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Licitação promovida pela União: desnecessidade de comprovação da regularidade fiscal perante os estados e municípios

Licitação promovida pela União: desnecessidade de comprovação da regularidade fiscal perante os estados e municípios

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Nas licitações realizadas por órgãos federais, deve-se exigir, daquele que pretende cumprir o objeto licitado, como critério de habilitação no certame, a regularidade fiscal apenas perante a Fazenda Nacional.

RESUMO

Em síntese, o que se pretende enfrentar é se, no caso das licitações promovidas por órgãos ou entidades da União, faz-se obrigatória a apresentação da comprovação da regularidade fiscal pelas pessoas jurídicas que participam de certames licitatórios para com as receitas estadual e municipal, e, sendo o caso, distrital, fazendo-se necessário delimitar-se o seu âmbito de abrangência[1].


1. A INCONTROVERSA NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE REGULARIDADE PARA COM A SEGURIDADE SOCIAL, BEM COMO PERANTE O FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO.

Preliminarmente, cumpre asseverar que a regularidade fiscal para a participação em procedimento licitatório tem bases constitucional e legal, diante das exigências contidas no § 3º do art. 195 da Constituição Federal, no inciso IV do art. 27 e nos incisos III e IV do art. 29 da Lei nº 8.666, de 1993, na Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, na Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, e na Lei nº 9.012, 30 de março de 1995, respectivamente:

Constituição Federal:

“Art. 195 (...)

(...)

§ 3º A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”.

Lei nº 8.666, de 1993:

“Art. 27 Para habilitação nas licitações, exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a:

(...)

IV –  regularidade fiscal e trabalhista;

(...)

Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em:

(...)

III – prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante ou outra equivalente, na forma da lei;

IV – prova de regularidade relativa à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), demonstrando situação regular no cumprimento dos encargos sociais instituídos por lei”.

Lei nº 8.036, de 1990:

“Art. 27. A apresentação do Certificado de Regularidade do FGTS, fornecido pela Caixa Econômica Federal, é obrigatória nas seguintes situações:

(...)

a) habilitação e licitação promovida por órgão da Administração Federal, Estadual e Municipal, direta, indireta ou fundacional ou por entidade controlada direta ou indiretamente pela União, Estado e Município;

(...)”.

Lei nº 8.212, de 1991:

“Art. 47. É exigida Certidão Negativa de Débito – CND, fornecida pelo órgão competente, nos seguintes casos:

I - da empresa:

a) na contratação com o Poder Público e no recebimento de benefícios ou incentivo fiscal ou creditício concedido por ele;

(...)”.

Lei nº 9.012, de 1995:

“Art. 2º As pessoas jurídicas em débito com o FGTS não poderão celebrar contratos de prestação de serviços ou realizar transação comercial de compra e venda com qualquer órgão da administração direta, indireta, autárquica e fundacional, bem como participar de concorrência pública”.

Importante esclarecer que, no tocante à regularidade relativa à Seguridade Social, bem como perante o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS não há que se perquirir maiores dúvidas em sua exigência. Essa é a linha seguida pelo Egrégio Tribunal de Contas da União, e pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

A regularidade junto ao INSS e ao FGTS é condição necessária a ser observada, inclusive nos casos de contratação direta”. (Acórdão nº 1782/2010 - Plenário, TC-003.971/2009-9, Relator Ministro Raimundo Carreiro, julgado em 21/07/2010. Precedentes: Decisão nº 705/1994; Acórdãos nos 1.467/2003 e 361/2007, todos do Plenário do TCU). Grifou-se.

“LEVANTAMENTO DE AUDITORIA. OBRAS RODOVIÁRIAS EMERGENCIAIS NA BR-101/ES. TRECHO CONSTANTE DO ANEXO I DO PETSE. FORMALIZAÇÃO DO CONTRATO APÓS O INÍCIO DAS OBRAS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE REGULARIDADE JUNTO À SEGURIDADE SOCIAL. IRREGULARIDADES SANEADAS. CIÊNCIA AO CONGRESSO NACIONAL. ARQUIVAMENTO.

1. A assinatura de instrumento de contrato posteriormente à autorização para o início da execução de obras públicas é impropriedade que permite a continuidade da obra, caso não comprovada a existência de prejuízo aos cofres públicos.

2. A contratação de empresa por dispensa de licitação, ainda que em obras de natureza emergencial, não dispensa a exigência de comprovação de regularidade daquela junto à Seguridade Social”.

(Acórdão nº 1839/2006 – Plenário). Grifou-se.

“(...) cumpre consignar que a jurisprudência do TCU é ampla no sentido de exigir a comprovação da regularidade da empresa junto à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS nas contratações precedidas ou não de licitação, com fundamento na Constituição Federal, art. 195, § 3º, a exemplo da Decisão nº 841 - Plenário - TCU, e dos Acórdãos nº 67/2000 - Plenário, n. 102/1999 - Plenário, nº 197/2000 - Plenário, nº 536/2002 - Primeira Câmara, entre outros” (Acórdão nº 488/2004 – 1ª Câmara). Grifou-se.

A exigência de regularidade fiscal para a participação no procedimento licitatório funda-se na Constituição Federal, que dispõe no § 3º do art. 195 que ‘a pessoa em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios’ e deve ser mantida durante toda a execução do contrato, consoante o art. 55 da Lei nº 8.666, de 1993”. (REsp. nº 633.432/MG, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Fux, julgado em 22/02/2005, DJ de 20/06/2005). Grifou-se.

“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRATO. RESCISÃO. IRREGULARIDADE FISCAL. RETENÇÃO DE PAGAMENTO.

1. É necessária a comprovação de regularidade fiscal do licitante como requisito para sua habilitação, conforme preconizam os arts. 27 e 29 da Lei nº 8.666, de 1993, exigência que encontra respaldo no art. 195, § 3º, da CF.

2. A exigência de regularidade fiscal deve permanecer durante toda a execução do contrato, a teor do art. 55, XIII, da Lei nº 8.666, de 1993, que dispõe ser ‘obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação’.

3. Desde que haja justa causa e oportunidade de defesa, pode a Administração rescindir contrato firmado, ante o descumprimento de cláusula contratual.

4. Não se verifica nenhuma ilegalidade no ato impugnado, por ser legítima a exigência de que a contratada apresente certidões comprobatórias de regularidade fiscal.

(...)

6. Recurso ordinário em mandado de segurança provido em parte”. (RMS 24953 / CE, Relator Ministro Castro Meira, 2ª Turma, julgado em 04/03/2008, DJ de 17/03/2008). Grifou-se.

Dessa feita, diante da dicção constitucional, bem como do entendimento jurisprudencial, não pairam dúvidas no que tange à necessidade de comprovação da regularidade relativa à Seguridade Social e perante o FGTS.

E a aludida comprovação deve ocorrer tanto nas contratações precedidas de licitação, quanto nas hipóteses legais de contratação direta. Isso porque o art. 27 da Lei nº 8.666, de 1993, tem por escopo proteger a Administração[2] de contratar com interessados que não possuam capacidade de assumir obrigações contratuais, na execução do objeto por esta almejado. Além do que, a literalidade do art. 2º da Lei nº 9.012, de 30 de março de 1995[3], e do § 3º do art. 195 da Constituição Federal, são mais amplos do que a própria lei licitatória, na medida em que falam em contratação, e não somente em habilitação. Por isso não há que se falar em afastar tal exigência nas hipóteses de contratação direta.

No ponto, releva tecer uma consideração. O § 1º do art. 32 da Lei nº 8.666, de 1993, estabelece que “a documentação de que tratam os arts. 28 a 31 desta Lei, poderá ser dispensada, no todo ou em parte, nos casos de convite, concurso, fornecimento de bens para pronta entrega e leilão”.

O dispositivo busca a celeridade e a desburocratização do processo licitatório, contudo, merece ser interpretado de forma que não traga risco à Administração, considerando-se a finalidade da exigência dos documentos para habilitação: proteger o Poder Público de celebrar contratos com pessoas inidôneas.

Quanto ao ponto, Marçal Justen Filho assevera que “deve-se reconhecer que existem requisitos de habilitação cuja existência é facultativa e que poderão ser dispensados em alguns casos. Assim se passa, por exemplo, com a qualificação econômico-financeira e com a qualificação técnica, que não necessita ser examinada em algumas hipóteses. Em tais hipóteses, a dispensa da exigência da documentação é uma decorrência da ausência de exigência de requisitos da habilitação. Mas há alguns requisitos de habilitação cuja exigência é necessária em todos os casos. Assim se passa com a habilitação jurídica, com a comprovação da ausência de falência e com a regularidade para com a seguridade social. Esses requisitos devem ser exigidos ainda nas hipóteses referidas no art. 32, § 1º”[4].

Posto isso, não se deve afastar a exigência da apresentação da comprovação da regularidade fiscal relativa à Seguridade Social, haja vista a expressa disposição do § 3º do art. 195 da Constituição Federal, o qual estabelece uma regra mínima, no que tange à comprovação da regularidade fiscal, para a contratação com o Poder Público: a comprovação da regularidade no recolhimento das contribuições previdenciárias. Esse também é o posicionamento de Jessé Torres Pereira Junior[5]:

“Conquanto a lei consinta na dispensa de todos os documentos, pelo menos um não poderá dispensar a Administração: a prova da regularidade perante a seguridade social (art. 29, IV), porque a Constituição não distingue entre modalidades, espécies ou objetos quando proíbe o Poder Público de contratar pessoa jurídica em débito com a Previdência (art. 195, § 3º). A dispensa total da documentação é inconciliável com a ordem constitucional no concernente à prova da regularidade fiscal referente a débito previdenciário”.

Dessa feita, ainda que a Administração dispense os documentos destacados nos arts. 28 a 32, utilizando-se da faculdade[6] do § 1º do art. 32, todos da Lei nº 8.666, de 1993, não será permitida a dispensa da comprovação da regularidade relativa à Seguridade Social e ao FGTS, face à vedação contida no § 3º do art. 195 da Constituição da República, e no art. 27 da Lei nº 8.036, de 1990.


2. REGULARIDADE FISCAL NÃO É QUITAÇÃO DE TRIBUTOS.

A Lei nº 7.711, de 7 de dezembro de 1988 e o Decreto-lei nº 147, de 3 de fevereiro de 1967, estabelecem que:

Lei nº 7.711, de 1988:

“Art. 1º Sem prejuízo do disposto em leis especiais, a quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias, será comprovada nas seguintes hipóteses:

(...)

II - habilitação e licitação promovida por órgão da administração federal direta, indireta ou fundacional ou por entidade controlada direta ou indiretamente pela União;

(...)”. Grifou-se.

Decreto-lei nº 147, de 1967:

“(...)

Art 62. Em todos os casos em que a lei exigir a apresentação de provas de quitação de tributos federais, incluir-se-á, obrigatoriamente, dentre aquelas, a certidão negativa de inscrição de dívida ativa da União, fornecida pela Procuradoria da Fazenda Nacional competente.

(...)”. Grifou-se.

O inciso III do art. 29 da Lei nº 8.666, de 1993 exigiu a “prova da regularidade” para com as Fazendas Públicas. Não exigiu, pois, quitação, como exige o aludido Decreto-lei, no tocante à Fazenda Nacional. A doutrina afirma que regularidade não significa quitação com a Fazenda Nacional, aduzindo ao fato de que pode haver parcelamento do débito, acarretando em regularidade, sem haver a quitação:

“A prova que se exigirá doravante é a de regularidade para com o Fisco. A lei alude à ‘regularidade’, que pode abranger a existência de débito consentido e sob o controle do credor. E, não, a quitação, que é ausência de débito”[7].

“Regularidade fiscal é o atendimento das exigências do Fisco (...) Portanto, a situação de regularidade visada é relativa ao recolhimento de tributos, e não referente a qualquer débito fazendário. Por isso, entendemos ilegal a exigência da apresentação de certidão relativa à dívida ativa da União, que pode refletir outras dívidas que não simplesmente as de origem tributária. De outra sorte, as certidões exigidas não precisam demonstrar a quitação do tributo, sendo aceitas também aquelas que declarem parcelamento do débito ou sua discussão em juízo”[8].

Sem mencionar a retrotranscrita legislação, Marçal Justen Filho afirma que:

“O art. 27 refere-se, de modo claro, à necessidade de o licitante evidenciar sua ‘regularidade fiscal’. Ao dispor sobre isso, o inciso III do art. 29 utilizou a expressão ‘regularidade em face da Fazenda Pública’. Extraiu-se das palavras contidas nesse dispositivo que não mais bastaria a regularidade fiscal e seria necessária a ausência de qualquer débito em face da Fazenda Pública. Ora, isso é ignorar a estrutura da Lei e a vontade legislativa. Se a intenção fosse exigir algo mais do que a regularidade fiscal, o art. 27 teria redação distinta. Deve-se ler o dispositivo tal como se estivesse redigido ‘prova da regularidade fiscal para com a Fazenda’”[9].

 A Corte de Contas já deliberou, há algum tempo, no sentido de que, na aplicação do inciso III do art. 29 da Lei nº 8.666, de 1993, tal prova deverá incluir obrigatoriamente, além da certidão de quitação de tributos e contribuições federais, a certidão da quitação da dívida ativa da União, com fulcro no Decreto-lei nº 147, de 1967:

“(...)

2. firmar o entendimento de que, na aplicação do inciso III do art. 29 da Lei nº 8.666, de 1993, a prova de regularidade para com a Fazenda Nacional deverá incluir obrigatoriamente, além da Certidão de Quitação de Tributos e Contribuições Federais, a Certidão de Quitação da Dívida Ativa da União, fornecida pela Procuradoria da Fazenda Nacional competente, nos termos do art. 62 do Decreto-Lei nº 147, de 03 de fevereiro de 1967”.

Ocorre que tal posicionamento foi abandonado pelo E. TCU, o qual, corroborando os entendimentos doutrinários aqui esposados, argumentou no sentido de que a exigência da apresentação de certidão de quitação restringe a competitividade, deliberando que “à Administração Pública não cabe exigir que empresas participantes de procedimento licitatório apresentem certidões de quitação de obrigações fiscais (Fazendas Federal, Estadual ou Municipal, Dívida Ativa da União, FGTS e INSS), mas sim comprovação de regularidade junto a essas instituições”:

“8.1.determinar à Imprensa Nacional (...) que:

(...)

d) abstenha-se de exigir, como condição para habilitação em licitações, documentação de regularidade fiscal além daquela estabelecida pelo art. 29 da Lei nº 8.666/93, atentando para que não seja exigida prova de quitação com a fazenda pública, a seguridade ou o FGTS, mas sim de regularidade, conforme determina o dispositivo legal;

(...)

3.2 (...)

3.2.1 O art. 29 da Lei estabelece a documentação a ser exigida para a verificação da regularidade fiscal da licitante. O inciso III do citado normativo exige prova de regularidade junto à seguridade social. Conforme ensina o Prof. Jessé Torres Pereira Júnior (Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública, 3ª Edição, pg. 197): ‘A legislação anterior previa comprovação ‘de quitação’ com a Fazenda Pública. A prova que se exigirá doravante é a da ‘regularidade’ com o Fisco. A lei alude a ‘regularidade’, que pode abranger a exigência de débito consentido e sob o controle do credor. E, não, a quitação, que é a ausência de débito’.

3.2.2 Portanto, não há que se confundir regularidade com quitação. Sobre o assunto, cabe ainda transcrever observação feita por Carlos Pinto Coelho Mota, em seu livro Eficácia nas Licitações e Contratos (7ª Edição, pg. 180), ao comentar o art. 29: ‘Cumpre inicialmente desfazer um equívoco habitual: regularidade não é quitação. A documentação requerida pelo artigo atestará que o licitante atendeu às ‘exigências do fisco’, decorrentes de dispositivos legais, a seguir citados: art. 195, § 3º, da Constituição Federal; art. 193 do Código Tributário Nacional; art. 27 da Lei nº 8.036, de 1990; art. 47 da Lei nº 8.212, de 1992’.

3.2.3 Dessa forma, não se pode exigir como condição de habilitação prova de quitação para com a fazenda, seguridade ou FGTS. O subitem 2.1.8 do edital além de exigir documentação não prevista na Lei, na prática estava exigindo das licitantes prova de quitação junto ao INSS.

3.2.4 Diante disso, e uma vez que o Decreto nº 2.173, de 1997 foi revogado, propomos que, oportunamente, seja determinado ao Órgão não exigir, como condição para habilitação em licitações, documentação de regularidade fiscal além daquela estabelecida pelo art. 29 da Lei nº 8.666, de 1993. E que não seja exigida prova de quitação com a fazenda pública, a seguridade ou o FGTS, mas sim de regularidade, conforme determina o dispositivo legal”.

(Decisão nº 792/2002 – Plenário, Relator Ministro Augusto Sherman Cavalcanti). Grifou-se.

“A nosso viso, essas Decisões se complementam no tocante ao disciplinamento da matéria. A primeira estabelece que a prova de regularidade para com a Fazenda Nacional deverá incluir obrigatoriamente, além da Certidão Quanto aos Tributos e Contribuições Federais, a Certidão Quanto à Dívida Ativa da União, fornecida pela Procuradoria da Fazenda Nacional competente. Por sua vez, a segunda aperfeiçoa a primeira, ao determinar a utilização da expressão ‘regularidade’ no lugar de ‘quitação’.

Desse modo, parece-nos que a exigência relativa ao art. 29, inciso III, da Lei nº 8.666, de 1993 pode ser expressa nos seguintes termos: ‘prova de regularidade para com as Fazendas Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede da licitante, ou outra equivalente, na forma da lei’, com observação no sentido de que ‘faz parte da prova de regularidade para com a Fazenda Federal, a Certidão Quanto à Dívida Ativa da União, fornecida pela Procuradoria da Fazenda Nacional’.

(...)

3. Cumpre destacar, ainda, a questão da exigência de certidões de quitação junto à fazenda pública. Conquanto a Decisão nº 246/1997 - Plenário, em que se amparou a Codesp, tenha feito referência ao termo quitação, seu propósito verdadeiro foi firmar o entendimento de que a regularidade fiscal abrange também a Dívida Ativa da União. Mais recentemente, a Decisão nº 792/2002 - Plenário baseou-se de forma específica na existência de diferença entre regularidade fiscal, requerida pela lei, e quitação, sendo que a primeira, ao contrário da segunda, pode se configurar mesmo no caso de a licitante estar em débito com o fisco, contanto que em situação admitida como de adimplência pela legislação. Assim, justifica-se a contestação oferecida por um dos representantes.

(...)

9.2.1.2 - utilizar a expressão ‘regularidade’ no lugar de ‘quitação’ no item 4.1.2, alínea ‘c’, do edital, nos termos do art. 29, inciso III, da Lei nº 8.666, de 1993;”.

(Acórdão nº 1708/2003 – Plenário, Relator Ministro Marcos Vinícios Vilaça). Grifou-se.

“(...)

7. Em relação à documentação exigida no item 9.1.3.1 do Anexo I - Termo de Referência, referente à comprovação de regularidade fiscal, verifico que também está em desacordo com o disposto no art. 29 da Lei nº 8.666, de 1993, sendo, portanto, indevida. Não deve ser exigida prova de quitação com a fazenda pública, a seguridade ou o FGTS, mas sim de regularidade, conforme determina a lei. Do mesmo modo, não deve ser exigida comprovação de recolhimentos tributários e trabalhistas.

(...)

ACORDAM (...) em:

(...)

9.3. determinar à unidade jurisdicionada, com fundamento no art. 71, IX, da Constituição da República, c/c o art. 45, caput, da Lei nº 8.443, de 1992, que adote, no prazo de quinze dias, as providências necessárias às seguintes modificações no ato convocatório referente ao Pregão Eletrônico nº 10/2007, em vista das excessivas exigências editalícias, que atentam contra o princípio da isonomia, da legalidade, da competitividade e da razoabilidade, insculpidos no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988, e no art. 3º, caput e § 1º, inciso I, da Lei de Licitações e Contratos:

(...)

9.3.3. restringir a documentação exigida no item 9.1.3.1 do Anexo I - Termo de Referência, referente à comprovação de regularidade fiscal, ao permitido pelo art. 29 da Lei nº 8.666, de 1993, abstendo-se exigir prova de quitação com a fazenda pública, a seguridade ou o FGTS, e prova de recolhimentos tributários e trabalhistas;”.

(Acórdão nº 2081/2007 – Plenário, Relator Ministro Valmir Campelo). Grifou-se.

“(...)

9. Com relação aos documentos de habilitação requeridos pelo pregão da ABDI, noto, em primeiro lugar, que houve confusão quanto à diferença entre prova de ‘quitação’ e de ‘regularidade’ junto aos órgãos fazendários. Como explicado pela 5ª Secex, uma empresa pode não estar quite com o fisco, porém mesmo assim gozar de situação regular, se firmou acordo para novação ou parcelamento da dívida.

10. Segundo a ABDI, é do seu costume aceitar certidão positiva com efeito de negativa, ou seja, que reconheça a existência de débito cuja exigibilidade, contudo, está suspensa, equivalendo aos propósitos da prova de regularidade.

11. De fato, o art. 206 do Código Tributário Nacional prescreve que tal certidão, que, em princípio, atestaria apenas o estado de regularidade, tem os mesmos efeitos da prova de quitação. Nada obstante, não está claro no edital que os licitantes possam valer-se da certidão positiva com efeito de negativa.

12. Por conseguinte, para que algum potencial licitante não desista de concorrer porque não possui exatamente uma prova de quitação, e sim de regularidade, é aconselhável o esclarecimento do requisito de habilitação fiscal.

(...)

9.3. determinar à ABDI que, quando da abertura de novos procedimentos licitatórios, inclusive em substituição ao Pregão Presencial nº 09/2007, observe os seguintes preceitos na elaboração do edital:

(...)

9.3.1. limite-se a exigir, como condição para habilitação, a documentação referente à regularidade fiscal prevista no inciso IV do art. 12 do Regulamento de Licitações e Contratos da Agência, abstendo-se de requerer prova de quitação com a fazenda pública, a seguridade ou o FGTS;”.

(Acórdão nº 1699/2007 – Plenário, Relator Ministro Marcos Vinícios Vilaça).

“(...)

Considerando que a ação do Controle Externo reveste-se também de caráter orientador e preventivo, sendo, portanto, adequado determinar-se aos responsáveis que, em futuros certames licitatórios, corrijam as ocorrências detectadas na presente tomada de preços;

Considerando o parecer da 6ª Secex pela improcedência desta representação, bem como por efetuar determinações corretivas à estatal.

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, por unanimidade, em:

9.1. conhecer desta representação, por preencher os requisitos de admissibilidade previstos no art. 113, § 1º, da Lei nº 8.666, de 1993 e nos arts. 235 e 237, inciso VII e parágrafo único, do Regimento Interno, para, no mérito, considerá-la improcedente;

9.2. determinar à Radiobrás que, em futuros procedimentos licitatórios, abstenha-se de exigir das licitantes, como condição para habilitação:

(...)

9.2.2. prova de quitação com a fazenda pública, conforme verificado no subitem 7.1.1.2, alínea ‘c’ do citado ato convocatório, restringindo-se a exigir a documentação de regularidade fiscal estabelecida pelo art. 29 da Lei nº 8.666, de 1993;”.

(Acórdão nº 471/2008 – Plenário, Relator Ministro Raimundo Carrero). Grifou-se.

Consigne-se que o Decreto nº 5.586, de 19 de novembro de 2005 determinou que:

“A prova de regularidade fiscal perante a Fazenda Nacional será efetuada mediante certidão conjunta expedida pela Secretaria da Receita Federal e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, referente aos tributos federais e à Dívida Ativa da União, por elas administrados, no âmbito de suas competências, com prazo de validade de até cento e oitenta dias, contado da data de sua emissão”.

 Tal exegese também foi seguida pelo Decreto nº 6.106, de 30 de abril de 2007:

“Art. 1º  A prova de regularidade fiscal perante a Fazenda Nacional será efetuada mediante apresentação de:

(...)

II - certidão conjunta, emitida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, quanto aos demais tributos federais e à Divida Ativa da União, por elas administrados”.

Destaque-se que a prova da regularidade fiscal perante a Fazenda Nacional pode ser realizada por meio do acesso a registros contendo dados para fins de habilitação em licitação, a exemplo do Sistema de Cadastro Único de Fornecedores – SICAF –, amplamente utilizado na Administração Pública Federal. Não obstante, é importante deixar claro que, para participar de licitação, não se pode exigir o cadastramento em tal cadastro.

Isso, diante da dicção do Decreto nº 4.485, de 25 de novembro de 2002, bem como amparada na jurisprudência do E. TCU, a qual se posicionou no sentido de que a inscrição no SICAF não deve ser considerada como condição única para a habilitação em licitações promovidas pela Administração, uma vez que ao licitante é conferida a possibilidade de comprovar a sua regularidade fiscal por meio da apresentação das devidas certidões, nos termos da legislação vigente.

Verificada, pois, a convergência da legislação correlata, e dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, no que tange à necessidade de comprovação da regularidade fiscal para com a Seguridade Social e ao FGTS, as quais sempre devem ser exigidas[10].

No que concerne à regularidade perante a Fazenda Nacional, esta pode ser dispensada nos casos de convite, concurso, leilão e em avenças com previsão de entrega imediata do bem, nos termos do § 1º do art. 32 da Lei nº 8.666, de 1993.

Releva salientar que, nos casos de dispensabilidade de licitação, em particular nos casos de pequeno valor, previstos nos incisos I e II do art. 24 da Lei nº 8.666, de 1993, também se pode afastar a exigência da regularidade fiscal, com fulcro no § 1º do art. 32 da Lei nº 8.666, de 1993. Nessa linha já decidiu o E. TCU, com argumentos irrefutáveis:

“A comprovação de regularidade com a Fazenda Federal, a que se refere o art. 29, III, da Lei nº 8.666, de 1993, poderá ser dispensada nos casos de contratações realizadas mediante dispensa de licitação com fulcro no art. 24, incisos I e II, dessa mesma lei”.

(Acórdão nº 1661/2011 – Plenário).

“(...)

12. Com relação à dispensa de que trata o art. 32, § 1º, da Lei nº 8.666, de 1993, a sua compreensão remete, a meu ver, à relação custo x benefício da contratação. A dispensa deve decorrer do fato de a Administração não identificar na situação risco à satisfação do interesse público, uma vez que não se vislumbraria a possibilidade de ocorrência de inadimplência do contratado. Significa dizer que o gestor está capacitado a identificar a desnecessidade de verificação da habilitação do licitante em face da certeza da satisfação da futura contratação. Nesse sentido, ensinamento do já mencionado Marçal Justen Filho (pág. 353 da citada obra):

‘Alterando entendimento anterior, reputa-se que a previsão do § 1º do artigo 32 não é exaustiva. A dispensa da apresentação dos documentos será admissível não apenas quando o montante quantitativo da contratação for reduzido ou quando a natureza do contrato não exigir maiores indagações sobre a situação subjetiva do interessado. Também se admitirá que o ato convocatório deixe de exigir a comprovação de outras exigências facultadas em lei se tal for desnecessário para assegurar a execução satisfatória da futura contratação. Assim, por exemplo, não teria sentido exigir a comprovação da experiência anterior em toda e qualquer contratação, eis que há aquelas em que tal poderá ser dispensado’.

13. Com efeito, entendi necessário ao exame da matéria trazer essas considerações para permitir uma reflexão acerca da ponderação dos princípios que devem ser observados nos atos do administrador público. Por certo aqueles insculpidos (sic) no caput do art. 37 da Constituição Federal são de observância obrigatória: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Quanto a outros, verifico ser de capital importância para o caso que se examina destacar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, haja vista que não se pode pretender inviabilizar a gestão de nenhum órgão ou entidade públicos.

14. As contratações tratadas neste recurso são de pequena monta e, regra geral, referem-se a situações urgentes ou imprevistas, além de envolverem objetos de extrema simplicidade. Criar exigências para esse tipo de contratação significa, a meu ver, afrontar os princípios da eficiência e da proporcionalidade. Impor ao gestor que cumpra, nesses casos, fases preliminares de verificação de habilitação acrescenta pesado ônus ao interesse público, tanto de satisfação de objeto, quanto financeiro, que não encontram justificativas na exata compreensão dos dispositivos constitucionais e legais mencionados. Diante de eventuais obstáculos, que, na verdade, não têm qualquer relevância perante o diminuto objeto que se pretende ver satisfeito, os diversos interesses devem ser sopesados para, em nome dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, assegurar a satisfação do interesse essencial que deve ser suprido, no caso, o público.

(Acórdão nº 2616/2008[11] – Plenário).

Com tais considerações, vislumbra-se que a dúvida cinge-se, como já assentado alhures, no tocante à necessidade de, nos processos licitatórios promovidos pelos órgãos federais, comprovação, também, da regularidade perante as Fazendas Estadual, Municipal e, sendo o caso, Distrital.


3. A NECESSÁRIA COMPROVAÇÃO DA REGULARIDADE FISCAL

  Consoante já registrado, a prova da regularidade fiscal é exigência de habilitação contida na Lei nº 8.666, de 1993, a qual determina que:

“Art. 27 Para habilitação nas licitações, exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a:

(...)

IV – regularidade fiscal;

(...).

Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal, conforme o caso, consistirá em:

(...)

III – prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante ou outra equivalente, na forma da lei;

(...)”.

Convém considerar que a fase destinada à habilitação tem por finalidade aferir a idoneidade daquele que deseja contratar com a Administração e a possibilidade de cumprimento das obrigações a serem futuramente pactuadas. Conforme leciona Jessé Torres Pereira Júnior, “a Administração deverá formular exigências de habilitação preliminar que, segundo a natureza do objeto por licitar e do grau de complexidade ou especialização de sua execução, forem reputadas como indicadores seguros de que o licitante reúne condições para bem e fielmente realizar tal objeto, nos termos do contrato, caso lhe seja adjudicado”[12].

 Portanto, não se trata de preciosismo ou rigorismo da Administração Pública, mas da necessária observância à diretriz de que esta exerce atividade plenamente vinculada, em obediência à estrita legalidade, fazendo apenas o que lhe é expressamente permitido por lei[13], na medida em que “é a fase do procedimento em que a Administração verifica a aptidão do candidato para futura contratação. A inabilitação acarreta a exclusão do licitante da fase de julgamento das propostas, e, embora seja preliminar deste, vale como um elemento de aferição para o próprio contrato futuro, que é, de regra, aliás, o alvo final da licitação”[14].

Com efeito, é importante ter a lucidez de que a exigência de regularidade fiscal significa que o Poder Público deve se recusar a contratar com o interessado que esteja em débito com as suas obrigações tributárias[15].

 O legislador ordinário, ao inserir tal exigência, buscou garantir, à Administração, a idoneidade do futuro contratado[16]. Nesse sentido decidiu o Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

“ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. EXIGÊNCIA DE REGULARIDADE FISCAL. CONSTITUCIONALIDADE, COMPROVAÇÃO NO MOMENTO DA HABILITAÇÃO PARA O CERTAME.

1. Ação ordinária proposta por empresa contra a CEF, objetivando a desconsideração da ausência de certidão negativa de débito e da inscrição no CADIN para contratação com a instituição financeira, em decorrência de licitação na qual alcançou a primeira colocação.

2. A sentença julgou improcedente o pedido. Inconformada, a autora apelou a fim de ver reformada a sentença, para desconsiderar as exigências de documentos comprobatórios da sua regularidade perante a seguridade social, ou considerar satisfeitas tais exigências devido à apresentação posterior da CND.

3. Não assiste razão à parte apelante, uma vez que tais exigências têm amplo respaldo legal e constitucional. A Constituição Federal prevê em seu art. 37, inciso XXI, exigências de qualificação econômica indispensáveis. A lei que cuida da matéria é a nº 8.666, de 1993, que no art. 29, inciso IV, exige para a habilitação no processo de licitação a prova de regularidade junto ao INSS. Ao estabelecer a exigência de apresentação de CND do INSS, a Lei observou a determinação do art. 195, § 3º da Constituição Federal.

4. Uma vez não preenchidos os requisitos estabelecidos pela Lei, a parte apelante não poderia contratar com a empresa pública.

5. (...)

6. A Lei nº 8.666, de 1993 determina, em seu art. 27, que no momento da HABILITAÇÃO para a licitação devem ser apresentados os documentos relativos à sua regularidade fiscal, portanto em fase anterior à efetiva contratação. Não faz sentido algum que uma empresa em débito com o Poder Público participe do processo de licitação, eis que não poderá efetuar a contratação em fase posterior devido a sua irregularidade.

7. Na data da abertura da licitação, a empresa licitante já deveria possuir Certidão Negativa de Débitos, perfeitamente apta a colocá-la nas mesmas condições de igualdade com os demais licitantes. A posterior regularização da situação da empresa perante os órgãos arrecadadores e fiscalizadores não retroage para habilitá-la em procedimento do qual fora desclassificada.

8. A apresentação posterior da certidão negativa de débito não enseja a aplicação do art. 462 do Código de Processo Civil, pois este não permite a alteração da causa de pedir. Sobre o tema, leciona Theotonio Negrão: ‘o acolhimento do fato novo somente é admissível quando não altera a causa petendi. O princípio do art. 462 do CPC de 1973 deve ser entendido considerando-se o que dispões os arts. 302 e 303 do mesmo diploma legal.

(RT 488/209)’ (NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 33ª edição. Ed. Saraiva. Pág. 477).

9. Apelação da parte autora desprovida.

(TRF 1ª Região, 5ª Turma. Apelação Cível Nº 2001.01.00.048858-2/PA Relator: Juiz Federal Ávio Mozar José Ferraz de Novaes).

“ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. SERVIÇOS PRESTADOS. RETENÇÃO DE PAGAMENTO. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE REGULARIDADE FISCAL. ILEGALIDADE.

1. A exigência de regularidade fiscal é motivo que impede a participação em licitação e assinatura de contrato administrativo, mas não o pagamento pelos serviços já executados. Precedentes.

2. Apelação e remessa oficial a que se nega provimento”.

(TRF 1ª Região, 5ª Turma. AMS 2005.34.00.027746-6/DF, Relator Desembargador Federal João Batista Moreira, julgado em 10/06/2009, DJ de 26/06/2009). Grifou-se.

Nessa linha, considerando-se, pois, a exegese do art 3º da Lei nº 8.666, de 1993, fica claro que a comprovação da regularidade fiscal é exigência que se coaduna ao princípio da isonomia, posto que aquele que cumpre as suas obrigações tributárias não poderá praticar preços em condições de igualdade com aquele que, ao contrário, as sonega, uma vez que este, não agregando o ônus tributário aos seus preços, pode ofertar bens e serviços por valores abaixo dos daquele:

“A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”.

Ocorre que não há que se cogitar do adimplemento de débitos por meio da licitação, o que caracterizaria desvio de poder[17].

É uníssono o entendimento acerca da vedação da utilização de meios indiretos para a cobrança de tributos. E essa interpretação já foi sedimentada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal – STF, por meio de três enunciados de súmulas de sua jurisprudência:

“Súmula nº 70: ‘É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributos”

Súmula nº 323: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”.

Súmula nº 547: “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça as suas atividades profissionais”.

Com efeito, o STF se posicionou no sentido de que a proibição legal da pessoa jurídica, que possua débitos tributários, de contratar com o Poder Público não pode ensejar o impedimento absoluto das suas atividades empresariais, ao argumento de que o meio indireto de cobrança “atenta contra a garantia do livre exercício de trabalho, ofício ou profissão e contra os princípios que norteiam a atividade econômica, consagrados nos artigos 5º, XIII e 170 da Constituição Federal”[18], bem como sob o fundamento de que o Poder Público possui os meios adequados de reaver o crédito tributário, por meio dos procedimentos contidos na Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980[19].

 Quanto ao ponto, Marçal Justen Filho assevera que:

“A exigência de regularidade fiscal representa forma indireta de reprovar a infração às leis fiscais. Rigorosamente, poderia tratar-se de meio indireto de dívidas, o que poria em questão a constitucionalidade das exigências. Observe-se que o STF tem jurisprudência firme, no sentido de que a irregularidade fiscal não pode acarretar a inviabilização do exercício de atividades empresariais. Deve admitir-se, porém, a possibilidade de o ente público recusar contratação com sujeito que se encontre em situação de dívida perante ele. A exigência da Lei, no caso de licitação, não é inconstitucional. A própria Constituição alude a uma modalidade de regularidade fiscal para fins de contratação com a Administração Pública (art. 195, § 3º). E o próprio STF reconheceu a inconstitucionalidade apenas quando houvesse impedimento absoluto ao exercício da atividade empresarial. A simples limitação, tal como proibição de contratar com instituições financeiras governamentais, foi reconhecida como válida. Sob essa óptica, a proibição de contratar com a Administração Pública não configura impedimento absoluto ao exercício da atividade empresarial”[20].

A jurisprudência do E. STJ segue o mesmo sentido:

“MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. HABILITAÇÃO. DENEGAÇÃO.

1. À Administração Pública é lícito proceder a diligências para averiguar se os licitantes estão em situação de regularidade fiscal.

2. As diligências para esclarecimento no curso de procedimento licitatório visam impor segurança jurídica à decisão a ser proferida, em homenagem aos princípios da legalidade, da igualdade, da verdade material e da guarda aos ditames do edital.

3. Comprovação da regularidade fiscal que impera.

4. Ausência de qualquer ilegalidade no procedimento licitatório.

5. Denegação da segurança”.

(MS 12762/DF, Ministro José Delgado, Primeira Seção, julgado em 28/05/2008, DJ de 16/06/2008). Grifou-se.

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. ESTADO-MEMBRO. EXIGÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE REGULARIDADE FISCAL PERANTE O INSS E O FGTS. CABIMENTO. ART. 193 DO CTN. INEXISTÊNCIA DE OFENSA.

1. A recorrente impetrou mandado de segurança com o fito de atacar ato tido por coator consistente na exigência da apresentação de certificados de regularidade fiscal perante o INSS e o FGTS que demonstrem o cumprimento dos encargos sociais, em procedimento licitatório realizado pelo Estado de Sergipe.

2. Não há incompatibilidade entre o ato tido por coator e o art. 193 do CTN, visto que essa norma apenas estabelece um requisito mínimo – e ainda assim contornável por meio de lei específica – de que o ente federado não pode contratar com empresa que lhe deve tributos.

3. Inexiste qualquer impedimento ao acréscimo de outras exigências pertinentes às finalidades da licitação, notadamente uma que salvaguarde o ente federado de celebrar avenças com concorrente que possui idoneidade questionável em razão do histórico de dívidas com a seguridade social e o FGTS, protegendo o erário de eventuais novas pendências nas quais seria devedor solidário, como também afastando do certame empresa que não recolhe contribuições intrinsecamente ligadas a direitos de seus empregados e, em última análise, da coletividade.

4. Não há violação ao princípio federativo e à repartição de competências tributárias, mas simplesmente uma defesa do Estado-membro para evitar responder a dívidas futuras combinada com o repúdio a empresas que não realizam o pagamento oportuno de quantias de manifesta importância para seus empregados e para a sociedade em geral, tudo com respaldo na Lei nº 8.666/93 e na própria Carta Magna”.

5. Recurso ordinário não provido”. (RMS 30320 / SE, Relator Ministro CASTRO MEIRA, Segunda Turma, Julgado em 04/05/2010, publicado no DJe de 21/05/2010).

(Grifou-se).

“ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. HABILITAÇÃO. REGULARIDADE FISCAL. CERTIDÕES. PRAZO DE VALIDADE. NÃO-FORNECIMENTO PELO MUNICÍPIO. ART. 535 DO CPC. EFEITOS INFRINGENTES DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

1. O art. 535 do CPC, ao dispor sobre as hipóteses de cabimento dos embargos de declaração, não veda a atribuição de efeitos infringentes, com alteração da decisão embargada, quando o Tribunal conclui deva ser sanada omissão, contradição, obscuridade ou, ainda, deva ser corrigido erro material.

2. Não configura afronta ao art. 535 do CPC se o Tribunal a quo entende ter havido ‘contradição em seu corpo, associada a erro relevante na apreciação dos elementos constantes do caderno processual’ e conclui que o acórdão exarado no mandado de segurança incorreu em vício, mais especificamente, em contradição, motivo pelo qual os embargos de declaração foram acolhidos com efeitos modificativos, resultando na reforma do julgado embargado.

3. A exigência de regularidade fiscal para habilitação nas licitações (arts. 27, IV, e 29, III, da Lei nº 8.666/93) está respaldada pelo art. 195, § 3º, da C.F., todavia não se deve perder de vista o princípio constitucional inserido no art. 37, XXI, da C.F., que veda exigências que sejam dispensáveis, já que o objetivo é a garantia do interesse público. A habilitação é o meio do qual a Administração Pública dispõe para aferir a idoneidade do licitante e sua capacidade de cumprir o objeto da licitação.

4. É legítima a exigência administrativa de que seja apresentada a comprovação de regularidade fiscal por meio de certidões emitidas pelo órgão competente e dentro do prazo de validade. O ato administrativo, subordinado ao princípio da legalidade, só poderá ser expedido nos termos do que é determinado pela lei.

5. A despeito da vinculação ao edital a que se sujeita a Administração Pública (art. 41 da Lei nº 8.666/93), afigura-se ilegítima a exigência da apresentação de certidões comprobatórias de regularidade fiscal quando não são fornecidas, do modo como requerido pelo edital, pelo município de domicílio do licitante.

6. Recurso especial não provido”. (REsp 974854 / MA, Relator Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, Julgado em 06/05/2008, Publicado no DJe de 16/05/2008).

(Grifou-se).


4. OS POSICIONAMENTOS REFERENTES À EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA REGULARIDADE FISCAL

A complexidade do tema, assim, exige que se proceda ao cotejo entre os ditames do inciso III do art. 29 da Lei nº 8.666, de 1993, com o art. 193 do Código Tributário Nacional.

O art. 193 do Código Tributário Nacional prescreve que:

“Art. 193. Salvo quando expressamente autorizado por lei, nenhum departamento da administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou sua autarquia, celebrará contrato ou aceitará proposta em concorrência pública sem que contratante ou proponente faça prova da quitação de todos os tributos devidos à Fazenda Pública interessada, relativos à atividade em cujo exercício contrata ou concorre”.

É imperativo registrar que, embora o E. TCU tenha deliberado que deve haver a comprovação da regularidade fiscal a que alude o inciso III do art. 29 da Lei nº 8.666, de 1993[21], há importante precedente atestando que a Corte de Contas da União não consolidou a sua jurisprudência no sentido de que deve ser apresentada a certidão que comprove a regularidade fiscal com a Fazenda Nacional, a Fazenda Estadual e a Fazenda Municipal. É o que noticia o Acórdão nº 488/2004 – 1ª Câmara:

“(...) não há jurisprudência consolidada exigindo a comprovação da regularidade junto à Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, e o precedente mencionado pela unidade técnica, Acórdão nº 714/2000 - Segunda Câmara, refere-se particularmente à regularidade relativa ao FGTS e INSS. Registre-se que não há elementos nos autos que indiquem que não houvesse sido exigida a prova de regularidade junto ao FGTS e ao INSS, tendo a representação versado especificamente sobre a situação irregular da empresa BAH junto à Fazenda Estadual, em decorrência da falta de exigência de documentação comprobatória pela Prefeitura”. Grifou-se.

Com efeito, o tema está longe de ser pacificado pela doutrina e pelos tribunais. Em que pese o parco material doutrinário, constata-se que há algumas interpretações acerca do tema[22].

Uma primeira posição afirma que deve ser exigida a prova da regularidade fiscal perante todas as Fazendas Públicas. O E. STJ já emanou decisão em que afirma tal entendimento:

“RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. SERVIÇO DE CONSULTORIA. ARTIGOS 29 E 30, DA LEI Nº 8.666, de 1993. CERTIFICAÇÃO DOS ATESTADOS DE QUALIFICAÇÃO TÉCNICA. PROVA DE REGULARIDADE FISCAL JUNTO À FAZENDA ESTADUAL.

A Lei de Licitações determina que deverá ser comprovada a aptidão para o desempenho das atividades objeto da licitação (artigo 30, inciso II), por meio de ‘atestados fornecidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado, devidamente certificados pelas entidades profissionais competentes (...)’ (artigo 30, § 1º). ‘Dispositivos do ordenamento jurídico, ainda que não previstos no edital – o edital não tem como reproduzir todas as normas positivas vigentes – devem ser observados pela Administração e pelo particular, os quais se aplicam à licitação indubitavelmente’ (Luís Carlos Alcoforado, ‘Licitação e Contrato Administrativo’, 2ª edição, Brasília Jurídica, p. 45).

A Lei nº 8.666, de 1993 exige prova de regularidade fiscal perante todas as fazendas, Federal, Estadual e Municipal, independentemente da atividade do licitante.

Recurso especial provido. Decisão por unanimidade”.

(REsp 138745/RS, Relator Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, julgado em 05/04/2001, DJ de 25/06/2001). Grifou-se.

Outra corrente assevera que a prova da regularidade fiscal deve ser feita apenas no tocante aos tributos inerentes ao ramo de atividade do interessado em contratar com a Administração.

Jorge Ulisses Jacoby Fernandes noticia decisão adotada pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal – TCDF, no Processo nº 2.479/97, em que se definiu a aparente divergência entre o inciso III do art. 29 da Lei nº 8.666, de 1993, e o art. 193 do Código Tributário Nacional, pugnando, ao final, pela exigência de comprovação da regularidade fiscal de acordo com o ramo de atividade do interessado em contratar com a Administração[23]:

“Adotada a literalidade do comando normativo da Lei de Licitações, os licitantes deverão apresentar o elenco de certidões, variáveis em número, segundo o domicílio da empresa.

Aliás, é o que a maioria dos órgãos da Administração Pública tem, mecanicamente, feito, transcrevendo ao art. 29, III, precitado, e deixando para a Comissão de Licitação a árdua tarefa burocrática, exercida sob a pressão das circunstâncias, em definir no caso, quantas e quais são as certidões que devem ou não ser exigidas para atender ao comando legal.

Burocratiza-se o processo, afastam-se bons licitantes e dificulta-se a obtenção da proposta mais vantajosa.

Mais do que isso, abala-se o alicerce da isonomia, pois desigualar-se-á os licitantes. Explica-se, exemplificando: se numa licitação para conservação e limpeza comparecem duas empresas, entre outras, uma de grande porte, que ocasionalmente está em débito com o IPTU, de sua sede própria; outra, recém criada, que não possui imóvel ou bens. A segunda pode participar da licitação, porque está em situação regular perante todos os fiscos; a primeira, não.

Agora, impõe-se questionar: qual a relevância da regularidade com o IPTU, para a contratação? Absolutamente nenhuma.

O bom hermeneuta deve considerar a finalidade da norma, a parcela da sociedade a que se dirige e o ordenamento jurídico em que se insere.Nesse sentido, a relação dos órgãos públicos que promovem a licitação com o fisco, ficou delimitada no art. 55, § 3º, da própria Lei nº 8.666, de 1993, não se podendo pretender que o processo licitatório sirva de pretexto para se fazer a verificação geral de todos - que não são poucos - os tributos.

(...)

O próprio direito positivo oferece solução de profunda densidade lógica, na medida em que se coordena o art. 29, inciso III, da Lei nº 8.666, de 1993 - norma geral, Lei Ordinária -, com o art. 193 do CTN, norma específica, com força de Lei Complementar: só devem ser exigidas as provas de regularidade com os tributos que incidam sobre a atividade a ser contratada.

No caso exemplificado, exigir-se-á tão somente:

- prova de regularidade com a seguridade social - art. 193, § 5º da Constituição Federal - conforme Decisão 705/94, publicada no DOU de 06/12/94, pág. 18.613;

- prova de regularidade com o Imposto de Renda – IR;

- prova de regularidade com o Imposto sobre Serviços – ISS.

Por esse motivo a Decisão do TCDF é extremamente relevante, ao impor seja elencada restritivamente a exigência de regularidade fiscal, colocando paradeiro na formidável exigência obstrutiva à participação nas licitações”. Grifou-se.

Nessa esteira, André Guskow Cardoso[24] cita decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do estado de São Paulo, assim ementada:

”Apelações Cíveis. Licitação. Pretensão da autora à anulação de ato que a inabilitou ao certame. Alegação de descumprimento dos termos do Edital. Ausência de prova de regularidade fiscal em relação ao ITBI. Exigência que não condiz ao objeto da licitação. Inteligência do art. 37, inc. XXI, da CF de 1988. Prova, no mais, de que se desincumbiu a autora, na medida em que demonstrou não ser proprietária de bens imóveis. Rejeição do meio probatório que desborda da razoabilidade, infringindo o artigo 111 da Constituição do estado de São Paulo. Ação julgada procedente na origem. Sentença mantida. Recurso das rés desprovidos”. (Apelação Cível 323.531.5/7-00, Quarta Câmara de Direito Público, Relator Desembargador Rui Stocco, julgado em 09/11/2009). Grifou-se.

Outra corrente expõe que o interessado em contratar com o Poder Público deve fazer prova da regularidade fiscal apenas perante a Fazenda Pública contratante.

Não obstante a ausência de jurisprudência pacificada pelo E. TCU, este, citando o eminente Marçal Justen Filho, já deliberou no sentido de que a exigência da regularidade fiscal deve apenas ocorrer em face do ente federativo que promove a licitação, afirmando, inclusive que a posição doutrinária majoritária repele a exigência da prova da regularidade fiscal perante todas as Fazendas Públicas, e rechaçando o entendimento da sua equipe de auditoria[25]:

Data vênia, a posição da equipe do TCU de exigir prova de regularidade federal, estadual e municipal não condiz com a doutrina e jurisprudência dominantes. O ilustre Marçal Justen Filho na obra Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 9ª Edição, fls. 307, ao tratar do assunto em questão assevera que:

‘Somente é possível reconhecer como indispensável a regularidade fiscal em face do ente federativo que promove a licitação[26]. Poderia defender-se que a licitação é uma excelente oportunidade para constranger alguém a pagar tributos. Esse argumento caracterizaria desvio de poder e invalidade da atividade pública’.

Nesta seara, estamos diante de uma questão de interpretação de uma norma jurídica, tendo a Comissão fundamentada a decisão de exigir a regularidade fiscal apenas municipal por ter consultado o livro acima descrito e ter certeza dessa possibilidade”. Grifou-se.

Embora o eminente Marçal Justen Filho assevere que a prova da regularidade fiscal deve ser efetuada perante a pessoa jurídica contratante, ele também aduz à necessidade de que esta prova esteja afeta ao ramo de atividade do interessado em contratar com a Administração Pública:

“A existência de débitos para com o Fisco apresenta pertinência apenas no tocante ao exercício de atividade relacionada com o objeto do contrato a ser firmado. Não se trata de comprovar que o sujeito não tem dívidas em face da ‘Fazenda’ (em qualquer nível) ou quanto a qualquer débito possível e imaginável. O que se demanda é que o particular, no ramo de atividade pertinente ao objeto licitado, encontre-se em situação fiscal regular. Trata-se de evitar contratação de sujeito que descumpre obrigações fiscais relacionadas com o âmbito da atividade a ser executada.

(...)

Portanto, não há cabimento em exigir que o sujeito – em licitação de obras, serviços ou compras – comprove regularidade fiscal atinente a impostos municipais sobre propriedade imobiliária ou impostos estaduais sobre propriedade de veículos. Nem há fundamento jurídico-constitucional para investigar se o sujeito pagou a taxa de polícia para a CVM e assim por diante. Todos esses tributos não se relacionam com o exercício regular, para fins tributários, da atividade objeto do contrato licitado[27]. Grifou-se.

Releva consignar o posicionamento de Hugo de Brito Machado, para quem “a exigência do art. 193 diz respeito apenas aos tributos relativos à atividade em cujo exercício o contribuinte está contratando, ou licitando. E somente aqueles tributos devidos à pessoa jurídica contratante, ou que está a promover a concorrência. Não abrange, pois, tributos devidos a outras pessoas jurídicas de Direito Público”[28]. Grifou-se.

O E. STJ também já decidiu nesse sentido:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. LICITAÇÃO. CONCORRÊNCIA PÚBLICA. EXIGÊNCIA EDITALÍCIA DE REGULARIDADE FISCAL DA FILIAL DA EMPRESA PERANTE A FAZENDA PÚBLICA MUNICIPAL. SUPOSTA OFENSA AO ART. 29, III, DA LEI 8.666, de 1993. NÃO-OCORRÊNCIA. DOUTRINA. PRECEDENTE. DESPROVIMENTO.

1. A recorrente impetrou mandado de segurança contra ato do Diretor da Divisão de Preparo de Licitações da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro/RJ, pleiteando, em síntese, afastar exigência prevista no edital de licitação – Concorrência Pública nº 01/2002, destinada à aquisição de cimento asfáltico de petróleo – concernente à regularidade fiscal imobiliária da filial perante a municipalidade, sob o argumento de que a Lei nº 8.666, de 1993 somente exige a respectiva certidão do domicílio ou sede da empresa.

2. A exigência editalícia relativa à comprovação de regularidade fiscal da filial perante a Fazenda Pública Municipal responsável pela licitação, independentemente da situação fiscal da matriz situada em município diverso, é razoável e encontra respaldo na interpretação teleológica do art. 29, III, da Lei nº 8.666, de 1993.

3. ‘Constatado que a filial da empresa ora interessada é que cumprirá o objeto do certame licitatório, é de se exigir a comprovação de sua regularidade fiscal, não bastando somente a da matriz, o que inviabiliza sua contratação pelo Estado. Entendimento do artigo 29, incisos II e III, da Lei de Licitações, uma vez que a questão nele disposta é de natureza fiscal’. (REsp 900.604/RN, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 16/4/2007).

4. Isentar a recorrente de comprovar sua regularidade fiscal perante o município que promove a licitação viola o princípio da isonomia (Lei nº 8.666, de 1993, art. 3º), pois estar-se-ia privilegiando os licitantes irregulares em detrimento dos concorrentes regulares.

5. Recurso especial desprovido.

(REsp 809262/RJ, Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 23/10/2007, DJ de 19/11/2007). Grifou-se.


5. O POSICIONAMENTO AQUI ADOTADO

O certo é que a comprovação da regularidade fiscal deve estar em consonância ao preceito esculpido no inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal, de que as exigências para a habilitação deverão ser as mínimas possíveis. O inciso IV do art. 27 e o inciso III do art. 29, ambos da Lei nº 8.666, de 1993, estabeleceram que a Administração exigirá a “prova da regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei”, e devem ser interpretados de acordo com tal diretriz constitucional.

Sendo assim, na medida em que as exigências para a habilitação devem ser as mínimas possíveis, nos termos da Constituição Federal, afigura-se razoável que se adote a interpretação de que a imposição relativa à regularidade fiscal siga essa diretriz, e, por conseguinte, essa prova deve ser efetuada apenas perante a pessoa jurídica contratante. Isso, no intuito, inclusive, de ampliação da competitividade no processo licitatório, na busca do atendimento do interesse público.

 Além disso, importante frisar que tanto a Fazenda Nacional, quanto as Fazendas Públicas estaduais, municipais e distrital possuem os meios aptos para reaver os seus créditos tributários, seguindo-se o rito estabelecido na Lei nº 6.830, de 1980. Assim, não se afigura razoável que a União, a pretexto de cumprir os ditames da Lei nº 8.666, de 1993, exigir o cumprimento das obrigações de tributos cujas competências estão afetas a outros entes da Federação, nos termos dos arts. 155 e 156 da Constituição Federal.

 Corroborando tal entendimento, evidencie-se, novamente, que a jurisprudência sumulada do E. STF, e de precedentes do E. TCU, o qual aduz que “a cobrança de dívidas de licitantes perante a instituição realizadora do procedimento licitatório deve ser buscada pelos meios administrativos ou judiciais adequados”, é no sentido de que a proibição legal da pessoa jurídica, que possua débitos tributários, de contratar com o Poder Público, não pode ensejar o impedimento absoluto das suas atividades empresariais. E, a exigência de regularidade fiscal perante os outros entes federais representaria forma indireta de reprovar a infração à legislação tributária, salvo se tal exigência apenas incidir sobre os tributos relativos à pessoa jurídica contratante.

Ademais, o inciso II do art. 29 da Lei nº 8.666, de 1993, ao exigir prova de inscrição no cadastro de contribuintes estadual ou municipal (se houver), vincula tal exigência ao domicílio ou sede do licitante, pertinente ao seu ramo de atividade e compatível com o objeto contratual:

“Art. 29.  A documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em:

(...)

II - prova de inscrição no cadastro de contribuintes estadual ou municipal, se houver, relativo ao domicílio ou sede do licitante, pertinente ao seu ramo de atividade e compatível com o objeto contratual;

(...)”.

É certo que o inciso III do art. 29, que fala da prova da regularidade fiscal, deve ser interpretado em consonância com o inciso seu II, haja vista estarem topograficamente inseridos em um mesmo dispositivo legal. Dessarte, a comprovação da regularidade fiscal deve ser aferida em face da Fazenda Púbica contratante e deve estar afeta ao ramo de atividade do licitante.

 É imprescindível, outrossim, que se entenda por regularidade fiscal, para fins de participação em procedimento licitatório, o adimplemento de tributos de competência da União. É importante frisar não há que se limitar ao âmbito da atividade objeto da licitação, entendido como pressuposto do desempenho idôneo dessa atividade, uma vez que não é admissível que a União contrate quem possua débitos para com ela.

 Essa é a expressa diretriz a ser seguida no tocante à modalidade licitatória pregão, regulada pela Lei nº 10.520, de 2002, a qual dispõe que:

“Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:

(...)

XIII – a habilitação far-se-á com a verificação de que o licitante está em situação regular perante a Fazenda Nacional, a Seguridade Social e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, e as Fazendas Estaduais e Municipais, quando for o caso, com a comprovação de que atende às exigências do edital quanto à habilitação jurídica e qualificações técnica e econômico-financeira;

XIV – os licitantes poderão deixar de apresentar os documentos de habilitação que já constem no sistema de Cadastramento Unificado de fornecedores – SICAF e sistemas semelhantes mantidos por Estados, Distrito Federal ou Municípios, assegurado aos demais licitantes o direito de acesso aos dados nele constantes;

(...)”.

Parece bastante pertinente o entendimento esposado por Marçal Justen Filho, para quem:

“A única interpretação razoável para a fórmula verbal adotada pela Lei do Pregão reside em vincular a exigência à órbita federativa que promove a licitação. Ou seja, se a União promover o pregão, não será o caso de exigir comprovação de regularidade fiscal perante o Estado, Distrito Federal e Município, eis que não são eles interessados no certame”.

E o eminente doutrinador ainda afirma que:

“Em se reconhecendo que a temática sobre requisitos de habilitação apresenta natureza idêntica no pregão e em todas as demais modalidades licitatórias, surgem novas luzes sobre o tema examinado. Se a norma contida na Lei nº 10.520, de 2002 não é especialmente relacionada com o pregão, então apresenta natureza de norma geral quanto a toda e qualquer licitação. Assim sendo, ter-se-ia de convir que, nos termos dos princípios da posteridade, a norma da Lei nº 10.520, de 2002 teria alterado o regime jurídico genérico de toda e qualquer licitação (...) Portanto, pode-se concluir que a Lei nº 10.520, de 2002 introduziu inovação significativa, aplicável a todas as modalidades licitatórias, consistente na restrição à amplitude das exigências quanto à regularidade fiscal”[29].

Com efeito, a conclusão a que se chega é de que, nas licitações realizadas por órgãos federais e submetidas aos ritos da Lei nº 8.666, de 1993, da Lei nº 10.520, de 2002, bem como nas contratações diretas, deve-se exigir, daquele que pretende cumprir o objeto licitado, como critério de habilitação no certame, a regularidade fiscal apenas perante a Fazenda Nacional.

Reitere-se que a comprovação da regularidade fiscal perante a Fazenda Nacional, só pode ser dispensada nos casos de convite, concurso, leilão e em avenças com previsão de entrega imediata do bem, nos termos do § 1º do art. 32 da Lei nº 8.666, de 1993. Igualmente, nos casos de dispensa de licitação de baixo valor, previstos nos incisos I e II do art. 24 da lei licitatória.


6. CONCLUSÃO

 Conforme exposto ao longo deste artigo, na medida em que as exigências para a habilitação devem ser as mínimas possíveis, é razoável que se adote a interpretação de que a comprovação da regularidade fiscal siga tal diretriz.

 Como consequência, a prova da regularidade fiscal deve ser efetuada apenas perante a pessoa jurídica contratante e, essa prova, deve estar afeta ao ramo de atividade do interessado em contratar com a Administração Pública, registrando-se que essa comprovação não há que se limitar ao âmbito da atividade objeto da licitação, entendido como pressuposto do desempenho idôneo dessa atividade, uma vez que não é admissível que a União contrate quem possua débitos para com ela.

 Portanto, nas licitações realizadas por órgãos federais e submetidas aos ritos da Lei nº 8.666, de 1993, da Lei nº 10.520, de 2002, bem como nas contratações diretas, deve-se exigir, daquele que pretende cumprir o objeto licitado, como critério de habilitação no certame, a regularidade fiscal apenas perante a Fazenda Nacional.


7. BIBLIOGRAFIA

Cardoso, André Guskow. Os limites às exigências de regularidade fiscal em licitações. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 35, janeiro/2010, disponível em: <http://www.justen.com.br/informativo.php?informativo=35&artigo=18.

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Jacoby Fernandes, Jorge Ulisses. Licitações com menos burocracia. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/19295/18859)>Justen Filho, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética, 2009.

MACHADO, Hugo de Brito. A exigência de certidões negativas. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 53, 1 jan, 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2559>.

Meireles, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1998.

Pereira Junior, Jessé Torres. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

Neves, Marcelo. Extensão da Exigência de Regularidade Fiscal na fase de habilitação do procedimento licitatório. Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 14, abril/maio/junho, 2008. Disponível na internet: <http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>.

Sundfeld, Carlos Ari. Licitação e Contrato Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994


Notas

[1] Parafraseando o eminente doutrinador Marçal Justen Filho, no que tange à regularidade para com a Fazenda, “esse é um dos temas mais complexos e problemáticos da Lei de Licitações. Existem inúmeros ângulos a ser enfrentados”. (Justen Filho, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética, 2009, p. 402).

[2] E, por conseguinte, toda a sociedade, uma vez que o Brasil vive sob a égide de Estado Democrático de Direito, em que “todo poder emana do povo”, consoante o parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal.

[3] “Art. 2º As pessoas jurídicas em débito com o FGTS não poderão celebrar contratos de prestação de serviços ou realizar transação comercial de compra e venda com qualquer órgão da administração direta, indireta, autárquica e fundacional, bem como participar de concorrência pública”.

[4] Op. cit. p. 469.

[5] Pereira Junior, Jessé Torres. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.383.

[6] Há que se ressaltar que a Administração deve ponderar as hipóteses em que a dispensa de tais documentos não ensejará uma insegurança nas suas contratações.

[7] Pereira Junior, Jessé Torres. Op. cit. p. 338.

[8] Meireles, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. São Paulo:Malheiros, 1998, p.137.

[9] Op. cit. p. 402.

[10] O Egrégio Tribunal de Contas da União, em sua Decisão nº 705/94 – Plenário –, que ‘nos contratos de execução continuada ou parcelada, a cada pagamento efetivado pela administração contratante, há que existir a prévia verificação da regularidade da contratada com o sistema da seguridade social, sob pena de violação do disposto no § 3º do art. 195 da Lei Maior’. Grifou-se.

O mesmo TCU afirma, na Decisão nº 1.241/2002 – Plenário –, que se deve ater ‘à exigência de comprovação de regularidade relativa à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS –, quando da dispensa ou inexigibilidade de licitação, tanto na contratação como na efetuação de pagamentos (art. 195, Inciso I, § 3º da CF de 1988 art. 47, I, alínea "a" da Lei nº 8.212, de 1991, art. 27, alínea "a" da Lei nº 8.036, de 1990 e art. 2º da Lei nº 9.012, de 1995)’. Grifou-se.

Igualmente, o TCU repetiu tal exigência, no Acórdão nº 1349/2008 – Primeira Câmara: “(...)1.3.2. exija, no ato da assinatura do contrato e a cada pagamento referente à ajuste de execução continuada ou parcelada, a comprovação da regularidade fiscal para com a Seguridade Social, para com o FGTS e para com a Fazenda Federal, nos termos do art. 195, § 3º, da Constituição Federal e dos arts. 29, incisos III e IV, e 55, inciso XIII, da Lei nº 8.666, de 1993;”. Grifou-se.

[11] A deliberação transmitida por tal Acórdão alterou a decisão veiculada pelo Acórdão nº 725/2007 – Plenário –, a qual determinava à Infraero que “exija comprovação de regularidade fiscal, mesmo de empresas contratadas por meio de dispensa de licitação, fundamentada nos incisos I e II, do art. 24, da Lei 8.666/93”.

[12] Comentários à lei de Licitações e Contratações da Administração Pública. Rio de Janeiro: Renovar, p. 329.

[13] Conforme determina a Constituição Federal de 1988, “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte (...)”. Grifou-se.

[14] Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 227/228.

[15] “A leitura atenta da Constituição Brasileira de 1988, especialmente dos Títulos VI (Da Tributação e do Orçamento) e VII (Da Ordem Econômica e Financeira), permite observar que o financiamento dos gastos públicos do Estado brasileiro se faz mediante pagamento de tributos, visto que, de regra, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei (art. 173).

Não se trata de opção aleatória ou impensada do legislador constituinte, mas antes um contrato social, no sentido do termo utilizado por J. J. Rousseau, em que os brasileiros acordaram que o Estado seria primordialmente financiado por intermédio de uma contribuição pecuniária devida por todos os detentores de capacidade contributiva.

Por isso - e apesar de não estar escrito expressamente -, é possível verificar a existência de um dever fundamental de pagar tributos ao lado de outros deveres fundamentais, como os deveres de participação política, de proteger o meio ambiente, proteger o patrimônio cultural, defender a Nação etc.

O dever fundamental de pagar tributos é o reverso da medalha dos direitos fundamentais. Afinal, como lembra José Casalta Nabais: ‘os direitos, todos os direitos, porque não são dádiva divina nem frutos da natureza, porque não são auto-realizáveis nem podem ser realisticamente protegidos num estado falido ou incapacitado, implicam a cooperação social e a responsabilidade individual. Daí decorre que a melhor abordagem para os direitos seja vê-los como liberdades privadas com custos públicos. Na verdade, todos os direitos têm custos comunitários, ou seja, custos financeiros públicos. Têm, portanto, custos públicos não só os modernos direitos sociais, aos quais toda a gente facilmente aponta esses custos, mas também têm custos públicos os clássicos direitos e liberdades, em relação aos quais, por via de regra, tais custos tendem a ficar na sombra ou mesmo no esquecimento. Por conseguinte, não há direitos gratuitos, direitos de borla, uma vez que todos eles se nos apresentam como bens públicos em sentido estrito’”(FURLAN, Anderson. A LC nº 123/2006 e a responsabilidade Tributária. Revista Dialética de Direito Tributário nº 140, São Paulo: Dialética, maio de 2007, pp. 7-13). Grifou-se.

[16] Alguns doutrinadores já entenderam que a exigência de natureza fiscal, contemplada na Lei de Licitações, seria inconstitucional, com fulcro na literalidade da parte final do inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal, uma vez que o constituinte utilizou a expressão “o qual somente permitirá exigências de qualificação técnica e econômica, indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. Construiu-se, assim, um raciocínio que propugnava que a habilitação nas licitações estava restrita aos aspectos técnicos e econômico-financeiros. Por exclusão, exigências pertinentes aos aspectos jurídico e fiscal estariam vedados. (Rigolin, Ivan Barbosa e Bottino, Marco Tulio. Manual Prático das Licitações. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 41). Registre-se que essa interpretação é repelida pela boa doutrina, a exemplo do que se extrai da lição de Carlos Ari Sundfeld: “(...) não vemos inconstitucionalidade na indicação da regularidade fiscal como condição de habilitação (em licitação). (...) Isso não pode implicar em eliminar a incidência, no campo das licitações, da técnica, generalizada no Direito, de interditar o exercício de certos direitos (como o de contratar com a Administração) em decorrência da prática de ilícitos. A regularidade das obrigações tributárias não é uma questão secundária e irrelevante. É, para o próprio Estado – e para a sociedade que recebe seus serviços – questão vital. Daí a razoabilidade da lei condicionando a aquisição ou o exercício de certos direitos de natureza econômica à regularidade fiscal”. (Sundfeld, Carlos Ari. Licitação e Contrato Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 122). Grifou-se.

[17] Marçal Justen Filho noticia decisão do E. TCU no sentido de que “a cobrança de dívidas de licitantes perante a instituição realizadora do procedimento licitatório deve ser buscada pelos meios administrativos ou judiciais adequados. A quitação dessas dívidas como condição para contratação com a entidade não pode ser empreendida por falta de permissivo legal. Admitir sua realização seria criar procedimento de afronta ao princípio da legalidade que rege a Administração e de estabelecimento de meio abusivo de cobrança” (Acórdão nº 965/2003 - Primeira Câmara. APUD Justen Filho, Marçal. Op. cit. p 405).

[18] RE 576320/SP, Relator ministro Carlos Ayres Brito, julgado em 25/05/2010: “no julgamento plenário do RE 413.782, 17.03.2005, Marco Aurélio, o Tribunal reafirmou o princípio subjacente às Súmulas 70, 363 e 547, contido no art. 5º, XIII, da Constituição Federal, e afastou a possibilidade de a Fazenda Pública impor penalidades que inviabilizem o exercício da atividade empresarial no intuito de recolher tributos atrasados. No mesmo sentido, v.g. RE 231.543, Ilmar, RTJ 169/1.085; RE 115.452-ED-EDv, Velloso, RTJ 138/847”.

[19] “Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências”.

[20] Justen Filho, Marçal. Op. cit. p. 400.

[21] Cf. Acórdão nº 1391/2009 – Plenário.

[22] Neves, Marcelo. Extensão da Exigência de Regularidade Fiscal na fase de habilitação do procedimento licitatório. Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 14, abril/maio/junho, 2008. Disponível na internet: <http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em 14 de outubro de 2011.

[23] Jacoby Fernandes, Jorge Ulisses. Licitações com menos burocracia. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/19295/18859)>. Acesso em 14 de dezembro 2011.

[24] Cardoso, André Guskow. Os limites às exigências de regularidade fiscal em licitações. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 35, janeiro/2010, disponível em: <http://www.justen.com.br/informativo.php?informativo=35&artigo=18, acesso em 14 de dezembro de 2011.

[25] Acórdão nº 2295/2007 – Segunda Câmara.

[26] Consigne-se que o eminente autor permanece com tal posição, consoante se vislumbra da 13ª edição de sua mencionada obra, p. 404. Em recente julgado, o E. TCU parece ter reafirmado tal posicionamento, ao decidir que “a exigência de prova de inscrição em cadastro de contribuintes estadual, para contratação cujo objeto refere-se a atividade de competência tributária municipal, contraria o art. 29, inciso II, da Lei nº 8.666, de 1993” (Acórdão nº 2.495/2010 – Plenário).

[27] Justen Filho, Marçal. Op. cit, p. 403.

[28] MACHADO, Hugo de Brito. A exigência de certidões negativas. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, nº 53, jan. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2559>. Acesso em 10 de novembro 2011.

[29] Op. cit. p. 406/407.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Thaísa Juliana Sousa. Licitação promovida pela União: desnecessidade de comprovação da regularidade fiscal perante os estados e municípios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3311, 25 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22286. Acesso em: 23 abr. 2024.