Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/18598
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Justiça Restaurativa I: da retribuição à restauração.

Um movimento a favor dos direitos humanos

Justiça Restaurativa I: da retribuição à restauração. Um movimento a favor dos direitos humanos

Publicado em . Elaborado em .

Resumo: Este artigo apresenta uma revisão e uma análise da evolução da justiça em nossa sociedade atual e ao longo dos tempos na direção do surgimento de novas alternativas que contribuam para um avanço no que se refere a garantia dos direitos humanos. Aponta para a necessidade de uma abordagem transdisciplinar e sistêmica no entendimento e na elaboração de propostas para a aplicação da justiça. Em sua estrutura consta inicialmente uma reflexão sobre a atualidade da Justiça no Brasil, seguindo então para uma abordagem histórica da justiça em direção às práticas restaurativas, concluindo com uma caracterização das práticas restaurativas. O estudo mostra a evolução da justiça desde as práticas de tortura até as atuais práticas restaurativas. Evidencia a necessidade de uma abordagem transdisciplinar e sistêmica para a busca de soluções que não desprezem os direitos humanos tanto da vítima quando do infrator.

Palavras-chave: Prevenção ao crime. Justiça Social. Direitos humanos. Psicologia jurídica.


INTRODUÇÃO

Atualmente é comum entre a população brasileira uma percepção (talvez uma certeza) da impunidade dos criminosos, bem como de falta de capacidade de recuperação destes infratores por parte do Estado. Não é segredo que o atual modelo de justiça criminal não tem conseguido atingir de maneira eficaz seus objetivos. O sistema presidiário transparece estar em colapso e o índice de crimes aumenta progressivamente parecendo ser a ressocialização dos criminosos uma utopia.

Considerando a insuficiência do sistema penal atual, vem se desenvolvendo em vários lugares do mundo uma nova proposta para se lidar com o crime, a Justiça Restaurativa (JR). Esta nova abordagem, apesar de ter sua origem ligada a processos informais, já possui procedimentos oficializados em diversos lugares do mundo. Neste sentido foi elaborado pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara Federal dos Deputados do Brasil um projeto de lei - Sugestão N 99, de 2005 - (Projeto de Lei n° 99, 2005), cujo objetivo é viabilizar a implantação da Justiça Restaurativa no Brasil.

Considerando a emergência da Justiça Restaurativa, o grande potencial preventivo que esta denota, as crescentes preocupações com os direitos humanos e a realidade em que vivemos, focar este tópico sob um olhar investigativo, e ao mesmo tempo esclarecedor, pode ser de grande utilidade para todos e em especial, para o próprio desenvolvimento desta nova prática. Desta forma, este estudo destaca a necessidade de uma abordagem transdisciplinar e sistêmica para uma evolução mais adequada das questões relativas à aplicação da justiça. Assim, a investigação que aqui é apresentada fundamenta-se em uma pesquisa bibliográfica (Gil, 1996), com fins exploratórios, na literatura sobre Justiça Restaurativa disponível em português, bem como, em bibliografias específicas da psicologia pertinentes para este estudo.


A justiça tradicional no Brasil - o anseio por maior segurança

O modelo predominante de Justiça no Brasil tem seu foco na punição, é o modelo retributivo. Nos últimos anos ouviu-se falar muito sobre medidas antiviolência, como por exemplo, a diminuição da maioridade penal, o aumento da duração das penas, o rastreamento eletrônico de condenados, a construção de mais presídios, a pena de morte, entre outras. Atualmente, inclusive, o regime prisional semi-aberto está sendo muito questionado. Este olhar mais rigoroso como forma de lidar com o crime, bem como exemplos de tentativas de evolução do nosso sistema de aplicação da justiça não são incomuns nos dias de hoje.

Muito dessas preocupações são repercussões de casos como o ocorrido contra o menino João Hélio no início do ano de 2007. Este fato mobilizou, através da divulgação da mídia, a opinião pública. Conforme reportagem da Folha On-line (2007), de oito de fevereiro de 2007, o menino foi arrastado até a morte, preso no carro que os assaltantes roubaram de sua mãe. No primeiro semestre de 2008, mais dois exemplos de crimes (entre outros) que tiveram repercussão nacional (e internacional) e que mexeram com a opinião pública foram: o caso na menina Isabella (cinco anos) de SP (Piacentini, 2008), que "foi jogada" da janela do apartamento de seu pai; e, conforme reportagem do Jornal NH (2008), o caso de um garoto de 16 anos de Novo Hamburgo (RS), que assumiu ter cometido diversos homicídios. Em 2009 pode-se citar o caso de uma pediatra (39 anos) de Salvador, seqüestrada e morta por um criminoso de 35 anos que confessou o crime (Jornal da Mídia, 2009). Ainda, no que se refere a criminalidade e sua divulgação, cabe mencionar o filme "Tropa de Elite" do cineasta brasileiro José Padilha. Esta produção "apontou" para uma "grave ferida", provocando consideráveis repercussões nos diversos segmentos da população.

Na mesma direção estão os dados de uma pesquisa realizada pelo DataSenado a respeito da violência no Brasil,

A pesquisa é um reflexo dessa ansiedade social por providências para enfrentar esse angustiante problema. 69% da população quer o aumento da pena máxima hoje fixada em 30 anos e quase a unanimidade dos pesquisados (93%) não quer nem ouvir falar em benesses para quem pratica crime hediondo. Na opinião de 75%, a prisão perpétua passou a ser considerada pena conveniente no combate ao crime - disse o presidente do Senado. (Agência Senado, 2007)

Baierl (2004) acredita que a violência urbana intensifica o medo social, o qual pode servir como instrumento de coerção das pessoas aos interesses de alguns. "Todos se sentem afetados, ameaçados, correndo perigo" (Baierl, 2004, p.20). As ameaças reais se apresentam juntas com as imaginárias oriundas do crescente aumento da violência nas cidades. Ainda, segundo a autora, tudo se agrava em função da forma como esses índices são veiculados na mídia, em função da manifestação corriqueira do crime e pela ineficiência do Estado em oferecer segurança. "Os sentimentos generalizados são de insegurança, ameaça, raiva, ódio, medo e desesperança" (Baierl, 2004, p.20). A opinião de Baierl (2004) em relação à mídia assemelha-se a opinião de Glassner (2003). Ele fala de estudos que mostram que mesmo com a diminuição concreta da violência nos EUA, a população sofreu um aumento do sentimento de insegurança e de medo. Glassner atribui o fato, em grande parte, à forma como a mídia divulga os acontecimentos violentos que ocorrem na sociedade. Porém, apesar de que muito da indignação presente em diversas pessoas possa ser atribuída à forma como os fatos são divulgados, não se pode negar que existem dados concretos preocupantes:

Como os índices criminais através da América Latina dobraram nos anos oitenta e triplicaram nos anos noventa, a incapacidade judicial foi exacerbada. Como a maior parte deste aumento consiste em crimes violentos, e a cobertura da mídia sensacionalista dificulta ainda mais o problema, aumentando o sentimento de insegurança e incentivando políticas mais duras no combate ao crime. Estes fatores se combinaram para não só criar uma crise no sistema judiciário, mas também uma situação de prisões superlotadas, o que resultou na violação de convenções de direitos humanos e no prolongamento do ciclo de violência (Chinchila 1999: 2; Carranza 2001: 17-20). (Parker, 2004, p. 250)

Se a situação é vista como preocupante pelas pessoas, é interessante lembrar que, conforme Glassner (2003) existe uma relação direta entre o nível de medo da população e o quanto esta se apresenta mais punitiva. Sendo essa relação, conforme o autor, utilizada pelos políticos para justificar a construção de mais prisões.

Assim, considerando o exposto até o momento, é possível perceber alguns indicadores que podem estar relacionados com a solicitação, por parte de alguns membros da sociedade, de punições mais severas para os criminosos. Sendo um desses indicadores, certamente, a ineficiência do sistema atual em conter a violência e oferecer um sentimento segurança.


Uma visão histórica da aplicação da justiça e a necessidade de uma construção transdisciplinar

Antes de qualquer análise sobre o modelo atual de efetivação da justiça, é interessante observar alguns pontos da história do sistema justiça/punição. Oliveira (2002), brasileiro, especialista em direito penal, faz uma boa leitura do passado do sistema penitenciário em seu livro "O Futuro Alternativo das Prisões". O mesmo é feito por Bitencourt (2004), outro especialista em direito, em seu livro "Falência da Pena de Prisão – causas e alternativas". Anteriormente, os estudos de Foucault (1974/2007) em "Vigiar e punir" discutiram a função social e as instituições de poder que estiveram implicadas na aplicação da justiça ao longo do tempo.

Bitencourt (2004) comenta que a delinqüência sempre existiu e que na antigüidade a privação de liberdade era comum como uma ante-sala da morte ou da tortura. Recorria-se nesse período, basicamente, à pena de morte e às mutilações (penas corporais). Conforme Oliveira (2002), nos primórdios da humanidade o tratamento para os humanos infratores não se diferenciava muito do tratamento destinado a animais.

Foucault (1974/2007), em sua obra "Vigiar e Punir", inicia sua reflexão narrando a história de Damiens, que fora condenado em 1757, a pedir perdão publicamente diante da porta da Igreja de Paris e depois ser torturado e executado. Ele deveria ser levado numa carroça, somente de camisola, carregando uma tocha acesa, e, em uma praça, sobre uma espécie de palco, ele seria torturado em várias partes do corpo. Nas partes em que fosse torturado seriam aplicados diversos materiais aquecidos e derretidos como o óleo, o chumbo e a cera, entre outros. A seguir seu corpo seria puxado e desmembrado por cavalos e seus membros queimados ao fogo.

Conforme Oliveira (2002) foi na idade média que o termo "Penitenciária" foi criado. Época em que o poder da Igreja e o poder do Estado se confundiam. O termo era destinado a designar o local onde o infrator, que havia desrespeitado alguma regra (social/"divina"), era colocado para fazer sua penitência.

No século XVI (Oliveira, 2002) surgiram as "galés" ou "galeras", navios onde eram colocados os infratores para servirem de remadores e/ou para outros serviços forçados. Seguiram-se a isso os presídios militares e depois os presídios de obras públicas. A prisão como meta específica de reeducação foi criada em 1550 em Londres. No século que se seguiu, esse modelo se generalizou. No século XVII, nos EUA, foi criada a prisão–navio. No séc. XVIII, o Hospício de São Miguel em Roma (1703) e a casa de correção de Gand na Bélgica (1775) foram iniciativas que buscaram dar tratamento diferenciado para jovens, idosos, mulheres e para os diferentes tipos de criminosos. Conforme Bitencourt (2004), nessa época surgem as prisões de Estado e as prisões eclesiásticas.

Para Melossi e Pavarini, a prisão surge quando se estabelecem as casas de correção Holandesas e Inglesas, cuja origem não se explica pela existência de um propósito mais ou menos humanitário e idealista, mas pela necessidade que existia de possuir um instrumento que permitisse não tanto a reforma ou reabilitação do delinqüente, mas sua submissão ao regime dominante (capitalismo) (Bitencourt, 2004, p.23).

Em 1789, conforme Oliveira (2002), a queda da Bastilha (uma fortaleza/prisão), em meio a Revolução Francesa, foi um marco simbólico na luta da humanidade contra a prepotência. Durante os séculos XVIII e XIX, sob a influência dos estudos de dois especialistas da época (Cesare Beccaria e John Howard), se deu na Europa uma onda de humanização das prisões, onde foram expostas ao público as atrocidades e injustiças que ocorriam lá dentro. Juntamente com as idéias dos pensadores mencionados acima, soma-se o trabalho de Jeremias Bentham (séc.XIX). Tais estudos deram origem ao modelo penitenciário clássico, sob a base de sistemas diferenciados de educação.

Nos últimos anos, apesar das tentativas e dos esforços para a evolução do sistema prisional, ainda foi possível presenciar grandes brutalidades nesse meio. Cabe, aqui, dar um destaque ao maior massacre penitenciário ocorrido no Brasil (Carandiru em 1992). A lotação do presídio era para 3.300 presos, no entanto abrigava 7.119 pessoas. Os policiais (341) foram chamados para conter uma rebelião. Resultado: 103 presos mortos a bala, 7 presos mortos por esfaqueamento, um preso morto a faca e a bala. Foram encontrados 515 tiros nos corpos sendo que, destes, 176 nas costas. O trecho abaixo foi retirado do livro "Pavilhão 9 – O Massacre do Carandiru":

O preso é obrigado a conviver numa cela com outros homens, antes desconhecidos. Não pode nem xingar e brincar como fazia, às vezes, em casa. Aqui, um eventual conflito desses, normal do dia-a-dia, pode significar enfermaria ou caixão. (...) Apesar de todo o cuidado em manter a higiene e a cela limpa, já contraiu várias vezes sarna, uma peste na prisão. Vive em perigo, pois centenas de seus manos sofrem das mais diversas doenças transmissíveis, especialmente da pele e do pulmão. (Pereira; Pietá, 1993, p.20-21)

Em um presídio, conforme Gulassa (2007), a rotina sofre influência de duas forças. Uma delas são as regras da própria instituição com os seus mais variados dispositivos como espaços para banho de sol, espaços para o isolamento (para segurança do próprio presidiário), espaços para o "castigo" (em forma de isolamento), entre outros. A outra força é determinada a partir da primeira considerando uma série de normas e hierarquia organizada pelos próprios detentos. Assim, a cadeia não é um local sem moral. Existe um preço a ser pago por quem desrespeitar o código interno dos prisioneiros.

Seguindo com a revisão longitudinal, "(...) a pena de privação de liberdade passa, a partir do início do século XIX, a ter uma dupla significação – privação do tempo livre e transformação do sujeito através do disciplinamento (...)"(Sandrini, 2005, p.224)

Apesar do marco que representa a criação dos espaços institucionais específicos (edificações) para a aplicação das penas correcionais estar localizado em 1550, com a House of Correction – Casa de correção na Inglaterra, foi principalmente a partir do século XIX que o sistema penitenciário clássico se organizou. Este sistema pode ser dividido em diversos modelos (Oliveira, 2002). Para exemplificar cita-se o Sistema Pensilvânico (EUA) e o Sistema Progressivo Irlandês. No primeiro o ponto central é o isolamento celular diurno e noturno, com trabalho dentro da própria cela, já no segundo, o prisioneiro ganha marcas ou vales por boa conduta e/ou por trabalho realizado e, conforme o valor alcançado de vales progride de um estágio para outro, até ter direito a liberdade. Sendo que, neste caso, existem atividades de trabalho coletivo, onde não precisam manter silêncio. Existe ainda, conforme Oliveira (2002) o que se pode chamar de Modernos Regimes Penitenciários: o Regime Fechado (de segurança máxima ou de segurança média); o Regime Semi-Aberto (de segurança média), onde o prisioneiro possui maior flexibilidade para exercer atividade (de trabalho ou de instrução); o Regime Aberto (de segurança mínima) tem como base o sentimento de confiança, autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado.

Ao mesmo tempo – considerando uma perspectiva filosófica - as mudanças ocorridas na sociedade ao longo do tempo levaram a mudança nos jogos de poder. Foucault (1979/2001) enfatizou a existência de um modelo de sociedade disciplinar. Este modelo perdurou desde o século XIII até o meio do século XX quando foi substituído, conforme Deleuze (1998) pela sociedade de controle. A sociedade disciplinar, conforme Costa (2004) se constitui por uma rede que atravessa as instituições. Um poder metódico que vigia e controla os espaços, o tempo, enfim, o sujeito, para que esses atinjam determinados fins. O corpo se torna força de trabalho capitalista. A assinatura e o número de matrícula caracterizam bem esse modelo. Já a sociedade de controle caracteriza-se por uma senha, onde o acesso a informação é ou não permitido. É a linguagem digital do controle.

Segundo Foucault se a função do poder fosse só reprimir, agindo por meio apenas "da censura, da exclusão, do impedimento, do recalcamento, à maneira de um grande superego, se apenas se exercesse de um modo negativo, ele seria muito frágil". (Foucault, 1979/2001, p. 148) Ainda sob um olhar filosófico, conforme Gomes (2002), Guattari, em seus estudos sobre o controle, considera três tipos de poderes: 1) O controle de tipo institucionalse constitui, além da coerção física, em fatores econômicos, jurídicos, políticos, etc. De todos aqueles fatores que podem servir para o condicionamento objetivo do comportamento social. 2)O controle através de formas discursivas representa todo condicionamento subjetivo causado pela linguagem, seja pelo controle ao acesso à informação ou pela sugestão de valores, de pontos de vistas. 3) E o controle de Si ou autocontrole. Éum nível mais psicológico. Está vinculado a autonomia do indivíduo, ao desejo, à consciência em relação a todos os fatores objetivos e ao sistema de valores e crenças do indivíduo.

Chegando aos dias de hoje, a proposta da Justiça Restaurativa, que já está sendo aplicada em muitos países, não toma o infrator como objeto para mostrar aos demais "a certeza de punição". Conforme Zeher (2008), ela o mantém como sujeito responsável por seus atos, buscando diminuir a distância entre ele, a vítima e a sociedade. A prisão, segundo o autor, não deve ser normativa. Isso é o oposto do modelo tradicional, o qual acaba por aumentar a distância entre o opressor e os demais. Estimula um repúdio ao infrator. Conforme Zeher (2008), o objetivo central da justiça tradicional é a determinação da culpa e posterior imposição da dor.

Ao falar da relação entre o Direito e outras áreas, Trindade (2007) em seu livro "Manual de Psicologia Jurídica", deixa evidente a necessidade de um entendimento para além das disciplinas isoladamente. O autor considera que, "a noção de transdisciplinaridade tem sido evocada na tentativa de uma melhor compreensão desse novo modo de agir da ciência num paradigma da complexidade" (Trindade, 2007, p.24).

Conforme Guattari (1990), a transdisciplinaridade deveria se tornar uma transversalidade, atravessando a ciência, o social, o estético e o político. Sendo que o político deve estar mais próximo da vida cotidiana e preocupado com as grandes questões do planeta. Ainda segundo o mesmo autor, para a constituição de uma transdisciplinaridade viva, deve-se levar em conta a iniciativa, o gosto pelo risco, a fuga de esquemas pré-estabelecidos e a maturidade da personalidade. De acordo com a "Carta da Transdisciplinaridade" (Freitas, Morin, & Nicolescu, 1994), uma abordagem transdisciplinar não pode reduzir o humano a estruturas formais, deve considerar que existem níveis diferentes de realidade, que o humano possui dimensão planetária, que a transdisciplinaridade não quer dominar sobre as disciplinas, mas sim proporcionar a relação entre essas, bem como a abertura dessas para o que está entre elas.

Enfim, a solução para os problemas que afetam o sistema penitenciário, em todos os continentes, só será obtida se baseada na convicção de que esta não é uma questão isolada, estanque. Ao contrário necessita ser entendida como um verdadeiro sistema de vasos comunicantes fundamentada em quatro pontos: a justiça social; o sistema policial; o sistema judiciário, e o sistema penitenciário. Além disso, exige uma ampla discussão a envolver todos os segmentos sociais, cujos componentes não devem continuar contaminados e imobilizados pelo preconceito e pela indiferença. (Oliveira, 2002, p.12)


A Justiça Restaurativa

A Justiça restaurativa é uma nova forma de justiça penal dedicada a reparar o dano causado e as relações que foram prejudicadas. A origem dessa prática, conforme Zehr (2008) está vinculada às tradições indígenas. Conforme o autor, os primeiros povos do Canadá, EUA e Nova Zelândia deixaram contribuições significativas nesse campo. Porém, conforme Froestad e Shearing (2004), o início de sua oficialização, dentro de um sistema jurídico formal, está localizado nos anos 70 (EUA) e 80 (Nova Zelândia), através das primeiras experiências formais de mediação vítima/ofensor. A partir dos anos 90 sofreu uma ampliação, incluindo nas "reuniões restaurativas" a comunidade, os familiares e demais pessoas relacionadas à situação. A partir daí a justiça restaurativa e suas práticas emergentes constituem uma nova e promissora área de estudo.

De uma forma geral, a justiça restaurativa fundamenta-se em um procedimento participativo onde a vítima, o infrator e outros membros da comunidade afetados participam coletivamente na construção de soluções para os danos causados pelo crime, como traumas e perdas. "Justiça Restaurativa, uma nova tendência sistêmica na qual as partes envolvidas em determinado crime [e.g. vítima e ofensor] conjuntamente decidem a melhor forma de lidar com os desdobramentos da ofensa e suas implicações futuras". (Azevedo, A. G., 2004, p.135)

Conforme Azevedo, A. G. (2004) existem diversos processos que constituem a Justiça Restaurativa como a mediação vítima-ofensor, a conferência, os círculos de pacificação, círculos decisórios, a restituição, entre outros. Todos os procedimentos contribuem na direção de algum valor: "Os valores da justiça restaurativa – encontro, inclusão, reparações, e reintegração – enfatizam a restauração dos prejuízos causados pelo crime, levando a pessoa a assumir a responsabilidade por suas próprias ações (...)". (Van Ness e Forte 2002). (Parker, 2004, p. 248 )

Conforme Aguinsky & Brancher (2007),

Definir como foco a percepção das conseqüências do delito e compromisso com sua reparação e direcionar a ele não somente o olhar do infrator, mas de todas as pessoas e comunidade a ele relacionadas, inclusive operadores da rede de atendimento e do sistema da justiça, seguramente vem sendo a contribuição mais relevante das idéias restaurativas no campo da jurisdição penal juvenil. (Aguinsky & Brancher, 2007, p. 13)

Assim, essa proposta considera as dimensões sociais envolvidas na ocorrência de um crime e oferece espaços que buscam que o agressor se responsabilize. Ao mesmo tempo, não deixa de oportunizar tanto ao infrator quanto para a vítima a oportunidade de uma elaboração dos danos. A justiça restaurativa parte do princípio de que o delito prejudica as pessoas e as relações e de que a justiça necessita possibilitar o restabelecimento das relações com a sociedade.


Os Valores, Processos e Práticas da Justiça Restaurativa

De forma geral, a justiça restaurativa oferece um processo mais informal e privado sobre o qual têm controle as partes mais diretamente afetadas pelo crime. Isto não significa, no entanto, que não existam regras a serem seguidas ou que não há direitos que devem ser protegidos. (Morris, 2004, p.441)

Nos sistemas de justiça convencional o crime é tido, principalmente, como uma violação dos interesses do Estado, caracterizada pela desobediência à lei e pela culpa. As respostas a ele são formuladas por profissionais representando o Estado. O professor Haward Zehr, em seu livro "Trocando as Lentes" (2008), faz uma abordagem da Justiça Restaurativa apresentando-a como uma nova forma de se enxergar o crime e suas conseqüências. Assim, com esse novo olhar, a violação é contra pessoas e relacionamentos, e não contra o Estado, criando a obrigação de corrigir os erros. A justiça envolve a vítima, o ofensor e a comunidade na busca de soluções que produzam reparação, reconciliação e segurança.

A justiça restaurativa oferece caminhos, possibilidades, decisões sobre como melhor atender àqueles que mais são afetados pelo crime – vítimas, infratores e a comunidade. Os principais personagens em tal processo são as próprias partes. A justiça restaurativa procura reconciliar vítimas, infratores e suas comunidades por meio de acordos que ajudam a lidar melhor com o ocorrido. Busca, também, promover a reintegração e reinserção das vítimas e dos infratores nas comunidades, tentando evitar a reincidência. Corrigir o que está errado é central.

A intenção é criar um ambiente de respeito e livre de humilhações, onde os participantes possam se sentir à vontade para falar por si mesmo, assim, segundo Zehr (2008), a mediação é totalmente compatível com a abordagem restaurativa na justiça. "Os objetivos da justiça restaurativa são, principalmente, responsabilizar de forma significativa os infratores e proporcionar uma reparação às vítimas, certamente no plano simbólico e, quando possível, também concretamente" (Morris, 2004, p.442).

Conforme Zehr (2008), sob o olhar da "Lente Retributiva" a responsabilização é vista da seguinte forma: Os erros geram culpa, a qual é absoluta e indelével. A dívida que se estabelece tanto em relação à vítima quanto em relação à sociedade é abstrata. Esta dívida deve ser paga através da punição, a qual deve ser aceita como remédio merecido por seus atos. O comportamento infrator é visto como escolhido. Oscila no entendimento da ação dos criminosos como sendo oriundas do livre arbítrio ou do determinismo social.

Ainda segundo o mesmo autor, agora sob o olhar da "Lente Restaurativa" a responsabilização é vista da seguinte forma: Os erros geram dívidas e obrigações sendo que, existem graus de responsabilização em relação a uma dívida que é concreta. A culpa pode ser redimida pelo arrependimento e o perdão. A dívida, que é com a vítima em primeiro lugar, pode ser paga fazendo-se o certo. O infrator deve responder por seus atos assumindo a responsabilidade. Reconhece o papel do contexto social sem negar a responsabilidade pessoa. "Tais práticas e processos restaurativos, portanto, devem "empoderar" infratores e vítimas, oferecendo a eles um sentimento de inclusão e de satisfação com tais práticas e processos." (Morris, 2004, p.443)

Segundo Morris (2004), a justiça restaurativa também destaca os direitos humanos e a necessidade de reconhecer o impacto de injustiças sociais e de alguma forma resolver esses problemas. Assim, tem por objetivo "restituir à vítima a segurança, o auto-respeito, a dignidade e, mais importante, o senso de controle" (Morris, 2004, p.441). Busca também responsabilizar os infratores ajudando-os a perceberem que podem corrigir aquilo que fizeram (se não concretamente, então simbolicamente) bem como, ajudar a desenvolver um sentimento de que o processo foi correto. A Justiça Restaurativa incentiva o respeito pelas diferenças "e não a prepotência de uma cultua sobre a outra" (Morris, 2004, p.441).

Assim, a justiça deve tentar identificar e atender as necessidades humanas tanto das vítimas quanto dos ofensores, sem deixar de lado a comunidade. O modelo retributivo tradicional diz que o ofensor não merece que suas necessidades sejam atendidas. A identificação das necessidades dos ofensores é um elemento fundamental da Justiça Restaurativa muito embora o ponto de partida desse processo sejam as necessidades da vítima.

Outro ponto importante a ser abordado é a falsa idéia de que os resultados restauradores são focados exclusivamente em pedidos de desculpa, reparações ou trabalhos comunitários. Morris (2004) afirma que "qualquer resultado – incluindo o encarceramento – pode ser, efetivamente, "restaurativo" desde que assim tenha sido acordado e considerado apropriado pelas partes principais" (Morris, 2004, p.442).

Nem a proteção da sociedade nem a ênfase na gravidade do crime são excluídas do sistema de justiça restaurativa. A diferença é que o infrator, a vítima e suas comunidades de suporte participaram da construção da sentença, conseguiram alcançar um grau mais alto de compreensão de suas circunstâncias e efeitos e, talvez, uma satisfação maior em seus contatos com o sistema de justiça criminal. Outrossim, a discussão sobre as conseqüências do crime é um poderoso meio de comunicar ao infrator a gravidade de sua conduta – mais efetivo do que o seu simples aprisionamento. (Morris, 2004, p.442)

Para o entendimento de que a Justiça Restaurativa possa ou não ser aplicada a criminosos mais "experientes", se torna importante destacar que as propostas dessa podem ser apresentadas, conforme Morrison (2004), em forma de pirâmide, indo das menos restritivas as mais restritivas. Assim, as medidas mais drásticas ficam reservadas a minoria (ápice da pirâmide) e as medidas com maior dose de restauração à grande maioria - a base da pirâmide.

Conforme Zehr (2008), a punição é uma forma de mandar uma mensagem ao ofensor: Se cometer algum crime você sofrerá por isso. Já a restauração manda outra mensagem: Não cometa ofensas, pois elas prejudicam alguém. Aqueles que prejudicam os outros têm que reparar seu erro. Na JR a punição não deve ser a peça central. Se for aplicada, não pode ser tão intensa a ponto de impedir a restauração e cura como objetivos. Talvez possa existir uma punição restaurativa, porém, as punições destrutivas são numerosas e evidentes.

Sob o olhar da "Lente Retributiva" o crime, segundo Zehr (2008), é visto como: Uma violação da lei. Os danos causados são considerados de forma abstrata. O crime é visto como distinto de outros crimes. O Estado é a vítima e a outra parte é o ofensor. As necessidades e direitos da vítima são ignorados. As dimensões pessoais são irrelevantes e a dimensão conflituosa do crime é velada. O dano causado ao ofensor é periférico e a ofensa é definida em termos técnicos e jurídicos.

Ainda segundo o mesmo autor, agora sob o olhar da "Lente Restaurativa", o crime é definido concretamente pelo dano à pessoa e ao relacionamento. As pessoas e os relacionamentos são os atingidos e as "partes" são a vítima e o ofensor. As necessidades e direitos das vítimas são preocupações centrais assim como, as dimensões interpessoais.

Assim, fica claro a que se propõe essa nova prática de justiça a qual, impõe certa quebra de paradigma em nossa sociedade. Apesar de já existirem consideráveis experiências pelo mundo, no Brasil tudo ainda é muito novo. Mas "a semente" já está sendo plantada, pois existe um projeto de lei (Projeto de lei n° 99, 2005) que visa regulamentar a implantação da JR. Existem também, no Brasil, já algumas práticas oficiais nessa área como é o caso do "Projeto Justiça para o Século 21", o qual é uma proposta articulada através da Associação de Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS),

O projeto JUSTIÇA PARA O SÉCULO 21 tem o objetivo de divulgar e aplicar as práticas da Justiça Restaurativa (JR) na resolução de conflitos em escolas, ONGs, comunidades e Sistema de Justiça da Infância e Juventude como estratégia de enfrentamento e prevenção à violência em Porto Alegre. Implementado desde o ano de 2005, na 3ª Vara da Infância e da Juventude da capital gaúcha, o Projeto Justiça para o Século 21 é articulado pela Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. (Justiça Para o Século 21, 2008, p.1)

Assim, finalizando, uma proposta Restaurativa, considerando os Princípios Básicos sobre Justiça Restaurativa enunciados na Resolução do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (13 de agosto de 2002), segundo Pinto (2004), é aquela que se utiliza de processos restaurativos com a intenção de obter resultados restaurativos. Os processos Restaurativos são aqueles em que a vítima e o infrator, e outras pessoas da comunidade, afetados pelo crime, participam coletivamente e ativamente na resolução dos problemas causados pelo crime. Isso corre geralmente com a ajuda de um facilitador. O processo restaurativo abrange mediação, conciliação, audiências e círculos de sentença restaurativa. É um acordo alcançado devido a um processo restaurativo sem deixar de focar a responsabilidade. Inclui programas, tais como reparação, restituição, prestação de serviços comunitários. Busca suprir as necessidades individuais e coletivas das partes buscando a reintegração da vítima e do infrator.


CONCLUSÃO

A JR, a partir desse estudo, é compreendida como uma proposta contemporânea que se desenvolve na medida em que o sistema judiciário atual se apresenta em crise. São prisões superlotadas que resultam em violação dos direitos humanos e na intensificação da violência. No Brasil, em especial, existe uma crítica muito grande ao regime prisional semi-aberto. Essa carência também estimulou no crescimento de estudos sobre inclusão, sobre os direitos humanos e sobre práticas inter/transdisciplinares relacionadas a este campo. A JR não surge como algo desconexo de toda essa história da evolução do sistema de justiça. Muito pelo contrário, apresenta-se como mais uma tentativa, mais uma evolução de um sistema que passou por diversas fases (inúmeras experiências). Desde o controle através da tortura, da punição, passando pelo controle através da vigilância e chegando a uma busca por abordagens mais condizentes com os direitos humanos, capazes de possibilitar um atendimento adequado no momento certo possibilitando um maior grau de recuperação dos humanos infratores.

Dessa forma a JR, além de buscar resgatar o humano, contribui na agilidade da justiça, na medida em que pode evitar que determinados infratores cheguem ao ponto de terem que ocupar um lugar nas prisões. Ou seja, a JR também tem a contribuir no "desafogamento" do sistema de justiça bem como se opõe a banalização da pena de prisão.

Em relação a forma com que o poder se apresenta, pode-se dizer que em uma sociedade onde existam enormes desníveis sociais (como no caso do Brasil) coexistem diferentes padrões de poder. Por exemplo, consideremos os marginalizados (criminosos ou não). Estes, normalmente são vitimados por uma sociedade disciplinar (na fábrica, na prisão, no hospício, etc.), muitas vezes punitiva (prisão, isolamento, desconta-se o domingo, gancho, etc.). Já, os mais privilegiados socialmente, por sua vez, vivem mais sob as regras de uma sociedade de controle. Por outro lado, em uma sociedade com tanto desnível social, observamos facilmente que muitos estão sob um "controle institucional", com menor autonomia e menores exigências de si a si próprios e outros mais favorecidos, estão sob um "controle de si", com maior autonomia, porém maiores exigências subjetivas provenientes do próprio indivíduo frente ao modelo econômico e social vigente.

A JR lança um olhar diferenciado sobre as questões relativas ao crime e a justiça. Considera que o crime não é uma agressão contra o Estado, mas sim contra as pessoas e contra os relacionamentos. Ele cria a necessidade de que o erro seja corrigido. As "partes" não são o Estado e o ofensor, mas sim a vítima e o ofensor.

Ao considerar-se o contexto atual percebe-se que o sistema de efetivação da justiça, cuja norma, parece ser a pena de privação de liberdade, desconsidera a vítima do crime e centraliza as ações no ofensor no sentido de determinar a culpa e aplicar a punição. Muito embora tenham ocorrido evoluções no sistema prisional, ele ainda apresenta-se insuficiente em relação a sua capacidade de recuperação do apenado. Isso se torna muito evidente ao destacar-se que uma das mais conhecidas intervenções desse modelo é a interrupção brutal dos vínculos sociais do infrator – o aprisionamento. Sabe-se, em relação ao desenvolvimento psíquico, que este se dá em inclusão. Assim, qualquer procedimento que espere que o indivíduo tenha alguma evolução, seja em seu comportamento moral ou em seu desenvolvimento psíquico geral, não pode partir de uma premissa onde o isolamento seja o fator central.

Assim, considerando que a aplicação da justiça é uma questão político-social que atinge coletivamente e individualmente os envolvidos, uma implantação baseada apenas no dispositivo legal não terá efeito. Uma intervenção dessa natureza despreza as múltiplas dimensões envolvidas na questão bem como a multiplicidade de áreas de estudo que convergem para esse ponto. Talvez, para essa tarefa, se faça necessário uma abordagem transdisciplinar. Com um entendimento transdisciplinar as diversas realidades devem ser consideradas: o ponto de vista da vítima, do infrator, da comunidade, do Estado, dos familiares, entre outros.

Neste sentido as propostas da JR, através de uma abordagem sistêmica, buscam incluir o infrator em um espaço favorável ao desenvolvimento humano, juntamente com os outros envolvidos na situação. Esse espaço deve ser seguro e livre de humilhação, a ponto de que o infrator perceba que está incluído em um processo onde ele está sendo parte ativa na busca de soluções para um futuro melhor para todos.

A responsabilidade assumida e o sentimento de estar incluído ativamente em um processo onde decisões serão tomadas na direção da restauração do dano causado bem como das relações prejudicadas, colocam em movimento tanto aspectos externos e objetivos quanto aspectos subjetivos e mais profundos do infrator. Nesse sentido as decisões provenientes desse espaço necessariamente possuem um significado diferente daquelas resoluções impostas por forças externas compulsoriamente como as decisões judiciais onde o infrator foi indiretamente representado. Ao mesmo tempo, nos encontros restaurativos constatações mais abrangentes podem se evidenciar como, por exemplo, a falta de condições e de apoio social para que o infrator possa dar outro rumo a sua vida. Assim, nestas condições, considerando as diversas áreas envolvidas (assistência social, psicologia, direito, entre outros), em relação a esse ponto, algum encaminhamento mais saudável pode ser realizado.

Muito embora a JR não se proponha a oferecer benesses para os infratores, em função de todo o contexto aqui mencionado, esse sentimento pode fazer parte de alguns membros da população. Assim, antes de finalizar é importante ressaltar que as propostas restaurativas são apresentadas em um modelo de pirâmide. Ou seja, na medida em que medidas menos restritivas não vão surtindo efeitos, medidas gradativamente mais exigentes vão sendo aplicadas. Não há dúvida de que alguns indivíduos, por questões de segurança da sociedade, precisam ficar reclusos, mas, também, é evidente que muitos dos indivíduos aos quais são aplicadas medidas extremas não necessitariam dessas, caso a abordagem adequada fosse feita no momento adequado.

A JR então se apresenta como uma possibilidade, derivada da insuficiência do passado/presente, trazendo uma esperança em relação ao sistema de justiça atual. Uma esperança ao olhar punitivo comum descontextualizado (da situação social, das necessidades e da história de vida de cada indivíduo), que leva a superlotação dos presídios a não recuperação dos apenados e consequentemente ao desrespeito dos direitos humanos. Ao ater-se aos seus princípios, considerando as dimensões do humano e os fatores psicológicos, fica evidente que esta possui uma "sintonia" maior com as possibilidades de recuperação dos infratores do que o sistema retributivo tradicional. Assim, sendo ou não um novo paradigma, a Justiça Restaurativa se apresenta com uma evolução produzida pelo humano, sem descartar o que já existe e funciona, para tratar uma de suas questões mais cruciais para o convívio social: como lidar com a infração do código de convívio estabelecido sem afrontar os direitos humanos dos envolvidos. Em uma discussão desse âmbito, a psicologia não pode deixar de ocupar seu lugar e dar sua contribuição.


REFERÊNCIAS

Agência Senado (2007). Criminalidade aterroriza a sociedade, afirma Renan. Recuperado em 19 de abril de 2008, do Diário Legislativo: http://www.justica21.org.br/interno.php?ativo=BIBLIOTECA&sub_ativo=RESUMO&artigo=241

Azevedo, A. G. (2004). O Componente de Mediação Vítima-Ofensor na Justiça Restaurativa: Uma Breve Apresentação de uma Inovação Epistemológica na Autocomposição Penal. In C. Slakmon, R.C.P. De Vitto e R. G. Pinto (eds), Justiça Restaurativa (pp. 135-162). Brasília, DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD.

Baierl, L. F. (2004). Medo social: da violência visível ao invisível da violência. São Paulo: Cortez.

Bitencourt, C. R. (2004). Falência da pena de prisão: causas e alternativas. São Paulo: Saraiva.

Costa, R. (2004). Sociedade de Controle. Revista São Paulo em Perspectiva, 18(1): 161-167.

Recuperado em janeiro de 2009 do Scielo: http://www.scielo.br/pdf/spp/v18n1/22238.pdf

Deleuze, G.(1998). Conversações. São Paulo: Editora 34.

Folha de São Paulo (2007, 8 de fevereiro). Criança morre após ser arrastada por carro durante assalto. Recuperado em 18 de setembro de 2007, da Folha On- Line:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u131469.shtml

Foucault, M. (2004). Microfísica do poder (20a ed.). Rio de Janeiro: Graal. (Trabalho original publicado em 1979)

Foucault, M. (2007). Vigiar e punir: nascimento da prisão (34a ed.). Petrópolis: Vozes, 2007. ( Trabalho original publicado em 1974)

Freitas, D. L., Morin, E. & Nicolescu, B. (org) (1994). Carta da Transdisciplinaridade – Adotada no primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade. Recuperado em 27 de outubro de 2008, do professor Celso Cândido - UNISINOS:

http://www.caosmose.net/candido/unisinos/textos/textos/carta.pdf

Froestad, J. & Shearing, C. (2004). Prática da Justiça: O Modelo Zwelethemba de Resolução de Conflitos. In C. Slakmon, R.C.P. De Vitto e R. G. Pinto (eds), Justiça Restaurativa (pp. 79-123). Brasília, DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD.

GIL, A. C. (1996). Como elaborar projetos de pesquisa (3ª Ed). São Paulo: Atlas.

GLASSNER, B. (2003). Cultura do medo: por que tememos cada vez mais o que deveríamos temer cada vez menos. São Paulo: Francis.

Gomes, B. M. (2002). Do controle social à sociedade de controle. Recuperado em 15 de abril de 2008, no Banco do Papers INTERCOM:

http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2002/Congresso2002_Anais/2002_NP8gomes.pdf

Guattari, F. (1990). Fundamentos ético-políticos da interdisciplinaridade. Recuperado em 27 de outubro de 2007, do professor Celso Candido – UNISINOS:

http://www.caosmose.net/candido/unisinos/textos/textos/guattari.pdf

Gulassa, D. (2007) Vínculo e Confiança em Atendimento Psicoterapêutico Psicodramático Grupal com Presidiários. Psicologia: Ciência e Profissão, 27(2), 332-341.

Jornal da Mídia. (2009, 08 de agosto). Assassino da médica Rita de Cássia confessa o crime. Recuperado em o4 de abril de 2010, do Jornal da Mídia – Salvador Bahia:

http://www.jornaldamidia.com.br/noticias/2009/08/12/Bahia_Nacional/Assassino_da_medica_Rita_de_Cassi.shtml

Jornal NH. (2008, 29 de março). Adolescente confessa crime em NH e se diz matador. Recuperado em 19 de junho de 2008, do Jornal NH On-line:

http://www.justica21.org.br/interno.php?ativo=DOC&sub_ativo=js21_o_que

Morris, A. (2004). Criticando os Críticos: Uma breve resposta aos críticos da Justiça. In C. Slakmon, R.C.P. De Vitto e R. G. Pinto (eds), Justiça Restaurativa (pp. 439-472). Brasília, DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD.

Morrison, B.(2004). Justiça Restaurativa nas Escolas.In C. Slakmon, R.C.P. De Vitto e R. G. Pinto (eds), Justiça Restaurativa (pp. 295-319). Brasília, DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD.

Oliveira, E. (2002). O futuro alternativo das prisões. Rio de Janeiro: Forense.

Parker, L. (2004). Justiça Restaurativa: Um Veículo para a Reforma? In C. Slakmon, R.C.P. De Vitto e R. G. Pinto (eds), Justiça Restaurativa (pp. 247-265). Brasília, DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD.

Pereira, J. & Pieta, E. (1993). Pavilhao 9: O massacre do Carandiru. São Paulo: Scritta.

Piacentini, E.(2008, 02 de julho). Para promotor, testemunhas da defesa não mudam nada no caso Isabella. Recuperado em 07 de agosto de 2008 da Folha de São Paulo On-Line:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u418613.shtml

Pinto, R. S.G. (2004). Justiça Restaurativa é Possível no Brasil? In C. Slakmon, R.C.P. De Vitto e R. G. Pinto (eds), Justiça Restaurativa (pp. 19-39). Brasília, DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD.

Sandrini, P. R.(2005). Subjetividade e formação social nas práticas delituosas. In: R. M. Cruz, P. D. C. Ramirez & S. K. Maciel (eds). O trabalho do psicólogo no campo jurídico (pp.211-234). São Paulo: Casa do Psicólogo.

Silva, J. E. M. & Schmidt, I.E.(orientadora). (2008). Justiça Restaurativa: Da Retribuição à Restauração – Implicações psicológicas. Monografia de Trabalho de Conclusão de Curso, Psicologia, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo, RS.

Sugestão de Lei N 99. (2005, 02 de maio). Altera dispositivos no Decreto-Lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940, do Decreto Lei nº 3689, de 3 de outubro de 1941, e da Lei nº 9099, de 26 de setembro de 1995, para facultar o uso de procedimentos de Justiça Restaurativa no sistema de justiça criminal, em casos de crimes e contravenções penais. Brasília, DF: Câmara dos Deputados. Recuperado em 26 de setembro de 2008, da Câmara dos Deputados: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/387261.pdf

Trindade, J. (2007). Manual de Psicologia Jurídica: Para operadores do direito. Porto Alegre: livraria do Advogado.

Zehr, H. (208). Trocando as Lentes: Um novo foco sobre o crime e a justiça. Justiça Restaurativa. São Paulo: Palas Athena.


Abstract: This article presents a review and analysis of the evolution of justice in our society today and over time. It is highlighting the emergence of new alternatives that contribute to the guarantee of human rights and points to the need for an interdisciplinary and systemic approach in understanding and developing proposals for the application of justice. In its structure, is initially a reflection on the current Justice in Brazil. After making a historical justice toward restorative practices and concludes with a characterization of restorative practices. The study shows the evolution of justice since the practice of torture to the current restorative practices. It is highlights the need for an interdisciplinary and systemic approach to finding solutions that do not despise the human rights of the victim or the offender.

Keywords: Prevention of crime. Social Justice. Human rights. Forensic psychology.

Resumen: Este artículo presenta una revisión y análisis de la evolución de lo sistema de justicia en la sociedad actual y pasado. Tras destacar la aparición de nuevas alternativas que contribuyan a la garantía de los derechos humanos. Señala la necesidad de un enfoque interdisciplinario y sistémico en la comprensión y la elaboración de propuestas para la aplicación de la justicia. En su estructura, es inicialmente una reflexión sobre la actual Justicia de Brasil. Después de hacer un estudio histórico de la justicia hacia las prácticas de restauración y concluye con una caracterización de las prácticas restaurativas. El estudio muestra la evolución de la justicia desde la práctica de la tortura a las prácticas de restauración actual. Destaca la necesidad de un enfoque interdisciplinario y sistémico a la búsqueda de soluciones que no desprecian los derechos humanos de la víctima o el delincuente.

Palabras clave: Prevención de la delincuencia. Justicia Social. Los derechos humanos. Psicología forense.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, José Eduardo Marques da. Justiça Restaurativa I: da retribuição à restauração. Um movimento a favor dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2799, 1 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18598. Acesso em: 23 abr. 2024.