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A questão da responsabilidade dos entes públicos por danos ambientais.

Breves comentários ao REsp nº 604725/PR

A questão da responsabilidade dos entes públicos por danos ambientais. Breves comentários ao REsp nº 604725/PR

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Analisa-se um caso concreto no qual se discute a responsabilidade estatal solidária, em relação aos danos causados ao meio ambiente. O Estado recorreu contra a sua inclusão como litisconsorte passivo, e foi derrotado.

O Recurso Especial nº 604725/PR originou-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face da União, Estado do Paraná e Município de Foz do Iguaçu, para a reparação/restauração de grave dano ambiental ocorrido naquele Município.

A discussão chegou ao STJ através de um Recurso Especial interposto pelo Estado do Paraná, tendo em vista a irresignação daquele Estado-recorrente de haver sido incluído pelo parquet no polo passivo da referida ação na condição de litisconsorte passivo a título de responsabilidade solidária.

Oportuno transcrever a ementa do julgamento em análise:

EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO CAUSADO AO MEIO AMBIENTE.  LEGITIMIDADE PASSIVA DO ENTE ESTATAL. RESPONSABILIDADEOBJETIVA. RESPONSÁVEL DIRETO E INDIRETO. SOLIDARIEDADE. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. ART. 267, IV DO CPC.  PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356 DO STF.1. Ao compulsar os autos verifica-se que o Tribunal a quo não emitiu juízo de valor à luz do art. 267 IV do Código de Ritos, e o recorrente sequer aviou embargos de declaração com o fim de prequestioná-lo. Tal circunstância atrai a aplicação das Súmulas nº 282 e 356 do STF.2. O art. 23, inc. VI da Constituição da República fixa a competência comum para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios no que se refere à proteção do meio ambiente e combate à poluição em qualquer de suas formas. No mesmo texto, o art. 225, caput, prevê o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.3. O Estado recorrente tem o dever de preservar e fiscalizar a preservação do meio ambiente. Na hipótese, o Estado, no seu dever de fiscalização, deveria ter requerido o Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo relatório, bem como a realização de audiências públicas acerca do tema, ou até mesmo a paralisação da obra que causou o dano ambiental.4. O repasse das verbas pelo Estado do Paraná ao Município de Foz de Iguaçu (ação), a ausência das cautelas fiscalizatórias no que se refere às licenças concedidas e as que deveriam ter sido confeccionadas pelo ente estatal (omissão), concorreram para a produção do dano ambiental. Tais circunstâncias, pois, são aptas a caracterizar o nexo de causalidade do evento, e assim, legitimar a responsabilização objetiva do recorrente.5. Assim, independentemente da existência de culpa, o poluidor, ainda que indireto (Estado-recorrente) (art. 3º da Lei nº 6.938/81), é obrigado a indenizar e reparar o dano causado ao meio ambiente (responsabilidade objetiva).6. Fixada a legitimidade passiva do ente recorrente, eis que preenchidos os requisitos para a configuração da responsabilidade civil (ação ou omissão, nexo de causalidade e dano), ressalta-se, também, que tal responsabilidade (objetiva) é solidária, o que legitima a inclusão das três esferas de poder no pólo passivo na demanda, conforme realizado pelo Ministério Público (litisconsórcio facultativo).7. Recurso especial conhecido em parte e improvido.DecisãoVistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente do recurso e, nessa parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator." Os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins, Eliana Calmon, Franciulli Netto e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator. (Acórdão REsp 604725 / PR RECURSO ESPECIAL 2003/0195400-5 Relator(a) Ministro CASTRO MEIRA (1125) Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA Data da Publicação/Fonte DJ 22/08/2005 p. 202 Data do Julgamento 21/06/2005)

Entendeu-se que, na hipótese, o Estado, no seu dever de fiscalização, deveria ter requerido o Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo relatório, bem como a realização de audiências públicas acerca do tema, ou até mesmo a paralisação da obra que causou o dano ambiental.

Aquele Egrégio Tribunal explicitou que o nexo causal do dano ambiental restou configurado com o repasse das verbas pelo Estado do Paraná ao Município de Foz de Iguaçu (ação), a ausência das cautelas fiscalizatórias no que se refere às licenças concedidas e as que deveriam ter sido confeccionadas pelo ente estatal (omissão).

Sobre a questão da responsabilidade ambiental, vale lembrar que o art. 14, §1º da Lei n. 6.938/1981 estabelece, que em matéria de ecologia, a responsabilidade do poluidor é objetiva.

O conceito de poluidor, por sua vez, se encontra abarcado no art. 3º, IV, desta Lei, como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.”

Além de objetiva, a responsabilidade ambiental possui muitas vezes em seu cerne a peculiaridade de ser solidária.

É de destacar que a solidariedade em relação às questões ambientais encontra-se fundamentada no art. 23, inc. VI da Constituição da República, que fixa a competência comum para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios no que se refere à proteção do meio ambiente e combate à poluição em qualquer de suas formas.

O fundamento da solidariedade ecológica também reside em outro dispositivo constitucional, como lembra Celso Fiorillo:

Como já pudemos destacar, o art. 225 da Constituição Federal tem por uma das suas grandes funções determinar como legitimados passivos pelos danos causados ao meio ambiente o Poder Público e a coletividade. Assim, é correto afirmar que “são legitimados passivos todos aqueles que, de alguma forma, foram os causadores do dano ambiental, sendo certo que a responsabilidade dos causadores é solidária[1], por expressa determinação do art. 3º, I, bem como pela Lei n. 6.938/81, que atribui a obrigação de indenizar o dano ambiental àqueles que, com sua atividade, causaram dano.[2][3] (grifo do autor)

Sobre esse tema, segue elucidativo ensinamento:

Isso porque, como a obrigação de reparar um dano ao meio ambiente é indivisível, a responsabilidade dela decorrente é regida pelas regras da solidariedade entre os responsáveis. Isso significa que a obrigação do dano pode ser exigida de todos em conjunta ou integralmente de qualquer um dos responsáveis. Nesse caso, os corresponsáveis poderão, por via de regresso, discutir entre si a distribuição mais justa e equitativa da responsabilidade.[4]

Aplicou-se, portanto, a regra do art. 942 do CC: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.”

É de ressaltar que a indenização a ser paga pelo poder público, neste caso, será direcionadapara a aplicação no Fundo de Defesa de Direitos Difusos, previsto no art. 13 da Lei n. 7.347/1985.

Merece ser tratado ainda a questão da responsabilidade estatal até mesmo por suas políticas públicas em matéria ambiental.

É cediço que cabe somente ao Estado estabelecer as políticas públicas ambientais, segundo o seu melhor juízo e dentro das suas possibilidades e prioridades. Contudo, os entes públicos não podem ser ineptos ou desarrazoados em suas decisões. Segue interessante lição sobre a importância da eficiência das políticas públicas estatais em âmbito ambiental e suas prováveis consequências negativas em termos de imputação de responsabilidade:

Bem verdade que o sistema jurídico reconhece aos poderes constituídos a prerrogativa de formular juízo de conveniência e oportunidade acerca da implantação de políticas públicas. Mas não menos verdadeiro é que, quando um Estado se omite em adotar programa ambiental de eficácia comprovada em tantos outros, ou quando retarda em fazê-lo, poderá ser chamado a responder, perante as gerações presentes e futuras, pela degenerescência do meio ambiente natural que de sua inércia resultou.[5]

Contudo, há que se destacar uma corrente doutrinária que entende que esta responsabilidade estatal solidária deve ser enxergada cum granusalis, ou seja, deve haver a prova cabal pelo autor da ação civil pública da omissão ou comissão ambientais do ente estatal, já que a responsabilidade é objetiva, solidária, mas deve haver um mínimo de nexo causal entre a atividade ou omissão estatal e o dano.

Nessa senda, vale trazer à colação, no entanto, a crítica de Hugo Nigro Mazzilli, no seguinte sentido:

Não sem razoabilidade, entretanto, têm-se feito restrições à indiscriminada inclusão de pessoas jurídicas de Direito Público interno no polo passivo das ações civis públicas ou coletivas. Tomemos um exemplo. No grave caso da poluição ambiental ocorrida na década de 1980 no Município de Cubatão (SP), o Tribunal de Justiça local entendeu inadmissível a denunciação da lide da União, do Estado e do Município sob o mero fundamento de que estes entes públicos teriam incentivado e autorizado a instalação das empresas poluidoras no local, com as consequências daí decorrentes, e teriam fiscalizado as suas atividades: “se a pretensão fosse viável, equivaleria à condenação da própria vítima da poluição, isto é, o povo, ao ressarcimento dos danos provocados pelas indústrias, o que constituiria verdadeiro paradoxo.[6]

Também nesta corrente mais refletida, assevera Adriana Ruiz Vicentin, “é forçoso concluir, portanto, que, havendo prova do mínimo de ação estatal para tentar coibir a conduta danosa, deve ser refutada a tese de responsabilização por omissão do ente público.”[7]

Estamos que merece acolhida este posicionamento. A simples omissão genérica quanto ao dever de fiscalização não deveria responsabilizar os entes públicos. A ciência do Poder Público deve ser provada de preferência de forma documental. Isso porque não é opção mais justa chamar os poderes públicos em toda e qualquer situação de dano, já que os próprios cidadãos e a sociedade é que arcam com as contas públicas.

Todavia, no caso específico do REsp 604725 / PR,entendeu-se que o Estado do Paraná deveria ter requerido o Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo relatório, bem como a realização de audiências públicas acerca do tema, ou até mesmo a paralisação da obra que causou o dano ambiental.

O nexo causal, segundo aquele Tribunal Superior, restou configurado pelo próprio repasse das verbas pelo Estado do Paraná ao Município de Foz de Iguaçu (ação), a ausência das cautelas fiscalizatórias no que se refere às licenças concedidas e as que deveriam ter sido confeccionadas pelo ente estatal (omissão).

A despeito de nossa filiação a corrente mais favorável aos entes públicos, entendemos inarredável, na hipótese do REsp 604725 / PR, a situação de concorrência do ente estatal para a configuração do dano ambiental (nexo causal), dando azo àlegitimaçãoda responsabilização objetiva e solidária dosente público, incluído o recorrente.

Além da configuração da conduta omissiva na fiscalização do ente estatal, houve a colaboração explícita com o dano ao se provar a remessa de verba pública do Estado recorrente ao Município para a construção da obra pública degradadora do meio ambiente.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

NERY, Rosa Maria Barreto Borrielo de Andrade. Indenização do dano ambiental (responsabilidade civil e ação civil pública). Tese de mestrado de PUCSP, 1993.

RAMALHO, Leila vonSöhsten. PASSOS, Rosana Maciel Bittencourt. A Eficácia do ICMS Ecológico Como Instrumento de Política Ambiental e o Dever do Estado Quanto à Sua Efetivação. In: BENJAMIN, Antonio Herman e FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de (coord.). Direito Ambiental e Funções Essenciais à Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

VINCENTIN, Adriana Ruiz. Advocacia Pública e Ação Civil Pública Ambiental: Estado Autor e Estado Réu. In: BENJAMIN, Antonio Herman, FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de (coords.). Direito Ambiental e Funções Essenciais à Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011


Notas

[1]No que se refere ao princípio da solidariedade, vide entendimento do Supremo Tribunal Federal na ADI 1003-MC, Relator Ministro Celso de Mello, DJ,10-09-1999

[2] Rosa Maria Barreto Borrielo de Andrade Nery. Indenização do dano ambiental (responsabilidade civil e ação civil pública). Tese de mestrado de PUCSP, 1993, p. 85

[3]Fiorillo, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 42

[4]VINCENTIN, Adriana Ruiz. Advocacia Pública e Ação Civil Pública Ambiental: Estado Autor e Estado Réu. In: BENJAMIN, Antonio Herman, FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de (coords.). Direito Ambiental e Funções Essenciais à Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 671

[5]RAMALHO, Leila vonSöhsten. PASSOS, Rosana Maciel Bittencourt. A Eficácia do ICMS Ecológico Como Instrumento de Política Ambiental e o Dever do Estado Quanto à Sua Efetivação. In BENJAMIN, Antonio Herman e FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de (coord.). Direito Ambiental e Funções Essenciais à Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 346

[6] MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 317

[7] Op. Cit., p.673


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIGUEL, Luciano Costa. A questão da responsabilidade dos entes públicos por danos ambientais. Breves comentários ao REsp nº 604725/PR. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3236, 11 maio 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21742. Acesso em: 26 abr. 2024.