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A responsabilidade civil das instituições financeiras

A responsabilidade civil das instituições financeiras

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RESUMO: O presente trabalho baseia-se na grande divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da responsabilidade civil das instituições financeiras e de seus administradores. As conclusões aqui obtidas têm como fonte quase que exclusiva a interpretação das decisões dos tribunais superiores brasileiros, notadamente Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, acerca do tema. Neste artigo são abordados aspectos conceituais relativo às instituições financeiras, a legislação a elas aplicável, bem como regras de competência e a modalidade de responsabilidade destes entes e de seus administradores, partindo das tendências doutrinárias sobre a questão para avaliar a evolução do entendimento jurisprudencial.

PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade civil – Instituições financeiras – Administradores – Entendimento jurisprudencial


1. INTRODUÇÃO

Muito se discute na doutrina e na jurisprudência acerca da responsabilidade das instituições financeiras pela prática de atos ilícitos, já existindo, todavia, alguns entendimentos consolidados, mas em outros aspectos paira grande divergência. Tal tema é extremamente importante em função da alta relevância das atividades desenvolvidas por estes entes, consistindo em uma atuação essencial ao perfeito funcionamento da estrutura econômico-financeira do país.

Note que é quase impossível vislumbrar o exercício de uma atividade comercial sem a participação de uma instituição financeira, seja no fornecimento de capital inicial para a criação de empreendimentos ou intermediação de pagamento de fornecedores e o recebimento de valores dos clientes. Praticamente todas as pessoas possuem contas bancárias e muitas aplicam suas disponibilidades financeiras em fundos de investimento junto a estas instituições ou requerem financiamentos para aquisições de bens desejados, como automóveis e residências.

Percebe-se, assim, que os bancos, no seu relacionamento com o público, estabelecem incontáveis relações jurídicas das mais diversas espécies. Ocorre que constantemente alguns atos praticados por estes entes acabam por enquadrar-se no campo da ilicitude, por desrespeito à legislação vigente, o que enseja a necessidade de reparar eventuais danos.

Em função disso surgem diversos questionamentos acerca da legislação aplicável, da competência para aplicar penalidades, da modalidade de responsabilidade, dentre outros aspectos, os quais serão devidamente explorados a seguir, com foco quase que exclusivo no posicionamento dos tribunais superiores sobre o tema.


2. CONCEITO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA

A Lei 4.595/64 traz a definição de instituição financeira em seu art. 17, in verbis:

Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.

Como visto, a norma de regência estabelece como elemento essencial à caracterização de uma instituição financeira a realização de coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros.

O parágrafo único do art. 17 deve ser interpretado conjuntamente com o §1º do art. 18 da mesma lei para que se possa ter a perfeita noção das entidades equiparadas às instituições financeiras:

Art. 18. As instituições financeiras somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central da República do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras.

§ 1º Além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, das sociedades de crédito, financiamento e investimentos, das caixas econômicas e das cooperativas de crédito ou a seção de crédito das cooperativas que a tenham, também se subordinam às disposições e disciplina desta lei no que for aplicável, as bolsas de valores, companhias de seguros e de capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras.

Assim, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam, de forma permanente ou eventual, a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, bem como as bolsas de valores, companhias de seguros e de capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras.

Além disso, segundo a Súmula 283 do STJ, as empresas administradoras de cartão de crédito também são consideradas instituições financeiras.


3. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Feita uma breve análise do conceito das instituições financeiras, ingressa-se agora na discussão sobre a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90 – CDC) aos contratos por elas firmados. Parece já estar pacificado na jurisprudência que se submetem a legislação de proteção ao consumidor, conforme o entendimento consolidado na Súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Com efeito, o CDC inclui expressamente os serviços bancários no conceito de "serviço" para fins de caracterização do fornecedor, conforme art. 3º, §2º, in verbis:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Alguns doutrinadores [01] chegaram a defender a inaplicabilidade do CDC às instituições financeiras por reputarem que o cliente desta relação jurídica não se enquadraria no conceito de consumidor, pois não poderia ser considerado usuário final de dinheiro, já que este sempre seria utilizado para aquisição de algum bem ou serviço. Para esta corrente, o cliente seria mero intermediário na cadeia de consumo do bem fornecido pela instituição financeira, qual seja, o capital.

É evidente que analisando esta relação jurídica sob o prisma do fornecimento de dinheiro, ninguém nunca seria consumidor final deste bem, pois a moeda foi feita para circular e garantir sua troca por bens e serviços passíveis de valoração pecuniária. Ora, o cliente que recebe um empréstimo bancário poderá utilizar este valor para adquirir um veículo novo, por exemplo. O proprietário da revenda, por sua vez, irá utilizar este valor para pagar seus funcionários e demais despesas, bem como realizar seu lucro. Estes funcionários, por fim, utilizam tais valores como bem entenderem, criando uma cadeia infinita de repasses, o que obviamente impossibilita a existência de um usuário final.

O cerne da questão, portanto, está em alterar o prisma sob o qual é analisada a relação entre cliente e instituição financeira, para que seja vislumbrada em função do fornecimento do serviço de crédito e não do dinheiro em si. Assim, temos que nitidamente o cliente é o usuário final deste serviço bancário de concessão de crédito, até porque tal atividade é privativa de entes autorizados.

Desta feita, percebe-se que prevaleceu na jurisprudência o entendimento da outra parcela da doutrina [02], segundo a qual o cliente bancário é consumidor para os efeitos da lei, sendo perfeitamente aplicável a Lei 8.078/90 às relações contratuais firmadas juntos às instituições financeiras. Ressalve-se apenas que, para o STJ, "é pacífico, no âmbito da Segunda Seção desta Corte, o entendimento de que a aquisição de bens ou a utilização de serviços por pessoa natural ou jurídica com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação de consumo, mas como uma atividade de consumo intermediária, motivo por que resta afastada, in casu, a incidência do CDC." [03]

Note, todavia, que tal incidência normativa não é indiscriminada, sofrendo algumas mitigações diante das especificidades do regime jurídico destes entes do sistema financeiro nacional. Com efeito, sobre os limites da incidência do CDC, o Supremo Tribunal Federal possui entendimento consolidado, conforme exposto no julgamento da ADI 2591 transcrito abaixo:

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC]. MOEDA E TAXA DE JUROS. DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição, o que importa em que o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro na economia estejam excluídas da sua abrangência. 4. Ao Conselho Monetário Nacional incumbe a fixação, desde a perspectiva macroeconômica, da taxa base de juros praticável no mercado financeiro. 5. O Banco Central do Brasil está vinculado pelo dever-poder de fiscalizar as instituições financeiras, em especial na estipulação contratual das taxas de juros por elas praticadas no desempenho da intermediação de dinheiro na economia. 6. Ação direta julgada improcedente, afastando-se a exegese que submete às normas do Código de Defesa do Consumidor [Lei n. 8.078/90] a definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, sem prejuízo do controle, pelo Banco Central do Brasil, e do controle e revisão, pelo Poder Judiciário, nos termos do disposto no Código Civil, em cada caso, de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual da taxa de juros.

Do pensamento apresentado acima, extrai-se que apenas está excluída da incidência do CDC a fixação da taxa de juros aplicável as operações financeiras realizadas por estas instituições. O limite desta taxa deve ser fixado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), no exercício de sua capacidade normativa de conjuntura, segundo as atribuições fixadas na Lei 4.595/64, notadamente no art. 4º, incisos VIII e IX.

Ainda sobre a fixação da taxa de juros nas operações bancárias é digno de nota o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a não aplicação da Lei de Usura às instituições financeiras, conforme recentíssimo acórdão abaixo que confirma a reiterada jurisprudência da corte:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. APRECIAÇÃO DE OFÍCIO. VEDAÇÃO. JUROS REMUNERATÓRIOS. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR CONDICIONADA À COMPROVAÇÃO DO ABUSO. APURAÇÃO QUE DEVE SER FEITA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS, À VISTA DAS PROVAS PRODUZIDAS. APLICAÇÃO DA TAXA PREVISTA NO CONTRATO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO, COM APLICAÇÃO DE MULTA.

1. Impossibilidade de apreciação da alegada violação de dispositivos constitucionais, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.

2. Resta firmada no STJ a vedação a declaração, de ofício, de nulidade de cláusulas abusivas pelo Tribunal de origem, implicando julgamento além do que foi pedido. Impossibilidade, tratando-se de questões exclusivamente patrimoniais. Ressalva quanto ao meu entendimento pessoal.

3. A limitação dos juros remuneratórios pela incidência do Código de Defesa do Consumidor depende da comprovação do abuso.

4. Nos termos da pacífica jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, os juros remuneratórios cobrados pelas instituições financeiras não sofrem a limitação imposta pelo Decreto nº 22.626/33 (Lei de Usura), a teor do disposto na Súmula 596/STF, de forma que a abusividade da pactuação dos juros remuneratórios deve ser cabalmente demonstrada em cada caso, com a comprovação do desequilíbrio contratual ou de lucros excessivos, sendo insuficiente o só fato de a estipulação ultrapassar 12% ao ano ou de haver estabilidade inflacionária no período.

5. A não-realização do necessário cotejo analítico, bem como a não-apresentação adequada do dissídio jurisprudencial, não obstante a transcrição de ementas, impedem a demonstração das circunstâncias identificadoras da divergência entre o caso confrontado e o aresto paradigma, como é o caso dos autos.

6. A interposição de agravo manifestamente infundado enseja aplicação da multa prevista no artigo 557, § 2º do Código de Processo Civil.

7. Agravo regimental improvido. [04]

Nesse contexto, surgiu um debate acerca da constitucionalidade da normatização realizada pelo Conselho Monetário Nacional, um órgão do Poder Executivo Federal, em face da previsão do art. 192 da Constituição Federal que determina a regulamentação do sistema financeiro nacional por meio de leis complementares. Quanto a este tema, na mesma Ação Direta de Inconstitucionalidade citada acima, o STF pacificou seu entendimento da seguinte forma:

ART. 192, DA CB/88. NORMA-OBJETIVO. EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR EXCLUSIVAMENTE PARA A REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO. 7. O preceito veiculado pelo art. 192 da Constituição do Brasil consubstancia norma-objetivo que estabelece os fins a serem perseguidos pelo sistema financeiro nacional, a promoção do desenvolvimento equilibrado do País e a realização dos interesses da coletividade. 8. A exigência de lei complementar veiculada pelo art. 192 da Constituição abrange exclusivamente a regulamentação da estrutura do sistema financeiro. CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. ART. 4º, VIII, DA LEI N. 4.595/64. CAPACIDADE NORMATIVA ATINENTE À CONSTITUIÇÃO, FUNCIONAMENTO E FISCALIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ILEGALIDADE DE RESOLUÇÕES QUE EXCEDEM ESSA MATÉRIA. 9. O Conselho Monetário Nacional é titular de capacidade normativa --- a chamada capacidade normativa de conjuntura --- no exercício da qual lhe incumbe regular, além da constituição e fiscalização, o funcionamento das instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no plano do sistema financeiro. 10. Tudo o quanto exceda esse desempenho não pode ser objeto de regulação por ato normativo produzido pelo Conselho Monetário Nacional. 11. A produção de atos normativos pelo Conselho Monetário Nacional, quando não respeitem ao funcionamento das instituições financeiras, é abusiva, consubstanciando afronta à legalidade.

Através desta decisão, a Corte Suprema determinou que a normatização editada pelo CMN é constitucional e goza de juridicidade, ou seja, está adequada aos princípios constitucionais e demais regras aplicáveis a sua atuação, desde que sua produção normativa esteja limitada à criação de regras sobre constituição, fiscalização e funcionamento das instituições financeiras.

Para o Pretório Excelso, a exigência constitucional de lei complementar para regulamentação do Sistema Financeiro Nacional (SFN) limita-se a uma reformulação geral do sistema, ou seja, refere-se a alterações em sua estrutura, em sua essência, nos elementos básicos da ordem financeira.

Assim, o CMN pode editar normas para regulamentação da taxa de juros e criação de exigências para o desempenho das atividades das instituições financeiras, com base na competência atribuída pelos arts. 3º e 4º da Lei 4.595/64, pois tais atos normativos são pontuais e específicos, não rendendo ensejo a alterações profundas do Sistema Financeiro Nacional. Por outro lado, o CMN nunca poderá expedir uma resolução na qual irá alterar as diretrizes aplicáveis àqueles que compõem o SFN, pois tal ato esbarraria na exigência de lei complementar.

Por fim, sobre a incidência do CDC aos contratos bancários, ainda cabe uma breve observação. É certo que em nosso ordenamento jurídico vige o princípio da especialidade ou especificidade, segundo o qual a legislação que trata especificamente e de forma detalhada sobre determinado instituto jurídico deve prevalecer sobre aquele texto normativo que abrange o instituto apenas de forma genérica (art. 2º, §2º, da Lei de Introdução ao Código Civil). No que concerne à aplicabilidade do CDC aos contratos bancários que possuem legislação própria, o STJ já se manifestou nos seguintes termos:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO

Constatada a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, foi instaurado o incidente de processo repetitivo referente aos contratos bancários subordinados ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos da ADI n.º 2.591-1. Exceto: cédulas de crédito rural, industrial, bancária e comercial; contratos celebrados por cooperativas de crédito; contratos regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação, bem como os de crédito consignado.

(...) [05]

As cédulas de crédito rural, industrial, bancária e comercial, os contratos celebrados por cooperativas de crédito, os contratos regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação, bem como os de crédito consignado foram excluídos do julgamento deste recurso repetitivo exatamente porque o STJ buscou fixar uma tese acerca dos contratos bancários sobre os quais incide o Código de Defesa do Consumidor.

Para melhor elucidar a questão, cabe transcrever abaixo trechos do voto da Ministra Relatora Nancy Andrighi, nos quais se delimita a matéria que será submetida ao procedimento de julgamento de recurso repetitivo previsto no art. 543-C do Código de Processo Civil:

Apesar da aparente abrangência do termo "contratos bancários" do despacho supratranscrito, constata-se que a característica da multiplicidade de recursos especiais, exigida pelo art. 543-C do CPC, evidencia-se nos contratos bancários que se submetem à legislação consumerista. Portanto, este julgamento abordará, em quaisquer de suas modalidades, apenas os contratos de mútuo bancário em que a relação de consumo esteja caracterizada, nos termos do alcance da ADI 2.591-1, relator para acórdão o Min. Eros Grau.

(...)

Registre-se que não se encontram abrangidas por esta decisão as Cédulas de Crédito Rural, Industrial, Bancária e Comercial; os contratos celebrados por cooperativas de crédito, os que se incluem sob a égide do Sistema Financeiro da Habitação, bem como os que digam respeito a crédito consignado.

Em função do entendimento exposto acima, resta claro que os contratos que gozam de regramento próprio estão excluídos da incidência da Lei 8.078/90. Apenas para exemplificar, as cédulas de crédito rural, industrial e comercial encontram-se regidas pela Lei nº 6.840/80 e pelo Decreto-Lei 413/69.

Ademais, a título de curiosidade, pois esta conclusão foge aos propósitos deste trabalho, tal regra não se limita aos contratos bancários, conforme se infere do julgado abaixo em que o STJ entendeu incabível a aplicação do CDC aos contratos locatícios regidos pela Lei 8.245/91:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL QUE NÃO SE CONFIGURA DEMONSTRADO, NO CASO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211/STJ. LOCAÇÃO. CONTRATO DE FIANÇA. NÃO APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DECISÃO AGRAVADA QUE MERECE SER MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.

1. A divergência jurisprudencial invocada deve ser demonstrada nos moldes da orientação preconizada pelo art. 266, § 1º, em harmonia com o art. 255, e §§, todos do RISTJ, visto que estes exigem o cotejo analítico das teses dissidentes, não se aperfeiçoando pela simples transcrição de ementas semelhantes à hipótese dos autos.

2. Não há que se falar, na espécie, em violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que inexiste omissão qualquer a ser suprida em sede de embargos de declaração. Embora opostos os embargos de declaração, o Tribunal a quo não se manifestou sobre as questões arguidas pelo recorrente porque não estava obrigado a tanto. Incidência da Súmula nº 211 do Superior Tribunal de Justiça.

3. O Superior Tribunal de Justiça entende ser incabível a aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor às relações locatícias regidas pela Lei nº 8.245/91, porque se tratam de microssistemas distintos, pertencentes ao âmbito normativo do direito.

4. Manutenção do decisum por seus próprios fundamentos.

5. Agravo regimental a que se nega provimento. [06]

Tal entendimento foi reiterado no Resp 605.295/MG, julgado em 20/10/2009, constante do informativo de jurisprudência nº 412 do STJ, no qual restou explicado que "segundo a jurisprudência deste Superior Tribunal, o CDC não é aplicável aos contratos locatícios, os quais são regulados por legislação própria."

Assim, os julgados poderiam ser interpretados como uma regra geral acerca da inaplicabilidade do CDC aos contratos que possuam legislação específica.


4. DA RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA

Concluída a perfeita delimitação da incidência do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários, cabe aqui estabelecer a modalidade de responsabilidade da instituição financeira em cada caso.

Com relação aos contratos e demais relações jurídicas firmados por estes entes que sofram incidência da legislação consumerista, não pairam dúvidas que sua responsabilidade será objetiva, com base no art. 14 da Lei 8.078/90:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Já no tocante a eventuais danos sofridos em função da taxa de juros cobrada na operação bancária, torna-se necessária a demonstração de abusividade ou onerosidade excessiva, com a devida comprovação de lucros excessivos ou distorção na equação econômico-financeira do contrato. Em outras palavras, é necessária a comprovação de um elemento subjetivo com base nas previsões do Código Civil, já que neste aspecto são inaplicáveis as normas de proteção ao consumidor, conforme pacificado nos tribunais superiores em julgados já expostos acima.

Por fim, no que concerne aos contratos que gozam de regramento próprio, deve-se analisar a modalidade de responsabilidade trazida pela legislação específica. Em caso de omissão neste ato normativo, deve ser aplicado o regramento geral do Código Civil.

Não se pode olvidar daqueles que defendiam a tese de responsabilidade objetiva, em qualquer caso, fundada na teoria do risco (art. 927, parágrafo único, do Código Civil), em razão do perigo trazido pela atuação no mercado financeiro. Todavia, esta corrente não prevaleceu na jurisprudência, que acabou por estabelecer situações distintas de responsabilidade.


5. COMPETÊNCIA JUDICIAL E ADMINISTRATIVA

Estabelecido os limites de incidência do CDC aos atos das instituições financeiras e verificada a modalidade de responsabilidade em cada caso, cabem, neste momento, algumas observações acerca da competência para análise e julgamento destes atos ilícitos.

Com relação à competência do Poder Judiciário, não existem maiores questionamentos. Aqueles que se sentirem prejudicados por atos praticados por uma instituição financeira devem ingressar com seu pleito, nos termos da legislação processual civil. A competência poderá variar de acordo com a natureza do ente acionado. Assim, por exemplo, será competente a Justiça Federal para julgar a ação quando intentada contra a Caixa Econômica Federal, uma empresa pública federal. Já no tocante às ações intentadas contra instituições privadas, a competência para julgamento será da Justiça Comum Estadual.

Ressalte-se que o foro competente será, via de regra, o do domicílio do réu (art. 94 do CPC). No entanto, quando houver a incidência do CDC, há a possibilidade de escolha entre o domicílio do autor ou do réu (art. 101, I, da Lei 8.078/90). Tal competência tem caráter absoluto, podendo ser declarada de ofício pelo juiz, conforme entendimento do STJ:

CONTRATO BANCÁRIO. ARRENDAMENTO MERCANTIL. CLÁUSULAS. DISCUSSÃO. COMPETÊNCIA. FORO. ESCOLHA. ADVOGADO. IMPOSSIBILIDADE.

1 - Segundo entendimento desta Corte, tratando-se de relação de consumo, a competência é absoluta, podendo ser declinada de ofício. Afastamento da súmula 33 do Superior Tribunal de Justiça.

2 - O intento protetivo da lei, no sentido de possibilitar a escolha do foro, do domicílio do autor ou do réu, dirige-se ao consumidor, propriamente dito, aquela pessoa física ou jurídica destinatária final do bem ou serviço. Impossibilidade de o advogado ajuizar a ação em foro diverso, que não é nem o da autora (consumidora) e nem o do réu (Banco), usando, ao que tudo indica, conforme as instâncias de origem, endereço fictício.

3 - Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Aranraguá - SC, suscitante. [07]

Por fim, ainda quanto à competência do Judiciário, não se pode esquecer da Súmula nº 381 do STJ, segundo a qual "nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas". Apesar de consistir em um entendimento consolidado, tal súmula foi criticada pelos estudiosos, vez que há um consenso doutrinário de que as cláusulas abusivas são tratadas pelo CDC como matéria de ordem pública e, portanto, conhecíveis de ofício. Tal posicionamento doutrinário é adotado pelo STJ, desde que para contratos não bancários [08], o que para alguns constitui um benefício injustificado às instituições financeiras.

Examinada a competência judicial para apreciar ações contra instituições financeiras, faz-se necessária a análise da competência administrativa, especialmente para aplicação de penalidades. Nesse contexto, há um impasse entre a competência dos órgãos de proteção das relações de consumo, como DECON e PROCON’s estaduais e a competência fiscalizatória exercida pelo Banco Central do Brasil.

Para doutrinadores, como Eduardo Salomão Neto [09], compete privativamente ao Banco Central a imposição de penalidades às instituições financeiras, com base na competência atribuída pelo art. 10, IX, da Lei 4.595/64. Não obstante, esta não foi a tese que prevaleceu no STJ, que, conforme recente julgado abaixo, confere competência ao PROCON para aplicar penalidades a estes entes:

ADMINISTRATIVO. PENALIDADE APLICADA PELO PROCON À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. NEGATIVA DE FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES A CORRENTISTA. LEGITIMIDADE. COMPETÊNCIA DO BACEN ADSTRITA ÀS INFRAÇÕES ÀS NORMAS QUE REGEM AS ATIVIDADES ESTRITAMENTE FINANCEIRAS.

1. O poder sancionatório do Estado pressupõe obediência ao principio da legalidade do qual se dessume a "competência da autoridade sancionadora", cuja carência de aptidão inquina de nulidade o ato administrativo.

2. A fiscalização das instituições financeiras e a aplicação de penalidades correspectivas , nos termos do art. 10, inciso IX, da Lei n.º 4.595/64, é de competência privativa do ao BACEN, verbis:

Art. 10. Compete privativamente ao Banco Central da República do Brasil: (...) IX - Exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas

3. Verbete sumular n.º 297, deste Superior Tribunal de Justiça, verbis: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.", nos termos do seguinte precedente, deste E. STJ:

"ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MULTA APLICADA PELO PROCON À COMPANHIA DE SEGUROS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. DESPROVIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO. 1. Na hipótese examinada, a ora recorrente impetrou mandado de segurança contra ato do Secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado da Bahia, em face da aplicação de multa administrativa em decorrência de processo que tramitou no PROCON, a qual violaria direito líquido e certo por incompetência do órgão de proteção ao consumidor, pois as companhias de seguro somente podem ser supervisionadas pela SUSEP.

2. O tema já foi analisado por esta Corte Superior, sendo consolidado o entendimento de que o PROCON possui legitimidade para aplicar multas administrativas às companhias de seguro em face de infração praticada em relação de consumo de comercialização de título de capitalização e de que não há falar em bis in idem em virtude da inexistência da cumulação de competência para a aplicação da referida multa entre o órgão de proteção ao consumidor e a SUSEP.

3. Nesse sentido, em hipóteses similares, os seguintes precedentes desta Corte Superior: RMS 24.708/BA, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 30.6.2008; RMS 25.065/BA, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 5.5.2008; RMS 26.397/BA, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 11.4.2008; RMS 25.115/BA, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 28.3.2008.

4. Desprovimento do recurso ordinário.

(RMS 24921/BA, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/10/2008, DJe 12/11/2008)

(...)

5. Consectariamente, verifica-se que a penalidade foi aplicada, não em decorrência de qualquer violação às normas que regem às instituições financeiras, mas, em verdade, em razão da omissão da autarquia em responder o pleito administrativo formulado por correntista que solicitara esclarecimentos acerca de débito desconhecido em sua conta, caracterizando-se, portanto, como uma infringência à legislação consumerista.

6. O ato administrativo de aplicação de penalidade pelo PROCON à instituição financeira por infração às normas que protegem o Direito do Consumidor não se encontra eivado de ilegalidade porquanto inocorrente a usurpação de competência do BACEN, autarquia que possui competência privativa para fiscalizar e punir as instituições bancárias quando agirem em descompasso com a Lei n.º 4.565/64, que dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias.

7. Raciocínio inverso conspiraria contra a ratio essendi dos dispositivos questionados porquanto inviabilizaria o acesso do consumidor-correntista à satisfação dos seus direitos haja vista que inexiste no ordenamento jurídico pátrio a descentralização nos Estados das atividades desempenhadas pelo BACEN.

8. Recurso especial desprovido. [10]

Com efeito, é digno de aplausos o raciocínio do STJ. Sabe-se que o Banco Central do Brasil (Bacen) conta com uma estrutura organizada em apenas algumas cidades brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Brasília e Recife. Assim, caso a competência para imposição de penalidades fosse exclusiva do Bacen, todos aqueles que fossem vítimas de danos provocados por desrespeito à legislação consumerista restariam impossibilitados de requerer a defesa de seus direitos ou teriam que realizar elevados gastos para tanto.

Não seria razoável exigir de todos a ida a uma delegacia do Bacen para denunciar um ato abusivo de instituição financeira, ainda mais no contexto social brasileiro em que boa parte da população não goza de uma renda digna. Portanto, para garantir o escopo final do CDC, qual seja, a efetiva proteção ao público consumidor hipossuficiente, deve ser reconhecida a competência de órgãos descentralizados, como o PROCON, para a imposição de penalidades administrativas.

Todavia, a competência do PROCON estará circunscrita às infrações ao CDC. Quando for o caso de uma penalidade imposta por violação à legislação bancária, como a Lei 4.595/64, resoluções do CMN e circulares do Bacen, tal ato punitivo será de competência desta autarquia federal.

Ocorre que em 26 de março de 2009, o Conselho Monetário Nacional editou a Resolução 3.694, a qual contém as seguintes previsões:

Art. 1º As instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil devem contemplar, em seus sistemas de controles internos e de prevenção de riscos previstos na regulamentação vigente, a adoção e a verificação de procedimentos, na contratação de operações e na prestação de serviços, que assegurem:

I - a prestação das informações necessárias à livre escolha e à tomada de decisões por parte de seus clientes e usuários, explicitando, inclusive, as cláusulas contratuais ou práticas que impliquem deveres, responsabilidades e penalidades e fornecendo tempestivamente cópia de contratos, recibos, extratos, comprovantes e outros documentos relativos a operações e a serviços prestados;

II - a utilização em contratos e documentos de redação clara, objetiva e adequada à natureza e à complexidade da operação ou do serviço prestado, de forma a permitir o entendimento do conteúdo e a identificação de prazos, valores, encargos, multas, datas, locais e demais condições.

Note que os deveres impostos por esta Resolução às instituições financeiras são bastante semelhantes às obrigações previstas no CDC, notadamente as constantes do art. 6º, incisos II, III, IV e V.

Apesar da inexistência de pronunciamento dos tribunais sobre o tema, é defensável a tese de que, neste caso, trata-se de uma competência concorrente entre o Bacen e o PROCON, já que um mesmo ato pode configurar tanto infração ao CDC como violação aos atos normativos do CMN.

Obviamente a atuação de um dos entes de fiscalização excluiria a atuação do outro para evitar o indesejado fenômeno do bis in idem.


6. DA RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA

A responsabilidade dos administradores consta dos arts. 39 e 40 da Lei 6.024/74, in verbis:

Art. 39. Os administradores e membros do Conselho Fiscal de instituições financeiras responderão, a qualquer tempo, salvo prescrição extintiva, pelos atos que tiverem praticado ou omissões em que houverem incorrido.

Art. 40. Os administradores de instituições financeiras respondem solidariamente pelas obrigações por elas assumidas durante sua gestão até que se cumpram.

Parágrafo único. A responsabilidade solidária se circunscreverá ao montante dos prejuízos causados.

Diante da falta de precisão técnica e da semelhança das situações tratadas nos artigos acima, surgiram os mais diversos posicionamentos acerca da modalidade de responsabilidade dos administradores. Neste tópico, será feito um brevíssimo histórico acerca dos entendimentos doutrinários, dando-se maior ênfase ao atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

No âmbito doutrinário, muitos defenderam a responsabilidade objetiva dos administradores em ambos os casos, aduzindo a aplicação da teoria do risco e a enorme dificuldade de comprovação de culpa que a responsabilidade subjetiva traria aos prejudicados, em face da alta complexidade dos atos das instituições financeiras [11]. Todavia, outra parcela sustentou a responsabilidade subjetiva dos administradores, defendendo que a lei exigiria a comprovação do prejuízo e em nenhum momento previu uma objetividade na responsabilidade. [12]

Por fim, houve os que defendiam a responsabilidade subjetiva no caso do art. 39, considerando-o uma responsabilidade interna corporis, e a responsabilidade objetiva quando calcada no art. 40, aduzindo que este artigo traria uma responsabilidade perante terceiros.

Esta terceira corrente foi a adotada em um primeiro momento pelo STJ, conforme se infere do acórdão abaixo proferido em 1994:

LIQUIDAÇÃO. Instituição financeira. Responsabilidade dos administradores. Arresto. Ação da de responsabilidade. Prescrição. Decadência. Legitimidade ativa.

I – O prazo para a propositura da ação de responsabilidade dos administradores de instituição financeira em liquidação começa a fluir depois de arrestados os bens relacionados no inquérito. O transcurso do prazo implicaria apenas a perda da eficácia do arresto, não a extinção do direito da ação de responsabilidade.

II – Decretada a falência, o síndico tem legitimidade para propor a ação.

III – A responsabilidade dos administradores é de dupla natureza; pelo artigo 39 da Lei 6.024/74, é subjetiva; nos termos do artigo 40, pelas obrigações assumidas durante a sua gestão, é objetiva. (arts. 36, 39, 40, 43, 45, 46, § único e 47 da Lei 6.024/74).

Recurso não conhecido. [13]

Em seu voto, o Ministro Relator explica de forma mais detalhada este antigo entendimento do STJ:

4. A responsabilidade dos administradores das instituições financeiras é de dupla natureza: pelo artigo 39 da Lei 6.024/74, respondem, segundo os princípios da teoria subjetiva da culpa, pelos prejuízos que tiverem causado em razão de sua ação ou omissão; a sua responsabilidade tem como pressuposto o ato ilícito; ela é direta e pessoal; não subsidiária, nem solidária; pelo artigo 40 da mesma lei, respondem objetivamente, em razão do simples fato de serem administradores, pelas obrigações da instituição, assumidas no tempo limitado de sua gestão; é uma responsabilidade solidária e subsidiária.

Esta teoria prevaleceu durante alguns anos no STJ, mas em 2007, no paradigmático Recurso Especial 447.939 / SP, houve uma brusca mudança de posicionamento. O acórdão deste recurso não será transcrito no presente trabalho em função de um erro de digitação que gerou uma divergência entre os termos do acórdão e o raciocínio desenvolvido pela Ministra Relatora Nancy Andrighi em seu voto.

Em face desse pequeno erro, o novo pensamento do Tribunal será exposto com base no voto da Relatora, apresentando-se ao final o equívoco constante do acórdão. Assim, segundo a Ministra Nancy Andrighi:

No que concerne ao pedido de ressarcimento pelos prejuízos oriundos dos atos irregulares, leia-se atos ilícitos, a responsabilidade é imputada tanto aos administradores quando aos membros do Conselho Fiscal, de acordo com o estabelecido no art. 39 da Lei nº 6.024/74. Portanto, trata-se de responsabilidade civil extracontratual. E, no que concerne ao pedido de ressarcimento pelos prejuízos oriundos do inadimplemento de obrigações assumidas durante a gestão (art. 40), a responsabilidade é solidariamente imputada somente aos administradores da instituição. Portanto, trata-se de responsabilidade civil contratual.

(...)

Não há divergência a respeito do fato de que o art. 39 da Lei nº 6.024/74 regula uma hipótese de responsabilidade subjetiva, o que claramente emerge da expressão "pelos atos que tiverem praticado ou omissões em que tiverem incorrido" contidas em seu texto. Mas não apenas isso. Pela análise dessa norma, vê-se que ela também regula exclusivamente uma hipótese de responsabilidade pessoal. Não há qualquer menção a solidariedade, que, como é cediço, não se presume, mas resulta da lei ou da vontade das partes (art. 862 do CC/02, e art. 265, do CC/02).

A norma do art. 40 da Lei nº 6.024/74, ao dispor que "os administradores de instituições financeiras respondem solidariamente pelas obrigações por eles assumidas durante sua gestão, até que se cumpram", claramente estabeleceu a possibilidade de se responsabilizarem diretamente os administradores das instituições financeiras pelos prejuízos causados. A solidariedade é estabelecida entre os administradores e a instituição financeira e a idéia de causalidade permanece na norma.

(...)

De todas essas ponderações decorre que não é possível, no panorama atual, adotar a tese de que é objetiva a responsabilização dos administradores de instituições financeiras, no âmbito da Lei nº 6.024/74. A sua responsabilidade é, até que se altere o panorama legislativo, subjetiva, limitando-se aos prejuízos causados por ato de cada um deles, durante sua gestão.

(...)

Estabelecido que é subjetiva a responsabilidade dos administradores, resta definir de que modo tal responsabilidade é apurada. O art. 39, como já assentado, regula responsabilidade civil extracontratual, porque os prejuízos têm origem nos atos ou omissões em que tiverem incorrido os administradores e os membros do Conselho Fiscal, restritos ao limite temporal de suas gestões, e após ampla cognição acerca da culpa de cada um na prática ou omissão dos referidos atos.

No tocante ao art. 40, onde a responsabilidade é de natureza contratual, porque deriva do inadimplemento quanto a obrigações contratuais assumidas pelos administradores, o dever de reparação é apurado segundo a regra de presunção de culpa. Isto porque, provada a relação jurídica contratual preexistente e o inadimplemento, o prejuízo é presumido.

O posicionamento acima foi reiterado nos Recursos Especiais 819.217 / RJ, de 17/09/2009, e 1.036.398 / RS, de 16/12/2008. Com base nessa nova tese, influenciada por Arnoldo Wald e Werter Faria, é possível fazer as seguintes conclusões:

a)A responsabilidade prevista no art. 39 da Lei 6.024/74:

1.Aplica-se tanto aos administradores como aos membros do Conselho Fiscal;

2.É pessoal e, portanto, independe de desconsideração da personalidade jurídica;

3.É individual, pois o administrador ou membro do Conselho Fiscal responde tão-somente pelos atos por ele praticados, não havendo solidariedade. Lembre-se que esta não se presume, devendo decorrer da lei ou da vontade das partes, e não há qualquer previsão legal nesse sentido;

4.É subjetiva, o que exige a demonstração de culpa ou dolo no prejuízo causado a outrem, mediante uma cognição exauriente, sendo incabível a adoção da teoria de presunção da culpa;

5.É extracontratual, já que fundada no cometimento de ato ilícito, em razão de a lei ter utilizado a seguinte expressão: "pelos atos que tiverem praticado ou omissões em que houverem incorrido".

b)A responsabilidade prevista no art. 40 da Lei 6.024/74:

1.Limita-se aos administradores;

2.É pessoal e também independe de desconsideração da personalidade jurídica;

3.É individual em relação aos administradores entre si, pois eles não irão responder por danos causados por culpa exclusiva de outro administrador, já que a lei adotou a ideia de causalidade para configuração da culpa, utilizando-se para tanto da expressão "prejuízos causados". Note que a solidariedade tratada no parágrafo único do art. 40 existe apenas entre o administrador causador do dano e a instituição financeira em nome da qual ele assumiu a obrigação;

4.É subjetiva com presunção de culpa iuris tantum, o que caracteriza uma inversão no ônus da prova, cabendo ao administrador acusado produzir provas no intuito de excluir sua culpa. Ressalte-se que o momento adequado para tanto será a ação de responsabilidade de que trata o art. 46 da mesma lei;

5.É contratual, pois deriva de obrigações assumidas pelo administrador em nome da instituição financeira.

Em conclusão, como foi dito acima, houve um pequeno equívoco na digitação do acórdão do Recurso Especial 447.939 consistente em atribuir ao art. 39 uma responsabilidade contratual e ao art. 40 uma responsabilidade extracontratual, o que é exatamente o oposto do entendimento exposto pela ministra relatora. Abaixo segue a transcrição do erro:

Direito civil e bancário. Liquidação extrajudicial de Consórcio, pelo Banco Central, com fundamento na Lei nº 6.024/74. Propositura de ação civil pública para a responsabilização dos administradores. Acolhimento, pelo Tribunal a quo, da tese de que seria objetiva sua responsabilidade, com fundamento no art. 40 da Lei nº 6.024/74. Reforma da decisão.

(...)

- A regra do art. 39 da Lei nº 6.024/74 regula uma hipótese de responsabilidade contratual; a do art. 40 da mesma lei, uma hipótese de responsabilidade extracontratual. Ambas as normas, porém, estabelecem a responsabilidade subjetiva do administrador de instituições financeiras ou consórcio. Para que se possa imputar responsabilidade objetiva, é necessário previsão expressa, que a Lei nº 6.024/74 não contém.O art. 40 meramente complementa o art. 39, estabelecendo solidariedade que ele não contempla.

A referência feita pelo acórdão não deve ser levada em consideração, vez que torna a conclusão desprovida de fundamento e diverge da tese detalhadamente explanada no voto condutor.


7. BIBLIOGRAFIA

NETO, Eduardo Salomão. Direito Bancário. São Paulo: Atlas, 2005.

ABRÃO, Nelson. Direito Bancário. 12ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2009.


Notas

  1. Arnoldo Wald, "O Direito do Consumidor e suas repercussões em relação às Instituições Financeiras", in Revista dos Tribunais. v. 666, São Paulo, abril de 1991, e Luiz Gastão de Paes de Barros Leães, "As relações de consumo e o crédito ao consumidor", in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, nº 82, abril a junho de 1991, apud Eduardo Salomão Neto, Direito Bancário, São Paulo, Editora Atlas, 2007, pág. 128.
  2. Eduardo Salomão Neto, in Direito Bancário, São Paulo, Editora Atlas, 2007, pág.128.
  3. AgRg no Ag 834673 / PR, Ministro FERNANDO GONÇALVES, 4ª Turma, 17/02/2009.
  4. AgRg no Ag 967408 / DF, Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, 4ª Turma, 19/11/2009.
  5. REsp 1061530 / RS, Ministra NANCY ANDRIGHI, 2ª Seção, 22/10/2008
  6. AgRg no REsp 621254 / SP, Ministro OG FERNANDES, 6ª Turma, 12/05/2009.
  7. CC 106.990 / SC, Ministro FERNANDO GONÇALVES, 2ª Seção, 11/11/2009.
  8. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, POSSIBILIDADE DE REVISÃO DO CONTRATO E DECLARAÇÃO "EX OFFICIO" DA NULIDADE DE CLÁUSULA NITIDAMENTE ABUSIVA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
  9. 1.O Código de Defesa do Consumidor é norma de ordem pública, que autoriza a revisão contratual e a declaração de nulidade de pleno direito de cláusulas contratuais abusivas, o que pode ser feito até mesmo de ofício pelo Poder Judiciário. Precedente. (REsp. 1.061.530/RS, afetado à Segunda Seção).

    2.Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 334991 / RS, 4ª Turma, 10/11/2009)

  10. Obra citada, pág. 159.
  11. REsp 1122368 / AL, Ministro LUIZ FUX, 1ª Turma , 03/09/2009.
  12. Dentre os defensores desta tese, encontram-se Modesto Carvalhosa, Nelson Abrão, Freitas Gomes, Gina Maria Tosetti e Francisco José de Siqueira.
  13. Encampando essa tese, é possível citar Fábio Ulhoa Coelho, Saulo Ramos, Rubens Requião, Waldiro Bulgarelli e Newton de Lucca.
  14. Resp 21.245, Ministro RUY ROSADO AGUIAR, 4ª Turma, 04/10/1994.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Eduardo Barbosa de. A responsabilidade civil das instituições financeiras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2906, 16 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19296. Acesso em: 23 abr. 2024.