU, na cidade mexicana de Mérida, em dezembro de 2003, concluiu-se por uma necessidade urgente de um trabalho em conjunto com países e instituições financeiras contra a corrupção e a lavagem de dinheiro.

Com a dimensão tomada pelo crime organizado, a própria Organização das Nações Unidas criou o Escritório Contra Drogas e Crime Organizado da (ONUDC) que divulgou estudo estimando-se que, hoje, a quantidade de recursos de origem ilícitas que circulam pelos principais centros financeiros no mundo seja em torno de um trilhão de dólares.

Ainda de acordo com a ONU, os impactos da corrupção atingem mais os cidadãos das camadas mais pobres, pois ao desviar recursos públicos, políticos, funcionários ou organizações criminosas comprometem os serviços essenciais fornecidos pelos governos, como: saúde, habitação, educação e moradia.

Veja-se que a corrupção tem seus efeitos sentidos em longo prazo com a baixa qualidade em serviços básicos, desigualdade social, desrespeito aos direitos humanos, subornos e o aumento da violência urbana. Aliás, violência urbana e pobreza estão intimamente ligadas, pois a desigualdade social e a falta de oportunidade acabam criando condições de expansão do crime organizado nas áreas mais carentes, principalmente o tráfico de drogas e de armas. Logo, a desigualdade e a exclusão social são consideradas as principais causas do envolvimento de jovens de famílias de baixa renda nas atividades criminosas.

Doutra parte, o tráfico de drogas e de armas no Brasil acaba influindo diretamente nos índices sociais, assim como o crime organizado armado, que compreende os bandidos e traficantes com revólveres nas mãos e crime organizado desarmado, que agrupa os que estão por trás desses traficantes e os que fazem parte de toda sorte de roubo e contravenção, como os atravessadores, políticos corruptos e criminosos de todo tipo. Esses indivíduos são os que verdadeiramente favorecem a existência de toda a miséria, somando-se ao bandido armado, O que equivale dizer que "o poder paralelo ou Estado dentro de outro Estado não existem. O que existe é um Estado corrompido".


5. Pela permanência do Estado democrático: ordem jurídica no combate ao crime organizado

A ineficiência do Estado brasileiro na fiscalização de armas e drogas, principalmente nas fronteiras; a imposição feita por traficantes a eleitores que vivem em áreas dominadas pelas organizações criminosas é inaceitável; a corrupção no serviço público é repugnante; a lavagem de dinheiro depura o Estado; a sonegação fiscal é atentado ao erário; vis a vis, a eficácia do sistema jurídico é necessária; os direitos civis devem ser garantidos; os cidadãos de bem não devem serem submetidos ao poder do Estado ilegal; as liberdades individuais e coletivas são necessárias; o Estado de direito deve prevalecer; sobretudo, com o fortalecimento de suas instituições. Para tanto, é indispensável que haja investimentos e, precipuamente, que o sistema jurídico seja eficiente.

Esforços têm sido feitos pelos órgãos dos Poderes da República, embora haja os empecilhos que retardam ou impedem a aplicação da lei e a efetividade das medidas impositiva.

Todavia, tanto a política legislativa quanto a atuação do Poder Judiciário, têm sido no sentido de envidar esforços para combater a impunidade. Mesmo assim, nenhum dos entes estatais responsáveis pelo combate ao crime, tem legitimidade para atuar isoladamente. Logo, o combate ao crime deve ser feito dentro do sistema jurídico posto à disposição das instituições governamentais, cabendo a cada uma dessas instituições atuar dentro dos limites legais.

O combate ao crime organizado, primeiramente, se inicia com a atuação da polícia preventiva e repressiva, que, de certa forma, vem sendo incentivada, como é o caso da Lei nº 11.343/06 que indeniza a família do agente morto em serviço, com cem mil reais. Há, no entanto, um completo desencontro de informações entre os órgãos de inteligência (ABIN, Polícia Federal e outros), em vista à falta de um banco de dados nacional para a completa integração entre os diversos órgãos de inteligência. Mesmo assim, conforme críticas da doutrina falta a definição nessa Lei, do que seja organização criminosa, mormente após a edição da Lei nº 10.217/01.

Contudo, o maior problema, atualmente, no Brasil, vem sendo a interpretação que o STF vem dando ao princípio constitucional da presunção de inocência (culpabilidade), inclusive em crimes gravíssimos.

Mesmo após a condenação em primeiro grau ser confirmada em grau de recurso pelos Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais, ou seja, na fase dos Recursos Especial e Extraordinário que, por força da Lei nº 8.038/90, não têm efeito suspensivo, a prisão processual dificilmente é decretada conforme entendimento do STF.

O STF, portanto, só admite a prisão processual/cautelar em casos que, na prática, o grande delinqüente não é ingênuo de fazer, isto é, quando há provas inequívocas de que o réu irá fugir ou se encontrar ameaçando testemunhas. O STF desconsidera por completo a gravidade do crime e nem dá guarida para o clamor da sociedade.

Destarte, é mais fácil se eliminar o mosquito da dengue no Brasil, do que se manter preso cautelarmente um bandido que comete um crime gravíssimo, na visão do atual STF.

Na verdade a Constituição Federal faz enorme distinção entre crime de mínima e média potencialidade ofensiva para os de máxima potencialidade ofensiva, não lhes permitindo v. g. fiança, liberdade provisória, graça, indulto e anistia, como a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos (art. 5º, XLIII), havendo até mesmo crimes considerados imprescritíveis, como a racismo (art. 5º, XLII), a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV).

Somos da opinião de que não se deve considerar razoável ou proporcional que a presunção de inocência/culpabilidade nos crimes gravíssimos tenha a mesma mensuração de benevolência dos sem gravidade (mínima e média potencialidade ofensiva).

Verdade é que o STF não ponderando o princípio da proporcionalidade, fragilizou a sociedade, dando interpretação favorável à presunção da inocência, mesmo em crimes gravíssimos. E o mais grave: não admite a prisão processual nem mesmo na fase dos recursos especial (STJ) e extraordinário (STF), recursos esses que não têm efeito suspensivo, como estipula a Lei nº 8.038/90.

Falta, pois, melhor ponderação por parte do STF no trato dessa questão, já firmou-se a constitucionalidade da Lei nº 8.072/90 (crimes hediondos) quando proibia a mudança de regime prisional. Mesmo assim, atualmente, sem qualquer alteração legislativa (mutação constitucional), em novo julgamento, afirmou que a referida Lei é inconstitucional, forçando o Congresso Nacional a editar nova lei, que passou a permitir a mudança de regime, se cumpridos 2/5 da pena ou 3/5, se reincidente. Nos demais casos, basta cumprir 1/6 da pena (Lei nº 7.210/84 - Lei das Execuções Penais). E não ficou só nisso. Entendeu o STF ser também ilegal o interrogatório mediante vídeo conferência (on laine ou virtual).

E o mais inusitado: alguns Ministros advertiram, nesse mesmo julgamento, que nem mesmo uma futura lei poderá autorizar tal ato, pois o Código de Processo Penal dispõe literalmente que o interrogatório tem de ser na ‘presença’ do Juiz.

Dessa feita, sobrevém dificuldades quanto à eficácia do princípio da proporcionalidade nos casos dos crimes de grande potencialidade ofensiva e assim, proteger a sociedade dos bandidos perigosos, mantendo-os presos antes, durante e depois do processo.

Vale dizer que numa interpretação sistemática do inciso LVII, do art. 5º da CF, é claro que nos crimes gravíssimos, e a própria Constituição já proíbe a fiança, a anistia e a graça, além dos crimes imprescritíveis, a presunção da inocência não deve ser ponderada na mesma proporção como ocorre nos crimes de menor gravidade.

Não é possível que a cláusula pétrea da presunção de inocência, não possa ser melhor ponderada (princípio da proporcionalidade), em prol da sociedade, que está e não pode continuar refém da criminalidade organizada. O direito individual não deve se sobrepor à tutela coletiva. Não se concebe que uma sociedade composta por homens de bem, permaneça refém da grande criminalidade, silenciando a tudo isso sem nada fazer.

Por outro lado, esforços legislativos e judiciais têm sido uma das formas de combate ao crime organizado. Destaque para a atuação do Ministério Público com a abertura de inquéritos civis e ajuizamento de ações judiciais por improbidade administrativa. Nesse caso, a tese mais sedimentada tem como supedâneo a premissa de que os agentes políticos não respondem por seus atos pela chamada Lei da Probidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), que pune agentes públicos - sem distinção, como afirma o eminente Censo Antonio Bandeira de Melo - pela prática de atos de improbidade administrativa.

Esses atos abrangem três espécies: enriquecimento ilícito no exercício da função pública, prejuízo ao patrimônio público e atentado aos princípios da administração pública.

A punição é aplicada pelo Poder Judiciário - sem previsão de foro privilegiado, conforme julgamento do STF (ADI nº 2.797) - e consiste nas seguintes sanções: perda de bens ou valores ilicitamente acrescidos ou a função pública; ressarcimento do dano; pagamento de multa civil; suspensão dos direitos políticos; proibição de contratação com o poder público ou de recebimento de benefícios fiscais ou creditícios.

Com essa envergadura, a Lei nº 8.429/92, pune corruptos e corruptores, sem prejuízo da ação penal cabível, conforme previsão contida no art. 37, § 4º da Constituição Federal.

Há, no entanto, quem advogue em prol da tese de imunidade dos agentes políticos diante dessa lei, assinalando que eles só perdem mandatos ou funções públicas ou ter suspensos os seus direitos políticos por decisão do Poder Legislativo, tese que discordamos com veemência, uma vez que a Constituição, em nenhum dispositivo prevê a exclusividade da responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos.

E, ainda, a responsabilidade política apurada no Legislativo, não elimina a responsabilidade penal, se houver um crime tipificado nas leis penais, cuja meta é a restrição da liberdade e, consequentemente, a suspensão dos direitos políticos e a perda de sua função. Assim é a tradição jurídico-constitucional brasileira.

Com a promulgação da Constituição de 1988, a aprovação da Emenda que acrescentou o § 4º do art. 37 e com a edição da Lei nº 8.429/92, os legisladores tiveram em mente a necessidade de sedimentar os baldrames de um Estado Democrático de Direito sob o signo da moralidade, da ética e da responsabilidade. Afinal, a verdadeira república é o regime da responsabilidade e da igualdade dos que governam e dos que são governados.

Paradoxalmente, com a edição dessa Lei, muitos agentes políticos, servidores públicos e outras pessoas investigadas e processadas ou foram condenadas judicialmente, decorrência obvia da garantia da higiene moral da Nação; quando organismos estatais, como o Tribunal de Contas, o Ministério Público e os órgãos policiais desenvolvem firme controle para assegurar a efetividade da Lei; quando a imprensa é livre para denunciar irregularidades e a sociedade civil é vigilante, tem-se perspectiva de inaugurar no Brasil uma nova ordem jurídico-democrática que possa sustentar a existência de um Estado Democrático no verdadeiro sentido da democracia preconizada por Bobbio, ao apontar os fundamentos do estado democrático, citado logo no início deste artigo.

Ocorre, porém que o que realmente compromete a existência do Estado é a omissão do Estado, por seus representantes que, por conivência, deixam de praticar os atos de Estado, sufragando a máquina administrativa, tornando-o ineficiente ante às ações que deveria praticar.


6. Síntese conclusiva.

Preliminarmente podemos concluir que não estamos propriamente diante de um estado de natureza, mas de uma ordem estruturada a partir de fatores culturais que dissociam a esfera pública da privada, traduzida no célebre dilema brasileiro da igualdade, universalidade e legalidade no plano político institucional, e da desigualdade, hierarquização e regras truculentas de convivência no plano social. Esta disjunção não é da mesma natureza daquela existente em determinados bolsões em que a lógica familiar e privada é substituída por normas de convivência implementadas por grupos paraestatais em que, aí sim, vigora a lei do mais forte.

A autonomia das instituições legais e sua capacidade efetiva de afetar processos e comportamentos organizacionais e individuais tem peso historicamente significativo na garantia dos direitos de cidadania nas operações das agências públicas de controle social.

Um segundo determinante do controle da polícia é a força e a capacidade de ação efetiva de movimentos sociais de defesa dos direitos civis.

Certamente no cômputo dos custos de se acionar o estado está uma orientação motivacional que demarca nitidamente uma linha divisória entre o nível formal legal e o âmbito das relações pessoais, marcada por uma enorme bolha de indiferença em relação a um estado excessivamente legislador e regulatório.

Mecanismos de controle operam em vários níveis, nos quais a estrutura legal convive ao lado de regras organizacionais, das normas advindas de forças sociais, dos contratos controlados pelas partes interessadas e da dimensão ético-pessoal.

A indignação moral somada à perplexidade diante da brutalidade das facções criminosas e da solidariedade das populações a este tipo de ação, das incertezas da punição de predadores e da ineficiência agregada do sistema de justiça criminal não devem inibir a consideração realista do estado e suas organizações como instrumentalidade institucional de provisão de justiça e paz.

E, finalmente, não poderíamos deixar de alertar que a repressão, o combate ao crime organizado é salutar para a prevalência do Estado democrático de direito, e, por outro lado, a omissão, a conivência, tanto dos cidadãos quanto dos órgãos governamentais, relativamente às práticas criminosas, causa temor e compromete a estrutura do estado o que requer ações enérgicas das autoridades que muitas vezes preferem a omissão, que, nas palavras de Martin Luther King: "O que mais preocupa não é nem o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons".


Referências Bibliografias

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Notas

  1. BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.
  2. V. Ob. cit., p. 36-37
  3. Autor da conhecida obra intitulada "A luta pelo direito".
  4. V. ob. cit., p. 57.
  5. V. ob. cit., p. 103.
  6. LAFER, Celso. Reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hanna Arendt. São Paulo, Cia. das Letras, 1988.
  7. V. ob. cit., p- 233.
  8. MARTINS, José de Souza. O Poder do Atraso. Ensaios de Sociologia da História Lenta. São Paulo, Editora Hucitec, 1994. p. 35.
  9. SCHILLING, Flávia. Corrupção, crime organizado e democracia. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 13/2, 2000.
  10. V. ob. cit. p. 80.
  11. BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986. p. 89
  12. V. ob. Cit., p. 103.
  13. V. ob. Cit., p. 86
  14. LAFER, Celso. Reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hanna Arendt. São Paulo, Cia. das Letras, 1994, p. 233

Autor

  • José James Gomes Pereira

    Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí. Curso de Formação de Oficiais pela APMPE em Paudalho, Pernambuco. Especialista em Direito Processual Penal pela Universidade Federal do Ceará. Desembargador no e. Tribunal de Justiça do Estado do Piauí. Especialista em História Política do Piauí pela Universidade Estadual do mesmo estado. Professor Universitário. Mestre pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universida del la Museo Argentino - UMSA e Pós-Doutorando em Direito Constitucional. Università deglí Studí Messína. Itália.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, José James Gomes. As organizações criminosas e seus reflexos na democracia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2636, 19 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17431. Acesso em: 4 maio 2024.