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A ética presente nas profissões jurídicas

A ética presente nas profissões jurídicas

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A enumeração cogente de axiomas e disciplinas sancionatórias por parte dos conselhos profissionais nunca se fez tão necessária quanto em tempos hodiernos, tamanho o descaso com que alguns profissionais atuam diante de situações de incomensurável importância à sociedade.

RESUMO

Trata-se o presente trabalho de estudo acerca das principais regras éticas aplicadas às profissões jurídicas, demonstrando-se o valor de cada uma delas de acordo com o fim precípuo de cada operador do direito, e delineando-se ainda o dever de colaboração deontológica entre os mesmos e destes em relação à sociedade, em vista a plenos objetivos consentâneos com a perpetuação da justiça.


1 – BREVES NOÇÕES ACERCA DA ÉTICA GERAL

Analisando-se, prima facie, a concepção geral de ética, deparamo-nos com um conceito que, tal qual a essência humana, se baseia indubitavelmente com as condutas sociais escolhidas livremente pelo homem. Em se tratando de tais comportamentos, a ética se conceitua como sendo a ciência que estuda o comportamento moral dos homens em sociedade. [01]

O estudo do comportamento do homem se justifica porque, em primeiro plano, o objetivo da ética se concentra no estudo da busca pela essência de seu ser, que, através de condutas, passa a colaborar com a sociedade, demonstrando ser, assim, congenitamente gregório.

Além disso, em segunda análise, busca modelos dessas condutas que se encaixem nos moldes convenientes previamente estabelecidos pela sociedade, que lhes invoca valores, em virtude da concepção das pessoas do que é bom e/ou justo, e que lhes vai ser meio através do qual se chegará, na visão empírica, ao prazer e felicidade.

Seria ético, então, fazer o bem para se evitar o mal. Entretanto, esbarrar-nos-íamos na pergunta acerca do que é verdadeiramente o bem. Correto seria dizer que tudo o que está de acordo com a natureza humana configuraria verdadeiramente o bem, seria algo bom. Partindo-se de tal pressuposto, o mal se reverteria na proposição "se algo não é bom, é mau" ou "se não se está diante do bem, está-se diante do mal". Eis o princípio básico e mais simples para se chegar ao conhecimento do que seria a ética, conceito esse criticado muitas vezes por pecar pela simplicidade. [02]

Mas também, diante de inúmeros conceitos e de inimagináveis pensamentos acerca da ética e de seus valores, não se pode confundi-la com a moral, porquanto ser esta um conjunto de tabus, costumes a serem seguidos, condutas de regras valoradas na sociedade, sendo ela um dos aspectos do comportamento humano. Já a ética se configuraria como sendo a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. Não seria a ética conjunto de condutas práticas de regras a serem seguidas e tendentes a realizar o bem, pois aqui já se adentraria no conceito de moralidade positiva, mas sim a doutrina destinada a estudar e compreender tais condutas, fundamentando-as, isto é, tendo-as como seu próprio objeto. [03]

Há quem diga que a ética é princípio perpétuo, enquanto moral conjunto de aspectos temporários, suscetíveis de mudança a cada nova civilização e a cada nova dogmática. Também poderemos encontrar diferenciações como a que diz ser a ética ciência da regra e teoria, sendo a moral, por seu turno, conduta da regra e prática. Diante de sem-número de definições, assiste razão a diferenciação argüida por Nalini, para quem ética é a ciência dos costumes, disciplina normativa que descobre e elucida normas morais, não sendo a moral ciência, senão objeto da ciência. [04]

Portanto, em brevíssima análise, chega-se à aferição de que a ética estuda a conduta moral do ser humano, dotado sociabilidade por natureza, e curtas e simplórias definições de seu conceito impediriam de vislumbrarmos o que na realidade seria o bom na verdadeira acepção da palavra. A felicidade a que busca o homem, suas condutas morais, a bondade e a justiça serão alguns de seus elementos de estudo, formando a sua ferramenta, tal qual o pincel o é para o pintor, sem o qual este seria incapaz de finalizar sua obra de arte.

1.1 – Da ética profissional:

Corolário ao quanto sucintamente mencionado, a ética profissional viria a ser, da mesma forma, o estudo das normas de conduta, mas desta vez aplicadas ao exercício da profissão, fazendo com que o homem, através da ciência da ética, entenda o que seja bom ou como fazer o bem nas suas relações concernentes ao trabalho que vem desempenhando. Desta forma, os princípios e doutrinas essenciais da ética geral serão aplicados diretamente na profissão de cada pessoa, como se cada qual possuísse seu código de condutas éticas, utilizando-o não só a si mesmo mas também ao terceiro pertencente à sua volta profissional.

Portanto inevitável a expansão dos estudos da ética até os ramos profissionais. O considerado bom profissional é aquele que age de acordo com a ética de sua profissão. Então o profissional "bom" e, conseqüentemente, ético não poderia ser aquele advogado que defende ambos os lados, ou ainda aquele médico que se queda inerte quando deparado com alguma emergência, ainda que fora do local de trabalho.

Assim, cada profissão poderá, com base na ética geral, conter seus próprios estudos acerca das condutas profissionais, seu próprio "código de ética", pois nada impede que aquilo que é o ideal moral de cada profissão possa ser delineado e regularizado. Pensamos ainda além, entendendo haver necessidade de tal delineamento em período contemporâneo. Se muitos praticam algo, como é o caso da atividade profissional, preciso seria a ocorrência de uma disciplina de conduta para todos esses, de modo a "padronizar" suas condutas de acordo com o que é eticamente aceito na sociedade em geral.


2 – A ÉTICA E O ADVOGADO

Óbvio que em qualquer profissão devem ser respeitados princípios éticos, mormente aquela através da qual a vida emocional e patrimonial de outras pessoas está em discussão, como é a profissão do advogado, tão importante nas civilizações modernas justamente em virtude de responder tal profissional por pessoas que se viram desamparadas diante de violação a direito. Servir-lhes-á a ética de parâmetro para o exercício da atividade profissional em qualquer hipótese, e em qualquer situação.

A própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), de modo a viabilizar disposições éticas em um quadro normativo e a padronizar regras deontológicas fundamentais, elaborou o Código de Ética e Disciplina da OAB, verdadeira síntese dos deveres éticos de tais profissionais, operadores que, de acordo com o artigo 133 da Constituição Federal, são essenciais à administração da justiça. [05] Teceremos breves comentários acerca de tal codificação.

O advogado, em seus deveres para consigo mesmo, que exteriorizam seu modo profissional de ser, é dotado de inúmeras responsabilidades e deveres. Poderíamos destacar dentre eles dois dos principais, que não só lhe serão imputados como deveres, mas sim como condição essencial inerente à sua pessoa: a probidade [06] e a palavra.

Claro que em todas as profissões, mormente as carreiras jurídicas, a probidade é sempre exigida, pois o homem ímprobo não pode ser considerado honesto ou bom, não sendo, pois, condizente com o ético. Agir de acordo com zelo e amor pela profissão faz do advogado a última esperança a serviço de seu cliente, que na maioria das vezes já tentou diversos modos para resolução de seu problema e se vê desamparado, acreditando fielmente que seu procurador poderá responder-lhe e trazer-lhe resultados positivos. Muitas vezes exige a probidade um afinco por parte do profissional de tal maneira que o mesmo se imaginasse titular do direito, como se fosse o autor da ação, de modo que caso ganhasse, seria ele o vencedor, e se perdesse, arcaria com todas as conseqüências. Tal pensamento é deveras magnânimo, pois impede que o advogado se desapegue do patrocínio, colocando-se de modo fictício no lugar de seu cliente, impedindo-o de cair no desinteresse.

Não menos crucial para o advogado é a palavra, seja tanto através da oratória quanto da escrita, que exteriorizará todo o seu saber, e através da qual virá à tona sua eloqüência, muitas vezes o único instrumento capaz de lhe garantir sucesso na causa a qual defende. O uso correto do vernáculo, além da boa fala, corroborando todo o seu conhecimento, torna-lhe profissional completo, impondo respeito e seriedade ao magistrado e demais operadores do direito, além de tranqüilidade e confiança ao cliente.

Conforme se verifica das críticas feitas por José Renato Nalini quanto a tais princípios, críticas essas com as quais concordamos, raramente se constata hoje o uso perfeccionista da língua portuguesa, verdadeiro desprezo pela principal ferramenta do advogado. [07]

O artigo 2º, parágrafo único, do Código de Ética e Disciplina da OAB exemplifica diversos outros deveres, essenciais para o fundamento de suas regras deontológicas, principalmente aquele que impõe o dever de o advogado alertar seu cliente a não ingressar em aventura judicial. [08]

Infelizmente verificamos que, embora haja vedação expressa [09], cada vez mais vem se confundindo a profissão da advocacia com o mercantilismo e locupletamento, onde se procuram mais clientes ignorando-se a apreciada boa-fé, diante de sociedade a qual aprecia sempre o enriquecimento capital em detrimento aos princípios éticos, norteadores de uma das profissões mais belas e respeitáveis de todos os tempos.

O advogado, relacionando-se com o cliente, deve sempre ser claro, objetivo e inequívoco, de modo a viabilizar o entendimento de seu constituinte, que analisará, então, as conseqüências e as possibilidades de seu intento judicial. [10]

Jamais poderá abandonar a causa ou deixar o cliente em desamparo sem motivo justo, devendo dar comprovada ciência ao seu constituinte. Obviamente que também não poderá aceitar defesa de alguém que já tenha advogado constituído nos mesmo autos, desde que extremamente necessário e com prévio conhecimento do colega de profissão. Curioso notar que, não raras as vezes, os profissionais de hoje não respeitam tais tratados, quebrando preceito geral de que não poderá defender causa antiética ou imoral. [11]

Sucintamente, dois são os nortes a serem seguidos pelo profissional da advocacia em suas relações com o cliente, quais sejam: lealdade, pois assim demonstrará o devido afinco nas questões judiciais que responde em nome de outrem, como alhures dito; independência, visto que sua obrigação é de meio e não de resultado, não estando vinculado a ordens de seu constituinte, por profissional liberal que é. [12]

Quanto ao sigilo profissional, é defeso ao advogado exteriorizar, seja por depoimento testemunhal ou ainda através da imprensa, segredos de que sabe em razão da profissão. E tal vedação revela sabedoria, eis que o advogado conhecerá das mais íntimas e preciosas informações relacionadas com a honra e imagem de seu cliente. Só não se valerá do segredo quando estiver diante de grave ameaça ao seu direito à vida ou honra, ou ainda quando deparado com afronta do próprio cliente. [13]

A violação do segredo profissional constitui crime, com pena que pode chegar a um ano de detenção, além de ensejar anulabilidade de atos processuais, fato que coloca o advogado, sob as penas da lei, ao seu estrito cumprimento. [14]

Questões de cunho publicitário são discutidas também do Código de Ética e Disciplina da OAB. Não lhes será vedado ao advogado anunciar seus serviços, desde que o faça com discrição e moderação, nos termos do art. 28 do referido código.

Não poderá, então, o advogado, atuar como se fosse "mercador jurídico" [15]. Não se valerá de meios de comunicação televisivo ou radiodifusor, nem tampouco cartazes ou outdoors, bastando para tanto a mídia impressa. Em seu anúncio, descreverá apenas o necessário, como o nome, qualificações científicas ou docentes, bem como o ramo de atuação. Não poderá valer-se de cargo público anteriormente ocupado a fim de captar clientela, além de uma série de outras vedações publicitárias. [16]

Na prática, constatamos inúmeros casos de promoção pessoal indevida, como aquela em que o próprio advogado se intitula "ex-juiz" ou "ex-ministro", promovendo-se às abas do cargo público anteriormente exercido, de modo a desrespeitar a conduta ética de sua profissão.

Outra questão crucial é a dos honorários profissionais, também chamados de honorários advocatícios. Estes serão contratados entre o advogado e seu cliente, de modo escrito e especificado, sem prejuízo dos honorários da sucumbência), levando-se em conta sempre o bom senso e a moderação. [17]

Poderá, também, estabelecer acordo expresso com a cláusula quota litis, que ocorre quando o advogado percebe honorários de acordo com o sucesso da causa. Saliente-se que, de uma forma ou de outra, deve o advogado primar pelo bom senso, fazendo jus ao seu devido serviço, e nada a mais, pois honorário deriva de honra, presente no espírito de tais profissionais desde os primórdios da advocacia.

Já o dever de urbanidade, previsto no art. 44 e seguintes do código amiúde referido, estabelece ser obrigação do advogado tratar o público, os colegas, as autoridades e demais funcionários com respeito, discrição e independência, também podendo exigir o mesmo de tais profissionais.

Os advogados devem sempre tratar seus colegas de profissão com verdadeira confraternidade, ainda que o causídico seja da parte contrária, além possuírem o dever de cooperação perante o magistrado e membros do MP, pois todos deverão visar sempre, em processo judicial, a concretização célere do justo. [18]

Outras disposições finais são encontradas no Código de Ética e Disciplina da OAB, tais como a criação de um Tribunal de Ética e Disciplina dentro de cada Seccional, além de regras transitórias de aplicação, o que faz presente a ética normativa perante tais profissionais, importantíssimos para o funcionamento da justiça e essenciais para o Estado Democrático de Direito dentre o qual vivemos hodiernamente. [19]


3 – A ÉTICA DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Não seria menos importante estabelecer aos membros do Ministério Público do Brasil, sejam em âmbito da União ou nos limites de cada Estado Federado ou Distrito Federal, condutas condizentes com a ética voltada à profissão, mormente em dias hodiernos, nos quais tais profissionais são dotados de grande independência administrativa e funcional, e atuarão onde o seu bom senso de justiça lhes permitir.

Para tanto, a lei 8.625/93 elenca no capítulo VII os deveres e vedações dos membros do Ministério Público, que poderão servir tanto para os promotores e procuradores de justiça, em âmbito estadual, quanto para os procuradores da república, do trabalho e militar, em âmbito federal.

Em primeiro plano, encontramos o dever de manter ilibada a conduta pública e particular. [20] Como bem lembrado por Nalini, não só é dever do membro do Ministério Público, mas também requisito para o ingresso na carreira mediante concurso público. [21]

Outro dever importante e comum a todos os que exercem atividades jurídicas é o zelo pelo prestígio da justiça, presente no inciso II do art. 43 da Lei 8.625/93. E óbvio é notar tal dever por parte dos membros do Parquet, pois são os "promotores" da Justiça, encontrando nela o fundamento de sua profissão.

Os promotores, bem como os procuradores, devem ser entes presentes e ativos nos processos que lhe caibam atuar. Devem assistir pessoalmente aos atos judiciais, quando obrigatória ou conveniente a sua presença, assim como obedecer aos prazos processuais, garantindo, assim, o empenho pela justiça e celeridade do processo. [22]

Um dever interessante e que se assemelha com o dos magistrados é a obrigatoriedade de fundamentação de seus pronunciamentos processuais, que garante a perfeita análise do processo e da concepção da justiça em cada caso. [23]

O promotor deverá desempenhar as suas funções com zelo e presteza [24], pois representa a sociedade e em razão disso deverá zelar pelas atividades profissionais.

Outro dever correlato a outros cargos, como na magistratura e na advocacia pública, é aquele que obriga os membros do MP a se declararem suspeitos ou impedidos de atuar em processo, quando o caso [25], o que demonstra a preocupação de se evitar atos passionais, ensejando, assim, segurança da coletividade, representada pelo ente ministerial.

Embora tenha limites de atribuição, deverá o promotor adotar as providências cabíveis a fim de sanar quaisquer irregularidades de que tenha conhecimento, o que demonstra o poder de defensor da sociedade e da justiça. [26]

Assim como para todos os profissionais na área judiciária, existe para os membros do MP dever de urbanidade e respeito para com as partes, juiz, colegas de trabalho e demais funcionários e auxiliares da justiça. E tal dever vem acompanhado com a obrigação de atender aos interessados, típica função de membro do Parquet. [27]

Deve o promotor, assim como o Juiz, residir na comarca onde exerce suas atividades, pois assim será encontrado nos casos de relevância e urgência. E, por óbvio, deverá o promotor se identificar como tal sempre que entrar em exercício de suas funções, para que se distinga este dos demais serventuários da justiça. [28]

Tamanha responsabilidade e autonomia não impedem que se estabeleçam regras éticas do promotor em relação a seus superiores. Deve ele acatar as decisões de sua administração superior, bem como prestar informações, quando solicitadas pelos órgãos da instituição. [29]

Saindo da seara dos deveres dos membros do MP, impõe-se-lhes vedações, que são impedimentos de praticarem atos contrários ao propósito da instituição. Não pode o promotor exercer advocacia ou comércio, ou ainda participar de sociedade comercial, salvo como acionista ou cotista. Também, e por corolário a estas duas regras, jamais receberá honorários, custas ou porcentagens, a qualquer pretexto, na qualidade de promotor de justiça. [30] Tal vedação, além de proteger o bem senso do titular do cargo, denota a confiança da sociedade em seu trabalho, pois assim não poderá cair em devaneios acerca de causas particulares, e exercerá, única e exclusivamente, a sua função pública, que lhe exige tempo e trabalho.

Não pode o promotor, como qualquer outro membro da administração pública, em regra, exercer qualquer outra função pública remunerada, salvo a de magistério, como freqüentemente se verifica em salas de aula de todo o país, eis que o conhecimento e experiência da autoridade pública será deveras importante para os acadêmicos. Óbvio que o acúmulo de atividades dentro de sua área de atuação no Ministério Público não será contado como exercício de mais de uma função pública, visto que concernente a uma mesma entidade e com fim afetos. [31]

Finalmente, lhes era vedado o exercício de atividade político-partidária, mas ressalvando-se as exceções da lei, segundo o Art. 44, V, da Lei 8.625/93. Porém, com o advento da emenda constitucional n.º 45/04, doravante não será mais permitida, em qualquer hipótese, o exercício de atividade político-partidária por parte de membro do Ministério Público, visto que o art. 128, § 5º, inciso II, da CF, em sua alínea a), sofreu alteração, vedando, em qualquer hipótese, tal atividade por parte do promotor. [32]

Os poderes concedidos ao Ministério Público após o advento da CF de 88 merecem destaques em discussões éticas acerca da atuação de seus membros, visto que passaram, significativamente, a obter poderes discricionários, sob o crivo de suas próprias consciências éticas, o que, de um lado trouxe seriedade e temor quanto às suas investigações, e de outro, exageros e exibicionismos por parte de alguns de seus membros. Fato é que, diante do crescimento do assédio da mídia em relação a tais profissionais [33], indagações éticas permanecerão nas pautas dos estudiosos, análises a serem vistas diversas e diversas vezes conforme a entidade ganha destaque na sociedade.


4 – A ÉTICA PRESENTE NO PODER JUDICIÁRIO

Aqui se faz presente, em nosso sucinto entendimento, os mais valiosos estudos da ética dentre as profissões ligadas à área jurídica: a ética dos magistrados, titulares do poder de maior força no Estado de Direito dentre o qual vivemos, chamada sentença, que, sanadas todas as irregularidades e transitada em julgado a decisão, será em regra absoluta e impassível de correção ou modificação.

As pessoas buscam o judiciário quando se vêem em situação de lesão ou ameaça a algum direito, verdadeira situação litigiosa que será resolvida, ao final, pelo magistrado. Quaisquer regras acerca das condutas destes profissionais devem sempre vir dotadas de estudos éticos, pois a cada decisão, fortes impactos são gerados para as partes, seja o decisum favorável ou não a elas.

Os principais nortes dos deveres e preceitos éticos da magistratura são encontrados no art. 93 da CF, além da LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) [34] e do Código de Ética da Magistratura Nacional, criado pelo Conselho Nacional de Justiça, entidade que passou a existir graças à emenda constitucional n.º 45/04, e destinada precipuamente às apurações de infrações e irregularidades dentro do poder judiciário.

Primeiramente, vê-se a preocupação do constituinte ao estabelecer critérios para o ingresso na carreira, mediante concurso de provas e títulos, após completados três anos de prática jurídica. [35] Trata-se de concurso dos mais criteriosos, constituído por várias fases, em que se avalia todo o conhecimento necessário do candidato para o exercício de tal profissão.

Além disso, estabeleceram-se regras para a ascensão da carreira de juiz, que será analisado sob o valor do merecimento e da antiguidade. [36]

A aferição do merecimento se fará de acordo com cinco critérios: pelo desempenho, pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição, além da freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento. [37] Todos esses para que haja a efetiva entrega da prestação jurisdicional em tempo hábil, célere.

Dever interessante, já comentado quando da explanação acerca dos membros do MP, é a fixação de residência do juiz na respectiva comarca onde atua, salvo autorização do Tribunal [38], pois em casos de excepcional urgência poderá o poder judiciário ser acionado, para que assim garanta a efetiva justiça em eventualidades, passíveis de se acontecer.

Ademais, o juiz não poderá exercer outra atividade, senão a de magistério, consagrando-se, aqui, o dever de dedicação exclusiva à profissão. Além disso, como obtempera Nalini, dois deveres merecem destaque: o do desinteresse, que faz com que todas as causas sejam examinadas com imparcialidade e igualdade de atenção, e o da abstenção política, que é conseqüência da imparcialidade, para que o juiz decida segundo sua consciência e não sob influência política. [39] Todos esses são encontrados no art. 95, parágrafo único, incisos I a III, da CF, sob a forma de vedações.

Obrigação importante, que garante estabilidade no exercício da jurisdição, é a de fundamentação das decisões do juiz, objetivando a explicação de o porquê haver o magistrado seguido por tal entendimento, elucidando melhor a decisão e dando-lhe maior segurança. [40]

Duas vedações presentes na CF garantem a imparcialidade do Poder Judiciário, quais sejam: receber contribuições pecuniárias de pessoas físicas ou jurídicas (em razão da função), além de exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento. [41]

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar n.º 35 de 1979) organiza regras deontológicas para o exercício da profissão, especificamente em seu artigo 35, que dispõe sobre os deveres dos magistrados, alguns corroborados posteriormente pelo advento da CF, além de outros em caráter de especialidade.

O juiz deve cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício, não excedendo injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar, além de determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais, tudo para garantir a presteza e celeridade de todo o trâmite processual. [42]

Dever concorrente de todos os profissionais da área jurídica é o de urbanidade, eis que o juiz, que exige respeito, também o faz para com as partes, membros do MP, advogados, partes, funcionários e demais presentes (inciso IV, art. 35, da LOMAN).

Se o juiz deve cumprir com seus deveres, deve fazer também com que os demais cumpram com os seus. Ao passo que deve comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão, e não se ausentar injustificadamente antes de seu término, deverá exercer assídua fiscalização sobre os subordinados, especialmente no que se refere à cobrança de custas e emolumentos, mesmo que não haja reclamação das partes. [43]

A LOMAN impõe ainda três importantes vedações aos magistrados, em seu artigo 36, incisos I a III. Os juízes estão proibidos de exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, exceto como acionista ou quotista, além do que não podem exercer cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, em cargo sem remuneração. Ademais, veda-se-lhes a manifestação, por qualquer meio de comunicação, de opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos, em obras técnicas ou no exercício do magistério.

Dentro do processo judicial, o juiz deverá coordenar uma estrutura cooperatória entre o mesmo e as partes, de maneira a viabilizar o exercício do contraditório e da ampla defesa, buscando sempre a verdade real dos fatos, e trazendo ao final, a decisão mais justa a cada caso concreto, em uma alusão aos brocardos jurídicos narra mihi factum dabo tibi jus (narre-me o fato que te darei o direito) e juria novit curia (o juiz conhece o direito). [44]

Por fim, o Código de Ética da Magistratura Nacional elenca os grandes elementos a serem seguidos pelos magistrados no exercício da profissão, quais sejam: a independência, a imparcialidade, a transparência, a integridade pessoal e profissional, a diligência e dedicação, a cortesia, a prudência, o sigilo profissional, o conhecimento e a capacitação, a dignidade, a honra e o decoro. [45]

São essas as regras gerais sobre a ética dos magistrados. Quaisquer atos atentatórios às regras éticas poderão ser punidos, de acordo com o Capítulo II - Das Penalidades, presentes na LOMAN, que demandam estudo peculiar ao cunho deste.

E concluindo-se sobre as regras deontológicas da magistratura nacional, demonstra-se que o juiz, autoridade preponente na aplicação da justiça, deverá ser aquele profissional que se orgulha de seu cargo e trabalha com devotamento, que não se influencia pelas idiossincrasias do cotidiano, mantendo-se imparcial. Sua conduta deverá servir de exemplo, não somente dentro do exercício de suas atribuições, mas também em sua vida particular [46], visto que aos olhos de todos ele é a justiça, e o descrédito em sua pessoa também gera o descrédito no Poder Judiciário.

Nos dizeres de José Renato Nalini, desembargador com vasta experiência na judicatura, "a justiça abarca tudo. Diz a última palavra. Garante ou destrói o Estado de Direito. É imprescindível para que a sociedade não se torne um caos. Impede a barbárie. E é concretizada mediante implementação da ciência mais próxima à moral, de intimidade maior com a ética, a ciência do direito". [47]

O que se espera do futuro da magistratura é a excessiva educação e o treinamento dos juízes, para que ajam e julguem como devem, e não apenas como queiram. Preserva-se, assim, a ética diante do Poder Judiciário, que é instrumento da justiça, necessária em qualquer nação, e que jamais poderá ser ignorada perante estudiosos da área jurídica.


5 – CONCLUSÃO

A conclusão a que se chega ao final desta dissertação é a de que a justiça, em todos os seus pormenores, jamais conseguirá se estabelecer por si só, através de um único órgão ou ente. Necessita de integração de todos os profissionais ligados à área jurídica, entre eles o advogado (público e particular), o promotor de justiça (e cargos afins) e, claro, o juiz, que exercerá o poder jurisdicional com a colaboração de todos os supramencionados.

A análise de regras deontológicas, nortes éticos das respectivas carreiras, nos conduz à percepção de que a ética sempre exigirá do bom profissional afinco e dedicação, para que se torne como exemplo para os demais indivíduos da sociedade e da própria área. Tanto juízes, quanto advogados e promotores são pessoas que servem de parâmetro a ser seguido pela coletividade, eis que representam classes de respeitados profissionais, nos quais muitos se espelham.

Nota-se também que certas regras éticas são comuns a todos eles, como a que exige do profissional o dever de urbanidade com membros de outra carreira, o que por demais explicita a educação e respeito aos olhos da sociedade.

Nada se faz e nenhum passo se alcança sem regras e princípios éticos, e, ainda que muitas vezes não percebamos, tais regras estão presentes em nossa conduta prática de tal maneira que a sua desobediência geraria não somente a punição legal mas também a moral, que, de certa forma, é mais ampla e inaceitável. Assim, com as análises e estudos éticos, pode-se chegar ao ideal de cada profissão, para que a luta incessante por direito e justiça jamais deixe de ser praticada, e para que tenhamos sempre a certeza de que estaremos amparados por um Estado defensor da paz social e da segurança jurídica.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SÁ, Antonio Lopes de. Ética Profissional. São Paulo: Atlas, 2008.

MARIN. Marco Aurélio. Como se preparar para o exame da ordem, 1ª fase: ética profissional. São Paulo: Método, 2009.

CAMARGO, Marculino. Fundamentos de ética geral e profissional. Rio de Janeiro: Vozes, 1999.

NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 6 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Ética do Juiz. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/9385/Etica_do_Juiz_Vers%C3%A3o_IV.pdf?sequence=1>. Acesso em: 5 set 2010.


NOTAS:

  1. José Renato Nalini, Ética geral e profissional, p. 27-28.
  2. Marculino Camargo, Fundamentos de ética geral e profissional, p. 27-28.
  3. José Renato Nalini, Ética geral e profissional, p. 29.
  4. Idem, Ibidem, p. 29-30.
  5. José Renato Nalini, op. cit., p. 354.
  6. Ruy de Azevedo Sodré, apud José Renato Nalini, op. cit., 357.
  7. José Renato Nalini, op. cit., p. 357-358.
  8. Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.
  9. Parágrafo único. São deveres do advogado: I - preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo seu caráter de essencialidade e indispensabilidade; II - atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé; III - velar por sua reputação pessoal e profissional; IV - empenhar-se, permanentemente, em seu aperfeiçoamento pessoal e profissional; V - contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis; VI - estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios; VII - aconselhar o cliente a não ingressar em aventura judicial; VIII - abster-se de: a) utilizar de influência indevida, em seu benefício ou do cliente; b) patrocinar interesses ligados a outras atividades estranhas à advocacia, em que também atue; c) vincular o seu nome a empreendimentos de cunho manifestamente duvidoso; d) emprestar concurso aos que atentem contra a ética, a moral, a honestidade e a dignidade da pessoa humana; e) entender-se diretamente com a parte adversa que tenha patrono constituído, sem o assentimento deste. IX - pugnar pela solução dos problemas da cidadania e pela efetivação dos seus direitos individuais, coletivos e difusos, no âmbito da comunidade.

  10. Arts. 5º, 6º e 7º do Código de Ética e Disciplina da OAB.
  11. Art. 8º do Código de Ética de Disciplina da OAB.
  12. Arts. 11, 12 e 20 do Código de Ética e Disciplina da OAB.
  13. José Renato Nalini, op. cit., p. 362.
  14. Arts. 25 e 26 do Código de Ética e Disciplina da OAB.
  15. Ver artigos 154, do CP, e 207, do CPP.
  16. Expressão utilizada por José Renato Nalini, op. cit., p. 364.
  17. Arts. 29 a 34 do Código de Ética e Disciplina da OAB.
  18. Arts. 35 e 36 do Código de Ética e Disciplina da OAB.
  19. José Renato Nalini, op. cit., p. 371.
  20. As disposições finais e transitórias, bem como as competências do referido Tribunal de Ética poderão ser encontradas no Código de Ética e Disciplina da OAB, disponível no site de seu Conselho Federal, <http://www.oab.org.br/arquivos/pdf/LegislacaoOab/codigodeetica.pdf>.
  21. Art. 43, I, da Lei 8.625/93.
  22. José Renato Nalini, Ética geral e profissional, p. 390.
  23. Art. 43, IV e V, Lei 8.625/93.
  24. Art. 43, III, Lei 8.625/93.
  25. Art. 43, VI, Lei 8.625/93.
  26. Art. 43, VII, Lei 8.625/93.
  27. Art. 43, VIII, Lei 8.625/93.
  28. Art. 43, IX e XIII, Lei 8.625/93.
  29. Art. 43, X e XII, Lei 8.625/93.
  30. Art. 43, XI e XIV, Lei 8.625/93.
  31. Art. 44, I, II e III, Lei 8.625/93.
  32. Art. 44, IV e parágrafo único, Lei 8.625/93.
  33. A redação anterior do art. 128, § 5º, II, a), CF, mencionava a seguinte vedação: "exercer atividade político-partidária, salvo as exceções previstas na lei". Após a emenda 45 de 2004, foi alterado para: "exercer atividade político-partidária", eliminando-se a possibilidade de regulamentação de exceção por lei ordinária.
  34. José Renato Nalini, op. cit., p. 398-399.
  35. Lei Complementar n.º 35, de 14 de março de 1979.
  36. Art. 93, I, da Constituição Federal.
  37. Art. 93, II, da Constituição Federal.
  38. Art. 93, II, c), da Constituição Federal.
  39. Art. 93, VII, da Constituição Federal.
  40. José Renato Nalini, Ética geral e profissional, p. 409-410.
  41. Art. 93, IX, da Constituição Federal.
  42. Art. 95, p. único, incisos IV e V, da Constituição Federal.
  43. Art. 35, incisos I, II e III, da Lei Complementar n.º 35/79.
  44. Art. 35, incisos VI e VII, da Lei Complementar n.º 35/79.
  45. José Renato Nalini, op. cit., p. 421.
  46. O Código de Ética da Magistratura Nacional pode ser facilmente encontrado no site do CNJ: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4980&Itemid=491>.
  47. Art. 35, inciso VIII, da Lei Complementar n.º 35/79.
  48. Op. cit., p. 431 (grifo nosso).

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ARAUJO, Wilclem de Lázari. A ética presente nas profissões jurídicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2930, 10 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19525. Acesso em: 3 maio 2024.