Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/19436
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A fungibilidade das tutelas de urgência e sua aplicação nas decisões judiciais

A fungibilidade das tutelas de urgência e sua aplicação nas decisões judiciais

Publicado em . Elaborado em .

Ainda não há consenso na doutrina e na jurisprudência quanto à possibilidade da substituição da tutela cautelar pela tutela antecipada, por ser esta última mais abrangente e conferir ao juiz maior poder ao julgar.

"Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta".

Rui Barbosa

RESUMO

O objeto central desta pesquisa é analisar a incidência do princípio da fungibilidade nas tutelas de urgência. Para desenvolver este trabalho foi utilizada pesquisa doutrinária e jurisprudencial acerca do assunto. O trabalho está divido em quatro partes. Primeiramente, analisa-se o processo e a tutela jurisdicional, dois instrumentos jurídicos pelos quais se aperfeiçoa a jurisdição. Em um segundo momento, discorre-se sobre a tutela de urgência, gênero da tutela jurisdicional, que tem como escopo evitar os danos causados por uma tutela jurídica intempestiva. Após analisar a tutela de urgência de modo genérico, passa-se a abordar a tutela cautelar e a tutela antecipada, espécies de medidas urgentes, que embora possuam diversas semelhanças, têm características peculiares que permitem distingui-las em determinados casos. Por fim, após discorrer sobre a tutela de urgência, enfoca-se o presente estudo na fungibilidade, primeiramente como princípio do Direito Processual Civil que desempenha enorme função ao permitir uma flexibilização das formas, e em um segundo ponto, mais relevante, como princípio específico das tutelas de urgência, que permite a substituição da tutela antecipada pela tutela cautelar, conforme o art. 273, §7°, do CPC. Os resultados da pesquisa demonstram que ainda não há consenso na doutrina e na jurisprudência quanto à possibilidade da substituição da tutela cautelar pela tutela antecipada, por ser esta última mais abrangente e conferir ao juiz maior poder ao julgar. Embora não haja consenso entre os estudiosos do Direito, pode-se afirmar que a maioria dos tribunais aplica a fungibilidade das tutelas de urgência de maneira ampla, ou seja, em seu duplo sentido vetorial, e que futuramente, poderá ser esta uma realidade incontestável em todos os tribunais, que caminham à uniformização.

Palavras chave: Tutela de urgência. Cautelar. Tutela Antecipada. Fungibilidade. Duplo sentido vetorial.

ABSTRACT

The object of this research is to analyze the incidence the principle of fungibility in the urgency protections. To develop this research work was used doctrine and jurisprudence on the subject. The work is divided into four parts. First, analyzes the process and judicial review, two legal instruments by which it improves jurisdiction. In a second time, discourses are about the emergency protection, gender and judicial protection, which is scoped to prevent damage caused by a guardianship Legal untimely. After reviewing the emergency protection in general terms, is to address the protection and precaution the injunction, species of urgent measures, which although they have many similarities, have characteristics that distinguishes them in certain cases. Finally, after discoursing on the protection of urgency, is focused on the study in the fungibility, primarily as a principle of civil procedural law which plays a huge role in allowing flexible forms, and a second point, more relevant, as a specific principle of guardianship of emergency, which allows replacement of the injunction precaution for the protection, pursuant to art. 273, §7º, of the CPC. The survey results show that there is no consensus in doctrine and case law on the possibility of replacing the interim protection injunctive relief, as the latter is more comprehensive and give the judge more power to judge. Although there consensus among scholars of law, we can affirm that most courts apply the fungibility of urgency protections broadly, ie, in his vector double meaning, and that future may be is an undisputed reality in all courts, who walk the standardization.

Keywords: Custody of urgency. Precaution. Guardianship Advance. Fungibility. Double direction vector.


1 INTRODUÇÃO

Enfoca-se no presente estudo o conceito e extensão do princípio da fungibilidade, bem como sua aplicação às tutelas de urgência. Ademais, o objetivo primordial é averiguar a aplicação deste novel instituto nas decisões judiciais dos tribunais brasileiros.

Para desenvolver o presente estudo recorreu-se às fontes bibliográficas e jurisprudenciais, por meio de doutrinas, artigos, legislação e pesquisa de acórdãos, a fim de se entender o princípio da fungibilidade e analisar os acórdãos proferidos com base no art. 273, §7º, do CPC.

O tema abordado é de grande importância, vez que ainda existem divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema proposto no que se refere à extensão da aplicabilidade da fungibilidade.

Ademais, propõe-se a análise das tutelas de urgência à luz de princípios do Direito, como o acesso à justiça, da instrumentalidade, da celeridade e economia do processo, da regulação das formas, da inafastabilidade do controle jurisdicional, entre outros.

O trabalho está estruturado em quatro capítulos, da seguinte forma: o primeiro vislumbra aspectos do processo e da tutela jurisdicional do direito pátrio; o segundo aborda a tutela de urgência de forma genérica; o terceiro refere-se, de maneira específica, à tutela cautelar e à tutela antecipada, espécies de medidas urgentes, apontando suas peculiaridades; por fim, o quarto capítulo apresenta o princípio da fungibilidade nas tutelas de urgência e analisa a aplicação deste princípio nas decisões proferidas pelos tribunais de todo o país.

Enfim, o presente trabalho busca compreender a fungibilidade das tutelas de urgência, prevista no art. 273, §7º, do CPC, a sua incidência nos acórdãos dos tribunais brasileiros, confrontando a norma, a doutrina e a jurisprudência com os princípios gerais do Direito. Contudo, não se pretende esgotar o tema através deste estudo, sendo necessárias futuras pesquisas que, aprofundando-se nesta disciplina, partam em busca da abordagem de novos conflitos jurídicos.


2 O PROCESSO E A TUTELA jurisdicional

Buscando-se abordar o tema tutela de urgência, necessário é entender o processo judicial e a tutela jurisdicional, vez que tais conceitos e classificações são importantes para a compreensão da medida de urgência que surge no processo e estão ligados à tutela jurisdicional a ser intentada em juízo.

2.1 O processo

Ao se falar em processo faz-se necessário conceituar e determinar sua natureza jurídica, entre outras classificações. A tarefa se torna difícil na medida em que surgem divergências nos conceitos por parte da doutrina, mas, do mesmo modo, torna-se extremamente necessária para a compreensão do tema proposto de maneira ampla e didática.

2.1.1 Conceito e natureza jurídica

O processo é o meio pela qual se busca a tutela jurisdicional. É instrumento pela qual se faz nascer a ação.

Segundo Humberto Theodoro Júnior (2007, p. 49):

Para exercer a função jurisdicional, o Estado cria órgãos especializados. Mas estes órgãos encarregados da jurisdição não podem atuar discricionária ou livremente, dada a própria natureza da atividade que lhes compete. Subordinam-se, por isso mesmo, a um método ou sistema de atuação, que vem a ser o processo.

Assim, nota-se que o processo é o meio pelo qual se move a máquina do judiciário, que é inerte e não pode atuar sem a provocação das partes.

O processo estabelece uma relação jurídica de direito público que gera direitos e deveres entre as partes e o magistrado, bem como se busca a aplicação da vontade da lei, vinculando as partes a esta vontade (THEODORO JÚNIOR, 2007).

Ao buscar conceituar o processo, Ivan Horcaio (2008, p. 734) esclarece:

(...) É o movimento dos atos da ação judiciária, ou melhor, o movimento dos atos da ação em juízo. O processo, na realidade, é um complexo de atos que se exteriorizam e se ordenam através do procedimento e que são praticados pelos litigantes, como juízes e seu auxiliares, como sujeitos desinteressados, a fim de compor-se uma lide secundum jus. Portanto o processo é um instrumento operacional da jurisdição para ser dado a cada um o que é seu, aplicando a vontade concreta da lei ou do Direito Objetivo (...).

Observa-se novamente o processo como meio de busca a justiça, sendo o instrumento de aplicação da vontade concreta da lei.

Entretanto, não há consenso entre os doutrinadores quanto ao conceito ou natureza jurídica do processo, havendo várias teorias que buscam explicar essas vertentes.

Preliminarmente, faz-se necessário lembrar que existem várias teorias, sendo impossível explicar todas as existentes, por isso, oportuno apontar as que obtiveram um papel mais relevante no Direito Processual, conforme ensinamentos de Alexandre Freitas Câmara (2004).

No início, o processo era visto como um procedimento, ou seja, uma sequência preordenada de atos. Essa teoria predominou durante a fase imanentista do Direito Processual Civil. Nesta época dedicavam-se os doutrinadores a prática do direito, pouco se importando com a teoria, existindo nesse plano a concepção do processo como um modo de agir em juízo conforme os ditames da lei (CÂMARA, 2004).

Outra teoria que buscou explicar o processo foi a teoria contratualista, que afirmava que o processo é um contrato. Essa teoria era baseada no litiscontestatio, instituto do Direito Romano, segundo o qual as partes aceitavam de comum acordo participar de um juízo e acatar a decisão que seria proferida pelo juiz, daí surgindo a idéia de existência de um contrato (CÂMARA, 2004).

Entretanto, essa teoria não acolhe o processo de forma verdadeira, como esclarece Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (2009, p. 299):

Essa doutrina tem mero significado histórico, pois parte do pressuposto, hoje falso, de que as partes se submetem voluntariamente ao processo e aos seus resultados, através de um verdadeiro negócio jurídico de direito privado (a litiscontestação). Na realidade, a sujeição das partes é o exato contraposto do poder estatal (jurisdição), que o juiz impõe inevitavelmente às pessoas independentemente da voluntária aceitação.

Pondera-se, assim, que não há contrato entre as partes para que se utilizem do processo para buscar ao judiciário; o que existe na realidade é o direito do autor, buscado de forma facultativa, e a imposição da presença do réu para responder à ação, caso não queria sofrer os efeitos da revelia e da confissão.

A teoria contratualista foi substituída pela teoria quase-contratualista, que considerava o processo um quase-contrato. Assim, se o processo não era um contrato e nem um delito, deveria ser um quase-contrato. Baseava-se na idéia de enquadrar, a qualquer custo, o processo na categoria do direito privado (CÂMARA, 2004).

Em 1868, o jurista alemão Oskar Von Bülow desenvolveu a teoria da relação processual, segundo a qual o processo é uma relação jurídica. É a teoria mais aceita pela doutrina até hoje (CÂMARA, 2004).

Em sua brilhante lição, Câmara (2004, p. 135) leciona:

Para a teoria do processo como relação jurídica, este é uma relação intersubjetiva, ou seja, uma relação entre pessoas, dinâmica, de direito público, e que tem seus próprios sujeitos e requisitos (a estes requisitos deu Bülow o nome de pressupostos processuais). Tal relação jurídica teria como conteúdo uma outra, de direito material (a res in iudicium deducta, já referida), e teria por fim permitir a apreciação desta pelo Estado-Juiz.

Observa-se que haveria uma relação jurídica entre as partes, ligadas por outra relação jurídica que envolveria um direito-dever posto sobre litígio e que seria o objeto da tutela jurisdicional.

Buscando combater a teoria da relação processual surgiu a teoria da situação jurídica, criada por James Goldschmidt. Para esta teoria o processo é composto por uma série de situações jurídicas ativas, capazes de gerar para seus sujeitos deveres, possibilidades, poderes, ônus, expectativas, etc. Entretanto, tal teoria foi criticada por diversos motivos, mas a crítica mais considerável foi em razão de que os deveres, possibilidade, poderes, ônus, expectativas, etc., estão ligados ao mérito e não ao processo em si (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2009).

Outra teoria que surgiu, criada por Jaime Guasp, foi a de que o processo é uma instituição, pois compreendia o resultado de uma combinação de atos tendentes a um fim, como também um complexo de atividades relacionadas entre si ligadas por uma finalidade específica (CÂMARA, 2004).

Ainda buscando conceituar o processo surgiu uma teoria que considera que o processo pertence a uma categoria jurídica autônoma. Segundo esta teoria o processo não pode ser enquadrado em nenhuma categoria jurídica, pois é autônomo. O processo é, simplesmente, o processo (CÂMARA, 2004).

Há ainda a teoria que afirma ser o processo uma entidade complexa. Segundo essa teoria o processo é formado por diversos elementos, e que poderia ser definido como procedimento animado pela relação jurídica processual (CÂMARA, 2004).

Por fim, das teorias mais importantes até agora estudadas restava apenas a teoria que afirma ser o processo um procedimento em contraditório. Segundo esta teoria o processo seria uma espécie do procedimento. O procedimento seria uma sequência de normas destinadas a regular uma conduta. Toda vez que houvesse participação, de forma paritária, de todos aqueles que serão atingidos pelos efeitos do ato final estaríamos diante do contraditório. Havendo contraditório no procedimento, seria o processo (CÂMARA, 2004).

Enfim, todas estas teorias apresentam as várias formas do processo, embora não o conceituem de maneira isolada, vez que o processo há de ser um misto de elementos e conceitos já apresentados. Ressalta-se que tais conceitos trouxeram avanços para a própria visão do processo e do direito processual.

Com todas estas teorias ainda não houve consenso por parte da doutrina em firmar o conceito e natureza jurídica do processo. Mas como ressaltado por Câmara (2004), tal discussão poderia ter sido evitada se houvesse uma diferenciação entre natureza jurídica e conceito, entendendo-se aquela como categoria a qual o processo pertence e esta como definição do termo.

Das teorias apresentadas muitas se relacionam à natureza jurídica, enquanto que outras buscam definir o processo (CÂMARA, 2004).

Assim, quanto à natureza jurídica do processo, ensina Câmara (2004, p. 142):

[...] O processo não pode ser incluído em nenhuma das categorias jurídicas conhecidas da doutrina, não sendo espécie de nenhuma delas. Isto se dá pela simples razão de o processo não guardar elementos em comum com nenhum outro instituto jurídico, o que não permite seja o processo reunido a outros institutos em categorias mais amplas. O processo é, ele sim, uma categoria jurídica per se, ou seja, uma categoria jurídica autônoma. O processo não é espécie de nenhum gênero. É ele sim, o gênero que comporta espécies (bastando aqui fazer referência aos processos de conhecimento, de execução e cautelar, espécies da categoria jurídica processo).

Observa-se então que o processo é gênero, categoria, a sua própria natureza jurídica, como afirmava a teoria da categoria jurídica autônoma.

Por fim, buscando conceituar processo, entende Câmara (2004) que o processo é um procedimento em contraditório animado pela relação jurídica processual.

2.1.2 Diferença entre processo e procedimento

Tema discutido intensamente pela doutrina foi a diferença entre processo e procedimento. A discussão acalorou-se com o advento da Constituição Federal de 1988, que trouxe em seus arts. 22 e 24 regras de competência para legislar, ao estipular ser de competência privativa da União legislar sobre matéria de direito processual, e competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal legislarem sobre procedimentos em matéria processual, surgindo daí a necessidade de diferenciar os dois termos a fim de fixar a competência legislativa (LUIZ RODRIGUES WAMBIER, EDUARDO ALMEIDA E FLÁVIO RENATO CORREIA TALAMINI, 2006).

Ao buscar diferenciar processo e procedimento, Theodoro Júnior (2007, p. 49-50) ensina:

Processo e procedimento são conceitos diversos e que os processualistas não confundem.

Processo, como já se afirmou, é o método, isto é, o sistema de compor a lide em juízo através de uma relação jurídica vinculativa de direito público, enquanto procedimento é a forma material com que o processo se realiza em cada caso concreto. (...)

É o procedimento, de tal sorte, que dá exterioridade ao processo, ou à relação processual, revelando-lhe o modus faciendi com que se vai atingir o escopo da tutela jurisdicional.

Em outras palavras, é o procedimento que, nos diferentes tipos de demanda, define e ordena os diversos atos processuais necessários.

Extrai-se do texto acima que o processo, como dito anteriormente, é o meio de busca da tutela jurisdicional, enquanto que o procedimento é a regra que o processo segue para sua exteriorização, sendo que essas regras variam conforme o provimento jurisdicional pretendido.

Nesse mesmo sentido, explica Wambier, Almeida e Talamini (2006, p. 148-149):

Processo é conceito de cunho finalístico, teleológico, que se consubstancia numa relação jurídica de direito público, traduzida num método de que se servem as partes para buscar a solução do direito para os conflitos de interesses (especificamente, como se verá, para aquela parcela do conflito levada a juízo, ou seja, para a lide).

O alcance dessa finalidade (buscar a solução do direito) se dá pela aplicação da lei ao caso concreto, e isso ocorre no processo, que é o instrumento através do qual a jurisdição atua.

(...)

Já o procedimento (na praxe, muitas vezes também designado "rito"), embora esteja ligado ao processo, com esse não se identifica. O procedimento é o mecanismo pelo qual se desenvolvem os processos diante dos órgãos da jurisdição.

Conjuntamente formam a relação jurídica processual, sendo o processo a substancia, enquanto que o procedimento é a forma, a estrutura, pois é por meio dele que o processo se desenvolve (WAMBIER, ALMEIDA e TALAMINI, 2006).

2.1.3 Princípios processuais

Os princípios são basilares da ciência processual, sendo importante para o processo a sua observância.

Segundo Wambier, Almeida e Talamini (2006) existem duas categorias de princípios: os princípios informativos e os princípios fundamentais, também chamados de princípios gerais.

Conforme os autores, os princípios informativos contêm regras de cunho generalíssimo e abstrato, aplicável a todas as regras processuais, enquanto que os princípios fundamentais albergam um grupo de princípios menos abstratos, menos gerais, mais contextuais, e que se referem a um determinado ordenamento jurídico.

Seguindo essa doutrina, os princípios informativos são os seguintes: princípio lógico, jurídico, político e econômico.

O princípio lógico prescreve que deve existir lógica entre os atos praticados no processo e a disposição desses atos ao longo do procedimento. Nas palavras de Wambier, Almeida e Talamini (2006, p. 67) "(...) Isso quer dizer que as leis processuais, pelo princípio lógico, devem prever os meios que mais sejam capazes de permitir o descobrimento da verdade subjacente ao processo".

O princípio jurídico informa que deve haver conformidade entre as regras processuais e a lei, ou seja, tudo o que for feito no processo deve seguir os ditames da lei existente e reguladora da matéria.

O princípio político prescreve que toda a regra processual deve obedecer à estrutura política que tenha sido adotada no país, no Brasil, por exemplo, as normas devem ser consoantes à democracia.

Por fim, o princípio econômico determina que deve haver o máximo rendimento com o mínimo de gasto.

Quanto aos princípios fundamentais, ou gerais, estes são diversos, sendo apropriado abordar apenas os mais relevantes ao processo.

O primeiro princípio que merece destaque é o do devido processo legal. Sua base legal é a Constituição da República Federativa do Brasil, que prescreve em seu art. 5º, inciso LIV, que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".

Explica Wambier, Almeida e Talamini (2006, p. 68):

Isso quer dizer que toda e qualquer conseqüência processual que as partes possam sofrer, tanto na esfera da liberdade pessoal quanto no âmbito de seu patrimônio, deve necessariamente decorrer de decisão prolatada num processo que tenha tramitado de conformidade com antecedente previsão legal e em consonância com o conjunto de garantias constitucionais fundamentais. O devido processo legal significa o processo cujo procedimento e cujas conseqüências tenham sido previstas em lei e que estejam em sintonia com os valores constitucionais. Exige-se um processo razoável à luz dos direitos e garantias fundamentais.

Como bem explicado pelos autores, o devido processo legal visa que as partes tenham direito a um processo baseado na lei, anterior ao processo, em estrita observância da Constituição Federal e os princípios basilares do direito, evitando assim qualquer juízo de exceção e pessoalidade com os jurisdicionados.

Outro princípio de grande relevância é o princípio do contraditório, que também possui fundamento na CF/88, que prescreve em seu art. 5º, inciso LV, que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

Câmara (2006, p. 50-51) conceitua o princípio do contraditório:

Tal definição significa dizer que o processo – o qual deve, sob pena de não ser verdadeiro processo, se realizar em contraditório – exige que seus sujeitos tomem conhecimento de todos os fatos que venham a ocorrer durante seu curso, podendo ainda se manifestar sobre tais acontecimentos. (...) Podemos, assim, ter como adequada a afirmação de Aroldo Plínio Gonçalves, para quem o contraditório (em seu aspecto jurídico) pode ser entendido como um binômio: informação + possibilidade de manifestação.

Assim, o contraditório é a ciência dada às partes sobre os atos praticados no processo e a oportunidade de manifestar-se sobre estes.

Entre os princípios processuais existe o princípio da isonomia ou igualdade. Consagrado na Constituição Federal, em seu art. 5º, caput, aduz que "todos são iguais perante a lei". Este princípio está intimamente ligado à idéia de um processo justo, eis que há um tratamento igual entre as partes no que concerne às condições e armas a serem usadas no processo. Vale lembrar que o princípio da isonomia determina o tratamento igual às pessoas iguais, e o desigual às desiguais (CÂMARA, 2004).

Essencial a existência do processo é o princípio da inafastabilidade, da universidade e da efetividade da tutela jurisdicional. Segundo Wambier, Almeida e Talamini (2006, p. 68):

Assegura-se que toda situação conflituosa possa ser submetida ao controle jurisdicional. Mas não se trata de apenas assegurar o acesso, o ingresso, no Judiciário. Os mecanismos processuais (...) devem ser aptos a propiciar decisões justas, tempestivas e úteis aos jurisdicionados – assegurando-se concretamente os bens jurídicos devidos àqueles que têm razão.

Há ainda o princípio dispositivo, segundo o qual cabe à parte movimentar a máquina do judiciário, ou seja, o Poder Judiciário é inerte, não podendo atuar por vontade própria, por isso a parte titular do direito é quem deve provocar a máquina estatal para que aja visando proteger o direito de quem está ameaçado (WAMBIER, ALMEIDA e TALAMINI, 2006).

Provocada a máquina do judiciário, entra em cena outro princípio fundamental, o princípio do impulso oficial, segundo o qual, uma vez instaurado o processo por iniciativa da parte ou interessado, o processo se desenvolverá por iniciativa do juiz, não dependendo de manifestação da parte para que prossiga (WAMBIER, ALMEIDA e TALAMINI, 2006).

Todos os princípios acima mencionados são relevantes para o Direito Processual, vez que a aplicação destes princípios no processo é uma forma de se alcançar a justiça e ter um processo mais célere, igual e principalmente legal para as partes.

2.1.4 Os sujeitos da relação jurídica processual

A relação jurídica processual é formada pelo autor, juiz e réu. Na visão da doutrina majoritária a relação jurídica processual é triangular, e o juiz ocupa a vértice superior, eqüidistante do autor e do réu.

Entretanto, a doutrina minoritária afirma que esta relação é na verdade angular vez que há relação direta entre o Estado e o autor e entre o Estado e o réu, e nunca entre autor e réu (CÂMARA, 2004).

Tal posicionamento é criticado pela doutrina majoritária, que argumenta que existe relação entre autor e réu, citando como exemplo o fato de as partes poderem convencionar entre si a suspensão do processo, nos termos do art. 265, II, do Código de Processo Civil (CÂMARA, 2004).

Seguindo o posicionamento da maioria dos doutrinadores, a relação processual se formaria da seguinte maneira, como explica Theodoro Júnior (2007, p. 78):

A relação jurídica processual estabelece-se, inicialmente, entre o autor e o juiz. É apenas bilateral nessa fase. Com a citação do réu, este passa também a integrá-la, tornando-a completa e trilateral. Então, estará o Estado habilitado a levar o processo à sua missão pacificadora dos litígios e terá instrumento hábil para dar solução definitiva (de mérito) à causa.

Em outras palavras, o autor ingressa em juízo, apresentando ao Estado, por meio do processo, o direito que deseja ver tutelado pelo poder público. O Estado-Juiz ao acolher a jurisdição determina a citação do réu. Com a citação do réu, forma-se por completo o processo, que passa a ser uma relação jurídica trilateral.

A relação jurídica estabelecida reveste-se de características como: é autônoma, pois não se confunde com a relação jurídica material discutida no processo; é trilateral, pois conta com a presença do autor, do Juiz e do réu; é pública, pois o Juiz atua como órgão do poder do Estado; é complexa, pois acarreta direitos, deveres e ônus às partes e é dinâmica, pois se desenvolve progressivamente até alcançar o fim do processo, que é a sentença (WAMBIER, ALMEIDA e TALAMINI, 2006).

2.1.5 Escopos e objeto do processo

O processo não possui um fim em si mesmo. Ele existe para servir de instrumento, de um meio adequado para exercer o direito.

Segundo Wambier, Almeida e Talamini (2006, p. 266):

(...) O processo é, pois, instrumento de atuação do direito material, e a isto denominou a doutrina instrumentalidade do processo em seu aspecto negativo. Trata-se de uma visão do processo menos formalista, capaz de fazer ver ao estudioso do tema que o binômio direito substancial-direito processual deve ser relativizado. Assim é que o processo deve ser visto como instrumento a serviço do direito material, e não o contrário. De outro lado, porém, há um aspecto positivo da instrumentalidade, segundo o qual o processo é encarado como meio indispensável para que o Estado possa alcançar os escopos da jurisdição (...).

Assim, o processo é instrumento para se buscar o cumprimento do direito material, ao mesmo tempo em que o processo é o meio pelo qual o Estado pode exercer a jurisdição, vez que sem a provocação das partes, que se dá por meio do processo, o Estado não pode agir, mas manter-se inerte.

O outro escopo do processo é a sua efetividade. A efetividade é a aptidão de um instrumento para alcançar o objetivo a que se destina. Assim, o processo visa dispor dos meios capazes para que o Estado possa exercer sua jurisdição (CÂMARA, 2004).

Quanto ao objeto do processo, embora haja divergência quanto a este assunto, a melhor doutrina entende que o objeto do processo é a pretensão processual.

Assim, leciona Câmara (2004, p. 229):

Tem-se, pois, por objeto do processo a pretensão processual, assim entendida a exigência do demandante no sentido de obter um atuar ou um fazer, ou, com mais precisão, a intenção manifestada pelo demandante de obtenção de um provimento capaz de lhe assegurar tutela jurisdicional. Julgar o mérito é julgar esta pretensão, manifestada em juízo através de um pedido, razão pela qual fala-se, tradicionalmente, em procedência ou improcedência do pedido, expressões utilizadas nas sentenças que definem o objeto do processo, conforme tenha sido tal definição favorável ou desfavorável ao demandante.

Observa-se pelo texto citado que o objeto do processo é a pretensão processual, ou seja, a intenção de provimento judicial levada em juízo por meio do processo e não a pretensão material, que é a intenção baseada em direito material, que não necessita necessariamente de processo para existir.

2.1.6 Classificação do processo

O processo é classificado levando-se em consideração o tipo de tutela jurisdicional que se deseja.

Assim, dependendo do resultado almejado pela parte, classifica-se o processo em três tipos: processo de conhecimento, de execução e cautelar.

No processo de conhecimento a parte afirma um direito, postulando-o por meio de um processo, com o intuito de que o Estado conceda a tutela desejada pela parte autora.

Segundo Wambier, Almeida e Talamini (2006, p. 109-110):

(...) Diz-se processo de conhecimento porque, nessa modalidade de processo, o juiz realiza ampla cognição, analisando todos os fatos alegados pelas partes, aos quais deverá conhecer e ponderar para formar sua convicção e sobre eles aplicar o direito (dizer o direito = jurisdictio) decidindo, através de sentença de mérito, pela procedência ou improcedência do pedido formulado pelo autor.

O processo de execução por sua vez busca efetivar o comando da norma vigente, não há discussão quanto ao direito do autor, pois em relação a este há certeza quanto a sua executividade.

Theodoro Júnior (2007, p. 53) explica o processo de execução da seguinte maneira:

Quando, porém, há certeza prévia do direito do credor e a lide se resume na insatisfação do crédito, o processo limita-se a tomar conhecimento liminar da existência do título do credor, para, em seguida, utilizar a coação estatal sobre o patrimônio do devedor, e, independentemente da vontade deste, realizar a prestação a que tem direito o primeiro. Trata-se do processo de execução.

Ao final da classificação, encontra-se o processo cautelar. Ao discorrer sobre o processo cautelar Wambier, Almeida e Talamini (2006, p. 112) explicam:

Genericamente, essa é a finalidade do processo cautelar: proteger contra o risco de ineficácia o resultado do processo: seja a eficácia futura de provimento jurisdicional que muito provavelmente será proferido em processo de conhecimento, seja o resultado de processo de execução que já se encontra em curso, ou que brevemente estará tramitando em juízo (processo cautelar incidental ou preparatório).

Nota-se o processo cautelar não visa satisfazer uma pretensão, nem executar um comando de lei, mas busca resguardar o direito da parte que já se encontra sob a apreciação do Poder Judiciário.

2.1.7 Pressupostos processuais

Os pressupostos processuais são os elementos necessários para que o processo surta os efeitos desejados.

Segundo Câmara (2004, p. 231):

Os pressupostos processuais podem ser definidos como os requisitos de existência e validade da relação processual. Em outros termos, os pressupostos processuais são os elementos necessários para que a relação processual exista e, em existindo, possa se desenvolver validamente. Desta definição já se pode extrair, facilmente, a conclusão de que os pressupostos processuais devem ser divididos em dois grupos: os pressupostos processuais de existência e os pressupostos processuais de validade.

Os pressupostos processuais de existência são os requisitos necessários para que o processo possa existir, enquanto que os pressupostos processuais de validade são os requisitos necessários para que o processo desenvolva-se validamente (HORCAIO, 2008).

Quanto à enumeração dos pressupostos processuais, grande dissensão há na doutrina, existindo autores que apresentam uma relação extensa de pressupostos (CÂMARA, 2004).

Assim, seguindo a orientação apresentada por Câmara (2004), são pressupostos processuais: a) um órgão estatal investido de jurisdição; b) partes capazes e; c) uma demanda regularmente formulada.

Entretanto, como esclarece o autor, estes pressupostos devem ser compatibilizados entre a classificação de pressupostos de existência e pressupostos de validade. Dessa forma, o processo existe se houver um órgão jurisdicional, partes e demanda, e desenvolve-se validamente quando possui os requisitos mencionados no parágrafo anterior.

Por órgão jurisdicional entende-se como órgão do Estado apto ao exercício da função jurisdicional; não havendo processo, portanto, quando este é instaurado perante um delegado (CÂMARA, 2004).

Da mesma forma, para que o processo exista é necessário que tenha partes, ou seja, o autor, que propôs a demanda, e o réu, o chamado demandado. Com base nisso, afirma-se que não existe processo quando o autor não indica quem é o réu, ou quando este já faleceu (CÂMARA, 2004).

A demanda, por sua vez, segundo as lições de Câmara (2004, p. 233) é "o ato através do qual se dá o impulso inicial à atuação do Estado-juiz", ou seja, é a instauração do processo perante o órgão jurisdicional.

A demanda é identificada pelas partes, causa de pedir e pedido. As partes são o autor e o réu, como já explicado. A causa de pedir divide-se em remota e próxima. Segundo Câmara (2004, p. 234) "causa remota é o fato constitutivo do direito afirmado em juízo, e causa de pedir próxima é o fato alegado gerador do interesse de agir".

Assim, por exemplo, numa demanda que visa a condenação à prestação alimentícia ao filho, a causa de pedir remota é a condenação pleiteada, enquanto que a causa de pedir próxima é o vínculo paterno.

O pedido é a manifestação expressa da pretensão. Classifica-o a doutrina em imediato e mediato. Pedido imediato é o provimento jurisdicional pretendido e o mediato é o bem jurídico que se deseja tutelar (Câmara, 2004). Exemplificando: utilizando o exemplo acima mencionado, da prestação alimentícia, extrai-se que o objeto imediato é a sentença condenatória, enquanto que o objeto mediato é o direito de alimentos.

Partindo para os pressupostos processuais de validade, temos, primeiramente, a investidura do órgão na jurisdição. Observa Câmara (2004, p. 235-236) em sua brilhante lição:

Note-se, desde logo, que não nos referimos aqui à investidura do juiz, mas do órgão. O conceito de investidura de jurisdição corresponde àquele que tradicionalmente foi designado como de "competência constitucional", estando portanto ligado ao princípio do juiz natural. Assim sendo, o processo será válido se instaurado perante órgão judiciário que possa, diante da hipótese concreta, exercer a função jurisdicional, nos termos da atribuição de seu exercício pelas regras constitucionais. Assim, por exemplo, instaurado perante a Justiça Federal um processo que deveria tramitar perante a Justiça do Trabalho, faltará pressuposto processual de validade, uma vez que o processo terá sido instaurado perante órgão que, in casu, não foi investido de jurisdição, o que terá como conseqüência a extinção do processo sem resolução do mérito (...).

Assim, nota-se que o autor adota o termo investidura e não competência, pois, conforme explica em sua obra, a competência apenas geraria a remessa dos autos ao juízo competente, enquanto que a falta de jurisdição acarretaria o proferimento de sentença sem resolução de mérito (2004).

O segundo requisito processual é a capacidade processual, como ensina Câmara (2004), sendo que esta abrangeria a capacidade de ser parte (decorre da capacidade de direito, que permite que uma pessoa, física ou jurídica, seja sujeito de direitos e obrigações), a capacidade de estar em juízo (decorre da capacidade de fato, cabendo aos incapazes serem representados ou assistidos) e capacidade postulatória (que é a aptidão para dirigir petição ao Estado-juiz).

O terceiro, e último, requisito processual é a regularidade formal da demanda. Isso quer dizer que a petição inicial, que é o instrumento de propositura da demanda, deve preencher requisitos, sob pena de indeferimento da petição inicial (CÂMARA, 2004).

2.2 A tutela jurisdicional

A Constituição da República Federativa do Brasil garante em seu art. 5º, inciso XXXV, que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Tal garantia é cumprida pelo poder estatal através do direito de ação e da concessão da tutela jurisdicional à parte verdadeiramente detentora do direito colocado sub judice.

2.2.1 Conceito

É importante que não se confunda tutela jurisdicional com jurisdição, pois esta última é entendida como sendo função do Estado de aplicar o direito, enquanto que a tutela jurisdicional é um amparo dado pelo Estado a quem tem razão em um processo (CÂMARA, 2004).

Segundo Câmara (2004, p. 83):

Tutela jurisdicional é uma modalidade de tutela jurídica, ou seja, uma das formas pelas quais o Estado assegura proteção a quem seja titular de um direito subjetivo ou outra posição jurídica de vantagem. Assim sendo, só tem direito à tutela jurisdicional (como, de resto, à tutela jurídica) aquele que seja titular de uma posição jurídica de vantagem.

Assim, a tutela jurisdicional é a proteção dada pelo Estado à pessoa que é possuidora de um direito.

José Roberto dos Santos Bedaque (apud Câmara, 2004, p. 84) fortalece a lição:

Tutela jurisdicional deve ser entendida, assim, como tutela efetiva de direitos ou de situações pelo processo. Constitui visão do Direito Processual que põe em relevo o resultado do processo como fator de garantia do direito material. A técnica processual a serviço de seu resultado.

Portanto, tutela é a proteção, o amparo, a defesa dada pelo Estado àquele que se torna parte em um processo (seja como autor, seja como réu) e que é legítimo possuidor de um direito material.

2.2.2 Classificação

Quanto à classificação da tutela jurisdicional grande divergência há na doutrina, pois os estudiosos do direito não são unânimes quanto aos tipos de tutelas jurisdicionais existentes.

Assim, há autores que classificam as tutelas em declaratória lato sensu (declaratória stricto sensu, condenatória, mandamental, constitutiva) e tutela executiva (stricto e lato sensu) (ROGÉRIO AGUIAR MUNHOZ SOARES, 2000).

Entretanto, seguindo a ilustre lição de Câmara (2004) classificam-se as tutelas quanto à pretensão do demandante, à intensidade, ao meio de prestação e à satisfatividade.

Quanto à pretensão do demandante, classifica-se a tutela jurisdicional em cognitiva, executiva e cautelar.

A tutela jurisdicional cognitiva é aquela em que a parte busca que o Estado-juiz conheça os fatos, os direitos, as provas e decida quem possui a razão.

Explica Câmara (2004, p. 85):

A tutela jurisdicional cognitiva se caracteriza por conter a afirmação da existência ou inexistência de um direito. A esta declaração muitas vezes se adiciona um outro elemento (condenatório ou constitutivo), mas é a declaração que exerce a função de característica essencial desse tipo de tutela.

Assim, a tutela cognitiva às vezes gera a condenação ou constituição em um direito, mas essa condenação, por exemplo, é apenas efeito da declaração do direito. Podemos assim exemplificar esse conceito: em uma ação de alimentos discute-se o direito que o alimentando possui de receber alimentos. Se esse direito for reconhecido pelo magistrado haverá, como efeito, a condenação do alimentante ao pagamento da verba.

A tutela executiva por sua vez é caracterizada pela satisfação de um crédito, ou seja, é levado a efeito um comando existente em uma sentença condenatória (CÂMARA, 2004).

Já a tutela jurisdicional cautelar busca assegurar a efetividade de outra tutela que pode já estar sendo pleiteada ou que ainda será futuramente.

Quanto à intensidade a tutela jurisdicional poderá ser plena ou limitada.

Leciona Câmara (2004, p.85) que "considera-se plena a tutela jurisdicional capaz de assegurar a mais ampla intensidade possível, alcançando-se com ela o acolhimento e a satisfação das pretensões legítimas levadas a juízo".

A tutela jurisdicional será limitada, por sua vez, quando esta não for capaz de garantir a satisfação plena do direito material, necessitando, portanto, de outra tutela para complementá-la (CÂMARA, 2004).

Outra forma de classificar é quanto ao meio de prestação da tutela, que poderá ser a tutela jurisdicional comum e a diferenciada.

A tutela jurisdicional comum é aquela prestada através dos métodos comuns, tradicionais, usuais, como o procedimento comum, rito ordinário ou sumário, no processo de conhecimento. Já a tutela jurisdicional diferenciada é aquela prestada por métodos diversos dos tradicionais, como por exemplo, as tutelas de urgência, objeto desse trabalho (CÂMARA, 2004).

Por fim, quanto à satisfatividade, a tutela jurisdicional pode ser satisfativa ou não-satisfativa. A tutela satisfativa dá o exercício do direito material, enquanto que a não-satisfativa não permite a atuação prática do direito pleiteado. Um bom exemplos de tutela não-satisfativa é a cautelar, que apenas garante a efetividade de outra tutela, sem conceder a parte o direito material desejado.


3 TUTELA DE URGÊNCIA

No capítulo anterior abordamos o assunto processo e tutela jurisdicional. Entendemos ser o processo instrumento para o exercício da ação e mecanismo pelo qual alcançamos a tutela jurisdicional prestada pelo Estado-Juiz.

Ainda, ao classificarmos as tutelas jurisdicionais nos deparamos com uma espécie de tutela diferenciada, sendo citada como exemplo desse tipo de medida a tutela de urgência.

Agora, neste capítulo, visando melhor compreender as tutelas de urgência, buscaremos esclarecer questões como a morosidade da justiça, o conceito de urgência, entre outras indagações, vez que tais temas estão estritamente ligados às tutelas de urgência, na medida em que justificam o surgimento destas no Direito Processual Civil.

3.1 A morosidade da justiça

O inciso XXXV, do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil dispõe que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Por meio deste artigo, a Constituição Federal (CF) consagrou o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, que nas palavras de Horcaio (2008, p. 724-725) significa:

Princípio segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, garantindo o livre acesso ao Judiciário, tendo a parte direito a ver apreciadas pelo juízo competente as suas razões e a ver fundamentadas as decisões que lhes negam conhecimento.

Ao consagrar tal princípio, o Estado tomou para si o poder-dever de tutelar, cabendo a este promover a Justiça, pois proibida a autotutela, salvo exceções previstas em lei.

Com o avanço tecnológico no mundo e a agilidade dos meios de comunicações e transporte, as relações humanas tornaram-se mais comuns e práticas, vez que ocorrem de forma mais dinâmica e impessoal.

Entretanto, tais facilidades ocasionaram a massificação de relações sociais, e consequentemente, a expansão de conflitos gerados pelo convívio cotidiano dos seres humanos. É como diz o brocardo jurídico: Ubi homo societas ibi societas; ubi societas, ibi jus - onde está o homem, está a sociedade; onde está a sociedade, está o direito.

Para a solução de tais conflitos, o Estado propiciou aos seus tutelados o acesso à justiça, por meio dos processos.

Segundo Bedaque (2009, p. 12-13):

A proibição da autotutela leva à absoluta imprescindibilidade do processo, para tornar efetivo o ordenamento jurídico substancial. A previsão de situações de vantagem, sem possibilitar a defesa dos interesses pelos próprios meios e sem dotar o titular desses interesses de mecanismos adequados a tanto, seria o mesmo que estabelecer regras sem sanção para o inadimplemento.

Assim, com a proibição da autotutela, o Estado teve que criar mecanismos judiciais e extrajudiciais para alcançar a pacificação social nas relações estabelecidas entre os homens.

Ocorre que o célere desenvolvimento da sociedade ainda não é acompanhado pelo Direito, nem tampouco pelos mecanismos estatais disponíveis para a execução da justiça.

A Constituição Federal em seu art. 5º, inciso LXXVIII, dispõe que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

Tal preceito não é fácil de ser cumprido, por diversos fatores. No cenário atual brasileiro, vislumbra-se a demora do processo judicial e a situação de que nem sempre o demandante pode aguardar a providência judicial, pois o seu direito está em risco. O processo também está sujeito às intervenções do tempo, sendo, por isso, necessários mecanismos que possam garantir uma tutela efetiva ao litigante, caso contrário, poderá sofrer danos irreparáveis, enquanto seu direito perece juntamente com um processo que foi ineficaz.

Segundo Bedaque (2009, p. 15):

A grande preocupação da ciência processual contemporânea está relacionada, portanto,à eficiência da Justiça, que se traduz na busca de mecanismos para alcançar a efetividade da tutela jurisdicional. Na medida em que cabe ao direito processual a sistematização do método estatal de solução de controvérsias, devem os estudiosos dessa ciência voltar sua atenção para a criação de meios aptos à obtenção do resultado desejado.

Tal morosidade no sistema judiciário possui diversos fatores, como a crescente (e invencível) demanda processual, número reduzido de servidores e juízes, procedimentos demasiadamente burocráticos, atos protelatórios das partes, entre outras causas.

O legislador tem buscado criar mecanismos aptos a solucionar as controvérsias em tempo hábil, com procedimentos diversificados e caracterizados pela celeridade com que se desenvolvem, como por exemplo, a tutela antecipada, as liminares, as cautelares, mandado de segurança, etc.

Entretanto, a celeridade processual não se encontra apenas no aperfeiçoamento da legislação processual, mas também na necessidade de o Estado destinar maior percentual de seu orçamento a fim de suprir muitas das necessidades estruturais do Poder Judiciário (BEDAQUE, 2009).

Do mesmo modo se prescinde uma melhor distribuição de competência, vez que existem locais que possuem dois ou mais juízes, entretanto, não possui se quer metade do número de processos de locais onde há apenas um juiz.

Complementa Bedaque (2009, p. 16) que:

Deve ainda o Estado-Administração conscientizar-se de que o processo não constitui mecanismos para protelar o cumprimento de suas obrigações. Não se ignora que o Poder Executivo é o maior causador de processos, muitas vezes defendendo teses absolutamente ilegítimas, nas quais insiste mesmo quando já rejeitadas reiteradas vezes em última instância.

Além dos problemas estruturais existentes no Poder Judiciário, temos ainda que o processo necessita por si só de tempo. Seu desenrolar e conclusão demandam tempo, não podendo ser resolvidos instantaneamente.

O processo está estritamente ligado ao tempo. Para que o magistrado profira uma sentença é necessário que este esteja convencido da veracidade dos fatos narrados e da incidência do direito ao caso concreto. Tais certezas normalmente são alcançadas a partir de provas robustas produzidas pelas partes principalmente em audiência.

Nesse sentido, explica Theodoro Júnior (2005, p. 21-22):

O provimento judicial não pode ser ministrado instantaneamente. A composição do conflito de interesses, mediante o processo, só é atingida pela seqüência de vários atos essenciais que ensejam a plena defesa dos interesses das partes e propiciam ao julgador a formação do convencimento acerca da melhor solução da lide, extraído o contato com as partes e com os demais elementos do processo.

De tal sorte, entre a interposição da demanda e a providência judicial satisfativa do direito de ação (sentença ou ato executivo), medeia necessariamente certo espaço de tempo, que pode ser maior ou menor conforme a natureza do procedimento e a complexidade do caso concreto.

O ideal seria que a lide fosse composta no mesmo estado em que se achava ao ser posta em juízo e, por isso, ordinariamente, as sentenças são reconhecidas como declarativas e de efeito retroativo ao momento da propositura da ação.

O constituinte ao consagrar o princípio do acesso à Justiça, não estabeleceu apenas um direito de ingresso em juízo, mas também um dever do Estado de atender seus jurisdicionados concedendo a cada um exatamente aquilo que possui como direito.

Conforme Bedaque (2009, p. 18):

(...) Quem procura a proteção estatal, ante a lesão ou a ameaça a um interesse juridicamente assegurado no plano material, precisa de uma resposta tempestiva, apta a devolver-lhe, da forma mais ampla possível, a situação de vantagem que faz jus.

Assim, cabe ao Estado oferecer a tutela jurisdicional efetiva e tempestiva à parte vencedora, ou seja, aquela que produza os efeitos concretamente esperados e que seja concedida a tempo de a parte usufruir de seus direitos.

Justifica-se aí o uso cotidiano das tutelas de urgências, vez que em meio à morosidade da justiça os operadores do Direito têm buscado utilizar mecanismos que socorram rapidamente aqueles que necessitam da jurisdição estatal.

3.2 Conceito de urgência

Segundo o Dicionário Michaelis, urgente é:

1 Que urge; que se deve fazer com brevidade; que não se pode adiar. 2 Iminente; imediato. 3 Rápido, veloz. 4 Angustioso. 5 Apertado, estreito. 6 Que indica urgência. 7 Que tem efeito rápido, imediato.

Ainda, segundo o Dicionário Aurélio é algo "que não pode ser adiado ou retardado; que urge: um negócio urgente".

Para o direito, urgente é a situação que precisa ser solucionada o mais breve possível, sob o risco de o direito pleiteado judicialmente se dissolver pela ação do tempo.

Como exemplo de urgência, podemos citar a existência de uma ação de execução, onde o executado está a dilapidar seu patrimônio visando não haver bens para uma futura penhora (garantia do crédito). O exequente, diante dessa situação de urgência, pode requerer uma medida cautelar de arresto para salvaguardar os bens que garantirão a execução.

3.3 Conceito de tutela de urgência

Após conceituarmos urgência, passemos então a conceituação de tutela de urgência segundo a doutrina processual.

Segundo Ricardo Alessandro Castagna (2008, p. 111):

Considera-se tutela de urgência o provimento autônomo ou dependente destinado à prestação da tutela jurisdicional em tempo inferior àquele inerente ao processo plenário e exauriente, para proteção ou satisfação de um direito material debatido em juízo.

Assim, entende-se por tutela de urgência aquele provimento judicial concedido a fim de abreviar o tempo, fazendo com que o direito da parte vencedora não venha a sofrer com os efeitos da demora.

Ainda, segundo Ragone "a tutela de urgência é, na verdade, modalidade de tutela jurisdicional diferenciada, cuja característica fundamental consiste no fator tempo, ou seja, é prestada de forma mais rápida, assegurando, com isso, a utilidade do resultado" (apud BEDAQUE, 2009, p. 26).

As tutelas de urgência justificam-se pela impossibilidade de se aguardar a efetividade dos comandos existentes no processo, pois essa demora gera a inutilidade da tutela requerida (REIS FRIEDE, RODRIGO KLIPPEL E THIAGO ALBANI, 2009).

As principais características dessas tutelas seriam a rapidez com que dão origem ao provimento jurisdicional e a sumariedade da cognição judicial (BEDAQUE, 2009).

Desse modo, as tutelas de urgência é técnica processual criada para prover ao jurisdicionado proteção efetiva nos casos em que a demora do processo extingua sua utilidade e do próprio direito material (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

É meio pela qual as partes podem fazer valer o princípio do acesso à Justiça, não apenas com o ingresso em juízo, mas também com a efetiva tutela prestada.

3.4 Espécies de tutelas de urgência

As tutelas de urgência são espécies de tutela jurisdicional que devido as suas características comuns, principalmente a sumariedade da cognição e a urgência, podem ser enquadradas em um mesmo gênero.

Como já visto, tem como objetivo tornar a tutela jurisdicional, prestada pelo Estado, efetiva.

No ordenamento jurídico brasileiro, várias são as espécies de tutela de urgência que buscam cumprir o objetivo primeiro dessas medidas: a efetividade.

Como exemplo, podemos citar a tutela cautelar, prevista no art. 796 e seguintes do CPC; a tutela antecipada, prevista no artigo 273 do CPC; a tutela específica, prevista no art. 461 e 461-A do CPC; o mandado de segurança, previsto na CF/88, no art. 5º, inciso LXIX e regulado pela Lei 12.016/09, entre outras.

No presente trabalho, abordaremos apenas as espécies denominadas cautelar e tutela antecipada, vez que a fungibilidade que ocorre entre esta e aquela é o enfoque da presente pesquisa.

3.5 Características comuns à tutela cautelar e à tutela antecipada

Embora a tutela cautelar e a tutela antecipada possuam peculiaridades que as distinguem uma da outra, há um consenso na doutrina em afirmar que as mesmas possuem características que lhes são comuns.

Assim, segundo a doutrina, quatro seriam as características comuns à tutela cautelar e à tutela antecipada: a finalidade comum, a sumariedade da cognição, a revogabilidade e a provisoriedade. Entretanto, cabe aqui fazer um parêntese quanto à última característica, vez que a doutrina diverge quanto ao uso da terminologia, havendo doutrinadores que utilizam apenas o termo provisoriedade, enquanto outros usam este para as cautelares e o termo temporariedade para a tutela antecipada. Vejamos cada uma das características.

3.5.1 A finalidade comum das tutelas de urgência

A tutelar cautelar e a tutela antecipada possuem como característica comum a sua finalidade: o acesso à justiça.

Segundo Friede, Klippel e Albani (2009, p. 14-15) "(...) a finalidade das tutelas de urgência é garantir, em última análise, a utilidade do processo e a própria possibilidade de fruição do direito material, ambos ameaçados pelo fator tempo".

O acesso à Justiça é fundamento para a existência da tutela de urgência. Nesse sentido, segundo Friede, Klippel e Albani (2009, p. 16):

A partir do momento em que se determina que o direito à tutela de urgência tem sede constitucional, permite-se levar até o Supremo Tribunal Federal a discussão sobre questões jurídicas referentes ao tema (como, por exemplo, a de vedação à concessão de liminares, muito comum em leis infraconstitucionais), bem como o controle concentrado de constitucionalidade de tais tipos de normas, por meio de ADIN ou ADC.

Assim, as tutelas de urgência buscam que o processo seja efetivo, ou seja, que possa proporcionar exatamente aquilo que concedido pelo magistrado. Trata-se de um dos mais úteis instrumentos criados pelo legislador e postos à disposição dos jurisdicionados (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

3.5.2 A sumariedade da cognição judicial

Segundo Friede, Klippel e Albani (2009, p. 16):

A cognição pode ser considerada o cerne do exercício da função jurisdicional, visto que a atividade do magistrado consiste em apreciar os argumentos de fato e de direito deduzidos no processo (ou cognoscíveis de ofício), dando fim à atividade jurisdicional, decidindo ou não a lide.

A cognição é atividade judicial realizada pelo órgão julgador, que aprecia os fatos e o direito alegado pela parte e decide pela procedência ou não do pedido da parte que alega a existência do direito.

As partes trazem em juízo os fatos e o direito alegado, e o Estado-Juiz presta a tutela jurisdicional àquele que faz jus à posição jurídica de vantagem.

A cognição é classificada sob duas perspectivas: a cognição em sentido horizontal e em sentido vertical (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

Sobre a cognição horizontal, leciona Nunes (2000, p. 33-34):

Quanto ao plano horizontal, seria o objeto cognoscível ou o conflito de interesses colocado dentro das suas convenientes limitações pela parte ativa, ou seja, ainda que o conflito na sua extensão tenha maior amplitude, ele é limitado pela conveniência ou, às vezes, pela própria lei, como, por exemplo, quando impede a discussão de questão dominial em sede de ação possessória. (...) Nesse plano, a cognição pode ser plena ou limitada (ou parcial) segundo a extensão permitida.
O limite é imposto ao sujeito cognoscente objetivamente, ou seja, ou pelas partes, que delimitam a extensão do litígio, ou pela própria lei, que restringe a extensão do litígio a parâmetros predeterminados.

Desse modo, entende-se que a cognição horizontal está ligada a apreciação de questões dentro do processo, ou seja, a quantidade de matérias, assuntos ou temas que podem ser analisados pelo juiz, é a extensão ou amplitude da atividade (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

Leciona Friede, Klippel e Albani (2009, p. 19):

A extensão da cognição está ligada à possibilidade de o órgão julgador analisar as três modalidades ou categorias cognoscíveis no processo, que são as condições da ação, os pressupostos processuais e o mérito. O procedimento que permite, em abstrato, a cognição dessas três modalidades, sem restrições, adota o método de cognição plena (cognição horizontal completa). Permitir a cognição não significa implementá-la em todos os casos desenvolvidos por meio deste procedimento. Exemplificativamente, tem-se que demanda que tramita pelo procedimento ordinário pode ser extinta, em dada situação, sem resolução de mérito (casos do art. 267 do CPC). No entanto, era prevista em abstrato a cognição de outras matérias, de forma ampla, como as de mérito.

A cognição vertical por sua vez, está relacionada a profundidade da apreciação da causa pelo julgador.

Explica Friede, Klippel e Albani (2009, p. 20):

Quando se falar em cognição em seu aspecto vertical ou profundidade, quer-se identificar (i) qual o grau de convencimento que o magistrado desenvolveu, ao analisar uma questão – profundidade em seu aspecto subjetivo; bem como (ii) qual foi a quantidade de elementos de convicção, probatórios, que teve à sua disposição – profundidade no sentido objetivo.

A cognição vertical pode ser exauriente ou sumária. Será sumária quando a profundidade da análise, em aspecto subjetivo e objetivo, são realizados de forma mínima, ou seja, o magistrado não possui a certeza das razões do autor, tampouco fez uso de todos os meios de convencimentos disponíveis para alcançar a certeza das razões, mas nelas vê uma plausibilidade. Já a cognição exauriente é completa, pois o juiz está completamente convencido de seu juízo, bem como utilizou todos os elementos probatórios submetidos ao contraditório para decidir (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

As tutelas de urgência são, em regra, proferidas com base em cognição sumária.

3.5.3 A revogabilidade

Aduz o §4º, do art. 273 do CPC, que "a tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada".

No mesmo sentido, em relação à tutela cautelar, aduz o art. 807 do CPC que "as medidas cautelares conservam a sua eficácia no prazo do artigo antecedente e na pendência do processo principal, mas podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou modificadas".

Assim, pela leitura dos artigos acima transcritos afirma-se a possibilidade de toda tutela urgente ser revogada a qualquer tempo.

A possibilidade de revogação das tutelas de urgência encontra fundamento no fato de que as medidas de urgência são concedidas com base em cognição sumária, de juízo de plausibilidade, e não de certeza, o que permite mais facilmente o cometimento de erros (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

3.5.4 A provisoriedade e temporariedade

As tutelas de urgência possuem ainda como característica a provisoriedade, no sentido de que a decisão não objetiva eternizar-se, prolongar-se pelo tempo, mas apenas impedir os efeitos deletérios do tempo (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

Segundo Ovídio Baptista da Silva, a tutela cautelar e a tutela antecipada lidam de forma diferente em relação ao fato de não perdurarem no tempo. Segundo esse autor a tutela cautelar seria temporária, enquanto que a tutela antecipada seria provisória (JAQUELINE MIELKE SILVA, 2009).

Leciona Calamandrei (apud MIELKE SILVA, 2009, p. 24):

Temporâneo é, simplesmente, aquilo que não dura sempre, aquilo que, independentemente da superveniência de outro evento, tem por si mesmo duração limitada; provisório é, por sua vez, aquilo que é estabelecido para durar enquanto não sobrevenha um evento sucessivo, em vista e na espera do qual o estado de provisoriedade permanece no ínterim. Nesse sentido, provisório equivale a interino: ambas as expressões indicam aquilo que é estabelecido para durar somente aquele tempo intermediário que precede o evento esperado.

Assim, a tutela de urgência não tem como objetivo a duração ad eternum no tempo, mas é equivocado dizer que esta é provisória, pois, como visto a tutela cautelar dura por certo tempo, ou seja, é temporária, enquanto que a tutela antecipada é provisória, pois será substituída ao final do processo por decisão definitiva.

3.6 A tutela de urgência e os momentos em que pode ser deferida

Sobre as tutelas de urgência, importante é estudar o momento em que ela pode ser deferida. Segundo Friede, Klippel e Albani (2009), as tutelas de urgência podem ser deferidas liminarmente, após o contraditório do réu, na sentença e em sede recursal. Vejamos cada hipótese.

3.6.1 Medida liminar

Segundo Horcaio (2008) liminar é "medida tomada por ordem judicial com a finalidade de resguardar direitos antes da discussão do feito".

Esclarece Friede, Klippel e Albani (2009, p. 40):

(...) pode-se dizer que liminar transmite um conceito topológico, ou seja, ligado a uma determinada localização espacial. Liminar é tudo aquilo que se realiza no início do procedimento animado pela relação processual.

A liminar é ato jurídico por meio do qual se julga pedido de tutela de urgência sem que se ouça, previamente, aquele que deverá suportar os efeitos negativos do provimento judicial (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

Na prática forense o termo liminar é utilizado de forma equivocada, vez que equiparam a liminar às tutelas de urgência, como se fosse uma nova espécie de tutela de urgência. Entretanto, não se trata de nova espécie, mas apenas de meio de se alcançar a medida de urgência no início do processo. Sua designação é temporal.

Por fim, é necessário fazer uma observação: toda liminar é inaudita altera parte, pois toda liminar é concedida antes do contraditório, ou seja, antes de ser ouvida a parte contrária. É comum o uso do termo inaudita altera parte para diferenciar uma medida liminar concedida antes do contraditório de outra concedida após o contraditório. Entretanto, como já vimos, a liminar é sempre antes do contraditório, e qualquer decisão protetiva proferida após o contraditório é simplesmente uma tutela de urgência, mas não liminar.

3.6.2 Após o contraditório do réu

Esta é a regra no ordenamento jurídico brasileiro, em observância ao princípio do contraditório.

Assim, em regra, as tutelas de urgência são concedidas depois de ouvida a parte contrária, ou seja, após a completa instauração da relação processual e a oportunização de ampla defesa ao requerido.

Nesse sentido, esclarece Friede, Klippel e Albani (2009, p. 46):

Em razão do princípio constitucional do contraditório, a regra é que o deferimento das tutelas de urgência ocorra sempre após a completa instauração da relação processual, sendo garantido o contraditório à parte contrária, tratando como exceção, nos termos do art. 797 do CPC, o deferimento liminar das tutelas de urgência.

Dessa forma, presentes os requisitos necessário para a concessão da tutela de urgência, deve esta ser concedida pelo magistrado, visando garantir o efetivo acesso à Justiça e a tutela jurisdicional.

3.6.3 Na sentença

Segundo Friede, Klippel e Albani (2009), as tutelas de urgência podem ser concedidas quando da sentença em duas situações: a) confirmando ou revogando tutela de urgência concedida anteriormente, e; b) no corpo da sentença, como ato inédito no procedimento.

No primeiro caso, a sentença possui caráter substitutivo mesmo confirmando ou revogando a medida de urgência. Como exemplo dessa primeira situação, podemos citar a antecipação de tutela, que poderá vigorar, enquanto permanecerem seus requisitos, até a sentença que a substituirá em caráter definitivo.

No segundo caso, a tutela de urgência é concedida na sentença retirando o efeito suspensivo, no caso de possível interposição de recurso (Friede, Klippel e Albani, 2009).

3.6.4 Em sede recursal

Como vimos, as tutelas de urgência visam garantir o acesso à justiça, mas não apenas no sentido de garantir o ingresso em juízo, mas abarcando nesse termo a efetividade da tutela jurisdicional a ser prestada pelo Estado. Desta forma, é possível a concessão da tutela de urgência em sede recursal.

Nesse sentido, lecionada Friede, Klippel e Albani (2009, p. 50):

No entanto, vale ressaltar que é possível a análise do pedido de tutela de urgência mesmo em grau recursal, podendo-se buscar a fruição de um bem da vida ou até mesmo obstaculizar este acesso (o que se teria através da concessão do efeito suspensivo ao recurso), pois enquanto não solucionada e definitivamente a lide, ou, após sua solução, não entregue o bem da vida do indivíduo, é possível a obtenção das tutelas de urgência para garantir a referida efetividade da prestação da tutela jurisdicional em qualquer grau de jurisdição.

Enquanto houver urgência para o provimento de uma tutela, não importa em que instância se esteja, a tutela de urgência pode ser pleiteada e concedida.

3.7 A execução das tutelas de urgência

Sobre a execução das tutelas de urgência, explica Friede, Klippel e Albani (2009, p. 53):

Em regra, as tutelas de urgência são decisões condenatórias deferidas para garantir a efetividade da prestação da tutela jurisdicional, tratando de antecipar os efeitos do pedido ou mesmo resguardar uma situação fática/jurídica futura, a fim de evitar lesão irreparável ou de difícil reparação à parte.

Assim, ao deferir uma tutela de urgência o juiz determina uma ação ou uma omissão (obrigação) a ser praticada pela parte ré.

Entretanto, nem sempre essa determinação é cumprida de forma espontânea, necessitando-se então da atuação estatal para garantir o direito da parte credora da obrigação.

Explica Friede, Klippel e Albani (2009, p. 52):

Nesse caso, o Estado é autorizado a tomar atitudes, inclusive de ofício, a fim de obter a satisfação da obrigação, sancionando o devedor, inclusive invadindo sua esfera patrimonial, se for o caso, para que possa conseguir deste, mesmo que de forma forçada, o cumprimento da obrigação.

Essa atuação do Estado-juiz, voltada a obter coercitivamente o cumprimento da obrigação, invadindo a esfera jurídica e patrimonial do devedor, entregando o bem da vida ao credor, se chama de execução forçada.

Essas decisões condenatórias, embora ainda não definitivas, podem ser executadas, pois são títulos executivos judiciais, nos termos do Código de Processo Civil (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

Por serem títulos executivos judiciais, a execução segue o procedimento descrito no Código de Processo Civil.

O Código de Processo Civil prevê ainda a aplicação de astreintes, para o caso de inadimplemento da obrigação imposta, que segundo Marcelo Abelha Rodrigues (apud FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009, p. 56):

é inspirada no direito francês e no instituto do contempt of court do ordenamento anglo-saxão, é forma de coerção psicológica do executado, atuando de modo a pressioná-lo a cumprir a obrigação específica. Também é aplicável nas execuções de fazer e não fazer fundadas em título executivo extrajudicial. A multa tanto pode ser aplicada para servir de técnica de coerção para provimentos antecipatórios urgentes como para provimentos finais não urgentes que concedam a tutela específica.

Resumidamente, a astreintes é meio coercitivo utilizado pelo Estado para que haja o cumprimento da obrigação, pois em caso de inadimplemento haverá a sua incidência.

Por fim, cabe-nos apenas observar que toda medida urgente pode ser executada para que seja cumprida na forma determinada, em conformidade com o CPC, com o objetivo de que a tutela jurisdicional seja efetivamente prestada, ou seja, que não haja lesão a direito.


4 APONTAMENTOS ACERCA DA TUTELA CAUTELAR E DA TUTELA ANTECIPADA

Neste capítulo faremos alguns apontamentos acerca da tutela cautelar e da tutela antecipada, diferenciando-as entre si, a fim de evitar confusões entre os termos como ocorre habitualmente na prática forense.

4.1 A tutela cautelar

Como mencionamos no capítulo 1, a maior parte dos doutrinadores de Direito Processual Civil divide o processo em três espécies: o de conhecimento, o de execução e o cautelar.

O processo cautelar tem como objeto a tutela cautelar, que é uma espécie de tutela de urgência, como já classificamos no capítulo 2.

Neste capítulo, buscando diferenciar a tutela cautelar da tutela antecipada é necessário conceituá-la, explicar seus requisitos e, não menos importante, entender a questão da satisfatividade desta tutela, assunto este de grande divergência na doutrina e jurisprudência.

4.1.1 Conceito

Segundo Câmara (2005, p. 17):

Denomina-se medida cautelar o provimento judicial capaz de assegurar a efetividade de uma futura atuação jurisdicional. É normalmente concedida através de um processo destinado à verificação de seu cabimento e, em seguida (no mesmo processo) à sua efetivação, a que se dá o nome de processo cautelar. Diz-se que ela é normalmente concedida no processo cautelar porque não se pode negar a existência de casos em que a medida cautelar é concedida no bojo de outro processo, de conhecimento ou de execução.

Assim, a tutela cautelar é um tipo de provimento judicial que visa garantir a efetivação de uma futura atuação jurisdicional.

Para Wambier, Talamini e Almeida (2008), medida cautelar é termo genérico que abrange todo meio processual que tem como objetivo garantir a eficácia de um provimento jurisdicional.

Theodoro Júnior (2009, p. 488) em sua brilhante lição, conceitua:

Assim visto o problema, podemos definir a medida cautelar como a providência concreta tomada pelo órgão judicial para eliminar uma situação de perigo para direito ou interesse de um litigante, mediante conservação do estado de fato ou de direito que envolve as partes, durante todo o tempo necessário para a definição do direito no processo de conhecimento ou para a realização coativa do direito do credor sobre o patrimônio do devedor, no processo de execução.

Complementando a lição de Theodoro Júnior, trazemos à baila a lição de Ovídio A. Baptista da Silva (2000, p. 17):

A tutela cautelar faz parte do gênero tutela preventiva e tem por fim dar proteção jurisdicional ao direito subjetivo ou a outros interesses reconhecidos pela ordem jurídica como legítimos, mas que não se identificam com os denominados direitos subjetivos. Na verdade, a tutela cautelar tem por fim proteger não apenas direitos subjetivos, mas igualmente, e, poderíamos dizer até, preponderantemente, proteger pretensões de direito material, ações e exceções, quando seus respectivos titulares aleguem que tais interesses, reconhecidos e protegidos pelo direito, encontrem-se sob ameaça de um dano irreparável.

Desta forma, diante dos vários conceitos aqui apresentados, podemos afirmar que a tutela cautelar é uma espécie de provimento judicial que tem como objetivo garantir a efetividade dos direitos e da própria pretensão ameaçada de sofrer mal irreparável.

4.1.2 Classificação das tutelas cautelares

Seguindo os ensinamentos de Theodoro Júnior (2009), a tutela cautelar pode ser classificada da seguinte maneira quanto à finalidade e objeto:

a)Medidas para assegurar bens;

b)Medidas para assegurar pessoas;

c)Medidas para assegurar provas.

Segundo o autor, as medidas cautelares que têm por fim garantir bens visam garantir uma futura execução; as medidas para assegurar pessoas têm por fim a guarda provisória destas e, por fim, as medidas para resguardar provas compreendem a coleta de elementos de convicção, antecipadamente, para uma futura utilização na instrução de um processo.

O autor afirma existir ainda duas classificações presentes no Código de Processo Civil que dividiriam as medidas cautelares em típicas (também chamada nominadas) e atípicas (ou inominadas), bem como em medidas preparatórias e medidas incidentes.

Entretanto, como ressalta Câmara (2005), não há consenso na doutrina quanto à classificação da medida cautelar.

Calamandrei (apud Câmara, 2005) classificava as medidas cautelares em quatro tipos:

a) medidas de antecipação da instrução, que têm como objetivo a produção antecipada de provas que serão utilizadas em um futuro processo;

b) medidas de garantia da futura execução forçada, que visam garantir a efetividade da execução, evitando que os bens sejam dispersos pelo executado;

c) medidas antecipatórias, que regulamentam provisoriamente uma condição fundamental, que futuramente será substituída pela sentença definitiva; e, por fim,

d) medidas que consistem na imposição de uma caução, que nas palavras de Câmara (2005, p. 19), a "prestação é exigida como requisito para que se possa obter um posterior provimento jurisdicional".

Já para Carnelutti (apud Câmara, 2005) há três tipos de medidas cautelares. São elas:

a) medidas cautelares inibitórias, como a manutenção de posse e o seqüestro;

b) medidas cautelares restitutórias, como a reintegração de posse; e,

c) medidas cautelares antecipatórias, como a produção antecipada de provas.

Outra classificação citada por Câmara (2005) é a de Galeno Lacerda, que propõe três critérios de classificação das medidas cautelares: quanto à finalidade; quanto à posição processual e o caráter da medida; e quanto à natureza.

Segundo esta classificação, quanto à finalidade, as medidas cautelares seriam:

a) de segurança quanto à prova;

b) de segurança quanto aos bens; e,

c) de segurança mediante antecipação provisória da prestação jurisdicional.

Quanto à posição e o caráter da medida, esta poderia ser antecedente ou incidente, sendo que esta última se subdividiria em preventivas e repressivas.

No que tange à natureza da tutela cautelar, as medidas podem ser jurisdicionais e administrativas (que podem, ainda, ser divididas em voluntárias e concedidas de ofício pelo juiz).

Por fim, citamos a classificação adotada por Câmara (2005), que a faz dividindo em três critérios: quanto à tipicidade, quanto ao momento da postulação e quanto à finalidade.

Quanto à tipicidade, as medidas cautelares podem ser típicas, isto é, aquelas previstas no nosso ordenamento jurídico, e atípicas, que embora não previstas no ordenamento jurídico podem ser concedidas pelo juiz por meio do poder geral de cautela.

Quanto ao momento da postulação, as medidas cautelares podem ser antecedentes, que são as pleiteadas antes da instauração do processo principal, e incidentes, pleiteadas no curso do processo principal.

Finalmente, quanto à finalidade, o autor admite a existência de três categorias de medidas cautelares:

a) medidas de garantia da cognição, que visam garantir a eficácia de um futuro processo cognitivo;

b) medidas de garantia da execução, que visam garantir a eficácia de um futuro processo executivo; e, por fim,

c) medidas que consistem em uma caução.

Como visto, não há consenso na doutrina acerca da melhor forma de classificar a tutela cautelar, havendo semelhanças entre algumas classificações, e entre outras, total discrepância. Entretanto, como menciona Câmara (2005) acerca das classificações doutrinárias, todas possuem qualidades inegáveis e nenhuma é inteiramente imune a críticas.

4.1.3 O fumus boni iuris e o periculum in mora

Na doutrina não há consenso quanto a estes elementos. Para alguns doutrinadores o fumus boni iuris e o periculum in mora são condições especiais da ação cautelar; já para outros, seriam elementos que se situam no mérito da ação cautelar.

Há ainda uma corrente intermediária que defende que o fumus boni iuris compõe o mérito da ação cautelar, enquanto que o periculum in mora seria condição genérica da ação; e há, ainda, o entendimento de Eduardo Arruda Alvim, para quem tais elementos seriam a causa de pedir do processo cautelar (apud CASTAGNA, 2008).

Descobrir a natureza desses elementos não é útil ao presente trabalho, nem tampouco indicar qual a corrente seria a mais adequada. No momento interessa-nos apenas entender tais elementos, sem adentrarmos em grandes discussões doutrinárias, que por muito se delongariam.

4.1.3.1 O fumus boni iuris

Na ação cautelar não é necessário a prova cabal da existência do direito alegado pelo demandante, vez que, comumente, tal prova é feita no processo principal após uma longa instrução processual.

Como já dissemos a tutela cautelar é espécie de tutela de urgência e por isso não é prestada com base em cognição exauriente, mas tão somente em cognição sumária.

Assim, para a concessão da tutela cautelar é necessário a presença do fumus boni iuris, traduzido por "fumaça do bom direito".

Segundo Vicente Greco Filho (2002, p. 154):

O fumus boni iuris (fumo do bom direito) é a probabilidade ou possibilidade da existência do direito invocado pelo autor da ação cautelar e que justifica a sua proteção, ainda em caráter hipotético. Este pressuposto tem por fim evitar a concessão de medidas quando nenhuma é a probabilidade ou possibilidade de sucesso e, portanto, inútil a proteção cautelar. Para a aferição dessa probabilidade não se examina o conflito de interesses em profundidade, mas em cognição superficial e sumária, em razão mesmo da provisoriedade da medida. O fumus boni iuris não é um prognóstico de resultado favorável no processo principal, nem uma antecipação do julgamento, mas simplesmente um juízo de probabilidade, perspectiva essa que basta para justificar o asseguramento do direito.

Complementando, importante lembrar a ilustre lição de Friede, Klippel e Albani (2009, p. 109):

Parece que o ideal seria entendê-lo como a plausibilidade do direito afirmado, numa escala mais simples dentre as probabilidades, pois na verdade, não se busca em cognição sumária fazer um juízo prévio do mérito do processo principal, mas tão-somente entender se é possível a existência do direito alegado pelo requerente no processo principal, para o fim de, tão-somente, entregar uma tutela conservativa.

Por fim, trazemos à baila os ensinamentos de Wambier, Talamini e Almeida (2008, p. 40):

A expressão fumus boni iuris significa aparência de bom direito, e é correlata às expressões cognição sumária, não exauriente, incompleta, superficial ou perfunctória. Quem decide com base em fumus não tem conhecimento pleno e total dos fatos e, portanto, ainda não tem certeza quanto a qual seja o direito aplicável. Justamente por isso é que, no processo cautelar, nada se decide acerca do direito da parte. Decide-se: se A tiver o direito que alega ter (o que é provável), devo conceder a medida pleiteada, sob pena do risco de, não sendo ela concedida, o processo principal não pode ser eficaz (porque, por exemplo, o devedor não terá mais bens para satisfazer o crédito).

Igualmente, podemos afirmar que o fumus boni iuris pode ser entendido como a plausibilidade do direito alegado pelo autor. Não é necessária a plena convicção do magistrado acerca do fato e da existência do direito, mas apenas que seja possível que o autor esteja certo quanto ao que alega.

Cabe ao Estado-Juiz averiguar a probabilidade do direito do autor para que se possa conceder a tutela cautelar. Importante frisar que o fumus não é o único requisito a ser preenchido para que se conceda a tutela cautelar, sendo necessário, na verdade, a presença de outro requisito, o periculum in mora, que será adiante explicado.

Por fim, vale lembrar que a certeza quanto à existência do direito do autor torna a tutela cautelar inadequada, pois diante de tal fato melhor seria a concessão imediata da tutela jurisdicional definitiva e satisfativa (CÂMARA, 2005).

4.1.3.2 O periculum in mora

O periculum in mora (ou perigo na demora) é outro requisito essencial para a concessão da tutela cautelar.

A medida cautelar tem como objetivo evitar que a tutela do direito pleiteado por ação, a ser proposta ou já em curso, venha a ser inútil ou ineficaz. Assim, para que a parte possa ter direito a tutela cautelar é necessário que comprove que necessita de uma medida urgente, pois o decurso do tempo acarretará lesão grave e de difícil reparação.

O risco de lesão ocasionada pelo decurso do tempo é o que se chama de periculum in mora.

Segundo Castagna (2008, p. 182-183):

O periculum in mora, por sua vez, nas palavras do art. 798 do CPC, corresponde ao receio de que uma parte, antes do julgamento da lide principal, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. Constitui o risco de dano ao direito da parte pela provável demora da prestação jurisdicional definitiva, afetando a utilidade a eficácia da sentença de mérito a ser prolatada no processo de conhecimento ou a satisfação do credor, no processo de execução.

Complementando, esclarece Wambier, Talamini e Almeida (2008, p. 40) que "é significativa da circunstância de que ou a medida é concedida quando se a pleiteia ou, depois, de nada mais adiantará a sua concessão. O risco da demora é o risco da ineficácia".

Percebendo o magistrado a existência desses dois elementos (fumus boni iuris e periculum in mora) deverá conceder a tutela cautelar.

4.1.4 Poder geral de cautela

Aduz o artigo 798 do Código de Processo Civil:

Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.

O Código de Processo Civil previu diversas medidas cautelares específicas, chamadas de cautelares nominadas.

Entretanto, devido ao infinito número de possibilidades que podem ocorrer no dia a dia que podem gerar lesão grave e de difícil reparação a direito de outrem, torna-se impossível ao legislador prevê e normatizar todas essas possibilidades.

Assim, criou o legislador o "poder geral de cautela", também chamado de poder cautelar geral ou poder cautelar genérico (CÂMARA, 2005).

Leciona Câmara (2005, p. 47):

O poder geral de cautela é, portanto, um poder atribuído ao Estado-Juiz, destinado a autorizar a concessão de medidas cautelares atípicas, assim compreendidas as medidas cautelares que não estão descritas em lei, toda vez que nenhuma medida cautelar típica se mostrar adequada para assegurar, no caso concreto, a efetividade do processo principal. Trata-se de poder que deve ser exercido de forma subsidiária, pois que se destina a completar o sistema, evitando que fiquem carentes de proteção aquelas situações para as quais não se previu qualquer medida cautelar típica.

Nas palavras de Bedaque (2009, p. 229) "o poder geral de cautela corresponde à possibilidade de se conceder cautelar inominada para situações não tipificadas pelo legislador".

Assim, existindo risco de grave lesão, de difícil reparação, a direito de outrem, e não havendo cautelar específica para a situação, pode o juiz conceder a tutela cautelar inominada.

O poder geral de cautela é discricionário. Essa discricionariedade não é a mesma aplicada ao Direito Administrativo que possibilita ao agente público a escolha de fazer ou não fazer determinado ato, em matéria processual o juiz não pode deixar de praticar um ato necessário para a garantia da tutela efetiva, mas apenas dar-lhe forma prática, preenchendo a idéia genérica com os dados da situação prática, conforme ensina Teresa Arruda Alvim Wambier (apud THEODORO JÚNIOR, 2009, p. 504):

(...) É claro que ao aplicador da norma imprecisa não compete deixar de aplicá-la, mas terá de dar-lhe aplicação prática, completando a idéia genérica da lei com dados de um juízo concreto sobre as particularidades do caso sub examine. Dessa maneira, há necessariamente um espaço criativo reservado ao juiz no momento de concretização do preceito legal.

Finalizando, importante ressaltar que esse poder atribuído ao juiz não é ilimitado e arbitrário; o poder geral de cautela sofre limitações como o preenchimento do requisito "necessidade", pois somente medida realmente necessária é deferida; a impossibilidade de que essas medidas assumam o caráter satisfativo, pois seu objetivo é apenas conservar a possibilidade de realização do direito; entre outras limitações (THEODORO JÚNIOR, 2009).

4.1.5 A questão da satisfatividade

Antes do surgimento da tutela antecipada, as situações urgentes que mereciam uma tutela jurisdicional, com cognição sumária, se realizavam por meio da tutela cautelar.

A tutela cautelar embora tenha como objetivo apenas a proteção do direito almejado pela parte e posto sobre julgamento perante o Estado, acabava por vezes satisfazendo a própria pretensão da parte, antecipando os efeitos de uma sentença que só viria no final da lide.

Essa situação era tolerada pela doutrina e jurisprudência nessa época, já que não havia no ordenamento jurídico uma forma de sumarização do direito subjetivo.

Com o advento da tutela antecipada, essa situação passou a ser controversa entre os estudiosos do direito, pois, para alguns doutrinadores, com a positivação da tutela antecipada não poderia a cautelar ser satisfativa, como ocorria em alguns casos, pois o efeito satisfativo antecipado seria apenas da medida prevista no art. 273 do CPC.

A doutrina majoritária entende que a cautelar não pode ser satisfativa. Nesse sentido citamos como defensores desse posicionamento os autores Ovídio Araújo Baptista da Silva, Kazuo Watanabe, Teori Albino Zavascki, Luiz Guilherme Marinoni, Cândido Dinamarco, Humberto Theodoro Júnior, Arruda Alvim, Ada Pellegrini Grinover, Nelson Nery Junior e Victor Bomfim Marins (GEONES MIGUEL LEDESMA PEIXOTO, 2003).

Nesse sentido, citamos a lição de Nelson Nery Júnior (apud Castagna, 2008, p. 162):

Com a instituição da tutela antecipatória dos efeitos da sentença de mérito no direito brasileiro, de forma ampla, não há mais razão para que seja utilizado o expediente das impropriamente denominadas "cautelares satisfativas", que constitui em si uma contradictio in terminis, pois as cautelares não satisfazem: se a medida é satisfativa é porque, ipso facto, não é cautelar. (Grifo do autor)

Entendemos que a satisfatividade proveniente da tutela cautelar pode tornar a sentença inócua. Por exemplo, em uma cautelar inominada que pleiteia ordem para transfusão de sangue não permitida pela família por motivos religiosos, se concedida liminarmente a tutela cautelar, uma futura sentença deferindo o pedido será sem efeito, pois no plano fático a transfusão já se realizou.

Didaticamente, o correto seria o ajuizamento de ação de conhecimento cumulada com pedido liminar de antecipação de tutela. Entretanto, por diversos motivos, nem sempre é isso que ocorre.

Em um caso como o do exemplo acima é melhor o magistrado conceder a tutela cautelar satisfativa do que indeferir o pedido e aguardar o ajuizamento da ação correta, pois esta demora poderá ocasionar a cessação do direito pleiteado: in casu, o direito à vida.

Desta forma, não podemos negar a existência da cautelar satisfativa. Não apenas pelo exemplo acima, mas podemos lembrar o caso dos alimentos provisionais. Nos alimentos provisionais a proteção do direito é garantida pela declaração do dever de prestar alimentos, que deverão ser pagos. Ora, o pagamento dos alimentos provisionais é a satisfação do direito de receber prestação alimentícia. Assim, estamos diante de uma cautelar satisfativa, o provimento judicial é provisório, mas satisfaz o direito do requerente. "Eles atendem e realizam a pretensão alimentar. Logo, satisfazem o credor" (BAPTISTA DA SILVA, 2000, p. 41).

Assim, existindo uma situação prática onde haja confusão entre os institutos, deve o magistrado ser flexível em seu julgamento, preferindo abrir mão da caracterização peculiar de cada tutela de urgência para dar espaço à função do processo e à efetividade da tutela jurisdicional (PEIXOTO, 2003).

4.2 A tutela antecipada

A tutela antecipada é considerada uma das maiores inovações dos últimos anos no Processo Civil. Sua criação, por exemplo, tornou possível a cognição sumária no processo de conhecimento, evitando assim os males que um processo demorado causa às partes.

4.2.1 A reforma do CPC e a tutela antecipada

A tutela antecipada foi introduzida no ordenamento jurídico por meio da Lei 8.952 de 13 de Dezembro de 1994. Ocorre que muito antes de seu surgimento na legislação brasileira, notava-se no meio forense a agitação decorrente da necessidade de se evitar os danos causados pela morosidade do processo (THEODORO JÚNIOR, 2009).

Explica Theodoro Júnior (2009, p. 660):

De início, lutava-se apenas pela preservação dos bens envolvidos no processo lento e demorado, afastando-os de eventual situação perigosa à sua conservação, para submetê-los, afinal, à sentença, de forma útil para os litigantes. Com essa preocupação, construiu-se basicamente a teoria das medidas cautelares. Mas ficava fora do campo demarcado para a tutela preventiva um outro grave problema, que era o da demora na prestação jurisdicional satisfativa, o qual, em si mesmo, poderia configurar uma denegação de justiça, ou uma verdadeira sonegação da tutela jurisdicional assegurada entre as garantias fundamentais do moderno Estado Social de Direito.

A evolução do Direito europeu concebeu a tutela provisória não apenas para conservar, mas também para regular a situação jurídica das partes (THEODORO JÚNIOR, 2009).

Nesse panorama evolutivo do Direito em todo o mundo foi que ocorreu a reforma do CPC aqui no Brasil. Sem dúvidas a reforma trouxe como um de seus principais marcos o texto do art. 273, que previu a "antecipação de tutela".

Nas palavras de Kazuo Watanabe (apud Theodoro Júnior, 2009, p. 663), houve, na verdade, "inovação nos tipos de provimentos jurisdicionais, com relevante repercussão nos poderes do juiz".

A possibilidade de se antecipar os efeitos da sentença de mérito concedeu ao magistrado o poder de dirigir um processo caracterizado pela efetividade e tempestividade da tutela jurisdicional.

Obviamente que os problemas existentes na prestação jurisdicional em nosso país não se restringem apenas em deficiências legislativas; como mencionamos no capítulo 1 deste trabalho, a demora que ocorre na efetivação dos serviços prestados pelo Poder Judiciário é gerada por outros fatores também, mas podemos afirmar que a existência da tutela cautelar e a positivação da tutela antecipada em nosso ordenamento jurídico em muito contribui para amenizar os efeitos da dilação processual, apresentando sim, uma Justiça com melhores resultados.

4.2.2 Conceito de tutela antecipada

Segundo Theodoro Júnior (2009, p. 664):

Diz-se, na espécie, que há antecipação de tutela porque o juiz se adianta para, antes do momento reservado ao normal julgamento do mérito, conceder à parte um provimento que, de ordinário, somente deveria ocorrer depois de exaurida a apreciação de toda a controvérsia e prolatada a sentença definitiva.

O autor ainda explica:

Mais do que um julgamento antecipado da lide, a medida autorizada pelo art. 273 do CPC vai ainda mais longe, entrando, antes da sentença de mérito, no plano da atividade executiva. Com efeito, o que a lei permite é, desde logo, a execução de alguma prestação que haveria, normalmente, de ser realizada depois da sentença de mérito e já no campo da execução forçada. Realiza-se, então, uma provisória execução, total ou parcial, daquilo que se espera venha a ser o efeito de uma sentença ainda por proferir. E nesse âmbito a providência antecipatória tanto pode corresponder a medidas positivas como negativas.

Assim, podemos afirmar que a tutela antecipada é uma espécie de medida de urgência, dotada de satisfatividade, que concede o fruir do direito, o seu exercício, ainda que provisório, surtindo os efeitos da própria tutela almejada para o fim da lide, antes do momento normal para sua concessão.

4.2.3 Natureza jurídica da decisão que antecipa a tutela

Segundo a doutrina majoritária e, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Francisco Mitidiero (apud Mielke Silva, p. 210), "a decisão que antecipa ou não a tutela jurisdicional no primeiro grau de jurisdição é uma decisão interlocutória (art. 162, §2º, CPC) e desafia o recurso de agravo (art. 522, CPC)".

Já para a autora Mielke Silva (2009), as medidas antecipatórias são, na verdade, decisões de mérito.

Entendemos ser mais adequado o ensinamento de que a natureza jurídica da decisão que concede ou não a tutela antecipada é de decisão interlocutória, por entendermos também que a idéia de mérito está ligada à idéia de declaração quanto ao direito, e que para haver tal proferimento por parte do magistrado é necessária a certeza.

4.2.4 Requisitos para a concessão da tutela antecipada

O art. 273 do CPC apresenta vários requisitos necessários para a concessão da tutela antecipada. Esses requisitos estão distribuídos ao longo do mencionado artigo.

Os pressupostos necessários para a possibilidade de concessão da tutela antecipada encontram-se no caput, no parágrafo segundo, nos incisos I e II, e no parágrafo sexto (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

Os requisitos gerais encontram-se no caput do art. 273, e são eles:

a) requerimento da parte;

b) relação entre os efeitos que se quer antecipar e o pedido principal da demanda;

c) verossimilhança das alegações; e

d) prova inequívoca (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

Sem muita delonga, a tutela antecipada não pode ser concedida de ofício, pois exige o pedido da parte, sendo legitimados para pleitear tal pedido "todos aqueles que se encontram na mesma situação processual do autor, ou seja, o reconvinte ou o réu nas ações dúplices, visto que se coloca na posição de autor" (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009, p. 137).

O segundo requisito geral é a relação entre os efeitos que se quer antecipar e o pedido principal da demanda, que determina que o juiz só poderá antecipar os efeitos da tutela pretendida na inicial (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

Leciona Friede, Klippel e Albani (2009, p. 142):

O requisito em tela é essencial para que se compreenda o próprio mecanismo de funcionamento da tutela antecipada, visto que deixa transparente a noção de que antecipar a tutela significa permitir o acesso da parte a um efeito prático que a efetivação da tutela jurisdicional definitiva traria ao postulante – em regra o autor, com possibilidades também para o réu. "Assim, pois antecipar os efeitos da tutela pretendida significa antecipar eficácias potencialmente contidas na sentença". (Grifos do autor)

Mais adiante os autores complementam esclarecendo que caso não haja relação entre o pedido que se quer antecipar e o pedido principal da demanda, havendo deferimento da tutela antecipada se estaria proferindo verdadeira decisão extra petita.

Quanto à verossimilhança das alegações, leciona Friede, Klippel e Albani (2009, p. 146):

Verossimilhança pode ser entendida como juízo de probabilidade, o que significa que as alegações fáticas e jurídicas apresentadas, em um juízo sumário e prévio ao mérito, se mostram provavelmente verídicas. (Grifo do autor)

Assim, ao apreciar o pedido de antecipação de tutela deve o magistrado analisar as alegações (fáticas e jurídicas) do requerente, podendo antecipar a tutela se perceber que ambas são verossímeis (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).

Por fim, o último requisito geral é a apresentação de prova inequívoca, que segundo os autores Friede, Klippel e Albani (2009), nada mais é, do que prova lícita capaz de convencer o magistrado de que é grande a possibilidade de ser verdadeira a alegação trazida em juízo.

O requisito contido no §2º, do art. 273, do CPC, é chamado pelos autores Friede, Klippel e Albani de requisito negativo. Trata-se da reversibilidade da medida.

Prescreve o §2º, do art. 273, do CPC, que "não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado".

Assim, segundo Friede, Klippel e Albani (2009, p. 150):

O perigo de irreversibilidade centra-se nos efeitos práticos da tutela antecipada, quando, em caso de modificação da decisão concessiva, se perceba a impossibilidade ou dificuldade de restituir as coisas ao estado anterior (status quo ante).

Dessa forma, havendo risco de ser impossível, ou no mínimo difícil, restituir as coisas à forma como era antes não poderá o magistrado conceder a antecipação de tutela.

Preenchidos os requisitos gerais, e ausente o requisito negativo, basta o preenchimento de mais um requisito para a concessão da tutela antecipada.

Alguns doutrinadores preferem chamar esse "requisito" de hipótese ou causa de pedir. São três as hipóteses ou causas de pedir da antecipação de tutela, mas que são alternativas, ou seja, havendo uma das situações descritas poderá haver a antecipação da tutela.

As hipóteses estão elencadas nos incisos I e II, e também no §6º, todos do art. 273, do CPC.

A primeira causa de pedir, do inciso I, é quando "haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação". É o chamado periculum in mora, já abordado neste trabalho, e por isso, não mais versaremos sobre o assunto.

A segunda causa de pedir, do inciso II, é a caracterização de abuso de direito de defesa ou de manifesto propósito protelatório do réu.

Explica Friede, Klippel e Albani (2009, p. 156-157):

Caso a demora natural que o caminhar dos atos processuais causa tornar-se patológica devido ao exercício abusivo do direito de defesa, manifesta-se um exercício ilícito do direito ao contraditório, que deve se ater aos limites da probidade processual, devendo, nos dias de hoje, ser descaracterizada qualquer feição duelística do processo, visto que tal privatismo atenta contra a natureza e o fim públicos do mesmo. Sendo assim, defender-se é um direito, mas que deve ser exercido dentro dos padrões da legalidade e da probidade.

Assim, havendo abuso do direito de defesa, ou manifesto propósito protelatório do réu, poderá o juiz conceder a tutela antecipada.

A terceira e última causa de pedir encontra-se no §6º, do art. 273, do CPC. É a incontrovérsia. Resumidamente, essa incontrovérsia é caracterizada pela ausência de contestação ou pela confissão (no caso dos fatos) de um ou mais pedidos cumulados. Havendo inércia ou confissão da parte contrária, pode o juiz, preenchidos os demais requisitos, antecipar os efeitos da tutela pleiteada (FRIEDE, KLIPPEL e ALBANI, 2009).


5 A FUNGIBILIDADE DAS TUTELAS DE URGÊNCIA E SUA APLICAÇÃO NAS DECISÕES JUDICIAIS

Percorremos um longo caminho até este capítulo. Analisamos conceitos, classificações, teorias, e etc., para que pudéssemos desenvolver o tema proposto neste trabalho: A fungibilidade das tutelas de urgência e sua aplicação nas decisões judiciais.

Agora, a partir de todo conhecimento adquirido, ou aprimorado, durante o desenrolar deste trabalho, poderemos entender a fungibilidade das tutelas de urgência, constatar a sua aplicação nas decisões judiciais e até mesmo comentar tais pronunciamentos.

5.1 Conceito de fungibilidade

Para que possamos entender a fungibilidade das tutelas de urgência, precisamos, primeiramente, compreender o significado desse termo.

Segundo Horcaio (2008, p. 452), fungibilidade é a "possibilidade de substituição da quantidade e da qualidade de alguma coisa".

Já, segundo R. Limongi França (apud Jean Carlos Dias, 2003, p. 53):

A fungibilidade tem sido conceituada como "a propriedade do que é substituível, i. e., que pode – em razão de sua natureza, de suas qualidades ou de suas funções – sofrer uma permutação, que elimina o objeto inicialmente existente". (Grifo do autor)

O Código Civil trata sobre a fungibilidade ao discorrer sobre os bens. De acordo com o art. 85, do CC, "são fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade".

O conceito legal destaca a idéia de substitutividade e inespecificação. Por não possuírem características específicas, esses bens podem ser substituídos por outros bens, desde que da mesma espécie, qualidade e quantidade, sem prejuízo algum, ao contrário, gerando o mesmo efeito jurídico (DIAS, 2003).

Desta forma, nota-se que a fungibilidade, tanto no Direito Civil como no Direito Processual, traduz uma idéia de substituição sem prejuízo jurídico em decorrência da própria natureza, semelhante, dos objetos a serem substituídos.

No Direito Processual Civil, a adoção da fungibilidade justifica-se na cambiariedade de formas e procedimentos em que não há, em tese, prejuízo substancial à finalidade a elas estipulada (DIAS, 2003).

5.2 A fungibilidade como princípio no Direito Processual Civil

Nem todos os princípios possuem uma proposição jurídica. Há aqueles que, na maioria das vezes, servem para manter o equilíbrio do sistema jurídico, quando há conflito entre dois ou mais princípios do Direito (DIAS, 2003).

Esclarece Dias (2003, p. 55):

As contradições entre princípios, em realidade, não são consideradas como verdadeiras contradições à medida que o próprio sistema oferece meios de superação dos conflitos através da incidência de outros princípios que representam um compromisso de ajustamento.

Assim, há no sistema jurídico, princípios que operam significando valores jurídicos, enquanto que há outros que apenas atuam como harmonizadores, permitindo que os princípios possam coexistir no mesmo plano jurídico.

O princípio da fungibilidade é exemplo de princípio que atua de forma reguladora.

Para percebermos essa função reguladora basta pensarmos na seguinte hipótese. O Direito Processual Civil adota o princípio da regulação das formas, segundo o qual, prescrevendo a lei um modo de execução de determinado ato, não haveria como executá-lo de outra maneira.

Esse princípio foi reduzido no Código de Processo Civil de 1973, que no art. 244 passou a esclarecer que "quando a lei não prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade"; essa atenuação ocorre em virtude do princípio da instrumentalidade, na qual o uso das formas subordina-se às finalidades do processo (DIAS, 2003).

Assim, conforme leciona Dias (2003, p. 56), "nesse sentido, é de se reconhecer que há incidência geral do princípio, determinando que, se o ato não atender à forma e à finalidade, não deve produzir qualquer efeito processual".

Entretanto, o Direito Processual atende, ainda, ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, segundo o qual a atuação jurisdicional se estende a todos os membros da sociedade, garantindo o livre acesso à Justiça (DIAS, 2003).

Dessa forma, ocorre um conflito entre os princípios da relevância das formas, que determina a adoção da forma prevista em lei sob pena de o ato não produzir efeito jurídico, e da inafastabilidade do controle jurisdicional, que determina que a jurisdição deve atuar, independentemente do aspecto formal, produzindo efeitos jurídicos (DIAS, 2003).

Ocorrendo o conflito entre os princípios, geralmente, outro princípio passa a atuar visando regularizar a situação jurídica, como ensina Dias (2003, p. 57):

Como se vê, quando ocorre uma situação de conflito entre princípios, gerada pela deficiência objetiva das regras processuais ou da própria decisão judicial, a solução sistemática se corporifica no ajustamento entre eles, geralmente realizado pela incidência de um outro princípio, desta feita, de natureza aberta.

Nesse caso, o princípio que gera o equilíbrio é o princípio da fungibilidade. Esse princípio apregoa a necessidade da prestação da tutela jurisdicional com a necessidade de atendimento das formas (DIAS, 2003).

A fungibilidade garante a flexibilização da forma. Entretanto, essa flexibilização é possível apenas quando os princípios estiverem em conflito em decorrência de obscuridade, falta de clareza da norma. Não é intenção do princípio da fungibilidade privilegiar a ignorância da lei (DIAS, 2003).

Cheim Jorge (apud Dias, 2003, p. 58) explica que "a possibilidade de utilização do princípio da fungibilidade está vinculada a duas vicissitudes. A primeira liga-se à circunstância de se evitar o formalismo excessivo (...) A segunda, e talvez a mais contundente, é revelada pela especial circunstância de um erro de sistema".

Assim, o princípio da fungibilidade possui um caráter instrumental, pois sua aplicação elimina os efeitos negativos da formalidade do processo e previne prejuízos que poderiam advir às partes em razão da pouca clareza das normas quanto à aplicabilidade de formas e procedimentos. O princípio da fungibilidade funciona como uma ferramenta sistemática, que dá validade ao processo a fim de que esse produza um fim público: a prestação jurisdicional (DIAS, 2003).

Nas palavras de Dias (2003, p. 59):

Nessa direção, o princípio da fungibilidade apresenta-se como uma válvula de escape metodológica, para que, em situações de debilidade do sistema positivo quanto à indicação dos meios adequados para se obter uma decisão judicial, seja possível a prestação jurisdicional visando à proteção maior ao direito substancial e à própria sociedade.

Assim, a forma não pode ser um óbice para a atuação da jurisdição, pois o acesso à Justiça é direito fundamental garantido na Carta Magna (art. 5º, inciso XXXV, da CF/88).

Nesse sentido, leciona Dias, em sua brilhante lição (2003, p. 59):

A fungibilidade no processo, então, assume a finalidade objetiva de possibilitar, o mais rápido possível, a atuação jurisdicional, ainda que limitando a extensão do formalismo ao processo. Ao lado isso, há uma inegável visão utilitarista do processo, quando este é tomado como um meio de produção de um determinado objeto, qual seja, a decisão judicial.

Evidentemente, o princípio da fungibilidade atua de forma residual no sentido de que deve ser invocado para regular situações excepcionais, quando os meios ordinários não se revelam adequados para o transporte do pedido de tutela jurisdicional. Esse princípio não busca a eliminação da formalidade do processo, mas a racionalização da formalidade como meio de obtenção de decisões judiciais.

É nesse sentido, que o princípio da fungibilidade tem um caráter eminentemente operacional, isto é, voltado para a dinâmica processual, e não para o aspecto da elaboração de regulação dos instrumentos.

Assim, podemos afirmar que o princípio da fungibilidade possui exatamente a idéia de substituição sem prejuízo, em razão, obviamente, da falta de clareza sobre qual seria a forma ou o procedimento adequado. Como dito anteriormente, não há a intenção de privilegiar a falta de conhecimento ou técnica processual, mas de amenizar o rigorismo formal a fim de que as partes não sofram prejuízos em razão de erros do próprio sistema processual.

O princípio da fungibilidade tem a finalidade de garantir a segurança, pois oferece aos jurisdicionais decisões judiciais eficazes. E por prestigiar a segurança, deve esse princípio ser usado com cautela, pois se trata de princípio residual, servindo apenas para suprir determinadas necessidades estritamente especificadas e relacionadas à deficiência de operacionalidade do próprio sistema.

5.3 Manifestações não-urgentes do princípio da fungibilidade

O princípio da fungibilidade atua em diversas áreas do Processo Civil. Embora nosso foco seja a incidência desse princípio no âmbito das tutelas de urgência, analisaremos a manifestação não-urgente deste no Direito Processual Civil, a fim de que possamos compreender o seu modo de incidência.

A primeira incidência do princípio da fungibilidade, fora das medidas de urgência, ocorre no âmbito recursal.

A regra da fungibilidade dos recursos encontrava amparo no art. 810 do Código de Processo Civil de 1939, que dispunha que "salvo a hipótese de má-fé ou erro grosseiro, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro, devendo os autos serem enviados à Câmara ou Turma, a que competir o julgamento".

Embora não tenha sido mantida essa redação no novo Código de Processo Civil (de 1973), o princípio da fungibilidade consagrou-se no sistema jurídico brasileiro.

Assim, para que ocorra a incidência deste princípio recursal, é necessário o preenchimento de dois requisitos: a) ocorrência de dúvida objetiva; e, b) inexistência de erro grosseiro (DIAS, 2003).

Luiz Guilherme Marinoni (apud Dias, 2003, p. 69), explica o que seria a dúvida objetiva:

É preciso, portanto, que haja dúvida fundada e objetiva, capaz de autorizar a interpretação inadequada do sistema processual e seu uso equivocado, diante do caso concreto (...) Esta dúvida do sistema processual pode derivar: a) da própria impropriedade presente na lei processual (...); b) da discussão doutrinária ou jurisprudencial a respeito da natureza jurídica de certo ato processual (...); e c) ou ainda quando o juiz profere um ato judicial pelo outro.

Assim, para a maioria dos processualistas civis, a dúvida objetiva está ligada à linguagem inadequada, que gera discussão na doutrina e na jurisprudência sobre qual seria o mecanismo adequado para pleitear a tutela judicial pretendida. Não sendo o caso desta hipótese, não pode haver a aplicação do princípio da fungibilidade.

Quanto ao requisito de inexistência de erro grosseiro, aponta Nelson Nery Júnior (apud Dias, 2003, p. 72) que "(...) configura erro grosseiro a imposição do recurso errado, quando o correto se encontra indicado expressamente no texto da lei".

Há, todavia, na doutrina, aqueles que entendem que erro grosseiro é expressão equivalente à dúvida objetiva. Nesse sentido, Cheim Jorge (apud Dias, 2003, p. 73):

A grande diferença entre a nossa posição e a expressa por esses dois autores é que entendemos ser desnecessária a diferença traçada entre a dúvida objetiva e a inexistência de erro grosseiro (...) o entendimento expressamente consignado de seus autores serve, justamente, para ratificar nossas afirmações anteriores de que a dúvida objetiva e a inexistência de erro grosseiro são expressões equivalentes e que possuem mesmo significado.

Entretanto, para a maioria da doutrina, há sim dois requisitos: dúvida objetiva e inexistência de erro grosseiro.

Quanto ao erro grosseiro, esclarece Dias (2003, p. 73):

O erro grosseiro se apresenta quando a lei processual é clara quanto à aplicabilidade de determinado recurso, e, mesmo assim, a parte pretende a tutela por meio claramente diverso do indicado.
Ele é uma qualificação do erro normal, tentando, assim, emitir a indicação de uma gravidade maior no uso inadequado do instrumento processual cabível.

Complementa, ainda, a lição de Teresa Arruda Alvim Wambier (apud Dias, 2003, p. 73), que destaca que "existe erro grosseiro quando a despeita da clareza da regra processual e da inexistência de qualquer dúvida a respeito, a parte se utiliza de instrumento inadequado para veicular sua pretensão".

Dessarte, havendo dúvida objetiva e inexistindo erro grosseiro, poderá haver a aplicação do princípio da fungibilidade no plano recursal.

Entretanto, o princípio da fungibilidade, em sua manifestação não-urgente, não está presente apenas nos recursos; ele incide, ainda, nas ações possessórias e nos ritos. Vejamos.

A fungibilidade das ações possessórias encontra previsão expressa no art. 920, do Código de Processo Civil, que assim prescreve:

Art. 920. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça o pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela, cujos requisitos estejam provados.

Tal fungibilidade é permitida porque muitas vezes torna-se duvidoso o pedido que efetivamente deveria ser formulado, vez que nem sempre é fácil diferenciar a situação fática que está ocorrendo.

Nelson Nery Júnior aponta que o princípio da fungibilidade apenas incide nos interditos possessórios, não havendo sua incidência em matérias que envolvam posse, como imissão ou ação reivindicatória. Aponta ainda que devem estar preenchidos os requisitos para a concessão da tutela a ser ofertada, e não da tutela pleiteada (DIAS, 2003).

Pondera Dias (2003, p. 77) que "o princípio da fungibilidade agiria para autorizar o juiz a proferir providência diferente da pleiteada, quando verificada uma alteração da situação após o ajuizamento".

Assim, pode-se notar a incidência do princípio da fungibilidade nas ações possessórias a fim de promover uma tutela jurisdicional efetiva, em razão da deficiência sistemática gerada pela instabilidade da situação de fato (DIAS, 2003).

A aplicação do princípio da fungibilidade ocorre também entre o rito ordinário e os ritos especiais, onde é permitida a flexibilização da forma (DIAS, 2003).

Essa fungibilidade baseia-se no princípio da preferibilidade, que aduz que a parte pode utilizar o rito ordinário, mesmo que tenha estruturado um procedimento especial para a tutela que pretende (DIAS, 2003).

A fungibilidade entre o rito ordinário e os ritos especiais é permitida desde que tal opção não produza prejuízo à parte adversária, atuando o princípio como verdadeiro moderador dos demais princípios e regras processuais (DIAS, 2003).

Ainda, o princípio da fungibilidade não está presente apenas no campo recursal, nas ações possessórias ou nos ritos; no processo civil ela também é prevista no campo das tutelas de urgência.

A fungibilidade é aplicada nas tutelas urgentes de natureza cautelar, encontrando, inclusive, respaldo legal para sua aplicação. Vejamos:

Art. 805. A medida cautelar poderá ser substituída, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pela prestação de caução ou outra garantia menos gravosa para o requerido, sempre que adequada e suficiente para evitar a lesão ou repará-la integralmente.

Assim, conforme leciona Dias (2003), a fungibilidade nas medidas cautelares, tem o significado de modificação ou substituição de medida atípica por outra da mesma natureza.

Esclarece Dias (2003, p. 166) que:

A possibilidade de modificação ou substituição de medidas cautelares, como aplicação do princípio da fungibilidade, em verdade, assegura que essas tutelas que têm a finalidade de preservar a eficácia do processo principal possam revestir-se da forma adequada para essa defesa.

O mesmo autor esclarece ainda que é importante entender que essa fungibilidade se instaura em razão de uma deficiência processual de prever todos os meios cautelares possíveis, e por isso mesmo, é possível ao juiz substituir a medida cautelar requerida pela parte, por exemplo, por outra que seja menos gravosa ao requerido (DIAS, 2003).

Essa possibilidade de variação da tutela cautelar não ocorre nas tutelas de natureza antecipatória, pois, notadamente, a tutela antecipada possui feição de decisão de mérito, e em decorrência dos princípios da demanda e do dispositivo, o juiz não pode antecipar efeitos que não foi "expressamente pleiteado pela parte, nem prover de forma diferente do que a própria parte formulou em seu pleito, excetuado, por evidente, o aspecto puramente quantitativo" (DIAS, 2003, p. 175).

5.4 A fungibilidade das tutelas de urgência de acordo com o art. 273, §7º, do CPC

Muitas são as dúvidas e divergências existentes na doutrina e na jurisprudência acerca das diferenças ontológicas e funcionais da tutela cautelar e da tutela antecipada, principalmente, no que diz respeito à qual seria a mais adequada para a defesa de determinadas pretensões.

Longe de terminar tais impasses, a sistematização das tutelas de urgência é medida necessária, não apenas para o aprimoramento da ciência processual, mas principalmente para que o operador do Direito possa utilizá-las de forma segura e eficaz.

Afinal, não podemos aqui deixar de mencionar o grande debate existente sobre a possibilidade de haver satisfação em uma tutela cautelar, tese com fortes e contundentes argumentos, que acaba por gerar mais dúvida na hora da utilização da tutela de urgência.

Joaquim Felipe Spadoni (apud Castagna, 2008, p. 282), relata:

Se não bastasse a identidade da cautelar e da antecipação de tutela no que diz respeito a suas funções – proteção de eficácia do processo, e se não bastasse a comum dificuldade de distinguir, na prática, quando é o caso de "conservação" ou de "antecipação dos efeitos da decisão de procedência" para o alcance daquele desiderato, a indevida identificação do fumus boni iuris cautelar e da verossimilhança da alegação exigida pelo art. 273 do CPC fez com que ambas as medidas se diferenciassem, em inúmeros casos concretos, por sutilizes nem sempre univocamente perceptíveis (...). (Grifos do autor)

Entretanto, não pode a parte ficar necessitada de uma tutela emergencial, pois embora as discussões aprimorem a ciência processual, acaba por tornar-se, também, uma barreira para a efetividade do processo e da tutela jurisdicional.

Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior (apud Castagna, 2008, p. 283) pondera:

Para ater-se ao rigor técnico classificatório, o juiz pode correr o risco de denegar a tutela de urgência somente por uma questão formal, deixando assim o litigante privado da efetividade do processo, preocupação tão cara à ciência do direito processual contemporâneo. Com efeito, não é esse o rumo em que se orienta esse ramo da ciência jurídica, em nosso tempo.

Assim, buscando evitar essas situações que apenas geram a ineficácia da Justiça, a Lei 10.444, de 7 de maio de 2002, acrescentou ao art. 273 do Código de Processo Civil o §7º, a possibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade entre as espécies de tutela de urgência.

Prescreve o art. 273, §7º, do CPC:

§7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.

O caso previsto no dispositivo é a possibilidade de o juiz conceder a tutela cautelar, quando, erroneamente, foi requerido a antecipação de tutela.

Arruda Alvim esclarece que pode haver duas possíveis interpretações na hipótese acima. A primeira seria o caso de erro de nomenclatura, em que o requerente solicitou medida cautelar com o nome de tutela antecipada. A segunda seria a hipótese de o autor ter requerido tutela antecipada, incabível na ação, mas no lugar dela caberia a medida cautelar (CASTAGNA, 2008).

Em ambas as hipóteses há o preenchimento dos pressupostos da tutela que será a deferida, pois para a aplicação da fungibilidade deve haver o cumprimento dos respectivos requisitos, conforme o art. 273, §7º, do CPC.

Assim, conforme ensinamento de Friede, Klippel e Albani (2009, p.168):

Isso porque não interessa o equívoco do requerente ao formular o pedido, sendo certo que o juiz está autorizado a deferir a medida mais adequada a solucionar a situação de urgência constante dos autos, a bem da economia processual, da celeridade e da efetividade processuais.

Nesse ponto, pergunta-se se é necessário, para a aplicação do princípio da fungibilidade, os mesmos requisitos exigidos para a incidência da fungibilidade no âmbito recursal, quais sejam, dúvida objetiva e ausência de erro grosseiro.

Para José Roberto dos Santos Bedaque (2009, p. 418) não há necessidade do preenchimento desses requisitos:

Nessa mesma linha ampliativa da fungibilidade, não parece razoável exigir-se a existência de controvérsia sobre a modalidade de tutela sumária pleiteada pela parte. Em outras palavras, desnecessária à incidência do dispositivo em questão a denominada dúvida objetiva. A intenção do legislador, ao prever expressamente a fungibilidade desacompanhada de qualquer exigência, foi facilitar a obtenção dessa modalidade de tutela jurisdicional. (Grifos do autor)

Em sentido contrário ao posicionamento de Bedaque, temos Ricardo Alessandro Castagna que esclarece (2008, p. 284):

Apesar da ausência de disposição legal a este respeito, inclinamo-nos pela resposta afirmativa. Na medida em que a fungibilidade é exceção ao princípio da adstrição da sentença ao pedido previsto nos arts. 128 e 460 do CPC, segundo os quais o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte, ou proferir a sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, não pode ser utilizada indiscriminadamente, sob pena de constituir a própria revogação desse princípio. (Grifo do autor)

Assim, de acordo com esse autor, com o qual concordamos, a fungibilidade é justificada em razão da existência de dúvida objetiva e da ausência de erro grosseiro, pois se trata de princípio que é exceção a regra geral de que o juiz está vinculado ao pedido da parte.

Por fim, trazemos à baila a ilustre lição de Joaquim Felipe Spadoni (apud Castagna, 2008, p. 285) que afirma que:

Só se pode admitir que o requerente percorra caminho equivocado quando a sua escolha não esteja bem definida pelo próprio ordenamento ao qual está submetido, quando o equívoco é provocado pelo próprio sistema legal. Mas, quando este ordenamento é claro e inequívoco a respeito de qual o trilho a ser seguido pelo jurisdicionado, a lei deve ser atendida e aplicada na exata medida de sua clareza e definição.

Assim, havendo dúvida de qual a tutela a ser requerida, e não havendo erro grosseiro, pedindo o autor a tutela antecipada, não cabível ao caso, mas, sendo possível o deferimento da tutela cautelar, poderá o juiz assim o fazer, nos termos da lei.

Na atualidade, não há dúvida quanto à aplicação da fungibilidade entre a tutela antecipada e a tutela cautelar, em razão do advento da Lei 10.444 de 2002, que instituiu expressamente o instituto da fungibilidade das tutelas de urgência. Entretanto, a dúvida ainda persiste quanto à possibilidade da aplicação da fungibilidade na via inversa, ou seja, entre uma tutela cautelar e uma tutela antecipada, como abordaremos no próximo tópico.

5.5 O duplo sentido vetorial

Como vimos, por expressa disposição legal, é possível a fungibilidade da tutela antecipada pela tutela cautelar. Entretanto, o sentido inverso da fungibilidade ainda é motivo de discussão na doutrina e na jurisprudência.

Para Arruda Alvim (apud Castagna, 2008, p. 287) se a parte pedir nominalmente uma medida cautelar, mas que em todos os aspectos enseja uma tutela antecipada, poderá o juiz deferir a antecipação de tutela, pois o erro foi exclusivamente de nomenclatura. Entretanto, o autor assevera que:

Se, todavia, a parte requerer medida cautelar propriamente dita e, portanto, de envergadura menor do que aquilo que poderia ter sido pedido no bojo de uma tutela antecipada, o juiz não poderá hipertrofiar o pedido da parte, acentuar os pressupostos do pedido, acabando por conceder aquilo que a parte não desejou, ou, em relação ao que não expressou sua vontade.

Eduardo Arruda Alvim e Angélica Arruda Alvim (apud Castagna, 2008, p.287-288) também compartilham do mesmo entendimento, e complementam:

Fosse caso de fungibilidade em seu duplo sentido, certamente teria disposto expressamente a propósito o legislador. O princípio da fungibilidade constitui exceção em nosso ordenamento jurídico, podendo ser utilizado, em nosso sentir, nos casos em que a lei o autoriza.

Para Ovídio Araújo Baptista da Silva a medida cautelar e a antecipada não se confundem, pois ambas possuem características próprias, e por isso mesmo não seria possível a fungibilidade entre a medida cautelar e a tutela antecipada (apud MIELKE SILVA, 2009).

Athos Gusmão Carneiro entende da mesma maneira, só que com diferente argumentação. Para o autor seria possível a fungibilidade entre a tutela antecipada e a tutela cautelar, pois aquele que pleiteia "o mais" poderá ter deferido "o menos", entendendo-se como "mais" a tutela antecipada que possui requisitos mais rigorosos, e, como "menos" a tutela cautelar, com pressupostos menos rigorosos. Entretanto, não poderia haver a fungibilidade da tutela cautelar com a tutela antecipada, pois quem pleiteia "o menos" não pode, de forma alguma, ter deferido "o mais" (apud MIELKE SILVA, 2009).

Na defesa da fungibilidade da tutela cautelar pela tutela antecipada, aduz Cândido Rangel Dinamarco (apud Castagna, 2008, p. 286-287):

O novo texto não deve ser lido somente como portador da autorização a conceder uma medida cautelar quando pedida a antecipação da tutela. Também o contrário está autorizado, isto é: também quando feito um pedido a título de medida cautelar, o juiz estará autorizado a conceder a medida a título de antecipação de tutela, se esse for seu entendimento e os pressupostos estiverem satisfeitos. Não há fungibilidade em uma só direção. Em direito, se os bens são fungíveis isso significa que tanto se pode substituir um por outro, como outro por um.

No mesmo sentido, temos a lição de Eduardo Talamini (apud Castagna, 2008, p.287) para quem "por certo, a fungibilidade também se põe no sentido inverso (pedido de tutela antecipada sob as vestes de medida cautelar)".

Do mesmo modo, Humberto Theodoro Júnior e Nelson Nery Jr. apóiam a concessão de tutela antecipada à vista de pedido de medida cautelar, em observância ao princípio da fungibilidade (CASTAGNA, 2008).

Bedaque (2009, p. 417-418), em sua brilhante lição pondera que:

Embora o legislador refira-se somente à possibilidade de substituição da tutela antecipada por cautelar, não pode haver dúvida de que a fungibilidade opera nas duas direções, sendo possível conceder tutela antecipada em lugar de cautelar. Também é preciso deixar claro que a fungibilidade não está limitada apenas a problemas terminológicos. A adequação a ser feita pelo juiz é da própria medida, deferindo aquela mais apta a afastar o risco de inutilidade da tutela final. Nada obsta, portanto, que, diante de pedido de antecipação de efeitos, o juiz defira tutela meramente conservativa e vice-versa. Esse duplo sentido vetorial entre as medidas urgentes sequer necessitaria estar previsto em lei, pois decorre da própria lógica do sistema das tutelas provisórias e instrumentais. (Grifo do autor)

Assim, em se tratando de tutela cautelar incidental, entendendo o juiz que é caso de antecipação de tutela, deverá o magistrado cancelar a distribuição e a autuação em apartado, e receber o pedido como simples petição (CASTAGNA, 2008).

A fungibilidade em exame, nesta direção, somente pode ser aplicada se o pedido de tutela cautelar estiver instrumentalizado em ação cautelar incidental, pois nesse caso já se conhece a pretensão de mérito do autor e os efeitos de uma possível sentença de procedência, podendo assim haver a antecipação do efeito da tutela (CASTAGNA, 2008).

Entretanto, cabe aqui uma ressalva, no sentido de que a fungibilidade não permite que o juiz exceda os limites da própria demanda, ou seja, que conceda a antecipação de efeitos não contidos na pretensão a título de tutela definitiva (BEDAQUE, 2009).

Além do mais, a fungibilidade em duplo sentido vetorial é permitida quando há dúvida objetiva e inexiste erro grosseiro, e quando preenchidos os requisitos da tutela pretendida, pois, como já dito, o princípio da fungibilidade é uma exceção no nosso sistema processual, e de forma alguma, este princípio visa banalizar ou desprestigiar a técnica processual.

5.6 Decisões judiciais acerca da fungibilidade das tutelas de urgência

Estudados os aspectos do princípio da fungibilidade nas tutelas de urgência, resta agora examinar a aplicação desse princípio nas decisões judiciais no Brasil.

Como vimos, não há consenso na doutrina quanto à aplicação do princípio da fungibilidade em seu duplo sentido vetorial; na verdade, parece que estamos, ainda, distantes de uma possível pacificação doutrinária.

Na jurisprudência o cenário não é diferente. Os Tribunais brasileiros ainda não se pacificaram quanto à possibilidade da fungibilidade das tutelas de urgência na mão dupla. Assim como na doutrina, há divergência sobre a incidência desse princípio de forma plena ou não.

A fungibilidade das tutelas de urgência, conforme o texto expresso do art. 273, §7º, do CPC, ou seja, a substituição de tutela antecipada requerida nominalmente, quando na verdade a tutela adequada é a medida cautelar, encontra amparo nos Tribunais brasileiros, sem qualquer ressalva. Vejamos:

E M E N T A – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA –FUNGIBILIDADE ENTRE AS TUTELAS DE URGÊNCIA – ARTIGO 273, §7°, DO CPC – FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA – HOSPITAL – IMPOSSIBILIDADE DE CORTE – INTERESSE DA COLETIVIDADE – PRESERVAÇÃO DA VIDA – CAUTELAR CONCEDIDA PRELIMINARES – PEDIDO DE PERÍCIA – INDEFERIMENTO – CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO – AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL – PEDIDO JÁ ACOLHIDO – MÉRITO – ÔNUS DA PROVA – ART. 333, DO CPC – CORREÇÃO MONETÁRIA – JUROS DE MORA – DEVIDOS DESDE O VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO – RECURSO DESPROVIDO NA PARTE CONHECIDA.

O Princípio da Fungibilidade permite que o julgador analise as providências de natureza cautelar, mesmo quando requeridas a título de antecipação dos efeitos da tutela, conforme prevê o artigo 273, § 7, do Código de Processo Civil.

Embora seja firme o posicionamento jurisprudencial de que é possível a suspensão do fornecimento de energia elétrica, desde que observados os requisitos da Lei n.º 8.987/95, não é permitido o corte no fornecimento de energia elétrica para hospitais, tendo em vista o interesse da coletividade.

Na esteira dos precedentes do STJ: "Com efeito, a interrupção do fornecimento de energia, caso efetivada, implicaria sobrepor, na cadeia de valores tutelados pelo ordenamento jurídico, o contrato à vida humana e à integridade dos pacientes. Nessas circunstâncias, o interesse coletivo que autoriza a solução de continuidade do serviço é relativizado em favor do interesse público maior: a proteção da vida". (STJ - REsp 621435/SP – Primeira Turma – Rel.ª Min. Denise Arruda – j. em 21.9.2006)

Se o destinatário da prova é o juiz e este considerou que as provas constantes no caderno processual eram suficientes para o regular julgamento da lide, não há falar em cerceamento do direito de defesa, pelo indeferimento do pedido de realização de nova perícia.

Dada a ausência de gravame experimentado pela parte, não deve ser conhecida a matéria referente ao pedido que já foi acolhida em primeiro grau, por ausência de interesse recursal.

Nos termos do artigo 333, do Código de Processo Civil, é da parte-autora o ônus da prova com relação ao fato constitutivo de seu direito, e à parte-ré, em relação à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado na petição inicial.

Tratando-se de mora ex re ou mora automática, vencido o prazo estipulado para o cumprimento da obrigação sem o respectivo adimplemento, os consectários legais (juros de mora e correção monetária) passam a incidir de forma automática, ou seja, independentemente de interpelação do devedor. (TJMS – Apelação 2009.021388-6/0000-00 – Relator: Des. Oswaldo Rodrigues de Melo – Julgado em 23/11/2009). (Grifos nossos)

No mesmo sentido, há a seguinte decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em julgamento do dia 15 de julho de 2010:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO DE VIZINHANÇA - AÇÃO DEMOLITÓRIA - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - Código de Processo Civil, art. 273, "caput". Requisitos ensejadores. Ausência. Tutela cautelar de urgência. Admissibilidade. Fungibilidade entre a tutela antecipada e cautelar. Possibilidade. Exegese do parágrafo 7°, do art. 273, do CPC, introduzido pela Lei 10.444, de 07/5/2002. Pressupostos da providência de natureza cautelar. Reconhecimento. Decisão reformada.

Presentes os respectivos pressupostos, viabiliza-se a concessão de providência de natureza cautelar de urgência, ainda que pedida a antecipação de tutela, desde que os fatos narrados sejam capazes, segundo a ordem jurídica, de conduzir ao resultado que se postula. RECURSO PROVIDO. (TJSP – Agravo de Instrumento 990.10.290638-8. Relator: Des. Walter Zeni. Julgado em 15 de julho de 2010). (Grifos nossos)

Entretanto, quando se fala na possibilidade da aplicação da fungibilidade em seu duplo sentido vetorial, não há consenso na jurisprudência.

Poucos são os operadores do Direito que negam a aplicação da fungibilidade de forma plena, ou seja, a possibilidade de substituição de tutela antecipada, requerida nos autos, por tutela cautelar, e também o contrário, a fungibilidade de tutela cautelar, requerida pela parte, quando a medida adequada seria a antecipação de tutela. É nesse último ponto que debate-se a doutrina e a jurisprudência.

São poucas, mas ainda se encontram na jurisprudência decisões que denegam a fungibilidade da tutela requerida a título de medida cautelar pela tutela antecipada. Vejamos:

EMENTA - RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CAUTELAR - CARÁTER INSTRUMENTAL DA AÇÃO PRINCIPAL - TUTELA DE URGÊNCIA - PROVIMENTO DE NATUREZA SATISFATIVA - ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA SENTENÇA PRINCIPAL NO PROCESSO CAUTELAR - IMPOSSIBILIDADE - FUNGIBILIDADE DAS MEDIDAS DE URGÊNCIA - ART. 273, § 7°, DO CPC - APLICAÇÃO NO BOJO DO PROCESSO DE CONHECIMENTO - PROCEDIMENTO CAUTELAR ELEITO - INVIABILIDADE DE CONVERSÃO - RECURSO IMPROVIDO.

O processo cautelar serve ao processo principal para garantir a eficácia do provimento final, não se revestindo de natureza satisfativa. (TJMT – Apelação Cível 42997/2005 – Relator: Des. LICÍNIO CARPINELLI STEFANI. Julgado em 13/03/2006). (Grifos nossos)

No mesmo sentido, há este recente julgado:

PROCESSUAL CIVIL. SFH. MUTUÁRIO. AÇÃO CAUTELAR COM NATUREZA SATISFATIVA. IMPOSSIBILIDADE. EXTINÇÃO. SENTENÇA CONFIRMADA. PRECEDENTES.

1 - A pretensão autoral deduzida nos presentes autos possui caráter de satisfatividade, característica da tutela antecipada, e se traduz pela identidade entre o provimento desejado, em caráter de urgência, e a decisão final a ser proferida.

2 - A medida de urgência a ser, em tese, concedida nas ações cautelares, por outro lado, revestem-se de preventividade porque, além de não possuírem a satisfatividade, prestam-se apenas a impedir que o direito tutelado na ação principal não desapareça.

3 - O que o autor pleiteia nada mais é do que provimento que não possa ser obtido em sede de ação principal, o que inevitavelmente faz concluir que a medida requerida possui, de fato, a natureza satisfativa.

4 - O nosso ordenamento jurídico não admite ação cautelar de cunho satisfativo, pois tem como finalidade garantir a utilidade bem como a eficácia da tutela jurisdicional a ser perseguida em sede de ação de conhecimento. Se assim não fosse, estar-se-ia autorizando, por via transversa, uma espécie de execução provisória.

5 - Com relação à aplicação do § 7º do art. 267 do CPC, é bom lembrar que embora o legislador tenha estabelecido a fungibilidade das medidas de urgência, mencionou apenas a hipótese de o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar e não a possibilidade inversa.

6 - Somente é admitida a fungibilidade para substituir um pedido de tutela antecipada por provimento cautelar, haja vista que os requisitos para a concessão da tutela antecipada seriam mais rigorosos do que os pressupostos da medida cautelar.

7 - Com base no disposto no art. 20 do CPC, os honorários advocatícios são devidos sempre que houver sucumbência o que, in casu, não se configurou, não porque a sentença julgou extinto o processo sem análise de mérito mas porque sequer houve citação da parte ré.

8 - Mostra-se incabível a condenação do autor em honorários advocatícios quando, ante a ausência da citação, não restar configurado o litígio eis que ausente a resistência à pretensão da parte autora, que se traduz na citação e na contestação, independentemente se a sentença proferida nos autos é terminativa ou definitiva 9 - Recurso provido em parte. Sentença parcialmente reformada. (TRF 2ª Região. Apelação Cível 200451010206696 RJ – Relator: Des. Federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama. Julgado em 09/11/2009). (Grifos nossos)

Entretanto, pelo entendimento majoritário, tem-se deferido tutela antecipada, quando o pedido era de medida cautelar, desde que preenchidos os requisitos.

Para ilustrar a aplicação do princípio da fungibilidade em nossos tribunais, eis algumas decisões recentes admitindo a fungibilidade em seu duplo sentido vetorial:

APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO. PLANO DE SAÚDE. CONTRATO FIRMADO ANTES VIGÊNCIA DA LEI 9.656/98. RENOVAÇÕES CONTRATUAIS SUCESSIVAS. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. EXAMES PARA VERIFICAÇÃO DO DIAGNÓSTICO DE AVC. COBERTURA SECURITÁRIA DEVIDA.

Da cautelar de caráter satisfativo

1.A via processual eleita mesmo que seja inadequada não afasta o exame da pretensão, caso sejam observados os pressupostos justificadores da providência de urgência, de sorte a atender aos princípios da efetividade e da instrumentalidade processual. Fungibilidade das tutelas de urgência.

2.Cumpre salientar que é totalmente prescindível o ajuizamento da ação principal no prazo de 30 dias, estabelecido no art. 806, do CPC, uma vez que o objetivo da medida cautelar proposta era a realização de exame para o diagnóstico de AVC.

3.Dessa forma, reconhecido o caráter satisfativo da cautelar intentada, a prestação jurisdicional se esgota com a concessão da tutela pretendida.

Da legitimidade ativa ad causam

4.Tratando-se de demanda que objetiva a cobertura do plano de saúde, tem o beneficiário legitimidade para postular o cumprimento do contrato, ou para discuti-lo em juízo.

Mérito do recurso em exame

5.O objeto principal do seguro é a cobertura do risco contratado, ou seja, o evento futuro e incerto que poderá gerar o dever de indenizar por parte da seguradora. Outro elemento essencial desta espécie contratual é a boa-fé, na forma do art. 422 do Código Civil, caracterizada pela lealdade e clareza das informações prestadas pelas partes.

6.Há perfeita incidência normativa do Código de Defesa do Consumidor nos contratos atinentes aos planos ou seguros de saúde, como aquele avençado entre as partes, podendo se definir como sendo um serviço a cobertura do seguro médico ofertada pela demandada, consubstanciada no pagamento dos procedimentos clínicos decorrentes de riscos futuros estipulados no contrato aos seus clientes, os quais são destinatários finais deste serviço.

7.Incidência da legislação atual atinente aos planos e seguros privados de assistência à saúde em razão da adequação do contrato a esse regramento jurídico, pois em função do seu caráter de ordem pública, tem as normas em questão aplicação imediata ao caso em concreto.

8.Impossibilidade de a demandada limitar o tipo de tratamento ou de medicamento a ser alcançado á parte segurada para tratamento de sua moléstia. A interpretação mais adequada ao referido pacto, sob o ponto de vista teleológico, deve levar em conta a natureza do procedimento clínico a ser realizado, a fim de se preservar a vida, valor maior a ser resguardado.

9.Assim, manter a condenação da demandada a prestar a cobertura postulada na inicial é à medida que se impõe.

Rejeitadas as preliminares e, no mérito, negado provimento ao apelo. (TJRS. Apelação Cível nº 70031854680. Relator: Des. Jorge Luiz Lopez do Canto. Julgado em 28/10/2009). (Grifos nossos)

E ainda, o seguinte julgamento do mesmo tribunal:

Apelação. CAUTELAR. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. FUNGIBILIDADE. POSSIBILIDADE. repasse de frutos de imóveis comuns. natureza de alimentos. Cabimento.

(Preliminar) Fungibilidade da tutela cautelar e antecipatória de tutela.

A fungibilidade das tutelas de urgência - medida de natureza cautelar e antecipação de tutela - deve ser aplicada quando o julgador identificar que a parte equivocou-se ao ingressar com pedido cautelar, quando na verdade, a natureza da pretensão é antecipatória. É a chamada fungibilidade inversa, pois vai no sentido contrário à previsão legal do artigo 273, §7º do Código de Processo Civil. Hipótese amplamente difundida por essa Corte e que melhor atende a instrumentalidade e a necessidade de ágil prestação jurisdicional, exigida pelas tutelas de urgência. Caso em que, de ofício, se recebe ação cautelar incidental como novo pedido de antecipação de tutela.

Mérito

Os valores de alugueis de imóveis comuns que eram repassados à apelante possuíam caráter alimentar, pois, em razão de recebê-los, dispensou o pagamento de pensão alimentícia.

Caso em que, demonstrada a verossimilhança da alegação e perigo de dano de difícil reparação, de rigor o repasse de alugueis à apelante para manutenção de sua sobrevivência.

DE OFÍCIO, RECEBERAM A CAUTELAR COMO RENOVAÇÃO DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA E DERAM PROVIMENTO AO APELO. (TJRS. Apelação Cível nº 70036796118. Relator: Des. Rui Portanova. Julgado em 22/07/2009). (Grifos nossos)

No mesmo diapasão, temos:

Agravo de instrumento - Separação litigiosa - Pedido de concessão de cautelar de separação de corpos - Incompatibilidade de ritos - Inexistência - Fungibilidade das tutelas de urgência - Art. 273, §7° do CPC – Inteligência - Recurso não conhecido em parte e, na parte conhecida, provido.

"Nada impede que o pedido de afastamento do cônjuge do lar seja formulado nos autos da ação de separação a título de tutela antecipada".

"Adotou-se, em relação às tutelas de urgência, cautelares ou antecipatórias, o principio da fungibilidade (...). Embora o legislador refirasse somente à possibilidade de substituição da tutela antecipada por cautelar, não pode haver dúvida de que a fungibilidade opera nas duas direções, sendo possível conceder a tutela antecipada em lugar da cautelar".

A pertinência da retirada do réu do lar comum deverá ser aferida pelo juiz de primeiro grau, sob pena de supressão de grau de jurisdição, recomendada a realização de audiência de justificação. (TJSP – Agravo de Instrumento 990.10.037899-6. Relator: Des. Jesus Lofrano. Julgado em 23/03/2010). (Grifos nossos)

Assim, por todo exposto, percebe-se que na maioria das vezes têm ocorrido a aplicação do princípio da fungibilidade de maneira ampla pelos tribunais, que entendem que a sua aplicação obedece ao princípio da instrumentalidade, da celeridade processual e da economia.

Nota-se ainda que a aplicação da fungibilidade nas tutelas de urgência, em seu duplo sentido vetorial, acarreta tutelas jurisdicionais mais eficazes e temporais.

Afinal, não se pode negar que a tutela cautelar e a tutela antecipada em muitas situações se assemelham e acabam por gerar no operador do Direito a dúvida de qual seria o mecanismo adequado para se pleitear o desejado.

O sistema processual tem buscado se aprimorar, mas ainda possui muitas lacunas e imprecisões. Desta forma, o jurisdicionado não pode ficar à mercê do sistema, ou ser prejudicado por falhas legislativas.

O princípio da fungibilidade, aplicado de forma ampla nas tutelas de urgência, desde que preenchidos os requisitos já estudados, é a forma de garantir uma ciência jurídica mais justa, com tutelas jurisdicionais que efetivamente resguardem os direitos individuais e coletivos.


CONCLUSÃO

A priori apresentou-se o conceito de processo e tutela jurisdicional, a fim de compreender os aspectos e diretrizes das medidas de urgência.

Aborda-se, ainda, a tutela de urgência, gênero do qual são espécies a tutela cautelar e a tutela antecipada, analisadas também separadamente, com o objetivo de perceber as peculiaridades apresentadas por cada espécie de tutela de urgência e demonstrar o grande papel desenvolvido por elas no cenário atual.

Contudo, ainda que haja diversas diferenças apontadas pela doutrina e jurisprudências entre a tutela cautelar e a tutela antecipada, observa-se que na prática é difícil diferenciar e escolher a medida mais adequada para determinado caso real.

Neste diapasão, confrontam-se princípios do Direito, como o da relevância das formas, que determina a adoção da forma prevista em lei sob pena de o ato não produzir efeito jurídico, e o da inafastabilidade do controle jurisdicional, que determina que a jurisdição, quando acionada, deve atuar independentemente da forma, produzindo efeitos concretos.

No conflito aparente entre princípios atua o princípio da fungibilidade, que funciona como uma ferramenta em situações de debilidade do sistema quanto à indicação dos meios adequados para se obter uma decisão judicial, tornando possível a prestação jurisdicional como meio de proteção ao direito substancial e à sociedade.

A fungibilidade das tutelas de urgência encontra fundamento no art. 273, §7º, do CPC, o qual preleciona que o juiz pode conceder a tutela cautelar por ser a medida mais adequada para a situação sub judice, mesmo quando a parte requereu a antecipação da tutela.

O citado dispositivo ampara a fungibilidade das formas, em observância à princípios como a economia, celeridade processual e inafastabilidade do controle jurisdicional, tendo grande aceitação pela doutrina e jurisprudência brasileira.

Na realidade, não há dúvida quanto à aplicação desse dispositivo, que é muito claro em sua redação. A dúvida na realidade se apresenta na possibilidade de poder ocorrer o contrário, ou seja, o juiz conceder tutela antecipada por ser esta a medida mais adequada quando a parte requereu tutela cautelar.

O texto infraconstitucional não abordou tal situação. Diante do silêncio da lei, a doutrina e a jurisprudência se divide quanto a essa possibilidade.

Para a corrente minoritária não é possível aplicar a fungibilidade das tutelas de urgência em seu duplo sentido vetorial. De acordo com esses doutrinadores e operadores do Direito, não se pode conceder a tutela antecipada por ser o princípio da fungibilidade exceção em nosso ordenamento jurídico, sendo possível apenas sua aplicação quando a lei assim autorizar.

Entretanto, a maior parte dos doutrinadores e dos tribunais aceita a fungibilidade das tutelas de urgência em seu sentido amplo, entendendo que não necessita haver expressa previsão legal por ser esta decorrência lógica do sistema.

É de se ver que a aplicação da fungibilidade em seu duplo sentido vetorial gera decisões mais céleres e, portanto, mais eficazes.

Além do mais, o nosso sistema processual, embora possua grandes avanços se comparado a de outros países, ainda possui muitas lacunas e imprecisões, e, portanto, nem sempre é fácil ao operador do Direito saber exatamente qual tutela é a mais adequada para ser requerida. E diante da dúvida, da imprecisão, da lacuna processual, deve o Judiciário socorrer o litigante, prestando uma tutela efetiva e capaz de resguardar o direito substancial até a decisão definitiva, não deixando as partes à mercê das falhas procedimentais.

É translúcido que o princípio da fungibilidade não tem como objetivo privilegiar a falta de técnica processual. Na verdade sua intenção é flexibilizar o sistema processual quando diante de legislação obscura e dúvida objetiva quanto à aplicação da lei, e é claro, ausente erro grosseiro por parte do peticionante.

Sem dúvidas, a fungibilidade das tutelas de urgência aplicada de forma ampla é meio de garantir tutelas jurisdicionais mais eficazes e que possam efetivamente proteger direitos, garantindo a atuação da Justiça.


REFERÊNCIAS

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988

_______. Código Civil. Brasília, DF: Senado, 2002.

_______. Código de Processo Civil. Brasília, DF: Senado, 1973.

_______. Código de Processo Civil. Brasília, DF: Senado, 1939.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. v.1. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

_______________________. Lições de direito processual civil. v.1. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

CASTAGNA, Ricardo Alessandro. Tutela de urgência: análise teórica e dogmática. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

DICIONÁRIO AURÉLIO. Disponível em: http://www.dicionariodoaurelio.com/ Acesso em 01/06/2010.

DICIONÁRIO MICHAELIS. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br Acesso em: 01/06/2010.

FRIEDE, Reis; KLIPPEL, Rodrigo e ALBANI, Thiago. A tutela de urgência no processo civil brasileiro. Niterói-RJ: Impetus, 2009.

GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2002.

JUSBRASIL JURISPRUDÊNCIA. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia. Acesso em 19/08/2010.

MIELKE SILVA, Jaqueline. Tutela de urgência: de Piero Calamandrei a Ovídio Araújo Baptista da Silva. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009.

NUNES, Luiz Antonio. Cognição judicial nas tutelas de urgência. São Paulo: Saraiva, 2000.

PEIXOTO, Geones Miguel Ledesma. Em defesa das cautelares satisfativas a despeito da antecipação de tutela. 2003. Disponível em: http://www.jusnavigandi.uol.com.br. Acesso em 29 de julho de 2010.

SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil: processo cautelar (tutela de urgência). v.3. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

SOARES, Rogério Aguiar Munhoz. Tutela jurisdicional diferenciada: tutelas de urgência e medidas liminares em geral. São Paulo: Malheiros, 2000.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 22ª edição, revista e atualizada. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2005.

____________________________. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

____________________________. Curso de direito processual civil. v. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de. Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. v.1. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Jacqueline Fernandes. A fungibilidade das tutelas de urgência e sua aplicação nas decisões judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2918, 28 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19436. Acesso em: 25 abr. 2024.