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A responsabilidade estatal pelo reconhecimento e regulação das uniões e do casamento homoafetivo.

O atendimento aos mandamentos constitucionais

A responsabilidade estatal pelo reconhecimento e regulação das uniões e do casamento homoafetivo. O atendimento aos mandamentos constitucionais

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Todo e qualquer país que se diga democrático e guardião dos direitos humanos não deve, nem pode, compactuar com discriminações arbitrárias.

SUMÁRIO: Introdução; 1. Homoafetividade e proteção constitucional; 1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana; 1.2 Princípio da liberdade; 1.3 Princípio da igualdade; 1.4 Princípio da não discriminação em razão do sexo; 1.5 Princípio da afetividade; 1.6 Princípio da pluralidade familiar; 2. Solução paliativa: possível analogia com a união estável, interpretação extensiva do mesmo instituto ou criação de figura jurídica própria; 3. Solução ideal: a necessidade de se conceder aos casais homossexuais o direito de contrair casamento; 3.1 Da inoperância da "teoria da inexistência" no Brasil e da inconstitucionalidade de uma suposta "proibição implícita"; Considerações Finais.


Introdução

Toda temática relativa à sexualidade parece ser revestida de uma certa "aura de silêncio" [01], provocando intensas inquietações e uma quase insaciável curiosidade. Acaba por existir a propensão de conduzir e de controlar o exercício da sexualidade, culminando com a tentação de a sociedade enxergar a moral puramente em termos de comportamento sexual. Note-se, porém, que a homossexualidade é atualmente, por muitos, vislumbrada como uma parte da personalidade de alguém, algo inerente à sua pessoa. [02] A identidade sexual deve ser vista como uma chave central para o livre desenvolvimento da personalidade humana e a orientação sexual não é um problema de escolha, opção, mas algo que está nas "profundas raízes da sexualidade humana". [03]

Fugindo dos dogmas enraizados na sociedade, pode-se afirmar que o estágio atual da estrutura social traduz-se em uma modernidade líquida. [04] Assim, distintas formas de expressar e vivenciar o afeto, diferentes maneiras de compartilhamento de vida emergem e demandam reconhecimento jurídico e da coletividade.

Por muito tempo, a homoafetividade foi estigmatizada, restando os homossexuais confinados num universo paralelo, marginalizados. Todavia, nos últimos anos a sociedade vem se mostrando um tanto mais tolerante e, paulatinamente, vem modificando a sua forma de encarar as relações entre iguais. Destarte, os homossexuais começaram a adquirir visibilidade no mundo hodierno e passaram a buscar justiça. E esse anseio de justiça se conecta com a busca da felicidade, interligada com o reconhecimento de direitos igualitários e da sua dignidade, sem distinções de qualquer natureza. [05]

A preocupação com a regulação das uniões homoafetivas integra a agenda do pensamento jurídico mundial. Hoje, muitos países do mundo deixaram "cair a venda" outrora existente para ignorar os vínculos homoafetivos. os relacionamentos homoafetivos sempre existiram e, dia após dia, demandam soluções judiciais e legislativas. E democracias constitucionais como Brasil reconhecem cada vez mais que as reivindicações dos homossexuais são baseadas em direitos constitucionais fundamentais que são, por sua vez, alicerçados no respeito aos direitos humanos.

Mas onde está o reconhecimento, a normatização e regulação de tais vínculos em nosso Estado?

Numa lógica de Estado Democrático de Direito, é possível asseverar que o ordenamento jurídico em estudo possui todas as ferramentas para lidar de forma coerente e ajustada com as novas formas de arranjos familiares e afetivos que demandam a proteção da justiça. Tal possibilidade também emerge pela repersonalização do Direito das Famílias, onde se afasta da leitura substancialmente patrimonialista das relações familiares. Todo e qualquer país que se diga democrático e guardião dos direitos humanos não deve, nem pode, compactuar com discriminações arbitrárias, como é o caso da discriminação por razão de sexo ou em virtude de orientação sexual.


1. Homoafetividade e proteção constitucional

1.1.Princípio da dignidade da pessoa humana

Um Estado que se denomina Democrático de Direito deve abster-se do desrespeito aos seus princípios, devendo a Carta Magna assegurar a realização das garantias, direitos e liberdades fundamentais. Foi a Lei Fundamental da Alemanha a que primeiro consagrou a dignidade da pessoa humana como direito fundamental expressamente estabelecido. [06]

O art. 1º da Carta Magna brasileira reza que "a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; (...)".

A dignidade da pessoa humana não constitui uma criação constitucional, tendo em vista que se trata de um dado preexistente a toda tentativa especulativa, assim como a própria pessoa humana. A CF brasileira, reconhecendo sua existência e eminência, converteu-a num valor excelso da ordem jurídica como um dos fundamentos da República em estudo. [07] Para aclarar o significado da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, assevera a doutrina portuguesa [08] que se trata do reconhecimento do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República, em virtude de ocorrências históricas de tentativa de extermínio do ser humano, tais como: genocídios étnicos, escravatura, inquisição, nazismo, entre outras.

A noção de dignidade da pessoa humana abrange o núcleo existencial que é essencialmente comum a todos os seres do gênero humano. Impõe-se, no que tange à dimensão pessoal da dignidade, um dever geral de respeito, proteção e intocabilidade, sendo inadimissível qualquer procedimento, comportamento ou atividade que "coisifique" o indivíduo. [09]

Pode-se afirmar que o princípio da dignidade humana é, hodiernamente, uma das bases de sustentação dos ordenamentos jurídicos modernos. [10] É impraticável pensar-se em direitos desconectados do conceito e da idéia de dignidade. [11] Afirma-se na doutrina que "a dignidade é o pressuposto da idéia de justiça humana, porque ela é que dita a condição superior do homem como ser de razão e sentimento". [12]

Ademais, o princípio da dignidade da pessoa humana possui como essência basilar a idéia de que o indivíduo é um fim em si mesmo. É imperioso ressaltar novamente que ele não deve ser instrumentalizado, coisificado ou descartado em virtude dos caracteres que lhe concedem individualidade e estampam sua dinâmica pessoal. O ser humano, em função da sua dignidade, não pode ser vislumbrado como meio para outros fins. [13]

Como bem afirma Kant, com a sua doutrina racionalista, "no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade". [14] Complementa ainda Jorge Miranda [15] que a Constituição repousa na dignidade da pessoa humana, ou seja, na concepção que faz do indivíduo fundamento e fim do Estado e da Sociedade.

Na idéia de Ingo Sarlet, é uma missão quase impossível a de proceder a uma conceituação estática da dignidade da pessoa humana. Ele entende que o desenvolvimento cultural das coletividades e a sua conseqüente evolução são os fatores que assinalam o conteúdo do que realmente se considera como dignidade da pessoa humana e, particularmente, as condutas que a ofendem. Neste sentido, considera a dignidade humana um limite para a atuação do Estado, que não pode invadi-la, e como um dever prestacional do mesmo, que deve proceder da maneira adequada para que todos os cidadãos tenham a sua dignidade honrada por toda a sociedade. [16]

Na estruturação da individualidade de uma pessoa, a sexualidade consubstancia uma medida basilar da constituição da subjetividade, sustentáculo imprescindível para a capacidade do livre desenvolvimento da personalidade. Portanto, pode-se afirmar que as questões concernentes à orientação sexual relacionam-se de forma estreita com o amparo da dignidade da pessoa humana.

A problemática emerge, via de regra, nomeadamente em relação à homossexualidade, tendo em vista o "caráter heterossexista e mesmo homofóbico que caracteriza quase a totalidade das complexas sociedades contemporâneas". [17] A relação estabelecida entre a proteção da dignidade da pessoa humana e a orientação homossexual é direta. O apreço às feições constitutivas fundamentais da individualidade de cada um, é prescrito juridicamente na Constituição brasileira. O reconhecimento da dignidade da pessoa humana é, aliás, elemento nuclear na socialidade que assinala o conceito de Estado Democrático de Direito, que assegura aos cidadãos algo além da abstenção de imiscuições infundadas no seu âmbito pessoal: a promoção positiva de suas liberdades. [18]

Sequer considerar a possibilidade de prejuízo, desprezo ou desacato a uma pessoa, em virtude da sua orientação sexual, seria conferir tratamento indigno à pessoa humana. Não se deve, sob hipótese alguma, simplesmente ignorar a condição pessoal do indivíduo, genuinamente essencial para a sua identidade pessoal (onde se deve incluir a orientação sexual), como se tal seara não possuísse conexão com a dignidade humana. [19]

O magistrado alemão Dieter Grimm assevera que "a dignidade, na condição de valor intrínseco do ser humano, gera para o indivíduo o direito de decidir de forma autonôma sobre seus projetos existenciais e felicidade e, mesmo onde esta autonomia lhe faltar ou não puder ser atualizada, ainda assim deve ser considerado e respeitado pela sua condição humana". [20]

Assim, em nome do princípio da dignidade humana, entre outros, como discorrer-se-á adiante, direitos igualitários devem ser outorgados aos homossexuais, como o de contrair matrimônio, o direito à parentalidade, enfim, o direito de assumir sua orientação sexual sem o receio de rechaço e exclusão social. [21] E mais: é patente a necessidade da intervenção legislativa para a elaboração de leis que ofereçam segurança jurídica a essas uniões.

Este juízo possui fundamento na idéia de que a família, tutelada em diversas Constituições, está focalizada no desenvolvimento das pessoas humanas que a integram. A entidade familiar não é tutelada para si, senão como meio de realização pessoal dos seus componentes. [22]

1.2.Princípio da liberdade

Pode-se afirmar que o princípio da liberdade individual se consubstancia, hodiernamente, em uma perspectiva de privacidade, de intimidade, de livre exercício da vida privada. Liberdade se traduz, cada vez mais, na idéia de poder realizar, sem intervenção de qualquer natureza, as próprias escolhas individuais, o próprio projeto de vida, exercendo-o como melhor convier. Na feliz assertiva de Paulo Dourado de Gusmão, "o homem é, por essência, liberdade". [23] A CF brasileira estabelece em seu art. 3º, I, que "constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...)". [24]

Questiona-se então: o que falar da liberdade no âmbito da vida sexual? É possível para o indivíduo dispor de si, neste aspecto? Pode-se dizer que sim, que cada um pode conduzir a sua vida da forma que achar mais apropriada. O paternalismo, outrora vigorante nos mais diversos ordenamentos, não mais possui lugar fundamentado no sistema jurídico. Pode-se aconselhar, pode-se recomendar, mas não se pode impor o que cada adulto deve fazer com sua vida, por meio de lei coercitiva. Os deveres para consigo não devem ser impostos, apenas os deveres para com os outros se impõem.

No âmbito do presente estudo, o princípio da liberdade pode ser traduzido no livre poder de escolha ou autonomia no ato de constituir, realizar ou extinguir entidade familiar, sem coerção ou imiscuição de parentes, da sociedade ou do próprio legislador. Também pode ser vislumbrado como a liberdade de ação, baseada no respeito à integridade moral, mental e física. [25]

Neste campo específico da homoafetividade, pode-se afirmar que o princípio da liberdade se faz presente no sentido de que toda e qualquer pessoa possui a prerrogativa de escolher o seu par, independentemente do sexo, assim como o tipo de entidade familiar que deseja constituir. Nas palavras de Maria Berenice Dias, " em face do primado da liberdade, é assegurado o direito de constituir uma relação conjugal, uma união estável hetero ou homossexual. Há a liberdade de extinguir ou dissolver o casamento e a união estável, bem como o direito de recompor novas estruturas de convívio". [26]

Ao se desdobrar os direitos em gerações, ao afirmar-se que a sexualidade é um direito de primeira geração, da mesma forma que a igualdade e a liberdade, pois engloba o direito à liberdade sexual, aliado ao tratamento isonômico, idependentemente da orientação sexual, [27]é, destarte, uma liberdade individual, um direito da pessoa humana, sendo, como todos os direitos de primeira geração, imprescritível e inalienável. Trata-se de um direito natural, que acompanha o indivíduo desde o seu nascimento. [28]

Por fim, é de se afirmar que o princípio da liberdade diz respeito não somente à criação, manutenção e extinção dos arranjos familiares, mas à sua permanente constituição e reinvenção. Uma vez que a família se desconectou das suas funções tradicionalistas, é desarrazoada a idéia de que ao Estado interesse regular deveres que restringem profundamente a liberdade, a intimidade e a vida privada dos indivíduos, quando não existe repercussão no interesse geral. [29]

Como bem afirma Rodrigo da Cunha Pereira, "a verdadeira liberdade e o ideal de Justiça estão naqueles ordenamentos jurídicos que asseguram um Direito de Família que compreenda a essência da vida: dar e receber amor". [30] A liberdade consiste, afinal, na possibilidade de uma coordenação consciente dos meios necessários ao desenvolvimento da personalidade e à realização da felicidade pessoal.

1.3.Princípio da igualdade

Visceralmente ligado ao princípio da liberdade, está o principío da igualdade, uma vez que só existe liberdade se existir, em concomitância e igual proporção, isonomia. "Inexistindo o pressuposto da igualdade, haverá dominação e sujeição, não liberdade". [31]

Das palavras de Chaim Perelman, pode-se extrair o verdadeiro sentido da igualdade: "A idéia da justiça sugere inevitavelmente a todos a noção de igualdade certa". [32] Aliás, esta é mesma linha de pensamento adotada por São Tomás de Aquino, que acredita que a justiça coincide também, exatamente, com a igualdade. [33]

A Constituição Federal Brasileira estabelece no caput do art. 5º que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, (...)."

Os destinatários do princípio da igualdade são os órgãos de aplicação do Direito, os órgãos de criação deste mesmo Direito, assim como os titulares dos direitos fundamentais. Igualdade não se traduz apenas na utilização igual da lei, mas também na criação de lei uníssona para todos. [34]Como assevera Konrad Hesse, "igualdade jurídica formal é igualdade diante da lei", complementando que "o fundamento de igualdade jurídica deixa-se fixar, sem dificuldades, como postulado fundamental do Estado de direito". [35]

Já o aspecto material da igualdade se traduz na idéia de se conceder o mesmo tratamento jurídico àqueles que se encontrem em situação igual, enquanto àqueles que se encontram em situação jurídica diversa deve ser dado um tratamento diverso, em virtude da situação de desigualdade em que se encontram. [36] É a igualdade real, concreta, efetiva, nas suas múltiplas vertentes. [37]

Vale ressaltar que tal tratamento diferenciado só poderá existir na ocorrência de uma fundamentação racional que o justifique. Na falta de fundamentação válida ou no caso de esta ser insuficiente, é de se entender que, em virtude da igualdade, deve se aplicar o mesmo regime jurídico a todas as situações.

Pode-se afirmar que qualquer diferenciação pretendida deve estar bem fundamentada e possuir uma lógica e uma racionalidade compatíveis com os cânones instituídos na Carta Magna. Apartando-se desses pressupostos, qualquer discriminação ou diferenciação de tratamento poderá ser considerada inconstitucional. Questiona-se portanto: o óbice ao acesso dos homossexuais ao instituto do casamento é uma diferenciação que possui fundamento lógico-racional?

Vale ressaltar que, na ocorrência de lacunas na lei, o reconhecimento de direitos deve ser garantido por meio da analogia, cujo esteio se encontra justamente no princípio da igualdade. [38]

A determinação do tratamento jurídico igualitário entre heterossexuais e homossexuais, traduz-se na transformação da igualdade formal, da tolerância ao respeito à diversidade; do juízo de direito de minorias para a igualdade de direitos de todos os cidadãos de uma sociedade. [39]

1.4.Princípio da não discriminação em razão do sexo

Não obstante a inexistência na Carta Magna brasileira de dispositivo que expressamente vede a discriminação por orientação sexual, tal hipótese pode ser apanhada pela vedação de discriminação em razão do sexo, ao passo que ambas hipóteses dizem respeito ao âmbito da sexualidade.

É possível apontar que a discriminação por orientação sexual configura uma hipótese de diferenciação baseada no sexo do indivíduo para quem alguém endereça seu afeto, uma vez que a caracterização de uma ou outra orientação sexual é resultado da combinação dos sexos daqueles envolvidos no relacionamento. [40]

É mister relembrar que a falta de expressa previsão na Carta Magna brasileira não configura óbice para o reconhecimento da vedação à discriminação por orientação sexual, uma vez que a parte final do art. 3º, IV, da Lei Maior expressamente prevê a proibição de "quaisquer outras formas de discriminação", além das elencadas.

Ademais, torna-se imperioso salientar que as vedações de diferenciação possuem seu esteio no enunciado geral do princípio da isonomia. Não se pode sustentar a obrigatoriedade da expressa enunciação da vedação à discriminação. Por fim, pode-se dizer que é equivocado o juízo que sustenta a taxatividade dos critérios proibitivos de diferenciação. [41]

1.5.Princípio da afetividade

O princípio da afetividade é considerado pela doutrina constitucionalmente implícito [42] e específico do direito de família, que não deve ser vislumbrado como um simples projeto ético ou proclamação retórica. [43] Tal princípio, também considerado como o da supremacia do elemento anímico da affectio nas estruturas familiares, pode ser retirado da exegese teleológica e sistemática de diversos dispositivos da Carta Magna brasileira. [44]

No entendimento de Paulo Lôbo, são encontrados na Lei Maior fundamentos substanciais do princípio da afetividade, característicos da aguda evolução social da família. Para citar apenas algumas situações: a igualdade entre os filhos, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º); a adoção - escolha afetiva -, elevou-se a plano igualitário de direitos (art. 227, § 6º e § 7º); a família monoparental, natural ou adotiva, possui a mesma dignidade e é tão protegida quanto a família matrimonializada (art. 226, § 4º); a convivência familiar (fala-se em família, mas não necessariamente em família biológica) é prioridade absoluta assegurada à criança e ao adolescente (art. 227). [45]

Note-se que a simples presença de tais dispositivos na Lei Maior leva ao entendimento de que a tônica e o sustentáculo das relações familiares saiu de uma lógica de patriarcado, hierarquia, biologismo e proteção das relações patrimoniais, para uma lógica de afetividade.

Desta forma, fazendo-se uma correlação entre os princípios da liberdade, o da não-discriminação (por razão de sexo) e o da igualdade, pode concluir-se que as uniões homoafetivas também estão sob o manto protetor do princípio da afetividade.

Note-se que, em virtude do disposto no art. 1.511 do CC brasileiro, [46]a tônica do vínculo matrimonial gira em torno do afeto (plena comunhão de vida). Com mais propriedade ainda, é de se afirmar que a affectio é o núcleo caracterizador das relações entre companheiros, especialmente por força da informalidade do vínculo jurídico existente entre eles. Assim, parece arrazoada a idéia de que a afetividade também é princípio infraconstitucional que norteia os vínculos amorosos entre pessoas do mesmo sexo, uma vez que tais relações, em sua essência, são iguais às ligações heterossexuais supra descritas.

É de se concluir que, na atualidade, o afeto passou a possuir valor jurídico e o princípio da afetividade é um dos elementos norteadores do Direito das Famílias. A família transmudou-se, despontando novos modelos familiares, pautados pela igualdade na relação de sexo e idade, mais flexíveis em diversos aspectos, mais sujeitas ao desejo e menos às regras. [47]

1.6.Princípio da pluralidade familiar

A pluralidade de formas de constituir família simboliza uma grande ruptura com o modelo único familiar, instituído pelo matrimônio. Aceitar que outras formas de vínculos merecem igualitariamente a proteção jurídica, origina o reconhecimento do princípio do pluralismo e da liberdade que personifica a sociedade hodierna. [48]

Emana da CF de 1988, através do seu art. 226 – que deve ser tido como um dispositivo exemplificativo e de inclusão – a base para a aplicabilidade do princípio da pluralidade de família. Também deve se ter em conta o respeito aos princípios da liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana. Desta forma, diante da interpretação constitucional e da aplicação do princípio da pluralidade das formas de família, é mister que seja tutelada todo grupo que, pelo vínculo afetivo, se apresente como família. Tal princípio deve ser vislumbrado, portanto, como o reconhecimento estatal da existência de várias possibilidades de arranjos familiares, entre os quais se apresenta a família homoafetiva.

Como bem afirma Rodrigo da Cunha Pereira, a melhor hermenêutica civil constitucional vai em direção à caracterização das uniões entre pessoas do mesmo sexo como família. No entendimento do jurista, a importância da aplicação do princípio da pluralidade de formas de família às uniões homoafetivas ultrapassa a barreira da mera salvaguarda de direitos patrimoniais, previdenciários ou pessoais. Tal importância reside na desmarginalização e legitimação desses vínculos familiares, traduzindo-se no cumprimento da cidadania em correlação com o macroprincípio da dignidade da pessoa humana. [49]

O princípio da pluralidade familiar se desdobra no princípio da igualdade das entidades e no princípio da liberdade de escolha, podendo ainda ser apontado como uma das formas de materialização do princípio da dignidade da pessoa humana. Como adverte Paulo Lôbo, "consulta a dignidade da pessoa humana a liberdade de escolher e constituir a entidade familiar que melhor corresponda à sua dignidade existencial. Não pode o legislador definir qual a melhor e a mais adequada". [50] Destarte, a liberdade do núcleo familiar deve ser vislumbrada como liberdade do indivíduo de constituir a família de acordo com a sua própria opção e como liberdade de nela desenvolver a sua personalidade.

A exclusão de outras formas de família não reside na Carta Magna, mas na interpretação que lhe é conferida. É de se entender que, quando a legislação ordinária não conceder tratamento jurídico a determinada entidade familiar, ela deve ser governada pelas regras e princípios constitucionais e pelas regras e princípios gerais do direito das famílias. Não existem, portanto, regras únicas, modelos unificados ou preferenciais. O que unifica tais núcleos familiares é a existência da afetividade e da tutela da personalidade daqueles que as integram. [51]


2. Solução paliativa: possível analogia com a união estável, interpretação extensiva do mesmo instituto ou criação de figura jurídica própria

A analogia [52] pode ser conceituada como um processo revelador de normas implícitas. O alicerce da analogia se encontra na igualdade jurídica, posto que o processo analógico se traduz em um raciocínio fundado em razões relevantes de similitude, baseando-se na identidade de razão, que é o fator justificador da aplicabilidade da norma em casos não previstos, mas essencialmente semelhantes. Contudo, não há o intuito de investigar o exato significado da norma, partindo apenas do pressuposto que o caso sub judice, não obstante estar fora do enquadramento legal [53], deve cair sob a égide do dispositivo, por similitude de razão. [54]

Como já referido, o Direito deve acompanhar o momento vivido pela sociedade. Observando-se os momentos históricos da Humanidade, pode-se dizer que o fato social antecede o jurídico, e a jurisprudência precede a lei. No caso da omissão legislativa, deve o julgador procurar as respostas em outras relações jurídicas, cujas circunstâncias de fato apresentem semelhança com a situação do caso concreto. Como já diria Carlos Maximiliano, "força é adaptar o Direito e esse mundo novo aos fenômenos sociais e econômicos em transformação constante, sob pena de não ser efetivamente justo – das richtige Recht, na expressão feliz dos tudescos". [55] E a analogia pode muito bem ser um instrumento valioso para o vazio legislativo existente, o já mencionado fosso assombroso que existe entre o mundo jurídico e a realidade.

Dentre todos os institutos que se encontram normatizados no ordenamento jurídico brasileiro, é indubitável a semelhança entre a união homoafetiva e a união estável. A doutrina majoritária, assim como boa parte da jurisprudência, vai pelo caminho de aplicar a normativa relativa à união estável às uniões homoafetivas, por analogia. Entretanto, a contrario sensu, há quem entenda existir impossibilidade de tratamento analógico da questão, argumentando que a lei não é omissa, em virtude do art. 226, § 3º da Constituição Federal estabelecer que: "Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento".

Essa corrente doutrinária socorre-se de vários argumentos. Indubitavelmente, o mais utilizado diz respeito à dualidade de sexo supostamente exigida pela Carta Magna, para caracterização da união estável. Todavia, se tal entendimento prosperasse, [56] oriundo de uma leitura autônoma e desconectada dos mandamentos constitucionais [57], poder-se-ia afirmar que estaria em causa a problemática das normas constitucionais inconstitucionais, teoria criada por Otto Bachof. [58] Sobre a questão, assevera o jurista português Jorge Bacelar Gouveia que são inconstitucionais "as normas constitucionais que coloquem em questão o âmbito de eficácia de outra normas constitucionais que reflictam directamente considerações axiológicas supra-positivas". [59] Entretanto esta teoria não possui aplicabilidade no Brasil.

Assim, na situação em causa, ocorre incompatibilidade entre normas constitucionais, nomeadamente entre o disposto no art. 226, § 3º e os princípios da isonomia, da dignidade da pessoa humana, entre outros. Essa "tensão" é denominada de conflito aparente [60], em virtude da presunção de que todas as normas constitucionais emanadas do Poder Constituinte Originário são compatíveis entre si. [61] E em virtude do princípio da unidade da Constituição e do entendimento de que os "choques" entre as normas constitucionais em questão são aparentes, a idéia é promover uma harmonização do texto, através da interpretação do "conjunto da obra". [62] As ferramentas? Analogia ou interpretação extensiva. Desta forma, entendendo-se ou não a dualidade de sexos como requisito para configuração da união estável, a analogia ou a interpretação extensiva serão sempre cabíveis.

Há ainda quem defenda que na ocorrência desse conflito "aparente" entre uma norma constitucional (art. 226, § 3º) e os princípios que a norteiam (dignidade da pessoa humana, igualdade, liberdade, etc.), por uma questão de razoabilidade e coerência, desde que a norma constitucional se evidencie contrária a um princípio constitucional, há-de haver prevalência do princípio. [63] Ademais, como já referia há tempos Norberto Bobbio, é lícito integrar uma "norma deficiente" [64], socorrendo-se do denominado "espírito do sistema, mesmo indo de encontro àquilo que resultaria de uma interpretação meramente literal". [65]

Pode-se ainda suscitar a idéia de que existe um desajuste entre a letra da norma e o "espírito" da mesma, ou seja, entre a vontade expressa e a vontade presumida do legislador, no sentido de que a formulação da norma em questão não abarca todos os casos que o legislador intentava disciplinar. [66]

Seja pelo juízo de existência de conflito aparente das normas, seja pela idéia de que houve omissão legislativa, qualquer entendimento leva ao mesmo caminho. A aplicação da normativa referente à união estável será possível. [67]

Retirando-se o requisito da dualidade de sexo dos conviventes na união estável, não haveria disparidade alguma entre os relacionamentos heterossexuais e homoafetivos. Como bem se adverte na doutrina, ambos são vínculos que têm sua origem no afeto, havendo identidade de propósitos, qual seja a concretização do ideal de felicidade de cada um. [68] Destarte, se dois indivíduos possuem vida em comum, fundada na assistência mútua, cuja característica principal do convívio é o amor e o respeito, além do objetivo de constituir família, a identidade de sexos dos parceiros não pode constituir óbice para a outorga de direitos e obrigações recíprocas. A notoriedade, a publicidade, a coabitação, o respeito mútuo são sinais patentes de uma verdadeira comunhão de afetos. [69]

As uniões entre pessoas do mesmo sexo ainda se encontram à margem da lei, assim como também já estiveram as uniões estáveis antes do reconhecimento estatal. Até alcançar o patamar constitucional, longo foi o caminho percorrido pelo instituto da união estável. Por longos anos, as relações não oriundas do matrimônio foram o alvo de intensas críticas e discriminação por parte da sociedade.

Na seara sexual e afetiva das relações humanas, a chancela estatal sempre foi, tão-somente, conferida ao sexo dentro do matrimônio, sub-dividindo as relações em legítimas e ilegítimas. Com a mudança dos costumes e uma renovada compreensão da sexualidade humana, com base na psicanálise, tal raciocínio não perdurou. Assim, os indivíduos passaram a possuir liberdade de escolha [70] para estabelecerem seus relacionamentos afetivo-sexuais.

Não obstante essa liberdade, e também o fato de a Carta Magna reconhecer outras entidades familiares, o assunto continua envolto em preconceitos e tabus. Como afirma Rodrigo da Cunha Pereira, "é que a sexualidade é da ordem do desejo. O desejo é inconsciente e é também da ordem da fantasia e da subjetividade do sujeito". [71]

Assim, é fundamentadamente propositado o juízo de que, na falta de lei especifica, deve ser aplicada analogicamente às uniões homoafetivas a normativa relativa à união estável, em respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia, além dos princípios gerais de Direito.

Apesar do embaraço legislativo, o Superior Tribunal de Justiça garantiu às uniões de pessoas do mesmo sexo acesso à justiça, ao apartar a extinção do processo sob o argumento da impossibilidade jurídica do pedido. [72] Por 3 votos a 2, a 4ª Turma do STJ admitiu a possibilidade jurídica do pedido de reconhecimento de união estável entre pares do mesmo sexo e determinou que a Justiça do Estado do Rio de Janeiro retomasse o julgamento de ação envolvendo um brasileiro e um canadense, que foi extinta sem conhecimento do mérito. Note-se que a Corte não julgou a improcedência ou procedência da ação, mas tão somente a possibilidade jurídica do pedido. O mérito deverá ser julgado pela Justiça do RJ.

Seja fazendo analogia com a união estável, seja utilizando a interpretação extensiva, seja invocando os princípios constitucionais que garantem o direito à igualdade e o respeito à dignidade, o fato é que os avanços estão se consolidando.

Tais avanços, todavia, não suprem o direito à segurança jurídica que só a lei outorga. Destarte, existe a factual e urgente necessidade de buscar a introdução da regulação das uniões entre pessoas do mesmo sexo no sistema jurídico brasileiro. Como já referido anteriormente, o silêncio é a forma mais perversa de exclusão, pois impõe constrangedora invisibilidade que afronta alguns dos mais elementares direitos, como o direito à cidadania e à dignidade, base de qualquer Estado que se diga Democrático de Direito. [73]

Há quem entenda que a possibilidade de reconhecer as uniões homoafetivas, de fato e de direito, como uniões estáveis só acontecerá na ocorrência de uma Emenda à Constituição, com o propósito de retirar a sentença "entre o homem e a mulher". [74] Entretanto, este não é o único caminho possível a ser seguido. Note-se que obter êxito com uma PEC não constitui tarefa fácil, tendo em vista o longo e moroso caminho a ser seguido, que pode perdurar por anos.

Assim, com o objetivo de equiparação da união homoafetiva com a união estável, tramita desde 25 de Fevereiro de 2008 a ADPF [75] 132, de autoria de Sérgio Cabral, Governador do Estado do Rio de Janeiro. [76] A ação indica que foram violados, ao não se reconhecer as uniões homoafetivas, os princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade, liberdade, além do princípio da segurança jurídica, no RJ e em outros Estados.

Existe ainda iniciativa que, com o intuito de criação de regime jurídico próprio e, em algumas situações, equiparação à união estável tramita no Legislativo brasileiro, que é o Projeto de Lei n. 2285/2007 (Estatuto das Famílias). Será esta a solução para a questão?

Sim e não. No Capítulo IV, do Título III do Estatuto, denominado "Das Entidades Familiares", está expressamente regulada a união homoafetiva. Do art. 68 do Projeto de Lei pode-se extrair o conceito desse vínculo: "É reconhecida como entidade familiar a união entre duas pessoas do mesmo sexo, que mantenham convivência pública, contínua, duradoura, com objetivo de constituição de família, aplicando-se, no que couber, as regras concernentes à união estável". É estabelecido, no parágrafo único do citado dispositivo, que, dentre os direitos assegurados, incluem-se: guarda e convivência com a prole; possibilidade de adoção; direito previdenciário e direito à herança.

Note-se que o legislador criou uma figura jurídica autônoma mas, ao mesmo tempo, equiparada à união estável. Questiona-se: e se mesmo diante da existência de tal figura, juridicamente regulamentada, um casal homossexual ainda quiser ter acesso ao instituto do casamento? Será possível? Sim, fazendo-se uso dos mesmos argumentos utilizados para defender a possibilidade de acesso ao casamento pelo homossexuais no ordenamento jurídico vigente, argumentos estes que, inclusive, seriam mais contundentes. Note-se que no art. 21 do Estatuto das Famílias está disposto que o casamento é civil e produz efeitos a partir do momento em que os nubentes manifestam a vontade de estabelecer o vínculo conjugal e a autoridade os declara casados.

A expressão "o homem e a mulher", presente no art. 1.514 do CC atual, seria substituída por "nubentes", o que evidencia um genuíno afastamento da diversidade de sexos como pressuposto do casamento. Ademais, mais uma vez, não se encontra o fato de o par ser do mesmo sexo, como impedimento matrimonial ou causa de anulabilidade ou nulidade. [77] Para além disto, como já mencionado anteriormente, o Estatuto das Famílias consagra a equiparação das entidades familiares em seu art. 5º.

Como o Estatuto das Famílias, se aprovado, apenas revogará o Livro IV do Código Civil brasileiro (Do Direito de Família), não obstante a equiparação das entidades familiares, a união estável e, consequentemente, a união homoafetiva, ainda não estarão em grau de paridade com o casamento em um aspecto: direito sucessório. [78] Desta forma, podem os homossexuais, por este motivo ou por outro (questão de equiparação semântica, questão ideológica, etc.), ainda querer o acesso ao casamento, o que parece ser viável.


3. Solução ideal: a necessidade de se conceder aos casais homossexuais o direito de contrair casamento

O direito ao casamento, em especial, e o Direito das Famílias geralmente, se relacionam de forma direta com o exercício de diversos direitos fundamentais, como o direito à liberdade, o direito à igualdade, o direito à intimidade, assim como o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, todos eles derivados da dignidade da pessoa humana, que é um valor espiritual e moral inerente ao indivíduo, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida, e que leva consigo a pretensão ao respeito por parte dos demais. [79] E, ao contrário do que muito pós-modernistas afirmam (como o juízo de que o processo de abertura do casamento é coercitivo), pesquisas revelam que a maioria dos homossexuais gostaria de ter o direito de casar-se, especialmente pelo fato de a regulação traduzir-se em uma maior tolerância e até aceitação por parte suas famílias, das pessoas com quem trabalham e da sua comunidade. [80]

Se posicionando contra a idéia de abertura do casamento, alguns argumentam que gays não deveriam ter acesso ao matrimônio porque o casamento homossexual enfraqueceria todo o instituto. Evocam ainda o absurdo argumento de que a mulher "domestica" o homem, fazendo o casamento funcionar. Esta idéia, além de levar um juízo êrroneo de hierarquia, nos remonta a um passado de desigualdade entre os cônjuges que não mais existe. Na verdade, o casamento é um compromisso moral, renovado todos os dias através do companheirismo, amparo mútuo, afeto, que são os fatores que, de fato, vinculam as pessoas. [81]

Existem ainda aqueles contrários à idéia do casamento homoafetivo, com um discurso menos "irracional", como a doutrinadora argentina Graciela Medina, que assevera que o direito a casar-se é direito de todo homem e toda mulher a institucionalizar uma união monogâmica para fundar uma família legítima; qualquer que seja o método de interpretação que se utilize – gramatical, sociológico, lógico ou integrador – não é possível aceitar que o direito ao casamento possa ser estendido a pessoas do mesmo sexo; o direito a contrair casamento, regulado pelo direito positivo infraconstitucional admite regulamentações restritivas, sempre que estas não sejam arbitrárias; a regra segundo a qual o matrimônio só pode ser celebrado por pessoas de sexo distinto não é arbitrária porque existem razões de ordem sociológica, histórica, demográfica e de bem comum que a justificam; a limitação de celebração do matrimônio entre pessoas a pessoas de sexo diferente não afeta os direitos de personalidade dos homossexuais. Ainda afirma a conceituada jurista que os homossexuais não podem cumprir com os deveres sociais do casamento, como continuação da espécie, educação dos filhos e transmissão de valores culturais. [82]

Merece especial atenção o argumento supra referido da continuação da espécie como dever social do casamento. Note-se que é idéia arraigada na doutrina mundial que a procriação não constitui escopo do casamento. Se assim o fosse, casamento entre pessoas idosas ou entre pessoas inférteis seriam vedados. Do mesmo modo, não existe óbice algum ao casamento entre parceiros férteis que não desejem ter filhos, mas querem desfrutar dos benefícios e direitos oriundos da relação matrimonializada.

Na atual realidade social, os conceitos de casamento e família não mais se confundem. Já não existe base para qualquer postulado de conexão entre família e casamento. É sabido que o reconhecimento legal de uma família não se encontra mais restrito na lógica do casamento plus crianças. Existem pluri ou multiformas de se constituir família. E para se formar uma família, não se faz necessária a presença de prole, como já foi referido.

Os argumentos contrários ao casamento baseados na sua definição, na tradição e na religião acabam por caber na mesma categoria geral, porque cada argumento é autônomo: casamento deve continuar a ser exclusividade dos heterossexuais porque é aquilo que o casamento é; porque é isso que o casamento sempre tem sido, e porque as grandes tradições religiosas têm sempre entendido o casamento como sendo entre um homem e uma mulher.

Todavia, tais argumentos, que podem ter apelo para algumas pessoas, são frágeis. Não há como encontrar-se motivos racionais para a manutenção do monopólio do casamento heterossexual. Tais argumentos se centram em uma determinada compreensão de como as coisas sempre foram e como são neste momento. [83] Olvidam-se que a sociedade está em movimento constante e a lei e as normas não podem restar estáticas, enraizadas em juízos ultrapassados e em desacordo com o momento atual vivido pelos povos.

Note-se que, ao se combater a questão da definição do casamento, não se quer dizer que todas as definições são irracionais ou que a escolha de uma definição em relação a outra é puramente uma questão de fantasia. Obviamente, algumas definições têm mais utilidade do que outras para fins tais como, a facilidade e clareza da comunicação, a promoção da investigação científica ou o desejo de transmitir determinados valores, por meio da forma como as palavras são definidas. O argumento aqui, convém sublinhar, é simples. Não se está a defender que é irracional definir o casamento como sendo apenas entre homem e mulher. É de se afirmar que é irracional continuar a definir casamento como exclusivamente heterossexual, apenas e tão-somente porque o casamento é atualmente e recorrentemente definido como unicamente heterossexual, sem maiores fundamentos. [84]

O atrelamento à questão da tradição é igualmente falível. Um exame, ainda que superficial, da história da Humanidade, revela que este argumento é falacioso. A instituição do casamento civil, como a maioria das instituições humanas, sofreu enormes mudanças ao longo dos últimos dois milênios. Se casamento fosse o mesmo atualmente, como o foi nos últimos dois mil anos, seria possível casar-se aos doze anos de idade, com uma pessoa desconhecida, por via de um casamento "arranjado"; o marido ainda poderia vislumbrar a própria esposa como propriedade e dispor dela à vontade; ou uma pessoa poderia ser condenada à prisão por ter se casado com uma pessoa de raça diferente. E, obviamente, seria impossível obter um divórcio, apenas para citar alguns exemplos.

É certo que existem perigos na definição da família com base nos direitos individuais, sem ter em conta os entendimentos tradicionais. Todavia, o respeito à tradição pode constituir um motivo de precaução, não de imobilismo ou inércia. Até mesmo o notável filósofo e historiador Edmund Burke, ativo participante do grupo dos que têm alertado para as consequências de ignorar a tradição, asseverou que as instituições tradicionais podem e devem mudar. [85]

Da mesma forma, pode-se dizer que a questão da moral predominante ou concepções majoritárias tampouco pode servir de alicerce para vedação ao casamento homossexual. Neste sentido, questiona Ronald Dworkin: Será que uma "maioria moral" pode limitar a liberdade de cidadãos individuais sem uma justificação melhor do que a de desaprovar suas orientações pessoais? [86]

Tampouco pode-se vislumbrar a religião [87] como uma base racional para vedar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Não se está a propor que comunidades de fé sejam obrigadas a alterar as suas definições de casamento. A questão em apreço é apenas o casamento civil. P.e., existindo a separação entre a Igreja e o Estado, algumas religiões podem proibir o divórcio. Mas divórcio civil ainda é legal.

Ressalte-se que nada disto é para dizer que as atuais definições de casamento não são razoáveis, que o respeito pela tradição é irracional ou que a oposição de algumas religiões ao casamento do mesmo sexo é ilegítimo. Mas é imperioso afirmar que a definição, a tradição e a religião, per se, não constituem bases racionais para alicerçar a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Estreitamente relacionado com a religião, mas formalmente distinto dela é o Direito Natural, que segundo agurmentam, está enraizado na natureza tanto divindade, como natureza humana. Um dos nomes mais expoentes dessa corrente, John Finnis, assevera que o casamento é um bem humano intrínseco que a união homoafetiva simplesmente não consegue alcançar. O entendimento dessa corrente é maculado por problemas severos de lógica. Finnis enfatiza que gays e lésbicas não podem ter filhos um do outro. Os casais heterossexuais estéreis ou de idade avançada também não podem. Então porque proteger as relações entre heterossexuais, mas não as relações sexuais entre homossexuais? Obviamente, nenhuma das duas diz respeito a um ato reprodutivo.

Esta é uma pergunta difícil para todos os defensores deste juízo, porque nem todos os heterossexuais possuem capacidade reprodutiva, tanto que existem as técnicas de PMA. E a sugestão de que as pessoas que não possuem a capacidade de ter filhos devem ser impedidos de casamento parece tão cruel que é rechaçada por todos os lados. Desta forma, usar tal argumento como óbice ao casamento entre pessoas do mesmo sexo é utilizar-se de um duplo standard, um exemplo clássido de "dois pesos e duas medidas" para a mesma situação.

Avançando-se um pouco na matéria, os argumentos mais freqüentes em defesa do reconhecimento do casamento entre casais do mesmo sexo, como já referido, se situam em três órbitas, a saber: a dignidade da pessoa humana e o livre desenvolvimento da personalidade em condições de igualdade, o direito à intimidade e o direito à liberdade.

Hodiernamente, o direito a contrair matrimônio, sustenta-se na doutrina, converteu-se em uma exigência dos cidadãos de hoje. [88] Demanda esta que constitui um marco de realização pessoal, que objetiva que aqueles que possuem uma orientação afetivo-sexual por pessoas do mesmo sexo possam desenvolver sua personalidade e seus direitos em condições de igualdade. Note-se que um indivíduo optar ou não por aceder a um instituto é uma questão diferente de ter a opção - como um cidadão livre e igual - de poder casar com a pessoa de sua escolha. [89]

É suficiente uma passada de vistas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, [90] que em seu art. XVI, 1., dispõe que "os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família". Diante de tal dispositivo, algumas dúvidas emergem, a saber: quem seriam todos aqueles que possuem direito a contrair matrimônio? O homem e a mulher? Sim, isto é claro. Mas seria: apenas o homem com a mulher, a mulher com o homem? Ou qualquer deles com mulher ou homem? [91]

Nas palavras de Janet Halley [92], existem quatro formas básicas de argumentar que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é justificado pelo direito a casar. Os quatro direitos assegurados são: o direito a escolher um parceiro conjugal sem a interferência do Estado; o direito de escolher o casamento como forma de um relacionamento íntimo; o direito a ser livre de discriminação com base em sexo ou orientação sexual no acesso ao matrimônio; bem como o direito fundamental do casamento.

Há algum tempo atrás, a hipótese de aceitação do matrimônio entre pessoas do mesmo sexo poderia ecoar "ao estilo de música futurista", sendo o panorama atual manifestamente distinto, em especial na seara do direito comparado. [93] Note-se que há quem entenda que o caminho trilhado para a aceitação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, parece ser o mesmo traçado para que se atingisse a igualdade entre homem e mulher ou fosse permitido o casamento entre pessoas de raças diferentes. [94] É mister ressaltar que para essa corrente doutrinária, o sexismo, o racismo e a homofobia possuem um fator em comum: as três situações configuram exemplos de "escravatura moral". [95]

Para alguns, tal argumento poderia ser considerado falacioso. Todavia, tal analogia não é desarrazoada. À época da proibição dos casamentos interraciais, os negros (p.e.), não eram proibidos de casar. Só não o podiam fazer com pessoas de raça distinta. [96] Era a denominada doutrina "separated but equal". A mesma lógica se aplica aos homossexuais: tais indivíduos podem se casar, desde que não seja com pessoa do mesmo sexo. Em suma: factualmente não podem se casar, pois não desejam contrair matrimônio com um indivíduo de sexo distinto.

Para além disso, se o casamento for articulado além do "decreto circular" que o restringe a um homem e uma mulher, então o motivo de ser algo privatido dos heterossexuais desaparece. [97] O cerne do contrato público é uma ligação emocional, financeira e psicológica entre duas pessoas; nesse sentido, héteros e homos são iguais. A heterossexualidade seria algo intrínseco do casamento apenas se este fosse entendido como tendo a procriação como um dos seus objetivos, mas essa definição tem sido desde há muito abandonada na sociedade ocidental.

Os direitos civis e os movimentos de libertação da mulher pavimentaram o caminho para a possibilidade de abertura do casamento a casais do mesmo sexo. Em outras palavras, sem a mudança nas concepções sobre raça e gênero arraigadas na sociedade, e as consequentes reformas legais que foram trazidas pela lutas de minorias raciais, e das mulheres para a igualdade, estar discutindo sobre a possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo sexo não seria sequer possível.

Há quem sustente que a criação de figuras jurídicas próprias, como as parcerias registradas e as parcerias domésticas seria suficiente para o reconhecimento dos direitos dos homossexuais. Mas note-se que, muitas vezes, os efeitos desses institutos são limitados, se cingindo, via de regra, aos aspectos patrimoniais das relações de afeto. Todavia, a idéia não é de se fazer uma incursão num ultra-conservadorismo fundamentado na manutenção do status a quo, em virtude do "jogo" de distinções interesses versus reconhecimento, o que levaria tão-somente a uma violação dos interesses (patrimoniais) e do reconhecimento (dos homossexuais como entidade familiar fundada no afeto). Se vão existir figuras próprias [98], ótimo, pois podem conviver harmonicamente com o instituto do casamento. Que seja uma opção a mais de organização de vida dos parceiros, não a única. A prerrogativa de escolha que é conferida aos heterossexuais deve ser estendida aos homossexuais: casar ou não, ser uma questão de preferência do casal. É o princípio da liberdade se fazendo presente, traduzido na liberdade de escolha do modelo de regulação jurídica ao qual um vínculo afetivo será submetido.

E mais: a igualdade só vai existir, de fato e de direito, quando ocorrer a abertura do casamento para todos, independentemente da orientação sexual. Destarte, parece ser defensável a idéia de que os homossexuais não desejam a criação de "direitos especiais", mas sim ter acesso a direitos iguais, entre eles, o direito a casarem-se. Complementa-se ainda na doutrina que existe algo inegavelmente estigmatizante sobre os homossexuais serem excluídos do status cultural da palavra "casamento". [99]

Para além disso, quando os homossexuais evidenciam que a proibição ao casamento está a prejudicá-los legalmente, economicamente e emocionalmente, a sociedade é obrigada a explicar a razão pela qual este aspecto particular do casamento - heterossexualidade obrigatória - deve permanecer inalterado, quando tantos outros aspectos mudaram drasticamente. Uma justificação consistente parece inexistir. [100] O que emerge por todos os lados são argumentos débeis e facilmente ultrapassáveis, como os indicados no início do presente tópico.

Ademais, tal permissão traria a mensagem de que casamento homossexual é uma condição desejável, até mesmo nobre para se viver. Claramente, a sociedade transmite uma mensagem de que o relacionamento conjugal deve ser respeitado, por isso, se o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo passarem a ser permitidos, a mensagem seria que essas relações são dignas de respeito. [101]

É fato patente que existe na Constituição Federal a consagração de um direito fundamental ao casamento. A questão que se coloca é a seguinte: por que o matrimônio homossexual não está inserido no âmbito de aplicação deste direito fundamental? Quid faciendum?

3.1 Da inoperância da "teoria da inexistência" no Brasil e da inconstitucionalidade de uma suposta "proibição implícita"

Antes de mais nada, cabe salientar que o Código Civil leva à conclusão, a priori, de que o casamento é instituto exclusivamente reservado a pares heterossexuais, em virtude da locução "homem e mulher" presente em diversos dispositivos, como os artigos. 1.514, 1.517, caput, e 1.565 do referido Diploma.

Entretanto, note-se que se trata de presunção, uma vez que o CC brasileiro não possui uma definição de casamento como sendo a união entre homem e mulher. A Constituição Federal tampouco traz uma definição de casamento ou explicita que a diversidade de sexos é requisito para a existência do mesmo. Limita-se a determinar que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. [102]

Questiona-se: a simples existência dos termos homem e mulher são capazes de apartar os homossexuais da possibilidade de contraírem casamento? Existem algumas correntes sobre a questão: a que entende que o casamento civil está somente, e tão somente, reservado aos casais heterossexuais, sendo o casamento entre pessoas do mesmo sexo, inexistente. [103] Nesta mesma linha de raciocínio, há ainda quem argumente que existe no ordenamento brasileiro uma "vedação implícita" ao casamento homossexual.

Por outro lado, há quem defenda que o casamento civil está restrito aos pares heterossexuais por omissão legislativa e que, sendo essa omissão suprida pela interpretação extensiva da lei ou analogia, o casamento civil estaria aberto aos homossexuais. Há os que apontam uma flagrante inconstitucionalidade dos artigos supra referidos do CC brasileiro, devendo tais normas ser afastadas pelo controle difuso ou pelo controle concentrado de constitucionalidade, oferecendo-se, assim, a possibilidade de os homossexuais contraírem matrimônio. [104] Por fim, há ainda quem defenda a criação de uma figura jurídica própria, que não se confunda com o casamento, união estável ou concubinato. [105]

Boa parte da doutrina brasileira é homogênea relativamente à indicação das três hipóteses de "inexistência de casamento", a saber: a falta de autoridade celebrante, a ausência de consentimento das partes e a falta de diversidade de sexo dos nubentes. Esta última questão é a que possui basilar importância para o presente estudo.

O art. 1.514 do CC brasileiro dispõe que "o casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer o vínculo conjugal, e o juiz os declara casados".

O fundamento da doutrina e jurisprudência majoritária, que entende "inexistir" o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, reside, primordialmente, na leitura do dispositivo supracitado. Entende-se que, em virtude de ausência de referência expressa ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, a diversidade de sexos constitui uma "condição de existência" no casamento civil. Note-se, entretanto, que mesmo os defensores da "teoria da inexistência" confirmam que não se encontra, no ordenamento brasileiro, texto legal que consagre esse juízo [106], o que deveria levar ao apartamento automático desse entendimento por patente falta de fundamento normativo que a legitime.

Todavia, pode-se alegar ainda, falaciosamente, que os pressupostos fáticos para a existência do casamento (entre eles, a dualidade de sexos), seriam tão manifestos que dispensariam qualquer referência legislativa. Tal entendimento não deve prosperar, por ferir os princípios da legalidade e da segurança jurídica. [107] Para além disso, o casamento entre pessoas do mesmo sexo não é proibido explícita ou implicitamente – como se verá adiante – pelo ordenamento brasileiro; assim, no desejo que tal ato jurídico não produza efeitos, o mesmo deverá ser inserido em alguma hipótese de nulidade ou anulabilidade, sob pena de não ter eficácia jurídica o afastamento dos efeitos jurídicos dele oriundos.

A teoria do casamento inexistente, no Brasil, terminou por ser arquitetada em virtude da omissão legislativa e da recusa em se conceder validade ao casamento homossexual, não obstante a inexistência de proibição para tal ato na lei, ou de um dispositivo legislativo que indique a inexistência do matrimônio, como é o caso de Portugal. Ou seja, em território brasileiro trata-se de uma construção meramente doutrinária, sem respaldo legal.

O argumento da dualidade de sexos como requisito essencial para o casamento se tornou ineficaz a partir do momento em que outros ordenamentos passaram a admitir o casamento entre duas pessoas, independentemente da sua orientação sexual. Ora, a reprodução deixou de ser finalidade do casamento e a necessidade de dualidade de sexo não está na lei brasileira. Na opinião de Maria Berenice Dias, tal exemplo até poderia servir há tempos atrás, mas hodiernamente se tornou "imprestável para tal fim". [108]

Ultrapassada a "teoria da inexistência", contrariamente ao casamento homossexual, argumenta-se ainda que um par do mesmo sexo apenas poderia contrair matrimônio se a legislação fosse expressa nesse sentido, o que não ocorre em virtude da expressão "o homem e a mulher", presente no Diploma Civil brasileiro. Diante de tal fato, vislumbra-se, portanto, uma vedação implícita, em virtude, novamente, da redação do art. 1.514 do CC, entendimento que contraria o disposto no art. 5º, II da Carta Magna brasileira. [109]

A doutrina favorável ao reconhecimento do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, no Brasil, fundamenta-se na lógica de que a expressão "o homem e a mulher" não possuiria o condão de impedir o casamento entre um par do mesmo sexo. Afirma-se que os impedimentos matrimoniais são as proibições expressamente elencadas pelo CC, no art. 1.521, ou em outros dispositivos esparsos que determinam a anulabilidade ou nulidade do casamento civil. Assevera-se que a referência a homem e mulher indica apenas a regulamentação do fato heteroafetivo, sem que isso se traduza em proibição do fato homoafetivo para a mesma finalidade, que deveria ser regulado por meio da analogia ou interpretação extensiva. [110]

É de se reafirmar que a formulação doutrinária e jurisprudencial acerca da diversidade de sexos como pressuposto do casamento, é equivocada. Como bem adverte Fachin, "a matéria desborda dessa seara e não pode ser vista à luz da conhecida teoria da inexistência matrimonial, na qual fortes são os preconceitos e a rigidez". [111] Tal pressuposto só teria razão de ser, se a capacidade procriativa do casal fosse requisito para o casamento, o que não é, reafirme-se novamente.

Como já mencionado anteriormente, em virtude da máxima constitucional da igualdade, a lei que pretenda instituir um tratamento jurídico diferenciado a determinado grupo de pessoas, deve possuir uma profunda fundamentação lógico-racional que justifique a discriminação sustentada. Desta forma, a discriminação não poderá ser gratuita ou fortuita.

Ademais, cabe invocar novamente o princípio da liberdade, que, como já dizia Pimenta Bueno, no séc. XIX, é a regra geral, o princípio absoluto, o direito positivo e não a exceção. A proibição ou restrição são exceções e, por isso mesmo, necessitam serem provadas, "achar-se expressamente pronunciadas pela lei, e não por modo duvidoso, sim formal, positivo; tudo o mais é sofisma". [112]

Para além do juízo acima exposto, é de se reafirmar que, em virtude do teor do art. 5º, II da Carta Magna, não existem "proibições implícitas" no direito brasileiro, uma vez que o já citado dispositivo reza que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". No caso dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo, a legislação limitou-se a regulamentar um fato (casamento heterossexual), deixando outro sem regulação específica, tampouco sem vedação (casamento homossexual). Entende-se, portanto, que a tal "proibição implícita" inexiste, se tratando tão-somente de uma lacuna na lei, devendo-se aplicar o art. 4º da LICC. [113]

Assim, a doutrina favorável ao reconhecimento do casamento de pessoas no mesmo sexo no Brasil, termina por oferecer duas saídas: aplicação extensiva do art. 1.514 do CC brasileiro, ou, no caso de entendimento de que não existem duas situações idênticas (um par com dualidade de sexos e outro par com identidade de sexos), deverá ser aplicado analogicamente o dispositivo supracitado, uma vez que, as situações são idênticas ao menos na essência, uma vez que o elemento formador de ambas as uniões é um só: o afeto. [114]

Destarte, é imperioso reafirmar a inexistência no sistema jurídico brasileiro de qualquer proibição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. O que existe é exclusivamente uma lacuna que, como já foi referido, pode ser suprida pela interpretação extensiva e a analogia, sendo possível o reconhecimento do casamento homossexual, sem qualquer afronta ao ordenamento.

Seguindo essa idéia da possibilidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil, no ano de 2005 foi intentada Ação Civil Pública pelo MP Federal, com o intuito do reconhecimento do casamento civil homossexual. Na exordial [115], o Procurador da República, Dr. João Gilberto Gonçalves Filho, trouxe à baila alguns argumentos já referidos no presente estudo, tais como: a proibição da discriminação por orientação sexual, além do respeito à dignidade da pessoa humana.

O douto Procurador assevera que a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo nada mais é do que um dogma absolutamente enraizado na tradição cultural brasileira, qual seja, o de que o homem só pode casar-se com a mulher e vice-versa. Afirma ainda que, uma leitura isolada e equivocada dos §§ 3° e 5° do artigo 226 da CF e dos artigos 1.565 e 1.517 do Diploma Civil poderiam levar à contestável compreensão de que o casamento só pode ser mesmo realizado entre pessoas do mesmo sexo. Acrescenta que os dispositivos supra elencados deverão ser lidos num confronto sistemático com vários outros, também da própria Constituição Federal e da legislação infraconstitucional, para que da análise conjunta de todos eles possa ser extraída a norma de direito aplicável.

Assevera ainda o membro do Parquet Federal que o direito a receber do Estado brasileiro o status jurídicode pessoa casada é uma materialização dos direitos da personalidade. O fato é que, na atualidade, heterossexuais podem casar entre si, fazendo jusa esse direito da cidadania, enquanto homossexuais não podem e lhes sendo esse direito negado. Deste modo, é indubitável que o critério para conceder a uns o direito ao casamento, negando-o a outros, é a orientação sexual dos indivíduos. Nesta situação reside patente afronta ao princípio da igualdade: o Estado Brasileiro trata os cidadãos de forma diversa sem que o critério de discriminação esteja sustentado numa razão lógica inexoravelmente relevante. [116]

Na referida ação são levantadas algumas questões importantes: que mal faz à sociedade o casamento de pessoas homossexuais? Qual o bem jurídico tutelado que faria justificar a negativa estatal ao casamento de homossexuais? Pode-se dizer que a permissão ao casamento homossexual em nada afronta a Carta Magna ou o ordenamento brasileiro.

Acrescenta ainda o Procurador que "se é objetivo da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, as pessoas devem ter liberdade para escolher seus parceiros sexuais sem que essa escolha implique injustas restrições de tratamento por parte do aparato administrativo estatal. A solidariedade pressupõe acolher e dar apoio às escolhas individuais, abrindo oportunidade a qualquer pessoa para que possa concretizar o seu direito constitucional de ser feliz, mormente quando essas escolhas não atrapalham em nada os direitos individuais das demais ou os direitos coletivos em geral, como é o caso do casamento de homossexuais". [117]

Entre os pedidos da referida ação, o autor demandou a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, com intuito de possibilitar o casamento entre pessoas do mesmo sexo até o trânsito em julgado da ação. Entretanto, por não reconhecer existir periculum in mora na situação em tela, o Magistrado indeferiu a antecipação de tutela. Resta apenas esperar a sentença do caso e os eventuais (e possíveis) acórdãos que vierem posteriormente.

Note-se que a ação ainda aguarda julgamento. Entretanto, em outros processos já é possível observar manifestações de magistrados no sentido de entender ser possível o casamento entre pessoas do mesmo sexo no ordenamento brasileiro. Em duas decisões, o Juiz Roberto Arriada Lorea, da 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Porto Alegre – RS, asseverou a possibilidade do reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo no ordenamento jurídico brasileiro atual.

No primeiro caso [118], que dizia respeito à dissolução de união estável homoafetiva, o magistrado se manifestou no sentido de ser possível o reconhecimento não só da união estável, mas do casamento homossexual, nos moldes da legislação atual. [119] No segundo caso [120], o Magistrado foi ainda além, afirmando que casamento civil está disponível para todos, independentemente de orientação sexual, acrescentando que "o casamento civil é um direito humano - não um privilégio heterossexual". Ressalta, ainda, que o ordenamento jurídico brasileiro veda qualquer forma de discriminação. [121]

Como bem explicita o ilustre Magistrado, sob a égide dos princípios estabelecidos na Carta Magna brasileira, não há necessidade de se justificar o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ao revés, a negativa de acesso ao instituto jurídico do casamento às pessoas homossexuais é que deveria ser justificada. Na sua opinião, não há necessidade de "estender" o direito ao casamento aos homossexuais, pois esse direito já existe, [122] no seu entendimento. Para tanto, basta que haja um pedido formal de casamento [123] entre duas pessoas do mesmo sexo. [124]


Considerações finais

Os princípios constitucionais, explícitos e implícitos possuem um papel fundamental na proteção da homoafetividade e dos homossexuais, como indivíduos. Quando utilizados como um conjunto, possuem uma força de proteção imensurável. Todavia, vislumbrados autonomamente, também possuem o seu poder. Diante de todo o exposto, é indubitável a existência de uma responsabilidade estatal no sentido de reconhecer e regulamentar os vínculos homoafetivos, por atendimento aos mandamentos constitucionais, numa lógica racional de Estado Democrático de Direito.

Talvez o raciocínio mais coerente para a proteção de lésbicas e gays contra a hostilidade e no sentido de reconhecimento das uniões homoafetivas, seja o baseado no conceito de dignidade da pessoa humana. Por este argumento, reconhece-se o papel crucial que a expressão sexual e emocional possuem para o bem-estar dos indivíduos. Note-se que, recorrendo-se abertamente ao valor central das pessoas – a dignidade –, na realidade estão subjacentes outros valores, como respeito da vida privada, liberdade e igualdade que, por consequência, também serão respeitados.

A liberdade, nomeadamente no campo sexual, é importante como um meio (um dos mais importantes meios de expressão do afeto dentro de uma relação emocional) ou como um fim (comunhão sexual). Em qualquer caso, a liberdade é de basilar importância para os envolvidos. Os impulsos sexuais representam uma forte componente da pessoa no seu dia-a-dia, e sua supressão pode afetar o desenvolvimento do indivíduo, seu equilíbrio emocional, assim como sua própria personalidade. Pode-se afirmar que o respeito pela pessoa, considerando-a como um sujeito autônomo, exige respeito pela sua integridade, como um agente sexual, capaz de decidir por si quem será seu companheiro durante a vida, quem será a pessoa com quem formará uma família.

A igualdade em dignidade, sem igualdade de direitos não faz o menor sentido. Ventilar a possibilidade de tratamento diferenciado dirigido a alguém ou um grupo inteiro de pessoas, em virtude de sua orientação sexual, origem étnica ou credo, por exemplo, necessita de uma argumentação e justificação fortíssimas. E esse ônus recai sobre aquele que defende as diferenciações. Não existindo provas da necessidade de distinção ou se a justificação não for razoável, trata-se de discriminação arbitrária.

Relativamente aos modelos de enquandramento jurídico existentes ao redor do mundo, é indubitável que as parcerias domésticas, as parcerias registradas e outras figuras de regulamentação das uniões homoafetivas são soluções inadequadas. Ressalte-se que essa inadequação se revela e prepondera por serem opções únicas. É de acrescentar que, ainda que concedessem absolutamente todos os direitos e prerrogativas inerentes ao matrimônio, ainda faltaria uma pitada de igualdade, que remonta à doutrina norte-americana "separated but equal".

Tais figuras parecem configurar algum tipo de manobra política, para oferecer uma errônea idéia de igualdade e liberdade, mas segregando os homossexuais a um "universo paralelo". As parcerias registradas e figuras afins não constituem um compromisso para reconhecer aos casais homossexuais eqüidade em todas as esferas da vida civil e social. Sinalizam, tão-somente, a tolerância destas relações, em vez da aceitação total. Tal fator leva ao entendimento que, não obstante tais relações sejam toleradas e reguladas em alguns pontos, continuam sendo consideradas por alguns moralmente erradas e incompatíveis com a sociedade atual.

Não obstante a existência de muitos elementos comuns entre os casais hetero e homossexuais, quando se trata da liberdade no acesso ao casamento, a tendência é conceder importância às pequenas e irrelevantes diferenças, utilizadas como justificativa para a discriminação contra gays e lésbicas. A realidade é que todas as pessoas merecem a igualdade de participação e acesso ao casamento.

A desumanização e desconsideração da dignidade dos homossexuais abre alas a uma cultura que remete a uma longa história de "escravidão moral", ignorando a crescente convergência das relações humanas de todos os tipos, pautadas em um só elemento: o afeto.

Assim, a busca da plena igualdade no direito civil ao casamento parece ser preferível, tendo em vista que as figuras citadas codificam um status de "segunda classe", porque trata um grupo de cidadãos, que são iguais a todos os outros, de um modo inferior e distinto, não obstante a identidade de circunstâncias e situações.

Tal entendimento, entretanto, não significa que as outras figuras jurídicas existentes devam ser abolidas. Não. A união de facto, a união estável, a parceria registrada, o PACS, não devem ser abolidos. O que existe é a necessidade da abertura do casamento aos homossexuais como uma opção para organizar a sua vida afetiva. Como tantos casais heterossexuais, podem escolher não casarem-se por motivos de toda sorte e constituírem, por exemplo, uma parceria registrada nos países onde tal figura existe. Mas por escolha e não por falta da mesma.

Nomeadamente no Brasil, o Estatuto das Famílias prevê a criação de figura jurídica, a união homoafetiva que, não obstante tenha seu regime jurídico e nomenclatura própria, é equiparada à união estável em alguns aspectos. É de se relembrar que a existência desta figura ou qualquer outra – na eventual aprovação dos projetos de lei existentes –, deve configurar uma opção para os homossexuais estabelecerem sua vida a dois, tal e qual acontece com os casais heterossexuais.

Mesmo diante de todos os avanços jurisprudenciais observados no território brasileiro, é de se ressaltar que, num país onde a lei escrita é altamente prestigiada, é impreterível a edição de uma legislação específica – ou mudança na legislação familiarista – de forma que sejam reconhecidos os direitos cabíveis e que as uniões homoafetivas sejam reguladas em todos os planos.

Enquanto tal fato não se concretiza, tais relacionamentos restam à margem da proteção legal e à mercê da jurisprudência, que vem preenchendo essa lacuna, muitas vezes de forma ajustada, outras vezes, nem tanto. Para além disso, boa parte da jurisprudência favorável a esse tipo de vínculos se concentra nas regiões sul – primordialmente – e sudeste do país. Destarte, é indubitável que uma norma reguladora de âmbito nacional é mais do que desejada, é necessária e indispensável.

No Brasil, a proposta de "inexistência" do casamento realizado entre homossexuais é criação doutrinária. Não há respaldo legal para tal juízo. Tal situação não figura entre os impedimentos matrimoniais emanados do art. 1.521 do CC, tampouco existem proibições explícitas ou implícitas da situação. E ainda que se considerasse que a locução "homem e mulher", constantes dos arts. 1.514, 1517 e 1.565 do Código Civil, constituiriam "proibições implícitas", ao magistrado sempre cabe o controle difuso de constitucionalidade, podendo não aplicar ao caso concreto uma norma que considere inconstitucional. Todavia, já foi referido que não existem proibições implícitas no ordenamento brasileiro. Portanto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo não é proibido; assim, ainda que não consagrado explicitamente, é permitido desde já, não existindo nenhum obstáculo legal para que os homossexuais tenham acesso ao casamento, como atualmente regulamentado no ordenamento jurídico brasileiro.

Sem embargo, em nome da segurança jurídica que uma lei explícita oferece, assim como a tranquilidade de não ter que recorrer ao Judiciário por toda e qualquer eventualidade – por menor que seja – é imperioso que se editem as normas existentes, estabelecendo expressamente a possibilidade de os homossexuais contraírem casamento.

É de se fazer a ressalva que uma lei específica, regulando o casamento homossexual, se contenha qualquer distinção – por mais ínfima que seja – em relação ao casamento heterossexual, será inconstitucional, por afronta à isonomia. Destarte, meras substituições dos termos "homem e mulher" por verbetes neutros como "cônjuges" ou "consortes", seriam suficientes para exterminar toda e qualquer dúvida acerca da possibilidade do casamento homoafetivo no ordenamento jurídico brasileiro.


Notas

  1. Como afirma DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. 3. ed. rev., e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006, p. 19.
  2. Como ter olhos verdes ou castanhos, ser canhoto ou destro, etc.
  3. CARLUCCI, Aída Kemelmajer de. "Derecho y Homossexualismo en el Derecho Comparado", em Homossexualidade: discussões jurídicas e psicológicas/ Instituto Intersdisciplinar de Direito de Família (coord.), 1ª ed. (ano 2001), 6ª tir. Curitiba: Juruá, p. 11-72, 2006, p. 29.
  4. Sobre a evolução da modernidade "sólida" e "pesada", para uma modernidade "leve" e "líquida" e, consequentemente mais dinâmica, consultar BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida/ Plínio Dentzien (trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 6 e ss.
  5. O Homem, não podendo encontrar a felicidade como indivíduo isolado, persegue-a dentro da sociedade. "Justiça é felicidade social, é a felicidade garantida por uma ordem social". KELSEN, Hans. O que é justiça/ Luís Carlos Borges (trad.). 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 2.
  6. A GG estabelece em no n. 1 do seu art. 1º: A dignidade da pessoa humana é inviolável. Toda autoridade pública terá o dever de respeitá-la e protegê-la. Tradução livre de: "Die Würde des Menschen ist unantastbar. Sie zu achten und zu schützen ist Verpflichtung aller staatlichen Gewalt".
  7. Com a mesma linha de pensamento se manifesta SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição.5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 39.
  8. Complementa ainda J.J. Canotilho que "neste sentido, a República é uma organização política que serve o homem, não é o homem que serve os aparelhos político-organizatórios". CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª reimp. Coimbra: Almedina, 2003, p. 225.
  9. Cfr. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios constitucionais de direito de família: guarda compartilhada à luz da lei n. 11.698/08: família, criança, adolescente e idoso. São Paulo: Atlas, 2008, p. 70-71.
  10. Cfr., neste sentido, PEREIRA, Rodrigo da Cunha. "Família, Direitos Humanos, Psicanálise e Inclusão Social", em Direito de Família e Psicanálise: rumo a uma Nova Epistemologia/ Giselle Câmara Groeninga; Rodrigo da Cunha Pereira (orgs.). Rio de Janeiro: Imago, p. 155-162, 2003, p. 155.
  11. Sobre o princípio, assevera Rodrigo da Cunha Pereira que "a dignidade é um macroprincípio sob o qual irradiam e estão contidos outros princípios e valores essenciais como a liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade, alteridade e solidariedade. São, portanto, uma coleção de princípios éticos. (...) Essas inscrições são resultado e conseqüência de lutas e conquistas políticas associadas à evolução do pensamento, desenvolvimento das ciências e novas tecnologias. É a noção de dignidade e indignidade que possibilitou pensar, organizar e desenvolver os direitos humanos". PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família: uma abordagem psicanalítica. 2. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.94.
  12. ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. "O princípio da dignidade humana e a exclusão social", em Anais da XVVI Conferência Nacional dos Advogados – Justiça: realidade e utopia. Brasília, OAB – Conselho Federal, v. I, p. 69-92, 2001, p. 72.
  13. Cfr. neste sentido RIOS, Roger Raupp. A Homossexualidade no Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2001, p.90.
  14. KANT, Immanoel. Fundamentação da metafísica dos costumes/ Paulo Quintela (trad.). Lisboa: Edições 70, 1986, p. 70.
  15. MIRANDA, Jorge. Escritos Vários Sobre Direitos Fundamentais. Estoril: Principia, 2006, p. 470.
  16. Cfr. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2006, p. 118-121.
  17. RIOS, Roger Raupp. A Homossexualidade no Direito, cit., p.91.
  18. Cfr. NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma Teoria do Estado de Direito: do Estado de Direito Liberal ao Estado Social e Democrático de Direito. Coimbra: Almedina, 1987, p. 210; RIOS, Roger Raupp. A Homossexualidade no Direito, cit., p.91.
  19. Neste sentido, consultar RIOS, Roger Raupp. A Homossexualidade no Direito, cit., p.92.
  20. GRIMM, Dieter apud SARLET, Ingo Wolfgang. "As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível", em Dimensões de dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional/ Ingo Wolfgang Sarlet (org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, p. 13- 44, 2005, p. 34.
  21. Neste sentido, afirma Roger Raupp Rios que " diante destes elementos, conclui-se que o respeito à orientação sexual é aspecto fundamental para a afirmação da dignidade humana, não sendo aceitável, juridicamente, que preconceitos legitimem restrições de direitos, servindo para o fortalecimento de estigmas sociais e espezinhamento dos fundamentos constitucionais do Estado Democrático de Direito. Assentada a pertinência do respeito à orientação sexual ao objeto de proteção do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, deve-se ter sempre presente seu papel na solução das demais questões jurídicas envolvendo a homossexualidade". RIOS, Roger Raupp. A Homossexualidade no Direito, cit., p. 94 -95.
  22. Corrobora este raciocínio, LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 39.
  23. GUSMÃO, Paulo Dourado de. Filosofia do direito. 8. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 127.
  24. Emerge aí a imagem de Estado Democrático de Direito, voltado para a realização da justiça social, tanto quanto a fórmula "liberdade, igualdade, fraternidade" o fora no Estado Liberal oriundo da Revolução Francesa. Cfr. SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição, 5 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 46 – 47.
  25. Cfr. LÔBO, Paulo. Famílias, cit., p. 46.
  26. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias.4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p.61.
  27. Sobre tal aspecto, assevera Roger Raupp Rios que "os direitos humanos de primeira geração, reconhecidos desde os primórdios do constitucionalismo liberal (identificados como direitos negativos, de defesa contra intromissões abusivas), registram liberdades individuais cuja dimensão contemporânea alcança diversas esferas constitutivas da sexualidade. (...) Toda compreensão jurídica sedimentada na doutrina e na jurisprudência constitucional pertinente às dimensões formal e material do princípio da igualdade, por sua vez, fornece diretrizes jurídicas sólidas em face da discriminação fundada no sexo ou na orientação sexual." RIOS, Roger Raupp. "Notas para o desenvolvimento de um direito democrático da sexualidade", em Em defesa dos Direitos Sexuais/ Roger Raupp Rios (org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, p. 13-38, 2007, p. 25.
  28. Neste sentido, cfr. DIAS, Maria Berenice. "Liberdade sexual e direitos humanos", em Família e cidadania: o novo CCB e a vacatio legis – Anais do III Congresso brasileiro de direito de família. Belo Horizonte: IBDFAM/ Del Rey, p. 85-88, 2002, p. 85.
  29. Neste sentido, consultar LÔBO, Paulo. Famílias, cit., p. 47.
  30. PEREIRA, Rodrigo da Cunha."Família, Direitos Humanos, Psicanálise e Inclusão Social", em Direito de Família e Psicanálise, cit., p. 161.
  31. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias (2007), cit., p. 61.
  32. PERELMAN, Chaim apud GARCIA, Maria da Glória F.P.D. Estudos Sobre o Princípio da Igualdade, Estudos Sobre o Princípio da Igualdade. Coimbra: Almedina, 2005, p.29.
  33. "cum nomen iustitiae aequalitem importet, ex sua ratione iustitia habet quod sit ad alterum: nihil enim sibi est aequale sed alteri". Citado por GARCIA, Maria da Glória F.P.D. Estudos Sobre o Princípio da Igualdade, cit., p.33.
  34. Neste sentido, cfr. ALBUQUERQUE, Martim. Da Igualdade/ Eduardo Vera Cruz (colab.). Coimbra: Almedina, 1993, p.75; MIRANDA, Jorge. Escritos Vários Sobre Direitos Fundamentais. Estoril: Principia, 2006, p 47.
  35. HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha/ Luís Afonso Heck (trad.). Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 330.
  36. Idéia extraída do célebre pensamento aristotélico: "tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade". Para uma leitura mais aprofundada sobre o aspecto material do princípio da igualdade, cfr. VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade: da possibilidade jurídica do casamento civil, da união estável e da adoção por homossexuais. São Paulo: Editora Método, 2008,p. 116.
  37. Cfr. no mesmo sentido ALBUQUERQUE, Martim. Da Igualdade, cit., p. 73.
  38. O mesmo entendimento é o de DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias (2007), cit., p. 62.
  39. No mesmo sentido, cfr. RIOS, Roger Raupp. O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual: A homossexualidade no Direito brasileiro e norte-americano. Porto Alegre: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 130.
  40. Bem elucidativo o exemplo, sobre este aspecto, trazido à baila por Roger Raupp Rios: "Assim, Pedro sofrerá ou não discriminação por orientação sexual precisamente em virtude do sexo da pessoa para quem dirigir o seu desejo ou sua conduta sexual. Se orientar-se para Paulo, experimentará a discriminação; se dirigir-se para Maria, não suportará tal diferenciação. Os diferentes tratamentos, neste contexto, têm sua razão de ser no sexo de Paulo (igual ao de Pedro) ou de Maria (oposto ao de Pedro). Este exemplo ilustra com clareza como a discriminação por orientação sexual retrata uma hipótese de discriminação por motivo de sexo".
  41. Complementa ainda o autor que "contra este raciocínio, pode-se objetar que a proteção constitucional em face da discriminação sexual não alcança a orientação sexual; que o discrímen não se define pelo sexo de Paulo ou de Maria, mas pela coincidência sexual entre os partícipes da relação sexual, tanto que homens e mulheres, nesta situação são igualmente discriminados. Este argumento, todavia, não subsiste a um exame mais apurado. Isto porque é impossível a definição da orientação sexual sem a consideração do sexo dos envolvidos na relação verificada; ao contrário, é essencial para a caracterização de uma ou outra orientação sexual levar-se em conta o sexo, tanto que é o sexo de Paulo ou de Maria que ensejará ou não o juízo discriminatório diante de Pedro. Ou seja, o sexo da pessoa envolvida em relação ao sexo de Pedro é que vai qualificar a orientação sexual como causa de eventual tratamento diferenciado". RIOS, Roger Raupp. A Homossexualidade no Direito, cit., p. 72-73. Utiliza um exemplo muito semelhante, com a mesma justificativa o jurista norte-americano Evan Gerstmann. Cfr. GERSTMANN, Evan. Same-Sex Marriage and the Constitution. 2. ed. New York: Cambridge University Press, 2008, p. 16.

  42. Neste sentido, cfr. RIOS, Roger Raupp. O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual, cit., p. 132.
  43. De acordo com Konrad Hesse, interpretação constitucional é concretização, uma vez que, nomeadamente, aquilo que não aparece de forma clara como conteúdo da Constituição, constitui o que deve ser determinado mediante a incorporação da realidade de cuja ordenação se trata. HESSE, Konrad. "La interpretación constitucional", em Konrad Hesse, Escritos de derecho constitucional/ Pedro Cruz Villalon (trad.), 2. ed. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, p. 33-54. 1992, p. 40.
  44. Com bem afirma Paulo Lôbo. Cfr. LÔBO, Paulo. " A família enquanto estrutura de afeto", em A família além dos mitos/ Eliene Freire Bastos; Maria Berenice Dias (coords.). Belo Horizonte: Del Rey, p. 251 - 258, 2008, p. 253.
  45. Como bem afirma Guilherme Calmon Nogueira da Gama, a partir do momento em que passou-se a admitir o divórcio, em especial sem atrelar o direito potestativo ao divórcio ao fundamento da culpa de um dos consortes, a prevalência da noção de afetividade passou a ser central nas relações conjugais. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios constitucionais de direito de família, cit., p. 83.
  46. Complementa ainda o autor que a família recuperou a função que outrora existia nas suas origens: "a de grupo unido por desejos e laços afetivos, em comunhão de vida". Assevera ainda o jurista que a presença de tal elemento nas relações familiares constitui um salto, à frente, da pessoa humana. LÔBO, Paulo. Famílias, cit., 48.
  47. Art. 1.511 O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.
  48. Neste sentido, cfr. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias (2007), cit., p. 68-69.
  49. Neste sentido, cfr. BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. "O pluralismo no Direito de Família brasileiro: realidade social e reinvenção da família", em Direitos fundamentais do Direito de Família/ Belmiro Pedro Welter; Rolf Hanssen Madaleno (coords.). Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, p. 255-278, 2004, p. 259.
  50. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 172 – 173.
  51. LÔBO, Paulo. Famílias, cit., p. 59.
  52. No mesmo sentido, cfr. LÔBO, Paulo. Famílias, cit., p. 60.
  53. Método de aplicação do direito inspirado no velho adágio romano: ubi eadem legis ratio, ibi eadem dispositio.
  54. Note-se que a união homoafetiva deve ser considerada como inclusa no rol de entidades familiares prevista na CF de 88. O art. 226 da CF deve ser entendido como exemplificativo e inclusivo, não taxativo. Todavia, trata-se de figura sem o tratamento normativo adequado, cabendo, assim, a analogia com a união estável, para uma regulação "temporária".
  55. Cfr. DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileira interpretada. 12. ed. adaptada à Lei n. 10.406/2002. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 117.
  56. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 28.
  57. O que não é o caso, vendo-se o posicionamento da maior parte da doutrina hodierna e dos Tribunais brasileiros.
  58. Em virtude do princípio da unidade da Constituição, a Lei Maior deve ser sempre interpretada em sua globalidade como um todo e, dessa forma, as aparentes antinomias deverão ser apartadas. Cfr. neste sentido, LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 72.
  59. A tese das normas constitucionais inconstitucionais é rejeitada com fundamento no entendimento de que apenas é cabível a declaração de inconstitucionalidade das normas constitucionais oriundas do Poder Constituinte Derivado e do Legislador Ordinário. Sobre as questões que a teoria das normas constitucionais inconstitucionais podem suscitar, consultar CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, cit., p. 1232-1233. Para um estudo mais aprofundado da tese das normas constitucionais inconstitucionais, consultar BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais?/ José Manuel M. Cardoso da Costa (trad. e nota prévia). Coimbra: Almedina, 1994, em especial p. 41, onde o autor discorre sobre a provável falibilidade do poder constituinte originário e também sobre a existência de limites ao poder constituinte originário mediante um direito supralegal (Direito Natural).
  60. GOUVEIA, Jorge Bacelar. Manual de direito constitucional. Vol I. Coimbra: Almedina, 2005, p. 759.
  61. Ou antinomia normativa, que é a tese adotada pela doutrina constitucionalista brasileira. Segundo Luís Roberto Barroso, "o fundamento subjacente a toda a idéia de unidade hierárquico-normativa da Constituição é o de que as antinomias eventualmente detectadas serão sempre aparentes e, ipso facto, solucionáveis pela busca de um equilíbrio entre as normas, ou pela exclusão da incidência de alguma delas sobre dada hipótese, por haver o constituinte disposto neste sentido". BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo : Saraiva, 1996, p. 196.
  62. Paulo Vecchiati acrescenta sobre a questão que "tal entendimento decorre do princípio da unidade da Constituição, que impõe ao intérprete que harmonize as tensões existentes entre as normas constitucionais originárias entre si sempre que possível. Dito princípio exige, ainda, a aplicação de uma interpretação sistemática à Constituição, justamente no intuito de se harmonizarem as tensões existentes entre distintos preceitos constitucionais originários". O mesmo autor assevera ainda que no caso em tela é inegável a tensão e incompatibilidade entre o § 3º, do art. 226 da CF e os seguintes princípios da igualdade, dignidade da pessoa humana, liberdade, entre outros. Conclui enfatizando que "ante o entendimento acerca da possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de normas constitucionais derivadas do Poder Constituinte Originário, é claro o conflito "aparente" do art. 226, § 3º em relação ao princípio da isonomia e todos os outros supra-explicitados quando se considera cabível o regime jurídico da união estável apenas às uniões heteroafetivas, deixando assim desamparadas as homoafetivas". VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade, cit., p. 312-315.
  63. Ou, nas palavras do jurista italiano Norberto Bobbio, "a visão da floresta, não da árvore isolada de seu contexto todo". BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 4. ed. Brasília: Ed. UnB, 1994, p. 20. Seguindo o raciocínio de que deve haver uma interpretação do "conjunto da obra", assevera Carlos Maximiliano que "o processo sistemático encontra fundamento na lei da solidariedade entre os fenômenos existentes. Não se encontra um princípio isolado em ciência alguma; acha-se cada um em conexão íntima com outros. O direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma em seu lugar próprio. De princípios jurídicos mais ou menos gerais deduzem corolários; uns e outros se condicionam e restringem reciprocamente, embora se desenvolvam de um modo que constituem elementos autônomos operando em campos diversos. Cada preceito, portanto, é membro de um grande todo; por isso do exame em conjunto resulta bastante luz para o caso em apreço". MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, cit., p. 128.
  64. Neste sentido se manifesta DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça (2006), cit., p. 91.
  65. Como parece ser o caso do art. 226, § 3º, da Carta Magna brasileira.
  66. BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito/ Denise Agostinetti (trad.); Silvana Cobucci Leite (revisão da tradução). 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 223 – 224. A leitura feita do dispositivo em questão pode ser classificada como literal, além de simplista e excludente, sem razão para tal. Como bem explicita Zeno Veloso, "se a expressão verbal leva ao extremo rigorismo, à dureza injusta, o juiz deve buscar no espírito da lei, na ratio legis a solução que se concilie com as atuais e melhores aspirações e expectativas da sociedade". VELOSO, Zeno. Comentários à lei de introdução ao código civil – artigos 1º a 6º. 2. ed. rev. e aum. Belém: UNAMA, 2006, p. 87.
  67. Há quem diga que o legislador brasileiro foi bem explícito e volitivamente restringiu a união estável ao homem e à mulher. Seja como for, se existisse um desajuste entre a vontade expressa e a vontade presumida do legislador, estar-se-ia novamente diante de um caso de recurso à analogia e aos princípios gerais de Direito, o que Norberto Bobbio denomina de auto-integração do Direito. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito/ Nello Morra (comp.); Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues (trad. e notas). São Paulo: Ícone, 2006, p. 210.
  68. Como adverte Zeno Veloso, observando a lei, o magistrado sentencia com "interpretação teleológica, progressista, evolutiva", tendo como inspiração os princípios fundamentais oriundos da Lei Fundamental, levando a cabo uma interpretação conforme a Constituição, nominada na doutrina alemã "Verfassungskonforme Auslelung" e seguindo a trilha indicada pelo art. 5º da LICC, não necessitando, entretanto, "obedecer servilmente ao texto lógico-formal do preceito, muitas vezes ultrapassado, desatualizado". VELOSO, Zeno. Comentários à lei de introdução ao código civil, cit., p. 89.
  69. DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça (2006), cit., p. 94. Opina ainda a mesma autora que a distinção de sexo como pressuposto para reconhecimento da união estável é exigência discriminatória e arbitrária. Afirma também que, diante da abertura conceitual da família promovida pelo art. 226 da CF, nem o matrimônio, nem tampouco a diferenciação de sexos ou a capacidade procriativa servem como elemento caracterizador da família. Cfr. DIAS, Maria Berenice."Família homoafetiva", em Manual de direito das famílias e sucessões/ Ana Carolina Brochado Teixeira; Gustavo Pereira Leite Ribeiro (coords.). Belo Horizonte: Del Rey, p. 169 – 191, 2008, p. 177.
  70. Cfr. GIORGIS, José Carlos Teixeira,"A relação homoerótica e a partilha de bens", em Homossexualidade: discussões jurídicas e psicológicas/ Instituto Intersdisciplinar de Direito de Família (coord.), 1ª ed. (ano 2001), 6ª tir. Curitiba: Juruá, p. 115- 144, 2006, p. 143.
  71. Note-se que a referência que se faz aqui de liberdade de escolha diz respeito à formação dos relacionamentos: como, quando, onde, com quem.. Como já se ressaltou, a orientação sexual de um indivíduo não é oriunda de uma opção ou escolha.
  72. Acrescenta ainda o mesmo autor que "antes do reconhecimento do Estado à união estável, as pessoas que viviam juntas sem o selo da oficialidade do casamento, sofriam a discriminação da ilegitimidade e pagavam um preço alto do preconceito, especialmente as mulheres. Se havia discriminação e estigmatização sobre as relações heterossexuais sem o selo do casamento, muito mais se pode falar das relações de pessoas do mesmo sexo, assunto que vem sendo trabalhado no campo jurídico e que ainda está na história dos excluídos".PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. 7. ed., rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 154.
  73. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO. (STJ, 4ª T., Resp 820475/RJ, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 02/09/2008).
  74. Cfr. comentário à decisão do STJ em DIAS, Maria Berenice. "O começo do fim da invisibilidade", em Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. vol. 06, Out/Nov. Porto Alegre: Magister, p. 136-137, 2008, p. 136-137.

  75. Neste sentido, cfr. DIAS, Maria Berenice. "União homoafetiva e a consagração legal da diferença". Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=471 Acesso em: 06/09/2009.
  76. Neste sentido se manifesta BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Parcerias homossexuais: aspectos jurídicos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 87.
  77. Prevista pelo § 1o do art. 102 da Constituição Federal, tal ação foi regulamentada pela Lei n. 9.882/99, de 03 de Dezembro. Trata-se de uma ação por meio da qual a decisão sobre constitucionalidade ou não de atos impugnados perante os tribunais e juízes pode ser avocada pelo STF. A decisão da ADPF tem efeito vinculante e eficácia erga omnes. Cfr. sobre a questão, FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 10. ed. São Paulo, Saraiva, 2008, p. 135.
  78. Ação esta onde o IBDFAM tomou parte, na qualidade de Amicus Curiae, em 27 de Novembro de 2008, por força de despacho favorável do Min. César Britto. Cfr. "STF defere a inclusão do IBDFAM na ADPF 132", disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?noticias&noticia=2780. Acesso em: 09/01/2009.
  79. Cfr. arts. 24, 28 e 30 do Estatuto das Famílias.
  80. Não obstante não ser o assunto do presente estudo, mister fazer algumas breves considerações sobre a questão. O legislador brasileiro regulou a sucessão na união estável em apenas um dispositivo (CC, art. 1.790). A sucessão legítima do companheiro se dá de maneira distinta e mais desfavorável do que aquela reservada ao cônjuge supérstite. Note-se que o companheiro não é herdeiro necessário, nem tem direito à legítima, estando inserido no último lugar na ordem de vocação hereditária. Cfr. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil comentado. 6. ed. rev., ampl. e atual. até 28 de março de 2008. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 1146-1147. Severas críticas são tecidas por Maria Berenice Dias, para quem a diferenciação do tratamento dispensado ao companheiro, em comparação ao cônjuge, configura retrocesso social e acarreta flagrante discriminação entre a união estável e o casamento. Para a jurista, a aplicação da regra é absurda, uma vez que gera o enriquecimento sem causa dos parentes em detrimento do companheiro. Ressalte-se porém, que uma parcela da doutrina vem considerando o companheiro como herdeiro necessário sui generis ou especial, com intuito de atenuar a injustiça e alguma jurisprudência já vem concedendo ao companheiro sobrevivente a totalidade da herança e afastando os colaterais da sucessão. DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. Cfr. no mesmo sentido OLIVEIRA, Euclides de. "União estável: conceituação e efeitos jurídicos", em Direito Civil, vol. 7: Direito de família / Águida Arruda Barbosa; Cláudia Stein Vieira (coords); Giselda M. F. Novaes Hironaka (orient.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 150-170, 2008, p. 159-166, onde o autor traz à baila diversas considerações negativas sobre o direito sucessório na união estável.
  81. Cfr. ARRIBAS, Santiago Cañamares. El matrimonio homosexual en Derecho español y comparado. Madrid: Iustel, 2007, p. 26.
  82. Interessante os quadros comparativos trazidos à baila por William Eskridge Jr., onde estão dispostos os argumentos (dos tradicionalistas, dos liberais, dos progressistas e dos pós modernistas) pró e contra o casamento homossexual, juntamente com o fluxo de argumentos utilizados no debate sobre a mesma matéria. Cfr. ESKRIDGE JR., William N. "The Ideological Structure of the Same-Sex Marriage Debate (And Some Postmodern Arguments for Same-Sex Marriage), em Legal Recognition of Same-Sex Partnerships: A Study of National, European and International Law / Robert Wintemute; Mads Andenaes (editors). Oxford: Hart Publishing, p. 113-129, 2001, p. 115, p. 117 e p. 129.
  83. Sobre a questão, afirma David Brooks que "some conservative may have latched onto biological determinism (men are savages who need women to tame them) as a convenient way to oppose gay marriage. But in fact we are not animals whose lives are bounded by our flesh and by our gender". BROOKS, David. "The Power of Marriage", em Same-Sex Marriage: The Moral and Legal Debate/ Robert M. Baird; Stuart E. Rosebaum (editors). 2. ed. New York: Prometheus Books, p. 87-88, 2004, p. 88.
  84. Cfr. MEDINA, Graciela. Los homosexuales y el derecho a contraer matrimonio. Buenos Aires: Rubinzal – Culzoni Editores, 2001, p. 274.
  85. Data maxima venia, é de se considerar desarrazoado o juízo da referida jurista. Em primeiro plano, o casamento perdeu a finalidade procriativa que outrora possuía. Para além disso, existem as técnicas de PMA para substituir a procriação natural e o instituto da adoção. E seria a base racional para afirmar que um homossexual não pode transmitir valores culturais? Ademais, quais seriam as razões sociológicas, históricas e de bem comum para tal vedação?

  86. Sobre a questão da tradição, interessante a colocação do Procurador da República, Dr. João Gilberto Gonçalves Filho, na peça vestibular da Ação Civil Pública que intentou em 2005, com intuito de assegurar o reconhecimento legal do casamento civil homossexual. O procurador argumenta que "todo o mundo sabe que homem só casa com mulher e mulher só casa com homem, não havendo a possibilidade de algo diferente e isso é tão certo que ninguém discute. Só que talvez as pessoas não parem para refletir, como deveriam, que existem certas coisas que são certas porque ninguém discute e ninguém discute porque são certas. Ou seja, existem práticas humanas tão enraizadas no espírito cultural coletivo que paira uma sensação geral de que as coisas foram assim, são assim e vão ser sempre assim. É exatamente esse dogma cultural que a presente ação civil pública vai combater, orientada pelo espírito de tolerância e de respeito com as diferenças. Afinal, trata-se de diretriz normativa que deflui do texto constitucional e que o Estado Brasileiro não poderá jamais olvidar". Processo 2005.61.18.000028-6, em trâmite na Justiça Federal de São Paulo, Subseção de Guaratinguetá. O texto completo da petição inicial está disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/destaques/direitos-sexuais-e-reprodutivos/PRM_Taubate_casamento_mesmo_sexo_Joao_Gilberto.pdf . Acesso em: 25/04/2009.
  87. No mesmo sentido, ver GERSTMANN, Evan. Same-Sex Marriage and the Constitution, cit., p. 22.
  88. BURKE, Edmund apud GERSTMANN, Evan. Same-Sex Marriage and the Constitution, cit., p. 25.
  89. Acrescenta o jusfilósofo norte-americano que a moralidade sexual é algo essencial à personalidade e à vida. E coloca a questão repetidamente trazida à baila neste estudo: a lei assegura igualdade entre mulheres e negros (o autor ainda cita os deficientes). Porque a mesma igualdade não está garantida aos homossexuais? Afirma ainda que mesmo que a homossexualidade fosse uma questão de escolha, tal fator seria desimportante (o que não é, tanto que ressalta que os fatores genéticos possuem um fator importante na definição da homossexualidade). Termina então por asseverar que, de qualquer forma, abster-se da homossexualidade "significaria abstinência sexual total para muitas pessoas, ou viver uma mentira" e questiona: "A sociedade deve permitir a discriminação contra pessoas que se recusem a fazer uma escolha a esse preço?". DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e prática da igualdade/ Jussara Simões (trad.); Cícero Araújo, Luiz Moreira (revisão técnica e da tradução). São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 645 – 646.
  90. No Brasil, nomeadamente em virtude da separação entre o Estado e a Igreja, a fé não pode ser imposta através do Poder Judiciário (cfr. art. 19, I da CF brasileira), ademais, tal imposição violaria a liberdade religiosa. Todavia, tal questão não merece maior aprofundamento tendo em vista que está em causa somente – e tão- somente – o casamento civil, devendo o casamento religioso, juntamente com as questões religiosas serem apartadas nesta seara.
  91. Aliás, não só dos cidadãos de hoje, mas dos de ontem também. Há mais de uma década atrás, já afirmava Nuno de Salter Cid que, ao invés de figuras jurídicas outras, o que os homossexuais desejam é poder casar, "aceder a uma instituição cujas origens se perderam na História, é poder celebrar um acto que há séculos e séculos é entendido como acto fundador da família." CID, Nuno de Salter. "Direitos humanos e familia: quando os homossexuais querem casar", em Sep. de Revista de Economia e Sociologia, Évora, n.66, p. 189-235, 1998, p. 195.
  92. No mesmo sentido se manifesta BONAUTO, Mary L. "The Freedom to Marry For Same-Sex Couples in the United States of America", em Legal Recognition of Same-Sex Partnerships: A Study of National, European and International Law/ Robert Wintemute; Mads Andenaes (editors). Oxford: Hart Publishing, p. 177-207, 2001, p. 177.
  93. Texto internacional ao qual Brasil e muitos outros Estados se encontram vinculados.
  94. O pertinente questionamento é trazido à baila por CID, Nuno de Salter. "Direitos humanos e familia: quando os homossexuais querem casar", cit., p. 195.
  95. HALLEY, Janet. "Recognition, Rights, Regulation, Normalisation: Rhetorics of Justification in the Same-Sex Marriage Debate", em Legal Recognition of Same-Sex Partnerships: A Study of National, European and International Law/ Robert Wintemute; Mads Andenaes (editors). Oxford: Hart Publishing, p. 97-112, 2001, p. 104-105.
  96. Neste sentido, cfr. PAIS, Sofia Oliveira; SOUSA, António Frada de. "A união de facto e as uniões registadas de pessoas do mesmo sexo – uma análise de Direito Material e Conflitual", em Revista da Ordem dos Advogados, ano 59, vol II, Abril de 1999, p.693-752, Lisboa, p. 707.
  97. Sobre as analogias entre gênero, raça e orientação sexual, consultar RICHARDS, David. A. J. Idendity and the Case for Gay Rights: Race Gender, Religion as Analogies. Chicago: University of Chicago Press, 1999, p. 160; RICHARDS, David. A. J. Women, Gays and the Constitution: The Grounds for Feminism and Gay Rights in Culture and Law. Chicago: University of Chicago Press, 1998, p. 288-289.
  98. Este é o entendimento de MERIN, Yuval. Equatily for Same-Sex Couples: The Legal Recognition of Gay Partnerships in Europe and the United States. Chicago: The University of Chicago Press, 2002, p. 44.
  99. Note-se, porém, que diferentemente dos homossexuais, os negros podiam casar-se com a pessoa amada, desde que ela fosse negra. Aos homossexuais o instituto do casamento é impossível de aceder, nessa lógica, pois o ser amado sempre será do mesmo sexo. A primeira discussão na Suprema Corte dos EUA sobre casamento interracial se deu no caso Loving v. Virginia, no ano de 1967. A lei de proibição do casamento entre pessoas de raças diferentes foi derrubada sob o argumento de flagrante inconstitucionalidade. Para um exame dos fundamentos da possível analogia com o casamento entre pessoas do mesmo sexo, consultar o tópico The Loving Analogy, em MERIN, Yuval. Equatily for Same-Sex Couples: The Legal Recognition of Gay Partnerships in Europe and the United States, cit., p. 288-290. Para um relato detalhado do caso consultar também JACKSON, Derrick Z. "Weddings Once Forbidden: Obstacles to Gay Marriage Evoke Mixed-Marriage Bans", em Same-Sex Marriage: The Moral and Legal Debate/ Robert M. Baird; Stuart E. Rosebaum (editors). 2. ed. New York: Prometheus Books, p. 101-102, 2004, p. 101-102.
  100. Se a dualidade de sexos fosse entendida como requisito de validade do casamento, posição que não é homogênea na doutrina atual.
  101. Por atendimento ao princípio da isonomia, entende-se que na criação de uma figura jurídica própria sejam abarcados os casais homossexuais e os heterossexuais também, que passariam a ter mais uma forma de organização de vida em comum.
  102. Ver, neste sentido, as considerações de BONAUTO, Mary L. "The Freedom to Marry For Same-Sex Couples in the United States of America", em Legal Recognition of Same-Sex Partnerships, cit., p. 206-207.
  103. Nas palavras de Anders Agell, "there is a very simple but also unsophisticated argument in favor of extending formal marriage to homosexual couples: there is no reason for a difference". AGELL, Anders. "The Legal Status of Same-Sex Couples in Europe – A Critical Analysis", em Legal Recognition of Same-Sex Couples in Europe/ Katharina Boele-Woelki; Angelika Fuchs. Antwerp: Intersentia, p. 122-134, 2003, p. 133.
  104. Esse é o entendimento de GERSTMANN, Evan. Same-Sex Marriage and the Constitution, cit., p. 43.
  105. Cfr. Art. 226, § 5º da Carta Magna brasileira.
  106. A teoria do casamento inexistente foi criada pelo escritor tedesco do séc. XIX, Zachariae, em Comentários ao CC francês de 1804, que surgiram na Alemanha no ano de 1808 e, em 1839 foram traduzidos por Aubry et Rau. Posteriormente, no ano de 1911, a tese foi desenvolvida por Saleilles em estudo semelhante. Cfr. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, vol. V: Direito de família. 16. ed., rev. e atual. por Tânia da Silva Pereira. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 129.
  107. Neste sentido se manifesta PACE, Maria Clayde Alves. "Casamento civil entre pessoas do mesmo sexo: um breve estudo sobre o direito fundamental de acesso ao modelo de família matrimonializado efetivado pela hermenêutica constitucional", em Apontamentos críticos para o direito civil brasileiro contemporâneo/ Eroulths Cortiano Junior, Jussara Maria Leal de Meirelles, Luiz Edson Fachin, Paulo Nalin (coords.). Curitiba: Juruá, p. 191 – 210, 2008, p. 207.
  108. Essa parece ser a idéia de Roger Raupp Rios, quando afirma que "sem depender de sujeição aos tradicionais esquemas de casamento, união estável ou de concubinato, tais relações apresentam notas distintivas do fenômeno ora juridicizado pelo direito de família. Sua concretização, iniciada pela jurisprudência, reclama a adequada intervenção legislativa, criadora de um regime jurídico peculiar". RIOS, Roger Raupp. A Homossexualidade no Direito, cit., p. 127.
  109. Neste sentido se manifesta Sílvio Venosa, quando afirma que "ainda que o texto legal não a proclame, a diversidade de sexos é essencial para o casamento em todas as civilizações." Acrescenta ainda o autor que a união matrimonial entre pessoas do mesmo sexo possui apenas aparência de matrimônio, e que a natureza desse defeito deve ser vista como situação de inexistência do negócio jurídico, uma vez que considera absurdo admitir tal hipótese como ato jurídico válido e eficaz. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil, vol.VI:direito de família.8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 98-100.
  110. Data maxima venia, num primeiro ponto o jurista está mais do que equivocado. Na civilização ocidental já existem diversos Estados que reconhecem e regulam o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, afastando, terminantemente, o requisito da dualidade de sexo como pressuposto de validade do casamento. Ademais, o casamento homossexual não é um "defeito", que deva ser relegado ao plano do "nada" jurídico, mas uma situação que ainda não é devidamente regulada no Brasil.

  111. Sobre a questão, assevera Paulo Vecchiatti que tal entendimento "é um absurdo, na medida em que os princípios da legalidade e da segurança jurídica exigem que somente uma lei pode restringir/ não-reconhecer direitos (legalidade) para que existam critérios objetivos, expressamente fixados, de maneira que o povo saiba com precisão quais são os pressupostos necessários aos atos jurídicos (segurança jurídica), o que resta afrontado pela teoria da inexistência de atos que existiram no mundo fático, uma vez que ela deixa tal fixação de pressupostos ao subjetivismo do intérprete". VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade, cit., p. 417.
  112. DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. (2006), cit., p. 87.
  113. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
  114. II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

  115. Cfr. VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade, cit., p. 258. No mesmo sentido se manifesta Maria Berenice Dias, quando afirma que entre os impedimentos matrimoniais não se encontra a igualdade de sexo do casal, concluindo que o que o óbice para a realização do casamento entre pessoas do mesmo sexo reside no preconceito. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias (2007), cit., p. 144. Do mesmo juízo perfilha Maria Clayde Pace, quando assevera que nenhum dos incisos do art. 1.521 do CC prevê a igualdade de sexo com elemento obstaculizador do acesso ao casamento pelos casais homossexuais. PACE, Maria Clayde Alves. "Casamento civil entre pessoas do mesmo sexo: um breve estudo sobre o direito fundamental de acesso ao modelo de família matrimonializado efetivado pela hermenêutica constitucional", cit., p. 205.
  116. FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 126.
  117. BUENO, José Antônio Pimenta. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império. Brasília: Ministério da Justiça e Senado Federal/ UNB, 1978, p. 382.
  118. Cfr. VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade, cit., p. 261-264.
  119. Cfr. VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade, cit., p. 268.
  120. Processo 2005.61.18.000028-6, em trâmite na Justiça Federal de São Paulo, Subseção de Guaratinguetá. O texto completo da petição inicial está disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/destaques/direitos-sexuais-e-reprodutivos/PRM_Taubate_casamento_mesmo_sexo_Joao_Gilberto.pdf . Acesso em: 25/04/2009.
  121. Acrescenta ainda o Procurador que "afinal, o bem jurídico tutelado com essa discriminação é apenas um padrão moral de conduta, alicerçado sobre a idéia preconceituosa de que o homossexualismo é pecado. Não há problema algum que as religiões pensem isso e divulguem essa idéia a seus fiéis, já que é admitida a liberdade de crença religiosa; não há problema algum que as autoridades dos Três Poderes também pensem assim, intimamente, já que fora garantida a liberdade de pensamento; contudo, o Estado Brasileiro, como pessoa jurídica que não se confunde com suas autoridades, como instituição que deve velar pelo igual tratamento dispensado a seus cidadãos, não pode valer-se de um código de ética moral para discriminá-los. A partir do momento em que vivemos num Estado de Direito, sendo separado de qualquer religião, que preza pelas liberdades individuais, cabe-lhe abrir os braços para o diferente, com tolerância e inclusão".
  122. Note-se na argumentação do ilustríssimo Procurador apenas um pequeno lapso ao utilizar o termo "homossexualismo", ao invés de homossexualidade o que, em todo caso, não retira o espírito inovador e sensível da ação.

  123. Cfr. Petição inicial do Processo 2005.61.18.000028-6.
  124. Processo n. 00118148080, 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Porto Alegre – RS. Disponível em: http://www.datadez.com.br/content/noticias.asp?id=7008 . Acesso em: 26/03/2009.
  125. Cfr. "Decisão dá base legal para casamento entre pessoas do mesmo sexo". Disponível em: http://www.datadez.com.br/content/noticias.asp?id=7008 . Acesso em: 26/03/2009.
  126. Apartheid sexual. A segregação dos homossexuais, restrigindo-lhes direitos em razão de sua orientação sexual, é incompatível com o princípio da dignidade da pessoa humana, expresso no primeiro artigo da Constituição Federal. A nova definição legal de família brasileira (Lei 11.340/2006) contempla os casais formados por pessoas do mesmo sexo, conforme antecipado pelo Poder Judiciário do Rio Grande do Sul, através do Provimento 6/2004 – CGJ. Concepções religiosas de família não podem ser impostas através do Estado-juiz. No ordenamento jurídico brasileiro, porque vedada qualquer forma de discriminação, o casamento civil está disponível para todos, independentemente de sua orientação sexual. Ação julgada procedente, para reconhecer a família constituída pela autora e sua companheira, que conviveram em união estável por 25 anos. (Porto Alegre, 2ª Vara de Família e Sucessões, Processo n. 1060178794-7, Juiz Roberto Arriada Lorea, j. 07/01/2008).
  127. Não obstante o caso diga respeito ao reconhecimento de uma união estável, o Magistrado, novamente, trouxe à baila a questão da possibilidade do casamento homossexual.Cfr. "Reconhecida união estável que durou 25 anos entre duas mulheres". Disponível em: http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?id=13951 . Acesso em: 26/03/2009.
  128. Todavia, em virtude do fato patente dos Cartórios de Registro Civil se recusarem à celebração do casamento entre pessoas do mesmo sexo, resta ao casal a possibilidade de intentar ação declaratória de possibilidade jurídica de casamento civil homoafetivo, pelo rito ordinário, demonstrando os requisitos de validade do casamento no ordenamento brasileiro, assim como fundamentando a possibilidade jurídica do pedido por meio da interpretação extensiva ou analogia. "Por outro lado, também deverá constar pedido alternativo de declaração de inconstitucionalidade do art. 1.514 do CC brasileiro, caso o Judiciário entenda pela suposta "proibição implícita" do casamento civil homoafetivo em atenção à redação do citado dispositivo legal". Esse é o entendimento e a solução proposta por VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade, cit., p. 304-305.
  129. No Brasil, todos os pedidos de casamento passam pelo juiz de direito, de acordo com o que estabelece o art. 1.526, do CC: "A habilitação será feita perante o oficial do Registro Civil e, após a audiência do Ministério Público, será homologada pelo juiz".
  130. Cfr. LOREA, Roberto Arriada. "Acesso ao casamento no Brasil: uma questão de cidadania sexual". Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ref/v14n2/a09v14n2.pdf . Acesso em: 26/03/2009.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAVES, Marianna. A responsabilidade estatal pelo reconhecimento e regulação das uniões e do casamento homoafetivo. O atendimento aos mandamentos constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2758, 19 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18305. Acesso em: 24 abr. 2024.