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Justiça restaurativa: um novo modelo de Justiça

Justiça restaurativa: um novo modelo de Justiça

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Resumo: Este artigo versa sobre o tema Justiça Restaurativa, de forma objetiva, porém ainda pouco tratado pela literatura jurídica e acadêmica, razão que motivou a sua abordagem, neste trabalho, com destaque para seus diversos aspectos, com o propósito de socializar o conhecimento desse novo modelo de justiça que se pretende implementar no Brasil. É apresentada sua evolução histórica sucintamente, a sua forma de aplicação, com seus objetivos e efeitos. Faz-se um breve comparativo com o modelo de Justiça Retributiva implementado no país. Há a indicação das experiências realizadas em determinados Estados, demonstrando a sua eficácia e a necessidade da quebra de paradigmas. A metodologia utilizada para a pesquisa do tema foi através do método de linha dogmática de pesquisa jurídica.

Palavras chave: Restaurativa. Resolução de conflitos. Paradigma. Justiça. Novo modelo.

Abstract: Abstract: This article focuses on the Restorative Justice theme in an objective way, but poorly treated by the legal and academic literature, reason why the approach in this work, highlighting its various aspects, in order to socialize the knowledge of this new justice model that intends to be introduced in Brazil. Its historical evolution is presented succinctly, its application form, with its objectives and effects. Makes a brief comparison with the Retributivism model implemented in the country. There is an indication of the experiences made in certain states, demonstrating its effectiveness and the necessity to break paradigms. The methodology used to research the topic was by the dogmatic line method of legal research.

Keywords: Restorative. Conflict resolution. Paradigm. Justice. New Model.

Sumário: Introdução; 1 Antecedentes históricos; 2 O que é Justiça Restaurativa: Conceitos e Concepções; 2.1 Procedimento Restaurativo; 2.1.1 Pré-círculo Restaurativo; 2.1.2 Círculo Restaurativo; 2.1.3 Pós-círculo Restaurativo; 2.1.4 Círculo Restaurativo Familiar; 3 Objetivos da Justiça Restaurativa; 4 Modelo de Justiça utilizado atualmente no Brasil e seus efeitos; 5 Tratamento despendido à vítima de delitos; 6 Forma de aplicação da Justiça Restaurativa no Brasil e outras situações em que se pode aplicar esse modelo; 7 A Justiça Restaurativa é eficaz?; 8 Considerações finais; 9 Referências; 10 Anexos.


Introdução

A Justiça Criminal implementada e ratificada pelo ordenamento jurídico brasileiro apresenta-se em crise, diante de práticas políticas e sociais, que não vem surtindo efeito e os conflitos são cada vez mais constantes e não há como freia-los com a Justiça Retributiva e eminentemente punitiva, pois um conflito mal solucionado gera outro conflito, seguindo, deste modo, uma cadeia incessante de criminalidade, com a consequente impunidade. Provocando, as seguintes indagações: será que a Justiça está sendo feita?; Será que não há um outro modelo a ser seguido?; Até quando é possível viver com tanta violência e intolerância? Diante dessa realidade cabe a todos iniciar a quebra de paradigmas, com novas visões de Justiça e com a cultura de que cada comunidade deve ser respeitada, porém, lhes deve ser apresentadas novas formas de resoluções de conflitos.

Por conseguinte, resta claro a importância do tema Justiça Restaurativa por ser atual e trazer consigo uma carga de discussão valorativa muito extensa, com implementação recente no país, embora já vem sendo adotada em outras nações com resultado de sucesso. A pretensão neste trabalho é apresentar sua definição de forma clara e objetiva, sua evolução histórica até o surgimento no Brasil, seus objetivos, identificando as formas restaurativas e sua aplicabilidade no direito brasileiro, além do que, se pretende trazer a baila uma análise da realidade da política criminal brasileira de maneira sucinta, de modo a identificar pontos importantes, através dos quais a Justiça Restaurativa teria significante aplicabilidade, porque sempre voltada para a transformação de pensamentos e concepções, com o objetivo de promover os Direitos Humanos e a paz social.


1 Antecedentes históricos

A Justiça Restaurativa tem suas raízes plantadas nos códigos datados pré-era cristã, como o Código de Hammurabi de 1700 a. C., além de ter sido utilizada pelos povos colonizados da África, Nova Zelândia, Áustria, América do Norte e do Sul, bem assim pelas sociedades pré-estatais da Europa (JACCOULD, 2005, p. 2).

Segundo Myléne Jaccould (2005, p. 2), as formas punitivas das sociedades comunais não haviam sido abandonadas, mas havia uma tendência à aplicação de mecanismos capazes de conter a desestabilização do grupo social. A mesma autora apud Van Ness e Strong, coloca como exemplo, o Código de Hammurabi (1700 a.C.) e de Lipit-Ishtar (1875 a.C.), que prescreviam medidas de restituição para os crimes contra os bens, a exemplo do Código Sumeriano (2050 a.C.) e o do de Eshunna (1700 a.C.) que previam a restauração dos laços rompidos nos casos de crimes de violência.

Ainda sob o entendimento de Myléne Jaccould (2005), as práticas restaurativas das sociedades comunais e pré-estatais estariam ligadas à estrutura social e não à cultura, de modo que nas sociedades de forte coesão social em que o papel e contribuição de cada indivíduo é crucial para a sobrevivência do grupo, há privilégio à manutenção do autor dentro da coletividade, sendo assim o recurso para as práticas restaurativas é determinado pela estrutura social.

Para Faget apud Jaccould (2005, p. 2), existem três correntes de pensamento que favoreceram o ressurgimento da Justiça Restaurativa e dos processos que a ela estão associados nas sociedades contemporâneas ocidentais, quais sejam: os movimentos de contestação das instituições repressivas, da descoberta da vítima e da exaltação da comunidade.

Já nos Estados Unidos haviam movimentos de contestação das instituições desenvolvidas na Califórnia. De modo que foi influência na Europa, nos trabalhos de Michel Foucault (Surveiller et punir: naissance de la prison, 1975), Françoise Castel, Robert Castel e Anne Lovell (La société psychiatrique avancée: le modèle américain,1979), Nils Christie (Limits to Pain, 1981) e Louk Hulsman (Peines perdues: le système pénal em question,1982) sustentando a reflexão e o desenvolvimento de um movimento que recomenda o recurso para uma justiça diferente, humanista e não punitiva. [01]

Surge, no final da Segunda Guerra Mundial, o discurso da vitimologia [02], que serviu de inspiração aos princípios da Justiça Restaurativa de forma peculiar.

No entanto, o movimento que influencia de maneira significativa a Justiça Restaurativa e sua principiologia é o movimento de exaltação da comunidade que faz com que os conflitos sejam solucionados por meio de uma negociação.

Em 1975, o psicólogo americano Albert Eglash fez nascer o conceito de Justiça Restaurativa, originado da noção de restituição criativa [03] dada por ele nos anos 50, porém este tipo de restituição estava distante dos princípios norteadores da Justiça Restaurativa.

Como experiência na América Latina, pode-se citar a Argentina, que em 1998, experimentou o programa, inspirado no art. 38 e 45 da lei do Ministério Público c.c. art. 86 e sgts. do Código de Processo Penal da Província de Buenos Aires, operando com o eixo em dois centros – o Centro de Assistência às Vítimas de Delitos e o Centro de Mediação e Conciliação Penal. [04]

Portanto, a Justiça Restaurativa é um conjunto complexo de movimentos ao longo do tempo, que se formou através das transformações estruturais que ocorreram na esfera penal, nas relações sociais, no simbolismo jurídico e no neoliberalismo, sendo que nos anos setenta teve sua fase experimental, nos anos oitenta houve a institucionalização dessas experiências a partir de medidas legislativas específicas, e nos anos noventa a Justiça Restaurativa encontra-se expandida e inserida em todas as etapas do processo penal (JACCOULD, 2005) nos países com sua forte aplicação.


2 O que é Justiça Restaurativa: Conceitos e Concepções.

A Justiça Restaurativa é um modelo consensual de tentativa de reconstrução de uma relação que foi quebrada entre transgressor e ofendido, em consequência de um delito ou ato infracional, para curar os traumas e as feridas deixadas, envolvendo a família e a comunidade em um círculo de soluções (PINTO, 2005; JACCOULD, 2005).

Trata-se, pois, de uma nova forma de alcançar a Justiça, haja vista a incompatibilidade que se depreende do modelo de política criminal brasileiro em completa desconformidade com a atualidade social, em que todos os cidadãos se vêem perdidos diante de um ciclo incessante de criminalidade e de impunidade.

Um grupo de especialistas da ONU formulou o conceito de Justiça Restaurativa, qual seja: "Justiça Restaurativa é um processo através do qual todas as partes envolvidas em um ato que causou ofensa reúnem-se para decidir coletivamente como lidar com as circunstâncias decorrentes desse ato e suas implicações para o futuro". [05]

Howard Zehr (1990, p. 257) esclarece, com muita propriedade que:

a justiça restaurativa tem foco nos danos e consequentes necessidades (da vítima, mas também da comunidade e do ofensor); trata das obrigações resultantes desses danos (obrigações do ofensor mas também da comunidade e da sociedade); utiliza processos inclusivos e cooperativos; envolve todos os que têm um interesse na situação (vítimas, ofensor, comunidade, a sociedade); busca corrigir os males.

Ainda sob o ponto de vista do ilustre Howard Zehr (1990), em seu livro intitulado "Trocando as Lentes", ele apresenta sua proposta de mudança das perguntas que se fazem quando um crime ou ato infracional é praticado. Ele diz que a sociedade ocidental se preocupa tão somente em questionar: Que lei foi violada?; Quem fez isso?; O que ele merece? E, propôs os seguintes questionamentos: Quem sofreu o dano?; Quais são as suas necessidades; Quem tem obrigação de supri-las?; Quais as causas?; Quem tem interesse na situação?; Qual o processo apropriado para envolver os interessados no esforço de tratar das causas e corrigir a situação?

A Justiça Restaurativa incentiva os envolvidos ao diálogo e ao acordo para proceder-se à cura do mal sofrido, de forma que a Justiça atuará para atribuir as responsabilidades pelo delito, mas com o encaminhamento ao tratamento terapêutico individual e coletivo, visando a redução dos impactos do crime sobre as pessoas, resultado pretendido com essa espécie de Justiça.

Este modelo restaurativo só pode ser utilizado nos casos em que houver concordância de ambas as partes (réu e vítima), lastreando-se em princípios, procedimentos e resultados definidos, podendo ser revogada unilateralmente, respeitando o princípio da proporcionalidade na resolução das obrigações propostas, de modo que será vedada a sua utilização como meio de prova ou indício em processo penal. Após a realização do acordo restaurativo o juiz poderá homologá-lo, passando pela análise do Ministério Público.

Aqueles que foram prejudicados por algum dano social no âmbito criminal tem oportunidade de expressar de que maneira foram afetados e que possam desenvolver um plano para reparar e evitar os danos ocorridos, agindo de forma a reintegrar os envolvidos à sociedade. As partes interessadas principais neste ciclo de restauração são a vítima e o transgressor. Mas, também, são considerados interessados todos os envolvidos indiretamente, ou seja, aqueles que emocionalmente foram atingidos, como por exemplo, os pais, os irmãos, os amigos, os esposos, colegas, entre outros.

Para que haja a restauração é necessário um ambiente estruturado, que passe segurança para a vítima e o ofensor acompanhados pela presença dos envolvidos direta e indiretamente, como os pais, irmãos, amigos, vizinhos, com o objetivo de se elaborar um plano de metas para ser implementado com a finalidade de solucionar o conflito.

A Justiça Restaurativa prioriza as necessidades da vítima desde o início do processo. A responsabilidade pelo ato lesivo e a obrigação de corrigir a situação devem ser assumidas pelo ofensor, que por esse procedimento deixa de ser um criminoso estigmatizado para se tornar um protagonista. A comunidade também tem seu papel nesse processo inovador, que não visa a punição como fim em si mesmo, mas, sim, a reparação dos danos, o reconhecimento do mal, a restauração de relacionamentos, a reorganização dos envolvidos e o fortalecimento da comunidade. [06]

Os meios irão comunicar as mensagens, já os processos comunicam valores. De maneira que, no momento em que um professor opta por encaminhar à polícia os alunos envolvidos em uma briga na escola, por exemplo, isto já representa uma punição a estes alunos, tornando-os estigmatizados, mesmo que a polícia não leve a ocorrência adiante. [07]

Sendo assim, o meio de comunicação dos valores é baseada na cultura de guerra, aquela que inspira o funcionamento do sistema punitivo/retributivo da Justiça tradicional, que acaba por regar as dores, as rupturas, e os traumas gerados pelo conflito tanto na vítima quanto no ofendido e seus familiares envolvidos.

A Justiça Restaurativa corrobora para que a participação e intervenção no conflito reestruturem e restaurem os traumas sofridos, praticando uma justiça que cura, diferentemente do modelo utilizado atualmente e que perdura há tanto tempo.

Neste sentido, os compromissos assumidos e não impostos às partes serão mais consistentes quando decorrer do manancial interno (encontro comigo mesmo) e interacional (encontro com o outro) dos valores, de modo a proporcionar a elaboração conjunta e solidária das vivências dolorosas relacionadas às causas e consequências dos conflitos. [08]

As principais perspectivas idealizadas por Daniel Van Ness e Strong, numa abordagem restaurativa foram: a reparação do dano, o envolvimento das partes interessadas e a transformação das pessoas, comunidade e governo. Para a reparação do dano deve haver o foco nas consequências da infração buscando as necessidades da vítima e uma maneira de compensar as perdas. No que toca o envolvimento das partes há que se destacar o papel fundamental daqueles que foram afetados indiretamente pelo dano, como os familiares das vítimas, amigos, membros de sua comunidade. Dessa forma, deve-se pensar nos papéis e na responsabilidade de cada um desses envolvidos direta e indiretamente no conflito. Há de se destacar que ‘o Governo é responsável por preservar a ordem, mas a comunidade é responsável por estabelecer a paz’. [09]

Segundo o eminente juiz Leoberto Brancher, que organizou o material para Formação de Lideranças para a Transformação de Conflitos em Porto Alegre (2008), não existe um padrão exclusivo para os Procedimentos Restaurativos, propondo-se, ao contrário, que permaneçam sempre abertos a ajustes e adaptações que contemplem as particularidades culturais de cada comunidade e espaço onde venham a ser aplicadas.

No entanto, ele destaca que essa flexibilização deve ser pautada em uma organização responsável para que não haja prejuízo à qualidade e aos parâmetros de restauração. Para isso, deve haver fidelidade aos princípios, de modo que a aplicação das práticas restaurativas devem ser realizadas por um coordenador capaz de fazer a devida preparação, condução e o posterior acompanhamento dos resultados do encontro, garantindo-se um ambiente seguro e protegido aos participantes. [10]

2.1 Procedimento Restaurativo

Para que se possa compreender o Procedimento Restaurativo utilizado pela Justiça Restaurativa aplicada em Porto Alegre, faz-se necessária a apresentação dos Valores da Justiça Restaurativa. Estes valores foram estabelecidos pela Segunda Rede de Justiça Restaurativa da Nova Zelândia, onde a visão e a prática da Justiça Restaurativa são formadas por diversos valores fundamentais que distinguem este novo modelo de justiça de outras abordagens mais adversariais de justiça para a resolução de conflitos. Destacando-se os mais importantes desses valores a Participação; o Respeito; a Honestidade; a Humildade; a Interconexão; a Responsabilidade; a Esperança e o Empoderamento [11].

O Procedimento Restaurativo compreende três etapas: o Pré-círculo Restaurativo, o Círculo Restaurativo e o Pós-círculo Restaurativo. [12]

No entanto, para aplicar esse procedimento é necessário observar algumas pré-condições como o diálogo com os poderes locais, assim como o apoio da comunidade, haja vista ser uma prática inovadora e contraposta com o modelo imposto atualmente. Além disso, é preciso que o Círculo Restaurativo seja realizado em um espaço próprio onde os seus participantes possam dialogar com a necessária privacidade com as indicações dos dias e horários de ocorrência dos mesmos, divulgação na comunidade com apresentação de seus objetivos e finalidades, explicando a todos o que é Justiça Restaurativa e de que forma poderá ser utilizada a favor daquela comunidade.

O Procedimento Restaurativo possui três grupos de atuação, que estarão presentes nas três etapas do Círculo, quais sejam: o Autor (ou Autores), que é aquele que praticou o ato gerando o dano; o Receptor (ou Receptores), assim considerado a vítima que sofreu o dano, incluindo neste grupo os envolvidos direta e indiretamente com o ocorrido; famílias; e a Comunidade, que é representada por aquelas pessoas que foram atingidas pelo conflito e seus membros.

Os Círculos serão dirigidos por um coordenador que deverá garantir a segurança e privacidade do espaço, tornando o ambiente propício para o diálogo aberto e para o cumprimento das responsabilidades assumidas respeitando-se a confidencialidade.

2.1.1 Pré-círculo Restaurativo

Consiste o Pré-círculo Restaurativo na iniciativa para a ocorrência do Círculo Restaurativo, onde o coordenador irá estabelecer o primeiro contato com o autor, o receptor e a comunidade, em momentos distintos, para que seja relatado o fato ocorrido, as suas consequências, as etapas do procedimento restaurativo, quem serão os participantes convidados e a aquiescência de cada um em prosseguir no procedimento, a fim de convergirem sobre todos estes fatos para que o Círculo seja objetivo, evitando a negativa ou enfrentamento superficial dos participantes.

Esta primeira etapa demonstra real importância para a continuidade dos trabalhos, uma vez que será neste momento que o coordenador irá se inteirar sobre todos os fatos separadamente com cada participante, estabelecendo os passos a serem seguidos durante todo o Ciclo Restaurativo, de sorte que o Círculo somente ocorrerá após todos os fatos explanados e convergidos, sendo ao final admitidos pelo autor do fato.

2.1.2 Círculo Restaurativo

Na abertura do Círculo Restaurativo, que é feita pelo coordenador, este irá esclarecer a intenção deste encontro, explicará os passos a serem seguidos durante o procedimento e lembrará a todos o conteúdo do Termo de Consentimento que será assinado pelos participantes. [13]

Há três fases distintas no Círculo, quais sejam: "Compreensão mútua/ Foco nas necessidades atuais; Auto-responsabilização/ Foco nas necessidades ao tempo dos fatos e Acordo/ Foco em atender necessidades". [14]

O primeiro instante tem o foco voltado para as necessidades atuais dos participantes do fato ocorrido, de modo que através do diálogo far-se-á a compreensão mútua, uma vez que cada um estará expressando seus sentimentos, o que se passou durante a ocorrência do fato, como cada um reagiu ao ocorrido, e de que modo foram atingidos pelo fato. Este é o momento de falar e de escutar o outro para que, verdadeiramente, sejam compreendidos nas suas necessidades atuais.

Além do autor e do receptor, a comunidade também se manifesta ao final da compreensão mútua dos envolvidos.

O segundo passo é marcado pelas necessidades dos participantes ao tempo dos fatos, terminando com a auto-responsabilização dos presentes.

O terceiro instante é aquele em que irá traçar as necessidades dos participantes a serem atendidas e orientar-se-á o acordo. Neste momento do acordo os participantes irão trilhar metas, ideais para que cada um se comprometa a cumpri-lo, de modo a transformar o conflito através dessas ações, estipulando prazos certos e claros para a realização de cada meta.

2.1.3 Pós-círculo Restaurativo

O Pós-círculo é o estágio em que todos os envolvidos, inclusive aqueles participantes que colaboraram na execução das metas elaboradas no acordo, se reúnem para verificar se o acordo foi cumprido, se o seu resultado foi satisfatório para todos, dialogando abertamente sobre os Planos de Ação do Acordo e se resultaram em algo positivo, propondo novos passos.

O acordo deve estipular expressamente os responsáveis por cada tarefa e cada compromisso honrado. Tem como objetivo geral verificar o grau de restauratividade do procedimento para todos os envolvidos. E como objetivos específicos verificar o cumprimento das ações, ressignificar a ação cumprida e adaptar o acordo a novas condições. [15]

2.1.4 Círculo Restaurativo Familiar

Ainda assim, há outro tipo de Círculo Restaurativo que pode ocorrer, qual seja, o familiar. Ele ocorrerá nos casos em que o receptor direto e principal do fato ocorrido se recuse a participar do Procedimento Restaurativo ou esteja inacessível. O Círculo pode ocorrer mudando o enfoque das necessidades para os receptores indiretos, como a família, amigos e a comunidade.


3 Objetivos da Justiça Restaurativa

"Em vez de definir a justiça como retribuição, nós a definiremos como restauração. Se o crime é um ato lesivo, a justiça significará reparar a lesão e promover a cura. Atos de restauração – ao invés de mais violação – deveriam contrabalançar o dano advindo do crime. É impossível garantir recuperação total, evidentemente, mas a verdadeira justiça teria como objetivo oferecer um contexto no qual esse processo pode começar". [16]

A Justiça Restaurativa busca soluções pacíficas para resolução de conflitos, envolvendo todos aqueles que direta e indiretamente estejam ligados ao fato. Sendo de fundamental importância a participação da comunidade para a realização dos Círculos Restaurativos.

"O marco inaugural da regulamentação da Justiça Restaurativa pela ONU foi a Resolução 1999/26, de 28.7.99, que dispôs sobre o ‘Desenvolvimento e Implementação de Medidas de Mediação e de Justiça Restaurativa na Justiça Criminal’, quando foi proposta formulação de padrões no âmbito das Nações Unidas. Seguiu-se a Resolução 2000/14, de 27.7.00, reafirmando a importância dessa tarefa." [17]

A Resolução 2002/12 do Conselho Econômico e Cultural da Organização das Nações Unidas, do qual o Brasil faz parte, traz os princípios básicos para a utilização de Programas de Justiça Restaurativa em matéria criminal e se dispõe a estimular a adoção das práticas restaurativas por seus Estados Membros, é o que se vê no item 2: "Encorajar os Estados Membros a inspirar-se nos princípios básicos para programas de justiça restaurativa na área criminal". [18]

Em outros países como a Nova Zelândia e os Estados Unidos da América, as práticas restaurativas são utilizadas em diversos tipos de crimes, no entanto, no Brasil, restringe-se à aplicação na área da infância e juventude, conflitos nas escolas e contravenções penais e crimes de menor potencial ofensivo, de modo que ainda há uma certa resistência cultural da sociedade para entender a dinâmica das práticas restaurativas, pois a cultura brasileira é eminentemente retributiva, data venia, uma vez que é este o modelo utilizado no país, sendo, apenas, em lugares pontuais em que há a implementação da Justiça Restaurativa.

Com isso, o que se tem são obstáculos a serem ultrapassados, barreiras culturais, que com muito diálogo e apresentação das falhas e da crise do sistema atual, caminhar-se-á para nova percepção e aceitação das novas formas de fazer justiça, com quebra de paradigmas.

Não se quer dizer, contudo, que a Justiça Restaurativa seja a melhor ou única solução, mas é, hoje, a que se apresenta como algo novo que busca a mudança do cenário atual de total crise e falência do sistema que já é implantado há tanto tempo, sem eficiência, efetividade e eficácia. Os seres humanos devem sempre buscar renovação e evolução em seus pensamentos e formas de aplicação das leis. Se estas não estão produzindo seus efeitos pretendidos, deve-se buscar as mudanças necessárias e diferenciadas, com a observação que já tenham demonstrado resultados satisfatórios em sua implementação.

O objetivo claro desse novo modelo de Justiça é restaurar as relações quebradas. Essas relações nem sempre poderão ser restabelecidas por conta do caso concreto, mas a sociedade, a comunidade, aqueles envolvidos poderão ter a sensação de que algo foi feito para curar, para sanar, para restabelecer e entender o porque daquilo, porque aconteceu com aquela vítima, pois a vítima sempre se perguntará porque com ela e não com outra pessoa?, ou o porque daquele indivíduo chegar ao ponto de cometer aquele ato?

Todos esses e outros questionamentos são feitos tanto pela vítima, como pela sociedade e pela comunidade que a envolve. E, com relação ao ofensor, deve-se perguntar porque ele cometeu aquele ato?, a sociedade também deve procurar dar essa resposta e se disponibilizar a dar uma nova oportunidade, uma chance de futuro para esta pessoa. O ofensor irá cumprir sua pena imposta pela Justiça, mas após ser cumprida ele irá sair do cárcere e qual perspectiva de vida ele terá? Voltar a cometer delitos?

Cabe, portanto, ao Círculo Restaurativo estabelecer metas a cumprir, expectativas para este indivíduo, a comunidade deve acolhe-lo de oportunidades para que ele não volte a delinquir. O Estado deve cercar esse indivíduo de forma cultural, educativa, real, sem deixá-lo à margem da sociedade, pois a experiência que se teve em todos esses anos foi de um sistema de cárcere, que não ressocializa, que não se interessa com os infratores e, nem tampouco, com a vítima. A vítima do sistema é o próprio Estado.

O ilustre Howard Zehr (1990) apresenta em sua obra "Trocando as Lentes" dois principais objetivos da justiça restaurativa, quais sejam: reparação e cura para as vítimas e sanar o relacionamento entre vítima e ofensor.

Para o ilustre autor a vítima deveria ter o senso de recuperação, voltando a sentir que a vida faz sentido para ela, voltando a sentir-se segura, no controle. Já o ofensor deveria ser incentivado a melhorar, a evoluir enquanto ser, receber a chance de começar de novo. Seguindo as mesmas palavras do eminente Howard Zehr (1990), "a cura abarca um senso de recuperação e esperança em relação ao futuro".

Sanar o relacionamento entre vítima e ofensor significa a reconciliação, o arrependimento e o perdão. No entanto, não se deve crer que em todos os casos isso será possível, mas mesmo a cura parcial desses relacionamentos já leva a um primeiro passo para a cura individual. Os envolvidos não podem ser coagidos a conciliar, a justiça não pode forçá-los à conciliação. Deve ser dada a oportunidade para que o ofensor caminhe à cura, para que ele tenha novas expectativas após o cumprimento de sua pena, quando for o caso. Além da vítima e do ofensor, a comunidade também necessita de cura.

Os objetivos da Justiça Restaurativa são muito claros e apresentam-se, também como requisitos para a sua própria aplicação eficaz. De maneira que, sem os traços objetivos não há como se trilhar uma restauração baseada em uma concatenação de esforços, de atividades voltadas para os envolvidos e a própria sociedade, que tem papel ímpar nessa relação.


4 Modelo de Justiça utilizado atualmente no Brasil e seus efeitos

O modelo de Justiça que é adotado pelo Brasil é o retributivo. Para melhor entendê-lo faz-se necessária uma breve introdução sobre as teorias da pena para que se possa compreender de forma coesa e objetiva o porquê de se utilizar este modelo e a sua contextualização com os dias atuais.

No Estado absolutista o que se tinha era o poder soberano identificado com o divino, de modo que o poder era concedido através da vontade de Deus.

"De certa forma, no regime do Estado absolutista, impunha-se uma pena a quem, agindo contra o soberano, rebelava-se também, em sentido mais que figurado contra o próprio Deus". [19]

Nasce então, o Estado burguês, com base no contrato social, surgindo a divisão de poderes. Com isso, a pena deixou de ter como fundamento a identidade entre Deus e Soberano, Estado e religião, passando a ser compreendido como "a retribuição à perturbação da ordem (jurídica) adotada pelos homens e consagrada pelas leis. A pena é a necessidade de restaurar a ordem jurídica interrompida. À expiação sucede a retribuição, a razão Divina é substituída pela razão de Estado, a lei divina pela lei dos homens". [20]

Diante do cenário retributivo, tem-se a pena como a única forma de fazer Justiça. O mal realizado pelo autor do crime deve ser compensado com uma pena do tamanho do mal imposto.

Os maiores defensores das teses absolutistas e retributivas que se destacaram foram Hegel e Kant, os dois mais expressivos pensadores do idealismo alemão.

"Em síntese, Kant considera que o réu deve ser castigado pela única razão de haver delinquido, sem nenhuma consideração sobre a utilidade da pena para ele ou para os demais integrantes da sociedade. Com esse argumento, Kant nega toda e qualquer função preventiva – especial ou geral – da pena. A aplicação da pena decorre da simples infringência da lei penal, isto é, da simples prática do delito." [21]

Para Hegel a pena é a lesão, ou melhor, a maneira de compensar o delito e recuperar o equilíbrio perdido. [22]

O que se vê, hoje, é a utilização real dos ideais de Hegel e Kant camuflados por ideologias que visam a ressocialização daquele que será posto em cárcere, como se a aplicação da pena pura e crua fosse a solução para todos os problemas sociais que o Brasil enfrenta. Quando na verdade, o que se observa, é a falência do sistema implantado, onde se deve buscar novas soluções para a crise atual, com a quebra de paradigmas e evolução cultural.

A cultura brasileira é eminentemente retributiva, porque o brasileiro crê que quando aquele que cometeu um delito é preso, aí sim, está sendo feita a Justiça, sendo este um grande obstáculo para implantação da Justiça Restaurativa, pois a sede por justiça do brasileiro, ainda é ver o indivíduo "apodrecer" no cárcere, ser banido da sociedade.

Segundo o ilustre Howard Zehr (1990):

nós vemos o crime através da lente retributiva. O processo penal, valendo-se desta lente, não consegue atender a muitas das necessidades da vítima e do ofensor. O processo negligencia as vítimas enquanto fracassa no intento declarado de responsabilizar os ofensores e coibir o crime.

Ainda segundo o ilustre Howard Zehr (1990), há a distinção entre os dois modelos de justiça que são dicotômicos. Define a Justiça Retributiva como sendo aquela que considera o crime como uma violação contra o Estado, definida pela desobediência à lei e pela culpa. De modo que, a Justiça determinará a culpa e infligirá dor no contexto de uma disputa entre ofensor e Estado, regida por regras sistemáticas. Conquanto que a Justiça Restaurativa vê o crime como uma violação de pessoas e relacionamentos. Ela cria a obrigação de corrigir os erros. Este modelo de Justiça envolve a vítima, o ofensor e a comunidade, na busca de soluções que promovam reparação, reconciliação e segurança.

Ao contrário, o modelo de Justiça Retributiva tem como vítima o próprio Estado, definindo o comportamento danoso como violação de regras e considera irrelevante o relacionamento entre vítima e ofensor. [23]

Já o modelo de Justiça Restaurativa, por sua vez, estabelece como vítimas as pessoas, reconhecendo as suas dimensões interpessoais como algo central e o crime como violador de pessoas e relacionamentos.

Para que a diferença entre os modelos de Justiça fique bem definida, tem-se abaixo uma tabela comparativa que se encontra no livro "Trocando as Lentes", do eminente autor, sempre citado, Howard Zehr (1990).

Lente Retributiva

Lente Restaurativa

O crime é definido pela violação da lei

O crime é definido pelo dano à pessoa e ao relacionamento (violação do relacionamento)

Os danos são definidos em abstrato

Os danos são definidos concretamente

O crime está numa categoria distinta dos outros danos

O crime está reconhecidamente ligado a outros danos e conflitos

O Estado é a vítima

As pessoas e os relacionamentos são as vítimas

O Estado e o ofensor são as partes no processo

A vítima e o ofensor são as partes no processo

As necessidades e direitos das vítimas são ignorados

As necessidades e direitos das vítimas são a preocupação central

As dimensões interpessoais são irrelevantes

As dimensões interpessoais são centrais

A natureza conflituosa do crime é velada

A natureza conflituosa do crime é reconhecida

O dano causado ao ofensor é periférico

O dano causado ao ofensor é importante

A ofensa é definida em termos técnicos, jurídicos

A ofensa é compreendida em seu contexto total: ético, social, econômico e político.

Tabela 1

A partir do estudo desta tabela apreende-se todo o ideal objetivo da Justiça Restaurativa, voltado sempre para a mudança de olhares diante do crime, de atos ofensivos ao homem, de maneira a fazer reparar esse dano através do reconhecimento, da avaliação dos danos causados e sofridos por cada pessoa, tornando cada uma delas parte essencial para a resolução do conflito, sendo o todo analisado a partir de uma visão ética, social, econômica e política, que envolve toda a sociedade indiretamente.

No entanto, apesar de não ter sido encontrada bibliografia vasta sobre críticas ao modelo de Justiça Restaurativa, o autor do trabalho "O Paradigma do Encontro", Renato Sócrates Gomes Pinto, apresentou claramente as críticas tecidas a este novo modelo de Justiça, quais sejam: afirma-se que há desvio do devido processo legal, das garantias constitucionais e normas infraconstitucionais; que a Justiça Restaurativa representa o retorno ao período da Vingança Privada;que banaliza certos crimes; que não há como restaurar a ordem jurídica lesada pelo crime, nem tampouco a vítima; que é uma forma de privatização do Direito Penal com a desjudicialização da Justiça Criminal; e que este novo modelo só serve para beneficiar o infrator e promover a impunidade.

O autor rebate com clareza e precisão cada uma das críticas feitas à Justiça Restaurativa, com argumentos que dispensam oposição, de sorte que:

não há desvio do devido processo legal, uma vez que o acordo restaurativo terá validade e eficácia quando homologado judicialmente, ouvido o Ministério Público e com a participação dos advogados das partes se assim desejarem; o que há com a aplicação desse novo modelo é o resgate de valores culturais perdidos; para que haja o encontro restaurativo é imprescindível a anuência das partes, a voluntariedade; a Justiça Restaurativa é um procedimento complementar ao sistema, que tem como objetivo recompor a ordem jurídica e as relações quebradas entre as partes envolvidas, trazendo resultados para a vítima e para o ofensor; apresentando-se como um sistema constitucional e legalmente sustentável, com a utilização da mediação, conciliação e transação já previstas em lei, a partir da metodologia restaurativa; se apresentado como uma alternativa para o modelo atual que está em crise. [24]


5 Tratamento despendido à vítima de delitos

"O crime é uma violação do ser, daquilo que somos, daquilo que acreditamos, de nosso espaço privado" (ZEHR,1990).

No modelo de Justiça utilizado atualmente, a vítima dos crimes é o próprio Estado, onde aquele indivíduo que teve violado os seus direitos é posto em plano inferior diante do processo.

Para tanto, pergunta-se o que é preciso para que a vítima se sinta recuperada do trauma que sofreu? Um trauma que vai além do físico e do material, que atinge a alma!

É certo que as vítimas precisam de ressarcimento por suas perdas, pois a indenização contribui para a recuperação. Não obstante, precisam, também, de respostas sobre o que aconteceu com elas, o por que aconteceu, por que aquele indivíduo cometeu aquele ato e justamente com ela. A vítima irá se questionar todos os dias, irá repassar inúmeras cenas sobre sua mente das diversas formas que poderia ter agido para evitar o ocorrido, muitas vezes se culpando pelo o que aconteceu. Sem essas respostas o caminho para a cura é mais tortuoso.

Além disso, as vítimas necessitam de oportunidades para que possam externar seus sentimentos de dor, raiva, revolta, medo, sendo estes sentimentos naturais da reação humana quando essa vítima é violada por um crime, quando violado o seu ser. Essa vítima precisa de um espaço para ser ouvida sem cobranças, sem julgamentos, para que ela apenas externalize aquilo que a corroe todos os dias, as perguntas que merecem respostas, no entanto, essas respostas, muitas vezes, somente poderão ser dadas por ela mesma, através desse momento de externalização.

O retorno do sentido de empoderamento, faz-se mister, para que esse indivíduo volte a se sentir com poder sobre si mesmo, com sua autonomia restabelecida. Pode-se citar, como exemplo, os casos de crimes de violência doméstica contra a mulher, em que essa vítima deixa de se sentir no comando de sua vida, sendo posto em estado de submissão em uma relação familiar, o que dilapida todo o sentido de empoderamento sobre si mesma.

Para Howard Zehr (1990, p. 28), "como parte integrante da experiência de justiça, as vítimas precisam saber que passos estão sendo tomados para corrigir as injustiças e reduzir as oportunidades de reincidência."

Howard Zehr (1990, p. 29) esclarece com muita propriedade, ainda, que "ser vítima de uma outra pessoa gera uma série de necessidades que se satisfeitas, podem auxiliar no processo de recuperação. No entanto, a vítima desatendida poderá ter muita dificuldade para recuperar-se, ou ter uma recuperação incompleta."

Outro fato que acaba por colocar a vítima em plano inferior é o processo judicial. Não levar a vítima a sério acaba gerando medo, suspeita, raiva e culpa, conduzindo esses indivíduos a um sentimento de vingança, formando estereótipos, estimulando, por sua vez, os preconceitos de raça e classe social (ZEHR, 1990).

Destarte, na Justiça Restaurativa a vítima é colocada em plano central, onde será ouvida, terá seu espaço para falar, para ouvir as respostas do ofensor, na tentativa de restaurar a relação que foi quebrada, encontrando uma saída para o seu sofrimento e para a cura. Deste modo, o Estado deixa de ocupar, nesse modelo de Justiça, o papel de vítima primária.


6 Forma de aplicação da Justiça Restaurativa no Brasil e outras situações em que se pode aplicar esse modelo

Atualmente, no Brasil, a Justiça Restaurativa vem sendo aplicada no âmbito da infância e juventude, nos crimes de menor potencial ofensivo e nas contravenções penais, além de ser implementada no âmbito escolar.

A Justiça Restaurativa surgiu formalmente no Brasil no ano de 2005, por meio da Secretaria da Reforma do Judiciário/Ministério da Justiça, que elaborou o projeto Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça Brasileiro, e, juntamente com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/PNUD, apoiou três projetos-piloto de Justiça Restaurativa. Um destes projetos é realizado no Estado de São Paulo, na Vara da Infância e da Juventude da Comarca de São Caetano do Sul; os outros dois foram implementados no Juizado Especial Criminal de Bandeirante, em Brasília/DF, e na 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e Juventude de Porto Alegre/RS, com competência para executar as medidas socioeducativas [25]. E, recentemente, no dia 04 de fevereiro de 2010, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia inaugurou seu primeiro Núcleo de Justiça Restaurativa, implantado na extensão do 2° Juizado Especial Criminal, com aplicação referente aos delitos de menor potencial ofensivo. Desse modo, o que se tem é o avanço das implantações pelo país, através de diversas iniciativas, que são impulsionadas pela Justiça.

A Justiça Restaurativa pode ser aplicada em diversas áreas em que apresentem problemas de conflito entre as pessoas, como as escolas, o ambiente de trabalho, a família, dentro das comunidades e no âmbito da Justiça Criminal.

Todo o arcabouço teórico da Justiça Restaurativa apresenta a possibilidade de sua aplicação em um país em crescente desenvolvimento como o Brasil, apesar de apresentar problemas pontuais a ser solucionados, como a evolução cultural para receber uma nova visão de Justiça.

Com isso, o ordenamento jurídico brasileiro precisa abrir espaço para esse novo modelo, inserindo-o na legislação para que sua implementação seja ainda mais efetiva.

A experiência realizada em São Caetano do Sul é voltada para os conflitos que ocorrem nas escolas, evitando, assim, a estigmatização do jovem envolvido em algum conflito, apresentando uma alternativa para assumir o erro, saber repará-lo juntamente com a vítima, atendendo às necessidades da mesma e do próprio ofensor, que muitas vezes é vítima no seio familiar de algum tipo de violência, seja ela psíquica ou física.

Já em Porto Alegre a aplicação da Justiça Restaurativa se dá no âmbito da infância e da juventude, integrando sua atuação com políticas de Segurança Pública, Assistência Social, Educação e Saúde. Estas práticas são realizadas pela 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e Juventude, que tem significativa atuação no âmbito da Justiça Restaurativa, disseminando este tema através de cursos, palestras, desenvolvendo materiais para divulgação, realizando cursos de capacitação de pessoas para os Círculos de Construção da Paz, sendo extremamente atuante no que tange a propagação e efetiva implementação deste novo modelo de justiça, que foi impulsionado pelo projeto Justiça para o Século 21, fruto do Programa Criança Esperança.

A forma de aplicar os Círculos que se mostra diferenciada das duas apresentadas, quanto ao seu objeto, é a de Brasília aplicada no Fórum do Núcleo de Bandeirante, que tem como alvo de implementação os infratores adultos, que cometeram crimes de menor potencial ofensivo ou contravenções penais a serem julgados perante o Juizado Especial Criminal.

Estes são os locais em que de forma principal é aplicada a Justiça Restaurativa. No entanto, em outros Estados já existem iniciativas para esta implantação, mas que não são, ainda, como as aplicadas nestes três pólos principais. Demonstrando, assim, o avanço deste novo modelo de Justiça, que é alvo da curiosidade e do fascínio daqueles que têm sede de coisas novas, de visões diferentes, que enxergam o novo, o que se mostra mais eficiente após a aplicação de séculos de um sistema retributivo.

Além das áreas citadas acima (infância e juventude, escolas, crimes de menor potencial ofensivo e contravenção penal) destaque-se a esfera da violência doméstica, disciplinada pela Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340 de 7 de agosto de 2006) que seria plenamente viável a utilização dos Círculos Restaurativos para solucionar os conflitos existentes entre as partes, ofensor e vítima, já que, fundamentalmente esta lei trata de relações de cunho emocional, de violência doméstica e familiar contra a mulher. De modo que esta Lei tem como objetivo garantir a proteção e procedimentos policiais e judiciais humanizados para as vítimas, trazendo aspectos conceituais e educativos, qualificando-a como uma Lei avançada e inovadora, demonstrando, portanto, uma sintonia com a aplicação da Justiça Restaurativa para a resolução dos conflitos.


7 A Justiça Restaurativa é eficaz?

Diante da política criminal brasileira e dos projetos de Justiça Restaurativa que vem sendo implementados no país, acredita-se em sua eficácia. Eficácia esta, presente em países como Nova Zelândia e Estados Unidos da América.

Vale ressaltar, assim, que ainda há muito que se evoluir no que tange à política de conflitos e ao que toca o lado cultural do povo.

A aplicação da Justiça Restaurativa ocorre, em sua maioria, nos países desenvolvidos, com uma história cultural diversa da brasileira.

As cidades que estão implementando este novo modelo de Justiça em temas pontuais são aqueles, presentes em Estados com uma cultura diferenciada de outros do restante do país, sem fazer comparativos preconceituosos, destacando-se Porto Alegre como grande difusor desse modelo.

Há diversas barreiras para se transpor até que a Justiça Restaurativa seja aplicada integralmente em todo o território nacional, sendo este um dos objetivos do Conselho Nacional de Justiça, que vem incentivando a conciliação pelo país através de campanhas Movimento pela Conciliação. As barreiras históricas de Justiça puramente retributiva, da cultura do cárcere, da falta de diálogo e de uma política que não prioriza a resolução dos conflitos que deve ser quebrada, através de muito diálogo, de fóruns apresentando o tema, conscientizando a população da importância de uma comunidade bem estruturada e engajada nos seus problemas e na sua responsabilização.

A comunidade deve estar plenamente envolvida e estar consciente de que para se ter Justiça é necessário participar para que ela aconteça, contribuir de algum modo para que a tenha ou que, ao menos, chegue-se perto do seu alcance. A sociedade política deve apresentar subsídios que permitam a aplicação nas escolas, nas comunidades, no âmbito da Justiça.

É de fundamental importância que toda a comunidade acredite que todos tem participação e podem ajudar de algum modo a refazer algo que foi destruído em sua escola, em seu bairro, em seu Estado e em seu país. A técnica do banimento, do estereótipo de delinquente há muito se mostrou ineficaz e vicioso. De sorte que, aquele que foi encarcerado um dia sairá da prisão e sem respostas, sem oportunidade, poderá voltar a delinquir. A criança e o adolescente que carregar o estereótipo de "marginal", com algum tempo podem passar a acreditar realmente que eles podem ser um bandido, já que todos os apontam como tal, sem nada melhor à fazer, e agir plenamente desta maneira: como um "marginal".

Para o alcance da paz social, de um país diferente do que é hoje, que deixa perguntas ao ar a todo o tempo, deve haver a quebra de paradigmas, pois sem essa quebra não há como transpor as barreiras. A Justiça Restaurativa não tem como objetivo a impunidade, ao contrário, ela encoraja a punição justa para o aprendizado daquele que delinquiu, porquanto, somente com a consciência da responsabilização este indivíduo poderá compreender o mau que fez, compreender o erro cometido, buscando a restauração, vendo em si o potencial de se responsabilizar pelos danos e consequências do delito, participando direta e ativamente no processo restaurativo, interagindo com a vítima e a comunidade, tendo a oportunidade de se desculpar com a vítima e de se sensibilizar com seu trauma, podendo contribuir para a decisão do processo restaurativo.

Há que se destacar que a implantação da Justiça Restaurativa no Brasil, só é possível, data venia, em casos pontuais, em determinados delitos e situações conflituosas que se desenvolvem no âmbito escolar, na comunidade, no ambiente de trabalho, como também nos casos que envolvam crianças e adolescentes, nos casos de infrações de menor potencial ofensivo e nas contravenções penais, que já são aplicadas, atualmente, no país em quatro Estados (Brasília, Bahia, Porto Alegre, São Paulo) destacando-se, também, como sugestão de implantação a área de violência doméstica contra a mulher.

Os crimes de homicídio, de estupro, de sequestro e outros de maior potencial ofensivo, em tese, parecem não se encaixar na dinâmica restaurativa, hoje no Brasil. Entretanto, merece ressaltar que nos Estados Unidos, a Justiça Restaurativa é aplicada a esses tipos de delito, inclusive o de estupro.

Todo o discurso da Justiça Restaurativa para muitos soa como algo utópico, mas não o é. A mudança de paradigma somente ocorrerá quando cada indivíduo compreender que é fundamental para a auto-responsabilização e a mudança das pessoas que o cercam. Acreditar que o indivíduo que cometeu um crime deve ser banido sem acesso a nenhuma expectativa de mudança e que, ainda assim, sairá do cárcere e terá "aprendido a lição" e não cometerá mais delitos, parece mais utópico.

Além de preparar toda a sociedade para esse novo modelo de Justiça, deve-se criar mecanismos legais que o abarquem, pois o que ocorre hoje é a adaptação do que já existe na Lei, através da Lei n° 9.099 de 26 de setembro de 1995, que disciplina os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990). São argumentos que devem ser levados em consideração pelo legislador que permita a aplicação da Justiça Restaurativa e que essa se dê de forma positivada, plena e eficaz, como um novo modelo de Justiça participativa e humanizada.


8 Considerações finais

O objetivo deste trabalho foi realizar um estudo geral sobre a Justiça Restaurativa, dando uma visão ampla sobre o tema, sua aplicabilidade. Sendo que, esse novo modelo de Justiça busca a pacificação social através da restauração consensual da relação dissolvida entre as partes direta e indiretamente envolvidas em um conflito.

Traçou-se como objetivos específicos a definição da Justiça Restaurativa, de modo a apresentar sua evolução histórica de maneira sucinta; demonstrar quais são os seus objetivos; analisar o tipo de tratamento despendido às partes envolvidas no conflito e em um processo, identificar as formas restaurativas e sua aplicabilidade no Brasil, a sua eficácia; e, ainda, fazer um contraponto com o tipo de Justiça já aplicado no país, qual seja, o modelo retributivo.

A conclusão final é a de que para a aplicação desse novo modelo de Justiça é preciso quebrar paradigmas e, além disso, difundir o tema através de fóruns, discutir o assunto, disseminando a importância do envolvimento da comunidade para que o processo restaurativo aconteça plenamente, bem como apresentar à sociedade a necessidade de novas formas de se fazer Justiça, questionando-se sempre o modelo imposto atualmente, que culmina em uma Justiça, na sua maioria, cruel e violenta.

Resta claro que a aplicação desse novo modelo de Justiça é mais uma tentativa de mudança de visão e de cenários de criminalidade que atormentam a sociedade, e que somente através de medidas educativas, socializantes, com o fim de querer restaurar as relações entre as pessoas que se poderá obter resultados de pacificação social e garantia dos Direitos Humanos, com respeito a dignidade da pessoa humana.


Notas

  1. JACCOULD, Mylène. Princípios, Tendências E Procedimentos Que Cercam A Justiça Restaurativa. In: Bastos, Márcio Thomaz; Lopes, Carlos e Renault, Sérgio Rabello Tamm (Orgs.). Justiça Restaurativa: Coletânea de Artigos. Brasília: MJ e PNUD, 2005, p. 3. Disponível em: www.justica21.org.br/interno.php?ativo=BIBLIOTECA
  2. Cumpre esclarecer o conceito de Vitimologia, qual seja,o "Estudo do comportamento da vítima frente a lei, através de seus componentes bio-sociológicos e psicológicos, para a apuração das condições em que o indivíduo pode apresentar tendência a ser vítima de uma terceira pessoa (o delinqüente) ou de processos decorrentes dos próprios atos, tais como os cidentes de trabalho ou de circulação. O termo foi criado por B. Mendelsohn, advogado em Jerusalém, tendo este estudo se desenvolvido por obra do criminologista Hans Von Hentig. Discute-se ainda para saber se a vitimologia é uma ciência autônoma ou um capítulo da criminologia geral. B. - Edgard de Moura Bittencourt, Vitimologia com ciência, in Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal, ano I, nº 1, abril-junho de 1963." Assim, vitimologia é o estudo da vítima e seu comportamento, não somente em face do crime ou do criminoso, mas em todos os ramos das ciências sociais, daí o seu caráter interdisciplinar. É o estudo da vítima em seus aspectos psicológico, social, econômico e jurídico. Falotico, Carla. Vitimologia; orientador: José Eduardo Lourenço dos Santos. Marília, SP: [s.n.], 2007.
  3. "Eglash sugere ao término dos anos 50 para reformar profundamente o modelo terapêutico: porém a restituição criativa ou a restituição guiada refere-se à reabilitação técnica onde cada ofensor, debaixo de supervisão apropriada, é auxiliado a achar algumas formas de pedir perdão aos quais atingiu com sua ofensa e a ‘ter uma nova oportunidade’ ajudando outros ofensores (Eglash, 1958, p.20)". Ver JACCOULD, 2005, p. 3.
  4. PINTO apud PAZ, Silvina. Mediación Penal, inédito no Brasil.
  5. JUSTIÇA PARA O SÉCULO 21: Instituindo Práticas Restaurativas. Iniciação em Justiça Restaurativa: formação de lideranças para a transformação de conflitos./[Projeto] Justiça para o Século 21: Instituindo Práticas Restaurativas; Compilação, sistematização e redação Leoberto Brancher. – Porto Alegre, RS: AJURIS, 2008, p. 21.
  6. ZEHR, Howard. Changing lenses: A New Focus for Crime and Justice. Scottdale, PA: Herald Press, 1990.
  7. JUSTIÇA PARA O SÉCULO 21: Instituindo Práticas Restaurativas: Manual de Práticas Restaurativas/Compilação, sistematização e redação Leoberto Brancher, Tânia Benedetto Todeschini, Cláudia Machado. – Porto Alegre, RS: AJURIS, 2008.
  8. JUSTIÇA PARA O SÉCULO 21: Instituindo Práticas Restaurativas. Iniciação em Justiça Restaurativa: formação de lideranças para a transformação de conflitos./[Projeto] Justiça para o Século 21: Instituindo Práticas Restaurativas; Compilação, sistematização e redação Leoberto Brancher. – Porto Alegre, RS: AJURIS, 2008, p. 19.
  9. Conceito retirado do Livro de Iniciação em Justiça Restaurativa (2008, p. 35) formulado por Leoberto Brancher com citação de Gordon Bazemore, em "Os jovens, os problemas e o crime. Justiça Restaurativa como teoria normativa de controle social informal e apoio social". Novas Direções na Governança da Justiça; Ministério da Justiça/PNUD. Brasília, 2006.
  10. JUSTIÇA PARA O SÉCULO 21, Op. Cit., p.35.
  11. JUSTIÇA PARA O SÉCULO 21: Instituindo Práticas Restaurativas: Manual de Práticas Restaurativas/Compilação, sistematização e redação Leoberto Brancher, Tânia Benedetto Todeschini, Cláudia Machado. – Porto Alegre, RS: AJURIS, 2008, p. 5.
  12. Ver Anexo B, com Guia de procedimento Restaurativo implementado em porto Alegre e presente em JUSTIÇA PARA O SÉCULO 21: Instituindo Práticas Restaurativas: Manual de práticas Restaurativas/Compilação, sistematização e redação Leoberto Brancher, Tânia Benedetto Todeschini, Cláudia Machado. – Porto Alegre, RS: AJURIS, 2008, P.27.
  13. Consultar anexo com o Termo de Consentimento aplicado no Rio Grande do Sul.
  14. JUSTIÇA PARA O SÉCULO 21: Instituindo Práticas Restaurativas: Manual de Práticas Restaurativas/Compilação, sistematização e redação Leoberto Brancher, Tânia Benedetto Todeschini, Cláudia Machado. – Porto Alegre, RS: AJURIS, 2008, p. 14.
  15. JUSTIÇA PARA O SÉCULO 21: Instituindo Práticas Restaurativas: Manual de Práticas Restaurativas/Compilação, sistematização e redação Leoberto Brancher, Tânia Benedetto Todeschini, Cláudia Machado. – Porto Alegre, RS: AJURIS, 2008, p. 17.
  16. ZEHR, 1990, p. 176.
  17. JUSTIÇA PARA O SÉCULO 21: Instituindo Práticas Restaurativas. Iniciação em Justiça Restaurativa: formação de lideranças para a transformação de conflitos./[Projeto] Justiça para o Século 21: Instituindo Práticas Restaurativas; Compilação, sistematização e redação Leoberto Brancher. – Porto Alegre, RS: AJURIS, 2008, p. 21.
  18. Segue em anexo a Resolução 2002/12 da Organização das Nações Unidas.
  19. BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 15 ed. Ver., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 99.
  20. BITTENCOURT, Op. Cit., p. 99.
  21. BITTENCOURT, Op. Cit., p. 103.
  22. BITTENCOURT, Op. Cit., p. 103.
  23. ZEHR, 1990, p. 174.
  24. PINTO, Renato Sócrates Gomes. Justiça Restaurativa. O paradigma do Encontro, p. 20. Disponível em: http://www.justica21.org.br/interno.php?ativo=BIBLIOTECA&sub_ativo=RESUMO&artigo=356.
  25. JUSTIÇA PARA O SÉCULO 21: Instituindo Práticas Restaurativas. Iniciação em Justiça Restaurativa: formação de lideranças para a transformação de conflitos./[Projeto] Justiça para o Século 21: Instituindo Práticas Restaurativas; Compilação, sistematização e redação Leoberto Brancher. – Porto Alegre, RS: AJURIS, 2008, p. 21.

9 Referências.

BITTAR, Eduardo C. B.. Metodologia da Pesquisa Jurídica. Teoria e Prática da monografia para os cursos de Direito. Editora Saraiva, 5° edição, 2007.

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 15 ed. Ver., atual. e ampl. São Paulo : Saraiva, 2010.

BRANCHER, Leoberto Narciso. Cidadão sem Nome, Cidade sem Lei. Revista APPOA, Porto Alegre/RS. Disponível em: www.justica21.org.br/interno.php?ativo=BIBLIOTECA

DA ROSA, Alexandre Moraes. Justiça Restaurativa e Ato Infracional: Práticas e Possibilidades.

Artigo originalmente publicado na Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre, vol. 9, n. 50, jun./jul. 2008, pp. 205-213. Disponível em: http://www.justica21.org.br/interno.php?ativo=BIBLIOTECA&sub_ativo=RESUMO&artigo=353

DA ROSA, Alexandre Moraes. Justiça Restaurativa – Um Novo Caminho?. Artigo originalmente publicado na Revista IOB de Direito Penal eProcesso Penal, Porto Alegre, vol. 8, n. 47, dez. 2007/jan. 2008, pp. 190-202. Disponível em: http://www.justica21.org.br/interno.php?ativo=BIBLIOTECA&sub_ativo=RESUMO&artigo=357

FALOTICO, Carla. Vitimologia; orientador: José Eduardo Lourenço dos Santos. Marília, SP: [s.n.], 2007. Disponível em: http://www.univem.edu.br/cursos/tc_direito/carla_falotico.pdf

JACCOULD, Mylène. Princípios, Tendências E Procedimentos Que Cercam A Justiça Restaurativa. In: Bastos, Márcio Thomaz; Lopes, Carlos e Renault, Sérgio Rabello Tamm (Orgs.). Justiça Restaurativa: Coletânea de Artigos. Brasília: MJ e PNUD, 2005. Disponível em: www.justica21.org.br/interno.php?ativo=BIBLIOTECA

JUSTIÇA PARA O SÉCULO 21: Instituindo Práticas Restaurativas. Iniciação em Justiça Restaurativa: formação de lideranças para a transformação de conflitos./ [Projeto] Justiça para o Século 21: Instituindo Práticas Restaurativas; Compilação, sistematização e redação Leoberto Brancher. – Porto Alegre, RS: AJURIS, 2008.

JUSTIÇA PARA O SÉCULO 21: Instituindo Práticas Restaurativas: Manual de Práticas Restaurativas/ Compilação, sistematização e redação Leoberto Brancher, Tânia Benedetto Todeschini, Cláudia Machado. – Porto Alegre, RS: AJURIS, 2008.

KONZEN, Afonso Armando. Justiça Restaurativa e ato infracional: desvelando sentidos no itinerário da alteridade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007.

MELO, Eduardo Rezende. Justiça restaurativa e comunitária em São Caetano do Sul: aprendendo com os conflitos a respeitar direitos e promover a cidadania / [autores Eduardo Rezende Melo, Madza Ednir, Vania Curi Yazbek]. – Rio de Janeiro: CECIP, 2008.

PINTO, Renato Sócrates Gomes. Justiça Restaurativa é Possível no Brasil? In: Bastos, Márcio Thomaz; Lopes, Carlos e Renault, Sérgio Rabello Tamm (Orgs). Justiça Restaurativa: Coletânea de Artigos. Brasília: MJ e PNUD, 2005. Disponível em: www.justica21.org.br/interno.php?ativo=BIBLIOTECA

PINTO, Renato Sócrates Gomes. Justiça Restaurativa. O paradigma do Encontro. Disponível em: http://www.justica21.org.br/interno.php?ativo=BIBLIOTECA&sub_ativo=RESUMO&artigo=356

PRADO, Alessandra R. Mascarenhas et al. Manual para elaboração dos Trabalhos de Curso, 2007.

ZEHR, Howard. Changing lenses: A New Focus for Crime and Justice. Scottdale, PA: Herald Press, 1990.

BRASIL, www.justica21.org.br– Acessado em 01/10/2009 às 16:39 h.

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BRASIL, http://200.169.22.139/justica21orgbr/blog/index.php - Acessado em 09/09/2010 às 14:46 h.

BRASIL,http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9993:tribunal-de-justica-da-bahia-inaugura-justica-restaurativa&catid=1:notas&Itemid=675 – Acessado em 17/11/2010 às 12:01 h.

BRASIL, www.scribd.com/doc/25484865/Resolucao-2002 - Acessado em 17/11/2010 às 13:18h.


ANEXO A – Documento Jurídico: Resolução.

"Resolução 2002/12 da ONU – PRINCÍPIOS BÁSICOS PARA UTILIZAÇÃO DE PROGRAMAS DE JUSTIÇA RESTAURATIVA EM MATÉRIA CRIMINAL

37ª Sessão Plenária

24 de Julho de 2002

Resolução 2002/12

O Conselho Econômico e Social, Reportando-se à sua Resolução 1999/26, de 28 de julho de 1999, intitulada "Desenvolvimento e Implementação de Medidas de Mediação e Justiça Restaurativa na Justiça Criminal", na qual o Conselho requisitou à Comissão de Prevenção do Crime e de Justiça Criminal que considere a desejável formulação de padrões das Nações Unidas no campo da mediação e da justiça restaurativa,

Reportando-se, também, à sua resolução 2000/14, de 27 de julho de 2000, intitulada "Princípios Básicos para utilização de Programas Restaurativos em Matérias Criminais"no qual se requisitou ao Secretário-Geral que buscasse pronunciamentos dos Estados-Membros e organizações intergovernamentais e não-governamentais competentes, assim como de institutos da rede das Nações Unidas de Prevenção do Crime e de Programa de Justiça Criminal, sobre a desejabilidade e os meios para se estabelecer princípios comuns na utilização de programas de justiça restaurativa em matéria criminal, incluindo-se a oportunidade de se desenvolver um novo instrumento com essa finalidade,

Levando em conta a existência de compromissos internacionais a respeito das vítimas, particularmente a Declaração sobre Princípios Básicos de Justiça para Vítimas de Crimes e Abuso de Poder,

Considerando as notas das discussões sobre justiça restaurativa durante o Décimo Congresso sobre Prevenção do Crime e do Tratamento de Ofensores, na agenda intitulada "Ofensores e Vítimas – Responsabilidade e Justiça no Processo Judicial,

Tomando nota da Resolução da Assembléia-Geral n. 56/261, de 31 de janeiro de 2002, intitulada "Planejamento das Ações para a Implementação da Declaração de Viena sobre Crime e Justiça – Respondendo aos Desafios do Século Vinte e um", particularmente as ações referentes à justiça restaurativa, de modo a se cumprir os compromissos assumidos no parágrafo 28, da Declaração de Viena,

Anotando, com louvor, o trabalho do Grupo de Especialistas em Justiça Restaurativa no encontro ocorrido em Ottawa, de 29 de outubro a 1º de novembro de 2001, Registrando o relatório do Secretário-Geral sobre justiça restaurativa e o relatório do Grupo de Especialistas em Justiça Restaurativa,

1.Toma nota dos princípios básicos para a utilização de programas de justiça restaurativas em matéria criminal anexados à presente resolução;

2. Encoraja os Estados Membros a inspirar-se nos princípios básicos para programas de justiça restaurativa em matéria criminal no desenvolvimento e implementação de programas de justiça restaurativa na área criminal;

3. Solicita ao Secretário-Geral que assegure a mais ampla disseminação dos princípios básicos para programas de justiça restaurativa em matéria criminal entre os Estados Membros, a rede de institutos das Nações Unidas para a prevenção do crime e programas de justiça criminal e outras organizações internacionais regionais e organizações não-governamentais;

4. Concita os Estados Membros que tenham adotado práticas de justiça restaurativa que difundam informações e sobre tais práticas e as disponibilizem aos outros Estados que o requeiram;

5. Concita também os Estados Membros que se apóiem mutuamente no desenvolvimento e implementação de pesquisa, capacitação e outros programas, assim como em atividades para estimular a discussão e o intercâmbio de experiências

6. Concita, ainda, os Estados Membros a se disporem a prover, em caráter voluntário, assistência técnica aos países em desenvolvimento e com economias em transição, se o solicitarem, para os apoiarem no desenvolvimento de programas de justiça restaurativa.

Anexo

Princípios Básicos para a utilização de Programas de Justiça Restaurativa em Matéria Criminal

PREÂMBULO

Considerando que tem havido um significativo aumento de iniciativas com justiça restaurativa em todo o mundo.

Reconhecendo que tais iniciativas geralmente se inspiram em formas tradicionais e indígenas de justiça que vêem, fundamentalmente, o crime como danoso às pessoas,

Enfatizando que a justiça restaurativa evolui como uma resposta ao crime que respeita a dignidade e a igualdade das pessoas, constrói o entendimento e promove harmonia social mediante a restauração das vítimas, ofensores e comunidades,

Focando o fato de que essa abordagem permite que as pessoas afetadas pelo crime possam compartilhar abertamente seus sentimentos e experiências, bem assim seus desejos sobre como atender suas necessidades,

Percebendo que essa abordagem propicia uma oportunidade para as vítimas obterem reparação, se sentirem mais seguras e poderem superar o problema, permite os ofensores compreenderem as causas e conseqüências de seu comportamento e assumir responsabilidade de forma efetiva, bem assim possibilita à comunidade a compreensão das causas subjacentes do crime, para se promover o bem estar comunitário e a prevenção da criminalidade,

Observando que a justiça restaurativa enseja uma variedade de medidas flexíveis e que se adaptam aos sistemas de justiça criminal e que complementam esses sistemas, tendo em vista os contextos jurídicos, sociais e culturais respectivos, 

Reconhecendo que a utilização da justiça restaurativa não prejudica o direito público subjetivo dos Estados de processar presumíveis ofensores.

I – Terminologia

1.Programa de Justiça Restaurativa significa qualquer programa que use processos restaurativos e objetive atingir resultados restaurativos. 

2. Processo restaurativo significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um facilitador. Os processos restaurativos podem incluir a mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária (conferencing) e círculos decisórios (sentencing circles).

3. Resultado restaurativo significa um acordo construído no processo restaurativo. Resultados restaurativos incluem respostas e programas tais como reparação, restituição e serviço comunitário, objetivando atender as necessidades individuais e coletivas e responsabilidades das partes, bem assim promover a reintegração da vítima e do ofensor. 

4. Partes significa a vítima, o ofensor e quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime que podem estar envolvidos em um processo restaurativo.

5. Facilitador significa uma pessoa cujo papel é facilitar, de maneira justa e imparcial, a participação das pessoas afetadas e envolvidas num processo restaurativo.

II- Utilização de Programas de Justiça Restaurativa

6. Os programas de justiça restaurativa podem ser usados em qualquer estágio do sistema de justiça criminal, de acordo com a legislação nacional.

7. Processos restaurativos devem ser utilizados somente quando houver prova suficiente de autoria para denunciar o ofensor e com o consentimento livre e voluntário da vítima e do ofensor. A vítima e o ofensor devem poder revogar esse consentimento a qualquer momento, durante o processo. Os acordos só poderão ser pactuados voluntariamente e devem conter somente obrigações razoáveis e proporcionais.

8. A vítima e o ofensor devem normalmente concordar sobre os fatos essenciais do caso sendo isso um dos fundamentos do processo restaurativo. A participação do ofensor não deverá ser usada como prova de admissão de culpa em processo judicial. ulterior.

9. As disparidades que impliquem em desequilíbrios, assim como as diferenças culturais entre as partes, devem ser levadas em consideração ao se derivar e conduzir um caso no processo restaurativo.

10. A segurança das partes deverá ser considerada ao se derivar qualquer caso ao processo restaurativo e durante sua condução.

11. Quando não for indicado ou possível o processo restaurativo, o caso deve ser encaminhado às autoridades do sistema de justiça criminal para a prestação jurisdicional sem delonga. Em tais casos, deverão ainda assim as autoridades estimular o ofensor a responsabilizar-se frente à vítima e à comunidade e apoiar a reintegração da vítima e do ofensor à comunidade.

III- Operação dos Programas Restaurativos

12. Os Estados membros devem estudar o estabelecimento de diretrizes e padrões, na legislação, quando necessário, que regulem a adoção de programas de justiça restaurativa. Tais diretrizes e padrões devem observar os princípios básicos estabelecidos no presente instrumento e devem incluir, entre outros: 

a) As condições para encaminhamento de casos para os programas de justiça restaurativos;

b) O procedimento posterior ao processo restaurativo;

c) A qualificação, o treinamento e a avaliação dos facilitadores;

d) O gerenciamento dos programas de justiça restaurativa;

e) Padrões de competência e códigos de conduta regulamentando a operação dos programas de justiça restaurativa.

13. As garantias processuais fundamentais que assegurem tratamento justo ao ofensor e à vítima devem ser aplicadas aos programas de justiça restaurativa e particularmente aos processos restaurativos;

a) Em conformidade com o Direito nacional, a vítima e o ofensor devem ter o direito à assistência jurídica sobre o processo restaurativo e, quando necessário, tradução e/ou interpretação. Menores deverão, além disso, ter a assistência dos pais ou responsáveis legais.

b) Antes de concordarem em participar do processo restaurativo, as partes deverão ser plenamente informadas sobre seus direitos, a natureza do processo e as possíveis conseqüências de sua decisão; 

c) Nem a vítima nem o ofensor deverão ser coagidos ou induzidos por meios ilícitos a participar do processo restaurativo ou a aceitar os resultados do processo.

14. As discussões no procedimento restaurativo não conduzidas publicamente devem ser confidenciais, e não devem ser divulgadas, exceto se consentirem as partes ou se determinado pela legislação nacional.

15. Os resultados dos acordos oriundos de programas de justiça restaurativa deverão, quando apropriado, ser judicialmente supervisionados ou incorporados às decisões ou julgamentos, de modo a que tenham o mesmo status de qualquer decisão ou julgamento judicial, precluindo ulterior ação penal em relação aos mesmos fatos.

16. Quando não houver acordo entre as partes, o caso deverá retornar ao procedimento convencional da justiça criminal e ser decidido sem delonga. O insucesso do processo restaurativo não poderá, por si, usado no processo criminal subseqüente.

17. A não implementação do acordo feito no processo restaurativo deve ensejar o retorno do caso ao programa restaurativo, ou, se assim dispuser a lei nacional, ao sistema formal de justiça criminal para que se decida, sem demora, a respeito. A não implementação de um acordo extrajudicial não deverá ser usado como justificativa para uma pena mais severa no processo criminal subseqüente.

18. Os facilitadores devem atuar de forma imparcial, com o devido respeito à dignidade das partes. Nessa função, os facilitadores devem assegurar o respeito mútuo entre as partes e capacita-las a encontrar a solução cabível entre elas.

19. Os facilitadores devem ter uma boa compreensão das culturas regionais e das comunidades e, sempre que possível, serem capacitados antes de assumir a função.

IV. Desenvolvimento Contínuo de Programas de Justiça Restaurativa

20. Os Estados Membros devem buscar a formulação de estratégias e políticas nacionais objetivando o desenvolvimento da justiça restaurativa e a promoção de uma cultura favorável ao uso da justiça restaurativa pelas autoridades de segurança e das autoridades judiciais e sociais, bem assim em nível das comunidades locais.

21. Deve haver consulta regular entre as autoridades do sistema de justiça criminal e administradores dos programas de justiça restaurativa para se desenvolver um entendimento comum e para ampliar a efetividade dos procedimentos e resultados restaurativos, de modo a aumentar a utilização dos programas restaurativos, bem assim para explorar os caminhos para a incorporação das práticas restaurativas na atuação da justiça criminal.

22. Os Estados Membros, em adequada cooperação com a sociedade civil, deve promover a pesquisa e a monitoração dos programas restaurativos para avaliar o alcance que eles tem em termos de resultados restaurativos, de como eles servem como um complemento ou uma alternativa ao processo criminal convencional, e se proporcionam resultados positivos para todas as partes. Os procedimentos restaurativos podem ser modificados na sua forma concreta periodicamente. Os Estados Membros devem porisso estimular avaliações e modificações de tais programas. Os resultados das pesquisas e avaliações devem orientar o aperfeiçoamento do gerenciamento e desenvolvimento dos programas.

V. Cláusula de Ressalva

23. Nada que conste desses princípios básicos deverá afetar quaisquer direitos de um ofensor ou uma vítima que tenham sido estabelecidos no Direito Nacional e Internacional."


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMANCIO, Mila Loureiro de Castro. Justiça restaurativa: um novo modelo de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2939, 19 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19579. Acesso em: 24 abr. 2024.