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Acordos nos processos judiciais da União e das autarquias e fundações públicas federais.

O marco legal utilizado pela advocacia-geral da União

Acordos nos processos judiciais da União e das autarquias e fundações públicas federais. O marco legal utilizado pela advocacia-geral da União

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A AGU vem realizando acordos nos processos judiciais. Analisam-se aqui os requisitos para propor os acordos e por fim aos processos judiciais.

Apesar da idéia, infelizmente ainda arraigada no universo jurídico e até fora dele, de que a Advocacia Pública Federal, no exercício da representação judicial da União e das autarquias e fundações públicas federais, tem a práxis de contestar e recorrer em todos os casos, diversos instrumentos legais e iniciativas da Advocacia-Geral da União (AGU) caminham no sentido diametralmente contrário. Exemplos claros disso são os Grupos de Conciliação que funcionam junto aos Tribunais Regionais Federais [01], que tem o objetivo de institucionalizar e, dessa forma, acelerar a proposta de acordos nos processos em curso na segunda instância da justiça federal, especialmente na área previdenciária. Outra prática recorrente no âmbito da AGU é a participação em mutirões judiciários [02], em diversas seções e subseções judiciárias e comarcas, que resultam em grande número de acordos homologados em juízo. Também não se pode deixar de anotar a previsão da edição de Súmula pelo Advogado-Geral da União [03], que, quando editada, proíbe os Advogados Públicos de contestar ou de recorrer em uma ação, contribuindo também, portanto, para a redução da litigiosidade e a celeridade da prestação jurisdicional.

Dentre as políticas adotas pela AGU para a redução de litigiosidade se destaca, como apontado, a realização de acordos nos processos judiciais. O objeto deste artigo é apresentar o marco legal e os procedimentos pertinentes com os quais trabalha a AGU para propor os referidos acordos e por fim aos processos judiciais. Nesse contexto, serão apresentadas as disposições sobre acordos previstas na Lei Complementar 73/93, na Lei 9.469/97 e nas Portarias AGU 990/2009 e 109/2007.

De início, na LC 73/93, a Lei Orgânica da AGU, há a previsão expressa de que o Advogado-Geral da União tem atribuição para "desistir, transigir, acordar e firmar compromisso nas ações de interesse da União, nos termos da legislação vigente" (art. 4º, inciso VI) [04]. Portanto, de acordo com a LOAGU, a AGU tem autorização para realização de acordos e a competência para realizar tais atos é do Advogado-Geral. Como se pode imaginar, entretanto, é absolutamente inviável que todos os milhões de processos judiciais que tem como partes a União ou autarquias e fundações federais sejam submetidos ao Advogado-Geral para avaliação quanto ao interesse ou não na propositura de acordo. Por isso, especialmente para possibilitar a delegação dessa atribuição e estabelecer alguns valores de alçada, foi editada a Lei 9.469/97.

Assim, através da Lei 9.469/97, previu-se a possibilidade de delegação da referida competência do Advogado-Geral, para "autorizar a realização de acordos ou transações, em juízo, para terminar o litígio" (art. 1º, caput). Entretanto, para resguardar a competência do Advogado-Geral, e para garantir maior segurança nas causas de valor mais vultoso, a lei citada apenas autorizou que fosse delegada a atribuição para realização de acordos nas causas de valor de até R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Nesses casos, para que haja máxima segurança, em razão da grande quantidade de dinheiro público envolvido, a lei também previu mais um procedimento de cautela:

"Quando a causa envolver valores superiores ao limite fixado neste artigo, o acordo ou a transação, sob pena de nulidade, dependerá de prévia e expressa autorização do Advogado-Geral da União e do Ministro de Estado ou do titular da Secretaria da Presidência da República a cuja área de competência estiver afeto o assunto, ou ainda do Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, de Tribunal ou Conselho, ou do Procurador-Geral da República, no caso de interesse dos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, ou do Ministério Público da União"

Esse procedimento mais complexo, contudo, não representa óbice geral para os acordos, pois não são significativas, em termos percentuais, as causas superiores a R$ 500.000,00, posto que a grande maioria das ações judiciais em curso contra a União e as autarquias e fundações federais trata de valores menores, como concessão e revisão de benefícios previdenciários, execuções fiscais contra pequenas e médias empresas e revisão de vencimentos de servidores públicos.

Nas causas inferiores a R$ 500.000,00, o Advogado-Geral, através da Portaria AGU 990/2009 (art. 2º, caput), delegou ao Procurador-Geral da União (responsável pela representação judicial da União) e ao Procurador-Geral Federal (encarregado da representação judicial das autarquias e fundações públicas federais) a competência para a celebração dos acordos. Mais importante do que isso: a referida portaria autorizou que fossem subdelegadas tais competências no âmbito da Procuradoria-Geral da União e da Procuradoria-Geral Federal (art. 2º, § 2º), tudo com foco na maior desburocratização e na máxima efetividade dessa política pública de redução de litigiosidade.

Para garantir maior controle e sindicabilidade dessa atuação, inclusive e especialmente para fins de gestão, a Portaria AGU 990 estabeleceu a necessidade de registro dos acordos celebrados. Também com o objetivo de reduzir a burocratização, essa necessidade foi temperada nos casos de acordos com valores inferiores a 60 (sessenta) salários mínimos:

"Art. 4º Os órgãos de execução da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral Federal deverão efetuar o registro dos acordos e transações realizados no sistema interno de controle processual, e anexar os documentos pertinentes, em especial os relacionados à sua autorização e homologação, de forma a garantir a permanente consulta pelos Órgãos de Direção Superior.

Parágrafo único. Fica dispensada a anexação dos documentos referidos no caput para os acordos e transações com valores inferiores a sessenta salários mínimos."

A despeito de a regulamentação existente acerca dos acordos garantir uma atuação racional e célere para a avaliação sobre a viabilidade da proposição de acordos nos processos judiciais, os princípios informadores [05] e o procedimento diferenciado dos Juizados Especiais Federais exigiram uma regulamentação específica, constante da Portaria AGU 109/2007. Essa portaria dispõe que, no caso de processos em curso nos Juizados Especiais Federais, qualquer membro da AGU pode propor o acordo em juízo. Alguns critérios devem, porém ser observados, em relação aos processos do JEF, e, assim, poderá ser proposto acordo quando:

a) houver erro administrativo reconhecido pela autoridade competente ou, quando verificável pela simples análise das provas e dos documentos que instruem a ação, pelo advogado ou procurador que atua no feito, mediante motivação adequada; e

b) inexistir controvérsia quanto ao fato e ao direito aplicado.

Registre-se que a inexistência de controvérsia quanto ao fato deve ser verificável pelo membro da AGU que atua no feito pela simples análise das provas e dos documentos que instruem a ação, e a inexistência de controvérsia quanto ao direito aplicado deve ser reconhecida pelo órgão consultivo competente, mediante motivação adequada em qualquer das situações.

Ainda em relação aos processos que correm no JEF, não serão objeto de acordo:

a) as hipóteses em que se discute penalidade aplicada a servidor;

b) os casos de dano moral, salvo se o agente causador do dano for entidade credenciada, contratada ou delegada de órgão de Administração Pública Federal e assuma, em juízo, a responsabilidade pelo pagamento acordado; e

c) o litígio que estiver fundado exclusivamente em matéria de direito e houver a respeito enunciado da Súmula da AGU, parecer aprovado na forma do art. 40 da Lei Complementar 73, de 1993 ou orientação interna adotada pelo Advogado-Geral da União contrários à pretensão.

Em todos os casos regulados pela Portaria AGU 109/2007, os valores envolvidos nas conciliações não poderão exceder ao teto previsto no art. 3°, § 2º, da Lei n° 10.259, de 12 de julho de 2001. Os acordos também deverão conter obrigatoriamente cláusula de renúncia a eventuais direitos decorrentes do mesmo fato ou fundamento jurídico que deu origem à ação judicial, para evitar novos litígios sobre a mesma causa e eventual pagamento em dobro pela União ou pelas autarquias e fundações públicas.

Esse é o quadro atual em relação à possibilidade de propositura de acordos judiciais pela Advocacia-Geral da União, no exercício da representação judicial da União e das autarquias e fundações públicas federais, no âmbito de qualquer órgão do poder judiciário, independentemente de instância ou especialização. Se não é ainda o cenário ideal, indica claramente um movimento gestado há pelo menos 04 (quatro) anos, e ainda em curso, no sentido de alterar o paradigma de atuação do Advogado Público Federal, de contestações e recursos quase automáticos, para a composição e a redução de litigiosidade, sempre considerando a melhor atuação para o resguardo do patrimônio público, a efetividade das políticas públicas e o respeito cidadão, além do compromisso de colaboração para a melhor prestação jurisdicional.


Notas

  1. http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateImagemTexto.aspx?idConteudo=84506&ordenacao=0&id_site=1106
  2. http://agu.jusbrasil.com.br/noticias/2779054/agu-e-justica-federal-realizam-mutirao-em-porto-alegre-e-economizam-quase-r-2milhoes-em-acordos-previdenciarios
  3. Lei Complementar 73/93, art. 4º, inciso XII, e art. 43.
  4. Para distinguir acordo de transação, cabe aqui a lição de Alice Monteiro de Barros (Curso de direito do trabalho / Alice Monteiro de Barros. – 2 ed. – São Paulo : Ltr, 2006, p. 189): "Trata-se de uma relação jurídica em que as partes fazem concessões recíprocas, nascendo daí o direito de ação para os transigentes. É restrita a direitos patrimoniais de caráter privado, sobre os quais recaia o litígio ou a suscetibilidade do litígio. Diferencia-se da conciliação, que é um ato praticado no curso do processo, mediante a iniciativa e a interveniência do magistrado. A transação é de inegável utilidade social, pois evita despesa e dissabor moral, prevenindo inimizados. Ela pode se manifestar no curso do contrato ou por ocasião de seu término.".
  5. Art. 2º, da Lei 9.099/95 (aplicável aos Juizados Federais por força do art. 1º da Lei 10.259/2001): "O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação".

Autor

  • Geraldo de Azevedo Maia Neto

    Procurador Federal. Especialista em Direito Público pela UnB. Especialista em Direito Constitucional pelo IDP/UNISUL. Procurador-Geral do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Foi Subprocurador-Geral do Instituto Chico Mendes (ICMBio). Foi Subprocurador-Regional Federal da 1ª Região. Foi membro da Câmara Especial Recursal do CONAMA.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIA NETO, Geraldo de Azevedo. Acordos nos processos judiciais da União e das autarquias e fundações públicas federais. O marco legal utilizado pela advocacia-geral da União. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3017, 5 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20144. Acesso em: 25 abr. 2024.