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Uma análise da atuação do Senado no controle de constitucionalidade brasileiro.

Atuação jurídica ou política?

Uma análise da atuação do Senado no controle de constitucionalidade brasileiro. Atuação jurídica ou política?

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Estuda-se a evolução da atuação do Senado no seu papel de suspender a executividade da norma declarada inconstitucional pelo STF, em sede de controle difuso.

1. Introdução

O presente artigo tem o objetivo de fazer um levantamento perfunctório, através de um recorte histórico, jurisprudencial e doutrinário, de como evoluiu a atuação do Senado Federal no seu papel de suspender a executividade da norma declarada inconstitucional, em sede de controle difuso, pelo Supremo Tribunal Federal.

Breves comentários acerca do controle de constitucionalidade e do sistema adotado no Brasil serão feitos antes da evolução histórica do instituto.

Após, será feita uma estruturação histórica do sistema adotado no Brasil, partindo de uma abordagem específica sobre a atuação do Senado Federal na edição da resolução suspensiva da executividade da norma declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, através do controle difuso. Instituto este consagrado no artigo 52, X, da Constituição Federal de 1988.

O desenvolvimento do tema propiciará demonstrar que nosso sistema de controle de constitucionalidade deve ser dito misto. A existência do controle difuso e concentrado foi concebida para uma aplicação estanque de cada um desses métodos. Entretanto, a doutrina e jurisprudência têm evoluído para uma interação entre ambos os métodos.


2. Métodos de Controle de Constitucionalidade e o caso Brasileiro

Sem pretender desenvolver profundamente sobre as teorias, pressupostos, classificações e tipos de controle de constitucionalidade pode-se dizer que existem dois métodos de controle. O controle difuso e o concentrado.

O controle difuso teve origem nos Estados Unidos, e é exercido por qualquer órgão do Poder Judiciário. Sendo o órgão competente para julgar a questão principal terá também competência para julgar a questão incidental.

No controle de constitucionalidade via de exceção, difuso, a questão constitucional, declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, será argüida como causa de pedir. A decisão sobre a (in)constitucionalidade será uma questão incidental ao objeto principal do processo.

O controle concentrado surgiu na Áustria, fruto do trabalho de Hans Kelsen, e é exercido por apenas um órgão. Somente o Órgão Supremo do Poder Judiciário é que poderá julgar os casos de (in)constitucionalidade, constituindo-se como guardião da constituição. A finalidade deste processo é viabilizar o julgamento da validade da lei em tese e não da relação jurídico-processual, por isso, também é chamado de controle em abstrato.

No Brasil adotou-se originariamente o controle difuso, inaugurado na Constituição Republicana de 1891 em seu artigo 59. A criação do Supremo Tribunal Federal, sob inspiração americana, e como intérprete máximo da constituição, surgiu com a Lei Federal nº 221 de 1894.

A Constituição de 1934, já sob influência Européia, e do controle concentrado de constitucionalidade, inaugura a representação para intervenção, criada como instrumento de controle concentrado de constitucionalidade nos casos de ofensa aos princípios constitucionais sensíveis.

O poder atribuído ao Senado Federal de editar a resolução suspendendo a execução de lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando declarados inconstitucionais pelo STF, teve origem no art. 91, IV, da Constituição de 1934.

Para evitar a concentração de poderes no Judiciário atribuiu-se ao Senado Federal, uma Casa do Poder Legislativo, competência jurídica. Com isso, somente o Senado Federal poderia anular, com efeitos erga omnes, atos administrativos e legislativos declarados inconstitucionais.

Enfim, caberia à resolução suspensiva editada pelo Senado generalizar os efeitos da decisão declaratória de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

Depois dos breves comentários sobre os métodos de controle de constitucionalidade existentes e a introdução desses no Brasil passa-se a desenvolver a criação e a evolução histórica da resolução suspensiva editada pelo Senado.


3. Origem e Evolução Histórica da Resolução Suspensiva editada pelo Senado Federal

A regra do art. 52, X, da CF/88 teve origem na Constituição de 1934, com previsão no art. 91, IV: [01]

Art. 91. Compete ao Senado Federal:

(...)

IV- suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário.

O inciso IV atribuiu poder ao Senado Federal de suspender a execução de lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando declarados inconstitucionais pelo STF. A norma citada era complementada pelo art. 96 da referida Constituição: [02]

Art. 96. Quando a Corte Suprema declarar inconstitucional qualquer dispositivo de lei ou ato normativo governamental o Procurador Geral da República comunicará a decisão ao Senado Federal, para fins do art. 91, IV, e bem assim à autoridade legislativa ou executiva de que tenha emanado a lei ou ato.

O dispositivo visava esclarecer que o Senado Federal só poderia suspender a execução das leis ou atos normativos declarados inconstitucionais pela Suprema Corte, e não por qualquer juiz ou tribunal.

Segundo Oswaldo Luiz Palu: [03]

"...ao atribuir a um Poder Político competência nitidamente jurídica teria por fim evitar que o Poder Judiciário ficasse em posição de preeminência ante os demais, sendo que este poderia anular com efeitos erga omnes atos administrativos e legislativos, sem a correspondente contrapartida de poder atribuído aos últimos de contraditar decisões judiciais. Visavam também, criar um meio de estender erga omnes os efeitos da declaração de inconstitucionalidade procedida no caso concreto."

Antes da Constituição de 1934 o controle de constitucionalidade realizado pelos tribunais brasileiros adotava o modelo estadunidense. A partir dessa Constituição, com a criação da representação para intervenção (instituto que permitia à União intervir no Estado-membro desde que este desrespeitasse decisões judiciais ou desobedecesse a determinados princípios constitucionais) passou-se a adotar, também, o modelo de controle de constitucionalidade existente na Europa continental, sob inspiração de Hans Kelsen.

A Carta Constitucional de 10 de novembro de 1937 foi reflexo do papel centralizador de Getúlio Vargas. Houve um esvaziamento do controle de constitucionalidade das leis, dando-se preeminência à figura do Presidente da República. Durante a sua vigência o Chefe do Executivo estava autorizado a dispor sobre todas as matérias através de decretos-leis.

A Constituição promulgada em 18 de setembro de 1946 reintroduziu alguns institutos da Constituição de 1934. O art. 64 positivou o poder do Senado de suspender, no todo ou em parte, a execução de leis ou decretos declarados inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal: [04]

Art. 64. Incumbe ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou decreto declarados inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.

Cabia ao Supremo Tribunal Federal comunicar ao Senado as decisões declaratórias de inconstitucionalidade, para que este editasse a resolução suspensiva da executividade.

O Constituinte de 1946 restringiu a atuação do Senado para suspender a execução de "leis e decretos" declarados inconstitucionais e não mais "lei ou ato, deliberação ou regulamento" como determinado pela Constituição de 1934.

A representação para intervenção, criada pela Constituição de 1934 como instrumento de controle de constitucionalidade nos casos de ofensa aos princípios constitucionais sensíveis, hoje previstos no art. 34, VII, da CF/88, é ampliada pela Emenda Constitucional nº 16 de 1965.

A atual Ação Direta de Inconstitucionalidade foi precedida pela representação para intervenção normativa, ampliando-se os seus legitimados ativos e o seu objeto, o que começou a ocorrer com a Emenda Constitucional citada.

A principal alteração no sistema de controle de constitucionalidade no período da Constituição de 1967 foi introduzida pela Emenda Constitucional nº 1/69.

Essa reforma determinou que a Suprema Corte comunicasse a declaração de inconstitucionalidade ao Senado Federal nos casos de controle difuso e concentrado, mantendo-se a atribuição do Senado de editar a resolução suspensiva da executividade.

No controle difuso o reconhecimento da inconstitucionalidade ficava restrito aos limites subjetivos da lide e a resolução do Senado operava efeitos erga omnes. No controle concentrado o reconhecimento da inconstitucionalidade teria conteúdo declaratório, necessitando da resolução senatorial para suspender, erga omnes, os efeitos da norma declarada inconstitucional.

Nessa época muito se discutia sobre a obrigatoriedade do Senado Federal em editar a resolução suspensiva após a comunicação do Supremo Tribunal Federal da decisão definitiva declarando a inconstitucionalidade da norma. Na prática, o Senado somente editava a resolução quando fosse conveniente, tendo em vista o conteúdo político da atuação.

Ante a morosidade e discricionariedade da atuação senatorial, a despeito das declarações de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos proferidas pelo Supremo, o Senado quase nunca editava a resolução suspensiva. Por esses motivos, milhares de demandas repetitivas chegavam à Suprema Corte, principalmente através de Recurso Extraordinário, o que provocou uma grande concentração de processos.

Nessa época o papel do Supremo Tribunal Federal era meramente declaratório da (in)constitucionalidade.

Ocorre que a situação se tornava insustentável, motivo pelo qual se levantavam vozes para que o controle de constitucionalidade adotado tomasse outra configuração.

No processo administrativo 4.477/72 do Excelso Pretor o Ministro Rodrigues Alckmin dá um despacho entendendo que nos casos de decretação da inconstitucionalidade da lei ou ato normativo através da representação, que se fazia pelo controle concentrado, não haveria necessidade de comunicação ao Senado Federal, pois a própria decisão do Supremo estaria dotada de eficácia erga omnes. Vide parte do voto do Min. Rodrigues Alckmin, desp. In Proc. STF 4.477/72: [05]

1. A declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo pelo Supremo Tribunal Federal, tanto pode ocorrer no julgamento de ação direta (Representação, Constituição Federal, art. 119, II, i) como no julgamento de outras ações. Neste último caso, o julgamento, reconhecendo a inconstitucionalidade, se limita à não aplicação da norma inconstitucional à espécie examinada. Criou a Constituição Federal, entretanto, algo de novo, algo mais próximo ao veto, muito embora só nos resultados, na eficácia, que é a suspensão da execução. Assim, como a função jurisdicional, no caso concreto, não pode estender a eficácia da declaração de inconstitucionalidade à generalidade dos casos, limitada que está à espécie, o Supremo Tribunal Federal comunica o julgado ao Senado Federal que, nos termos do art. 42, VII, da Constituição Federal, suspende a execução da lei ou decreto declarados inconstitucionais.

2. Já nos casos de ação direta, a função jurisdicional, apreciando a Representação, se estende à decretação da inconstitucionalidade da lei ou ato normativo em tese. Não vejo, pois, seja necessária a intervenção do Senado, cabível somente quando, por ser a inconstitucionalidade reconhecida no julgamento de caso concreto, a decisão judicial não possa exercer seus efeitos fora da demanda em que proferida., Aqui, sim, a manifestação do Senado Federal é indispensável pala dar eficácia geral do julgamento da inconstitucionalidade, além da espécie apreciada no julgamento.

No caso de Representação por inconstitucionalidade, porém, o julgamento se refere à lei ou ato normativo, em tese, e a decisão que os tem como inconstitucional encerra, em si mesma, o efeito de excluir-Ihes a eficácia.

Neste caso, se a Representação se apóia no art. 10, VI (primeira parte) ou VII, da Constituição Federal, o provimento dela deverá determinar ofício ao Presidente da República, para eventual intervenção no Estado.

Nos mais casos de Representação, creio que seria de dar-se ciência do julgado à autoridade competente para executar a lei ou ato normativo para que lhe suste a execução.

Se houver desobediência, então, ocorrerá a intervenção federal (CF.art. 10, VI) ou crime de responsabilidade (CF, art. 82; VII)

Creio que foi acertado o entendimento de não oficiar-se ao Senado Federal nos casos de Representação.

Contudo, a partir do pensamento esposado na representação nº 933, com pedido cautelar, cujo relator foi o Ministro Thompson Flores, mudou-se a sistemática do controle até então adotado. Passou-se a entender que o poder geral de cautela é inerente ao poder jurisdicional, razão pela qual, para evitar o perecimento do direito, a maioria dos Ministros concederam a liminar, antecipando a tutela que era exclusiva da resolução do Senado. [06]

Como o Supremo Tribunal Federal sufragou entendimento que poderia conceder cautelar antecipando os efeitos da resolução do órgão legislativo, acabou sendo desnecessário que nas representações de inconstitucionalidade, hipótese de controle concentrado, a decisão fosse comunicada ao Senado Federal.

A Emenda Constitucional nº 7, de 13 de abril de 1977, alterou a competência do Supremo Tribunal Federal, incluindo no art. 119, I, o poder de sustar o ato impugnado, em casos específicos, positivando o que o STF já fazia na prática.

A alteração possibilitou ao Supremo Tribunal Federal, no caso de controle concentrado, atribuir efeitos erga omnes, com eficácia de lei, às suas decisões.

Hoje, após a Constituição Federal de 1988, o sistema brasileiro de fiscalização de constitucionalidade foi aperfeiçoado.

Ampliou-se a legitimidade ativa para propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade (antiga representação); admitiu a instituição pelos Estados membros de ação direta para declaração de inconstitucionalidade de ato normativo estadual ou municipal em face da Constituição Estadual (art. 125, § 2º); instituiu a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (art. 103, § 2º) e o Mandado de Injunção (art. 102, I, q); exigiu a citação do Advogado Geral da União nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade para defender o ato impugnado (art. 103, § 3º); previu a criação da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental e alterou o Recurso Extraordinário que passou a ter feição unicamente constitucional (art. 102, III).

Com a Emenda Constitucional nº 3, de 18/03/1993, alterou-se a redação dos arts. 102 e 103 da Lei Fundamental da República ao instituir a Ação Declaratória de Constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, de competência do Supremo Tribunal Federal. As decisões da Suprema Corte, nesses casos, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Executivo.

Mais recentemente, através da Emenda Constitucional nº 45, alterou-se o disposto no art. 102, § 2º, para determinar que as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo STF, nas ações diretas de inconstitucionalidade e declaratórias de constitucionalidade, produzirão efeitos erga omnes e vinculante, relativamente a todo o Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, em todos os seus níveis. Da mesma forma, criou-se a repercussão geral como requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário e instituiu-se a Súmula Vinculante.

O sistema de controle de constitucionalidade que o Brasil vem construindo deve ser dito misto, porque nele se misturam dois sistemas alhures praticados isoladamente, o difuso (de origem norte-americana) e o concentrado (de origem austríaca).

Apesar do caráter misto do nosso sistema de controle de constitucionalidade, mais recentemente, o controle difuso tem sofrido grande influência do concentrado. Tanto é assim que vivemos uma onda, chamada pela doutrina moderna de "abstração", "objetivação" ou "abstrativização" do controle concreto.


4. O Senado Federal dentro deste Sistema

O Senado Federal é composto de representantes dos Estados e do Distrito Federal, art. 46 da CRFB, integrando o Congresso Nacional, que exerce o Poder Legislativo, art. 44 da CRFB. Faz parte de um mecanismo de representação nacional em que defende os interesses dos Estados.

Apesar dos Senadores serem eleitos pelo voto dos cidadãos serão representantes dos estados-membros, cabendo aos deputados federais representar estes cidadãos (povo), na Câmara dos Deputados.

O Senado Federal ocupa posição de destaque dentro deste sistema, pois sua intervenção, através da resolução suspensiva, é uma forma sui generis de atuação, a qual aproxima o sistema difuso de constitucionalidade do sistema concentrado.

A declaração de inconstitucionalidade no controle concentrado resultará em eficácia erga omnes da decisão, a qual também será atingida no controle difuso, após a edição da resolução suspensiva pelo Senado.

Tomando como parâmetro o controle difuso de constitucionalidade adotado no Brasil pode-se dizer que o Supremo Tribunal Federal será o último órgão do Poder Judiciário responsável pela análise da (in)constitucionalidade, enquanto caberá ao Senado Federal generalizar a declaração de inconstitucionalidade.

O Senado, através da espécie normativa "resolução", estenderá os efeitos da decisão declaratória da inconstitucionalidade, proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso, a qual teria efeito meramente inter partes. [07]

No controle concentrado caberá ao órgão Supremo declarar (in)constitucionalidade dando efeitos erga omnes, assumindo, nesse caso, a dupla função, o papel de guardião da constitucionalidade e da generalidade.

A Constituição da República Federativa do Brasil atribuiu ao Senado Federal várias funções específicas, a maioria inserida no artigo 52. Há duas funções gerais e basilares: a da representação dos estados-membros e a de moderação institucional.

Somente neste quadro funcional de representação e moderação é que se poderá compreender a função aqui tratada de suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, privativa do Senado Federal e positivada no inciso X, do artigo 52 da Constituição de 1988.

O Senado como instituição, teve origem em Roma, era instituição de consulta, que teve por berço o patriciado da república romana, em cuja fase originária os senadores eram escolhidos entre os patrícios, em razão de sua idade, ou melhor, do patrimônio físico e moral acumulado ao longo da vida. Desde estão o Senado tem sua função moderadora expressa na raiz do próprio nome [08] e radicada na prudência de seus membros, fruto de sua vivência mais extensa e intensa.

Por essas razões a nossa Constituição coloca como condição de elegibilidade para o senado a idade mínima de 35 anos. [09] Sendo um órgão de temperança, esta função moderadora, que visa à harmonia entre os poderes, lhe é inata, sobretudo nos atos de sua competência constitucional, como é o caso da possibilidade de generalizar a declaração de inconstitucionalidade decidida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso.

No controle difuso, a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal é condição para que o Senado edite a resolução suspensiva da execução da norma, tratando-se de ato complexo a eficácia erga omnes da decisão.

A resolução suspensiva editada pelo Senado, terá caráter eminentemente político, pois suspender a execução de lei declarada inconstitucional pelo Supremo, em sede de controle difuso, é função essencialmente jurisdicional, a qual deveria ser exercida pelo judiciário; porém, trata-se de função legislativa outorgada à competência privativa do Senado.

O art. 52, X, da Constituição Federal de 1988, fala em suspender a execução e não em suspender a vigência. Depois da edição da resolução suspensiva a lei continuará em vigor, de modo que não houve nenhuma outra lei que a revogou, mas simplesmente não produzirá mais efeitos, estará sem eficácia, comprovando o caráter normativo desta resolução.

Cabendo ao Senado revogar ou suspender a vigência da lei, aí sim se pode concluir pela sua competência legislativa. Doravante, o Senado suspende a execução, dando extensão maior à decisão do Supremo e isso consiste no exercício de jurisdição, podendo ser considerada uma função atípica ou anômala do Senado.

O Senado só ratificará sua função moderadora e terá a devida autonomia para representar os estados-membros se tiver a discricionariedade exigida para sua atuação, de modo que a edição da resolução supensiva ficará sob o crivo da sua conveniência.

Na prática, o Senado quase não tem exercido o seu papel de editar a resolução suspensiva da executividade. Com isso os efeitos das decisões prolatadas pelo Supremo, em sede de controle difuso, ficavam restritos às partes, considerando o limite subjetivo da lide.

Soma-se a isso, o fato de que os legitimados para exercerem o controle concentrado, onde há a extensão erga omnes dos efeitos da decisão, são restritos. Assim, muitas demandas atinentes à (in)constitucionalidade das normas só podiam ser resolvidas no caso concreto, através do vagaroso controle difuso de constitucionalidade.

Diante desse quadro, o Supremo Tribunal Federal passou a receber um quantitativo insolúvel de processos. Como forma de tentar minorar essa circunstância a Emenda Constitucional nº 45, nomeada como Reforma do Judiciário, trouxe alguns institutos para evitar esse caos.

Mesmo após essa reforma o Supremo Tribunal Federal continuou recebendo um quantitativo muito grande de processos. Em razão da ineficácia da prestação jurisdicional e sob o fundamento da busca da efetividade processual Gilmar Ferreira Mendes, capitaneando uma doutrina moderna, passou a sustentar que as decisões definitivas proferidas pelo STF, em sede de controle difuso, teriam eficácia contra todos, inobstante a natureza subjetiva do processo.

Essa tendência é nominada de diferentes formas, sendo conhecida como "abstração", "objetivação" ou "abstrativização" do controle concreto.

Segundo Gilmar Ferreira Mendes, partindo de uma interpretação mais contemporânea do princípio da separação entre os poderes e da competência de guardião da Constituição inata ao STF, houve uma mutação constitucional do art. 52, X, da CF/88, de modo que seu histórico seria a única razão de sua existência. [10]

De qualquer modo, mesmo que esse entendimento não seja sufragado como majoritário, há outros institutos que poderiam dar efeitos erga omnes, em sede de controle difuso.

Um exemplo seria a aplicação da súmula vinculante, em decisão definitiva, proferida no caso concreto, através da manifestação de dois terços dos membros do STF no mesmo sentido, nos moldes em que prevê o art. 103-A, da CF/88.

Pode-se também citar a aplicação do disposto no art. 27, da Lei nº 9868/99, para modular os efeitos da decisão de (in)constitucionalidade, nos casos de controle concreto.


5. Conclusão

Por conseguinte, a edição da resolução suspensiva do Senado Federal é um tema que já gerou mais controvérsias, porém, após algumas manifestações do Supremo Tribunal Federal e do próprio Senado acabou por se tornar discussão doutrinária.

A intenção do Constituinte de 1934, ao criar o instituto em estudo, dando competência ao Senado Federal para editar a resolução suspensiva, era evitar que se formasse um "governo dos juízes".

Houve, inclusive, a tentativa de criar uma Corte Constitucional, a qual seria assumida pelo Senado Federal. Essa idéia não se consolidou, tendo a resolução suspensiva da executividade, editada pelo Senado, após decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, declarando a inconstitucionalidade da norma, tornado um elemento generalizador da decisão deste órgão.

A decisão tomada no caso concreto e com efeitos inter partes estenderia seus efeitos erga omnes, após a manifestação do Senado, o que possibilitaria desafogar o grande quantitativo de ações repetidas que chegavam ao Supremo.

Originariamente, para estender erga omnes, os efeitos da decisão declaratória de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal, deveria ser comunicado ao Senado para editar a resolução suspensiva, seja no controle difuso como no controle concentrado.

A partir da representação nº 933 o Supremo Tribunal Federal adotou entendimento de que nos casos de controle concentrado não mais necessitaria fazer essa comunicação, já que a própria decisão do Supremo teria efeitos erga omnes e ex tunc.

A resolução suspensiva editada pelo Senado é consagrada como generalizadora dos efeitos da decisão definitiva, declaratória de inconstitucionalidade, prolatada pelo Supremo, no caso concreto, estendendo erga omnes os efeitos inter partes e in casu.

Hoje em dia não se pode mais concordar que o Senado Federal seja o órgão adequado para fiscalizar a estabilidade da jurisprudência e a regularidade formal dos julgados do STF no controle difuso.

No sistema constitucional de controle adotado pelo Brasil esta função do Senado seria anômala e constituiria grave anacronismo sua permanência, pois o país não adota apenas o controle difuso, mas também o concentrado.

Depois de editada a Lei nº 9868/99, e mais recentemente a súmula vinculante, que permite ao STF uma enorme gama de variações sobre a eficácia das decisões de (in)constitucionalidade, há que se indagar se a estabilidade da jurisprudência constitucional no sistema difuso não deveria ser resolvida pelas regras de processo.

É necessário transformar o Supremo Tribunal Federal em verdadeira Corte Especializada em questões Constitucionais, retirando do Senado esta função sui generis. Até porque, a edição desta resolução suspensiva da executividade, de lei ou ato normativo, não poderá se dar nos casos em que: o Supremo limitar-se a fixar a orientação constitucionalmente adequada; restringir o significado de uma dada expressão ou colmatar uma lacuna, promovendo uma interpretação conforme a constituição e quando for declarada a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto.


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Notas

  1. BRASIL. Constituição Federal, de 16 de julho de 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao34.htm> Acesso em 15.10.2010
  2. Ibidem.
  3. PALU, Oswaldo Luiz. Controle de Constitucionalidade. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2001. p. 127.
  4. BRASIL. Constituição Federal, de 18 de setembro de 1946. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao46.htm> Acesso em 19.10.2010.
  5. POLETTI, Ronaldo. Controle de Constitucionalidade das leis. 2ª ed. São Paulo: Forense. 2000. p. 152-153.
  6. SLAIB FILHO. Nagib. Breve História do Controle de Constitucionalidade. Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Nagib%20Slaibi%20Filho%20%285%29%20-formatado.pdf> Acesso em: 20.10.2010
  7. Antes de suspensa a execução da lei, a declaração incidental de inconstitucionalidade só tem efeito entre as partes (STF-RE 108.873-7-RJ, Rel. Min. Djaci Falcão) Apud in POLETTI, Ronaldo. Controle de Constitucionalidade das leis. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2000. p. 150.
  8. Na origem latina, o vocábulo senado significa assembléia dos velhos, prendendo-se à raiz sen, também encontrada em outras palavras como indicativo de avançada idade e, no étimo primário, a sabedoria daí obtida.
  9. Constituição Federal, art. 14, § 3, inciso VI, alínea "a".
  10. MENDES, Gilmar Ferreira. O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional. Estudos em homenagem a Anna Maria Villela. Revista de Informação Legislativa. Ano 41, nº 162, abril/junho 2004, p. 149/168. Disponível em <http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_162/R162-12.pdf> Acesso em: 10/11/2009.

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NUNES, Allan Titonelli. Uma análise da atuação do Senado no controle de constitucionalidade brasileiro. Atuação jurídica ou política?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2794, 24 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18562. Acesso em: 24 abr. 2024.