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Controle difuso de constitucionalidade: atribuição de eficácia erga omnes e vinculante às decisões do Supremo Tribunal Federal

Controle difuso de constitucionalidade: atribuição de eficácia erga omnes e vinculante às decisões do Supremo Tribunal Federal

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Analisa-se a aplicação da teoria da mutação constitucional e dos limites da jurisdição constitucional do Supremo Tribunal Federal.

Resumo: O presente trabalho destina-se à análise da aplicação da teoria da mutação constitucional e dos limites da jurisdição constitucional do Supremo Tribunal Federal. Buscou-se verificar a possibilidade de ocorrer, no atual ordenamento jurídico brasileiro, alteração de texto constitucional mediante ‘mutação constitucional por via interpretativa’, de modo a possibilitar a ampliação dos efeitos do controle difuso de constitucionalidade atribuindo-lhe eficácia erga omnes e vinculante. Essa tese foi levantada pelo Ministro Gilmar Mendes ao proferir voto na Reclamação n. 4335/AC. No estudo foram verificadas as espécies de mutação constitucional, seus efeitos e limites. Antes de adentrar nas especificidades do tema objeto do estudo foi analisado o controle de constitucionalidade afeto ao Supremo Tribunal Federal, bem como as suas funções como guardião da Constituição. No estudo concluiu-se pela impossibilidade da alteração de texto constitucional por meio de construção pretoriana, bem como, ser antiquada a fórmula prevista no art. 52, X da Constituição Federal de 1988. Ao final apontou-se como solução frente à inércia do Senado Federal em cumprir determinação expressa contida no texto constitucional a utilização da Súmula Vinculante.

Palavras-chave: Constitucional – Difuso – Eficácia – Mutação – Senado – Súmula

Sumário: 1 INTRODUÇÃO. 2 BREVE ESCORÇO TEÓRICO. 3 A CONSTITUIÇÃO. 3.1 A rigidez ou flexibilidade do texto Constitucional. 3.2 A estabilidade constitucional. 3.3 A dicotomia rigidez-flexibilidade e seus reflexos na estabilidade constitucional. 4 MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL. 4.1 Conceito e denominação. 4.2 Natureza da mutação constitucional. 4.3 Tipos de Mutação Constitucional. 4.3.1 Mutação constitucional pela via interpretativa. 4.3.2 Mutação constitucional pela construção constitucional. 4.3.3 Mutação constitucional pela prática constitucional. 4.4 Mutação inconstitucional. 4.1 Limites da mutação constitucional. 5 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. 5.1 Introdução, conceito e generalidade. 5.2 O Controle concentrado e o controle difuso de constitucionalidade. 5.2.1 Controle concentrado. 5.2.2 Controle difuso. 5.2.2.1. Os efeitos do controle difuso de constitucionalidade. 5.3 A suspensão da execução de lei ou ato inconstitucional pelo legislativo. 5.4Controle difuso e a transcendência dos motivos determinantes. 6 A RECLAMAÇÃO 4335/AC: SURGIMENTO DE UMA NOVA PERSPECTIVA SOBRE O CONTROLE DIFUSO. 7 A SÚMULA VINCULANTE: SOLUÇÃO FRENTE À INÉRCIA DO SENADO FEDERAL. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


1INTRODUÇÃO

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciando o julgamento da Reclamação n. 4.335/AC vem apontando para uma mudança de perspectiva dos efeitos até então atribuídos aos seus pronunciamentos na análise de casos concretos, ou seja, em sede de controle difuso de constitucionalidade. Nessa nova perspectiva seriam a eles atribuídos efeitos erga omnes e vinculantes, do que resultaria uma nova concepção, não somente do controle da constitucionalidade no Brasil, mas também, de poder constituinte e de equilíbrio entre os Poderes da República.

Até o momento foram declarados quatro votos[1]: o Ministro Sepúlveda Pertence, julgando improcedente, mas concedendo habeas corpus de ofício para que o juiz examine os demais requisitos para deferimento da progressão; Joaquim Barbosa, não conhecendo da reclamação, igualmente concede o habeas corpus - entendem, pois, que sem a participação do Legislativo a decisão do Supremo não vincula as demais instâncias; os Ministros Gilmar Mendes, relator, e Eros Grau, conhecem a reclamação e julgam-na procedente, sob o fundamento de ter havido ‘mutação constitucional’ do inciso X do art. 52 da Carta constitucional de 1988.

O inciso X do artigo 52 estabelece como competência privativa do Senado Federal a suspensão da execução do ato declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo. Essa suspensão é operada por meio da edição de uma resolução suspensiva.

Nessa perspectiva, a tese apresentada pelos ministros Gilmar Mendes e Eros Graus, contrario sensu, resulta numa superação da concepção atual de separação de poderes, conduzindo a uma necessária reinterpretação dos institutos vinculados ao controle incidental de constitucionalidade e do papel do Senado Federal, quando desses pronunciamentos.

Por esse entendimento ao Senado Federal não mais se atribuiria competência para a suspensão de execução da lei declarada inconstitucional, mas, dar publicidade à declaração proferida pelo STF. Dessa forma, a decisão da Suprema Corte que em sede de controle incidental declarar definitivamente uma lei ou ato normativo inconstitucional terá efeitos gerais, cabendo ao Senado, recebida a comunicação de tal decisão, publicá-la no Diário do Congresso.

Assim, toda decisão da Corte Máxima em controle difuso de constitucionalidade teria eficácia erga omenes e vinculante, não podendo os demais órgãos jurisdicionais, adotando posicionamento contrário, desrespeitá-la.

O Ministro Pertence, em seu voto, afirmou que a tese trazida pelo relator, na prática reduziria o Senado Federal a uma “posição subalterna de órgão de publicidade de decisões do STF”[2], argumentando ainda que a eficácia geral das decisões do Supremo poderia ser obtida através da Súmula Vinculante.

Como sabido, o controle difuso de constitucionalidade tem por característica ser incidental. Nele a matéria constitucional é discutida como meio de defesa, pela via da exceção. A questão constitucional neste caso é prejudicial ao julgamento do objeto principal da lide.

Exercitável somente frente a um caso concreto, no controle difuso a decisão tem seus efeitos a ele restritos, ou seja, inter partes, não acarretando em anulação da lei ou ato normativo impugnado. Como dito, cinge-se os seus efeitos aos demandantes, não possuindo eficácia erga omnes. Destarte, não vincula os demais órgãos jurisdicionais nem o poder público.

A ampliação dos efeitos da declaração incidental de inconstitucionalidade, no sistema atual, somente se dá mediante resolução suspensiva do Senado Federal, único, instrumento capaz de atribuir-lhe efeitos erga omnes. Ressalte-se, porém, que este efeito é ex nunc, ou seja, o ato declarado inconstitucional perde a sua eficácia somente a partir da publicação da resolução suspensiva.

Diferentemente ocorre no controle concentrado de constitucionalidade, dito também abstrato ou por via de ação. Nele a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo é feita em tese, independentemente de um caso concreto, sendo a inconstitucionalidade o objeto principal da ação. Nestes casos a decisão terá efeitos erga omnes e vinculante.

Caso seja vencedora a tese veiculada pelos ministros Gilmar Mendes e Eros Grau[3], haverá uma fusão entre as duas modalidades de controle de constitucionalidade praticadas no Brasil, resultando numa ‘abstração’ do controle difuso de constitucionalidade, que passaria em decisões proferidas pelo Supremo, a ter os mesmos efeitos de uma decisão proferida em controle concentrado.

O estudo, mediante contribuição consistente e fundamentada, visa abrir novos horizontes para o entendimento da aplicação da teoria da mutação constitucional e dos limites da jurisdição constitucional do Supremo Tribunal Federal, analisando a possibilidade de ocorrer, no atual ordenamento jurídico brasileiro, alteração de texto constitucional mediante ‘mutação constitucional por via interpretativa’.


2.BREVE ESCORÇO TEÓRICO

A Reclamação n. 4.335/AC ajuizada contra decisões do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco-AC que indeferira pedido de progressão de regime em favor de condenados a penas de reclusão em regime integralmente fechado pela prática de crimes hediondos, colocou no campo doutrinário e jurisprudencial uma questão bastante controvertida que versa sobre a possibilidade da ocorrência de mutação constitucional pela via interpretativa.

Em julgado recente o STF concedeu ordem de hábeas corpus[4] e nela declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/90, permitindo a progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos. A reclamação 4.335 visa atribuir a esta decisão, proferida na análise de um caso concreto, em controle difuso de constitucionalidade, eficácia erga omnes e vinculante, o que resultaria na cassação das decisões impugnadas e na obrigação do juízo reclamado proferir nova decisão com o fito de preservar a autoridade do pronunciamento do Alto Pretório.

Acolhida a tese nos moldes propostos haverá o estabelecimento de novos limites entre os poderes constituídos e uma zona de fusão entre o controle difuso de constitucionalidade e o controle concentrado.

Em seu voto o Ministro Gilmar Mendes[5] confirmou posição que doutrinariamente já vinha adotando, segundo a qual:

A amplitude conferida ao controle abstrato de normas e a possibilidade de que se suspenda, liminarmente, a eficácia de leis ou atos normativos, com eficácia geral, contribuíram, certamente, para que se quebrantasse a crença na própria justificativa desse instituto [suspensão da execução pelo Senado], que se inspirava diretamente numa concepção de separação de Poderes - hoje necessária e inevitavelmente ultrapassada. [...] nos leva a crer que o instituto da suspensão pelo Senado assenta-se hoje em razão de índole exclusivamente histórica. (grifo nosso)

Asseverando que[6]:

Deve-se observar, outrossim, que o instituto da suspensão da execução da lei pelo Senado mostra-se inadequado para assegurar eficácia geral ou efeito vinculante às decisões do Supremo Tribunal que não declaram a inconstitucionalidade de uma lei, limitando-se a fixar a orientação constitucionalmente adequada ou correta.(grifo nosso)

Concretizada essa nova perspectiva seriam atribuídos efeitos erga omnes e vinculante aos pronunciamentos do Supremo em controle difuso, do que resultaria uma nova concepção, não somente do controle da constitucionalidade no Brasil, mas também de poder constituinte e de equilíbrio entre os Poderes da República.

A eficácia contra todos ou eficácia oponível erga omnes da coisa julgada estende seus efeitos para além das partes envolvidas no processo, conferindo à decisão uma força obrigatória geral, determinando, por meio de um efeito negativo cassatório do ato declarado inconstitucional (ou descumpridor de preceito constitucional fundamental), a sua não aplicação pelos tribunais e pelos órgãos e agentes do poder político do Estado, sempre que confrontado com uma situação que poderia ensejá-lo.

Como leciona José Afonso da Silva[7], no direito brasileiro, neste tema seguindo o modelo americano, da declaração incidental de inconstitucionalidade resulta, para o caso concreto, a nulidade do ato e por isso a decisão judicial fulmina a relação jurídica fundada no ato viciado desde a sua gênese, continuando a lei a vigorar e a produzir efeitos em relação a outras situações, a menos que, do mesmo modo, haja provocação da tutela pelos demais interessados. Dessa forma o juiz ou tribunal, em sede de controle difuso de constitucionalidade, limitar-se a não aplicar a lei inconstitucional ao caso concreto, não tendo essa decisão, portanto, eficácia geral (erga omnes), mas eficácia especial (inter partes).

No sistema pátrio, como prescreve o inciso X do art. 52 da Constituição Federal de 1998, é competência privativa do Senado Federal ‘suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal’[8]. Destarte, por meio de resolução suspensiva o Senado Federal empresta eficácia erga omnes a essas decisões. Como lembra Luís Roberto Barroso[9] essa tradição foi iniciada com a Constituição de 1934 (arts. 91, IV, e 96), sendo seguida pelas constituições subseqüentes.

Nesse ponto, ressaltamos que a dicção do disposto no inciso X tem recebido uma interpretação extensiva, abrangendo atos normativos de qualquer espécie, emanados de qualquer um dos entes federados (município, estado e união).

A atribuição senatorial é tida como uma competência genérica e não como um dever constitucional determinado de agir.

Ao acenar com a possibilidade de atribuir eficácia erga omnes e vinculante às suas decisões em controle difuso o Supremo estará promovendo uma ‘mutação constitucional por via interpretativa’, esta, porém, não se limitando à alteração de sentido, sugerindo uma alteração do próprio texto constitucional.

A via interpretativa como meio precursor do processo de mutação do texto constitucional é rejeitada pela doutrina majoritária. Sobre esse tema trataremos de forma mais pormenorizada no capítulo 4.

Ensina Uadi Lammêgo Bulos que a mutação constitucional caracteriza-se como “[..] o fenômeno, mediante o qual os textos constitucionais são modificados sem revisões ou emendas”[10]. Sobre o tema afirmou José Afonso da Silva[11]:

A interpretação [...] por si, não pode produzir mutação constitucional. O que ela pode é mostrar que o objeto a ser conhecido se transformou, quer porque a realidade a que se refere evoluiu e requer que o objeto normativo se acomode a ela, se tiver elasticidade suficiente para tanto, ou porque palavras ou expressões normativas sofreram mudanças semânticas que exigem que o seu novo sentido seja explicitado pela interpretação. É especialmente nessa hipótese que se diz que o significado da Constituição dos Estados Unidos da América é hoje muito diferente do original. Ai a interpretação, especialmente a judicial, exerce um papel fundamental de adaptação das normas constitucionais às exigências de novos conceitos da realidade por ela pensadas.

Na mesma linha J. J. Gomes Canotilho[12] aponta a impossibilidade de mutações constitucionais por via interpretativa, admitindo a existência das alterações do âmbito ou esfera da norma ainda suscetíveis de serem abrangidas pelo programa normativo. Assim se posicionou o eminente constitucionalista lusitano:

A necessidade de uma permanente adequação dialéctica entre o programa normativo e a esfera normativa justificará a aceitação de transições constitucionais que, embora traduzindo a mudança de sentido de algumas normas provocado pelo impacto da evolução da realidade constitucional, não contrariam os princípios estruturais (políticos e jurídicos) da constituição. O reconhecimento dessas ‘mutações constitucionais silenciosas’ (‘stillen Verfassungswandlungen’) é ainda um acto legítimo de interpretação constitucional.

Para Paulo Bonavides[13] sobrevive à feitura de uma constituição dois novos poderes constituintes: um jurídico, que padece de limitações explícitas e implícitas, não se podendo “mover além do círculo de restrições que lhe foram impostas pelo poder constituinte de primeiro grau”; e outro, sem titularidade definida, caracterizando-se por ser “difuso, anônimo e político”.

Reconhecendo que a doutrina aceita somente a sobrevida de apenas um poder constituinte, em que pese não utilizar o termo mutação constitucional, admite que este outro poder constituinte originário acompanha e modifica a constituição, não desamparando-a depois de feita. Para ele, tal poder manifesta-se nos acórdãos das cortes constitucionais e, “difusamente, fora dos tribunais, à margem do texto constitucional, com a mesma força normativa”[14].

Asseverou ainda, ser este “expressão da realidade e tem por isso feição originária, e de algum modo se caracteriza como o mesmo poder constituinte originário em estado potencial”[15]. Não reconhecendo, porém, a este poder legitimidade suficiente para fazer uma nova Constituição.

O Ministro Eros Grau[16], em flagrante contradição, apesar de afirmar que o alcance da mutação estaria adstrito à transformação do sentido sem alteração de redação, operando no âmbito da norma, concluiu pela possibilidade de através dela se alterar o próprio texto:

A mutação constitucional é transformação de sentido do enunciado da Constituição sem que o próprio texto seja alterado em sua redação, vale dizer, na sua dimensão constitucional textual. Quando ela se dá, o intérprete extrai do texto norma diversa daquelas que nele se encontravam originariamente involucradas, em estado de potência. Há, então, mais do que interpretação, esta concebida como processo que opera a transformação de texto em norma. Na mutação constitucional caminhamos não de um texto a uma norma, porém de um texto a outro texto, que substitui o primeiro.

Daí que a mutação constitucional não se dá simplesmente pelo fato de um intérprete extrair de um mesmo texto norma diversa da produzida por um outro intérprete. Isso se verifica diuturnamente, a cada instante, em razão de ser, a interpretação, uma prudência. Na mutação constitucional há mais. Nela não apenas a norma é outra, mas o próprio enunciado normativo é alterado. (grifos nossos)

Afirmou GRAU[17] que “na mutação constitucional não apenas a norma é nova, mas o próprio texto normativo é substituído por outro”, pelo que concluiu:

[...] passamos em verdade de um texto [compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal] [..]a outro texto [...] [compete privativamente ao Senado Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo Supremo Tribunal Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo] (grifos do autor)

A tese adotada, como se pode notar, não confere um novo sentido ao texto, mas ultrapassando a distinção doutrinariamente convencionada entre reforma constitucional e mutação constitucional, confere ao inciso X um novo texto.

Como distingui a doutrina, a modificação de texto só poderia ser operada mediante reforma, que, regulada no próprio texto constitucional, é realizada através de processos pré-estabelecidos.

Na mutação constitucional a alteração consistiria única e tão-somente numa mudança do significado, do sentido e do alcance das disposições constitucionais, por meio ora da interpretação, ora dos costumes, ora da legislação infraconstitucional. Chamando essa forma de atualização de ‘transição constitucional’, ensina CANOTILHO: “[...] considerar-se-á como ‘transição constitucional’ a revisão informal do compromisso político formalmente plasmado na Constituição sem alteração do texto constitucional [...] muda o sentido sem mudar o texto”[18].

O novo viés interpretativo apontado pelo voto do relator e pelo voto-vista é no sentido de alargar os efeitos das decisões proferidas no controle difuso para além das partes envolvidas no processo, ou seja, abstração das decisões em sede de controle difuso, onde é importante ressaltar, há uma lide subjetiva a ser discutida.

Para Paula Arruda, “fixar os mesmos efeitos para as decisões da Corte Suprema que se fundamentaram no controle difuso de inconstitucionalidade significará atribuir às decisões do Supremo Tribunal Federal maior grau de coerência com a realidade social, porque fundamentada na análise concreta do caso”[19].

O mesmo entendendo Luís Roberto Barroso para quem “uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, seja em controle incidental ou em ação direta, deve ter o mesmo alcance e produzir os mesmos efeitos”[20].

No entanto, como adiante será visto, a extensão dos efeitos de uma decisão em controle difuso pode ser obtida mediante a edição da súmula vinculante, introduzida no ordenamento brasileiro pela Emenda Constitucional 45/2004.

Com a súmula vinculante, prevista no art. 103-A[21], foi atribuída ao Supremo a faculdade de:

[...] de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

Como prescreve o §1º do supramencionado dispositivo a súmula vinculante[22]:

[...] terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

O posicionamento apontado pelos ministros, em verdade, estabelece uma ruptura paradigmática no plano da jurisdição constitucional brasileira, uma vez que, no controle difuso a questão constitucional é incidental, ou seja, é prejudicial e indispensável ao julgamento do mérito, permanecendo a lei ou o ato normativo, como salienta Alexandre de Moraes, “válidos no que se refere à sua força obrigatória com relação a terceiros”[23].

A se confirmar essa tendência teórica estará a Corte Constitucional brasileira, mutatis mutandi, ampliando a legitimação específica para a obtenção de uma declaração erga omnes de inconstitucionalidade, uma vez que, através da decisão que resolve uma questão incidental, todas as pessoas que se encontrarem na mesma situação jurídica poderão exigir o mesmo resultado prático obtido, efeito vinculante.

Porém, para BARROSO, “seria uma demasia, uma violação ao princípio da economia processual, obrigar um dos legitimados do art. 103 a propor ação direta para produzir uma decisão que já se sabe qual é!”[24].

Cabe ressaltar que a atribuição de efeito erga omnes e vinculante, no que concerne às decisões tomadas em controle difuso, resultará na transformação da Reclamação em um recurso constitucional. Em contraponto poder-se-á afirmar que tal decorreria do ‘princípio da igualdade’, de modo que, mantidos os mesmos fundamentos estar-se-ia dando efetividade às decisões da Suprema Corte, garantindo, assim, uma maior segurança jurídica.

O STF já promove uma aproximação entre os dois modelos de controle de constitucionalidade ao aplicar a teoria da transcendência dos motivos determinantes, segundo a qual os fundamentos da decisão – a ratio decidendi – vincularia o Poder Judiciário e Administração Pública à sua observância.

Ao conceder efeitos transcendentes à decisão que declara a inconstitucionalidade de uma norma em controle difuso, os fundamentos daquela decisão, aparentemente utilizados apenas na fronteira do processo inter partes, passam a transcender o próprio processo, aplicando-se a outros casos. Tal constatação foi salientada pelo Ministro Gilmar Mendes[25] ao julgar a Reclamação n. 2.363:

[...] a aplicação dos fundamentos determinantes de um ‘leading case’ em hipóteses semelhantes tem-se verificado, entre nós, até mesmo no controle de constitucionalidade das leis municipais. Em um levantamento precário, pude constatar que muitos juízes desta Corte têm, constantemente, aplicado em caso de declaração de inconstitucionalidade o precedente fixado a situações idênticas reproduzidas em leis de outros municípios. Tendo em vista o disposto no ‘caput’ e § 1º-A do artigo 557 do Código de Processo Civil, que reza sobre a possibilidade de o relator julgar monocraticamente recurso interposto contra decisão que esteja em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, os membros desta Corte vêm aplicando tese fixada em precedentes onde se discutiu a inconstitucionalidade de lei, em sede de controle difuso, emanada por ente federativo diverso daquele prolator da lei objeto do recurso extraordinário sob exame.(grifei)

Para Gilmar Mendes[26]-[27]:

Ainda que se aceite, em princípio, que a suspensão da execução da lei pelo Senado retira a lei do ordenamento jurídico com eficácia ex tunc, esse instituto, tal como foi interpretado e praticado, entre nós, configura antes a negação do que a afirmação da teoria da nulidade da lei inconstitucional. A não-aplicação geral da lei depende exclusivamente da vontade de um órgão eminentemente político e não dos órgãos judiciais incumbidos da aplicação cotidiana do direito. Tal fato reforça a idéia de que, embora tecêssemos loas à teoria da nulidade da lei inconstitucional, consolidávamos institutos que iam de encontro à sua implementação.

O grave, no entanto, é que confirmada a tese sustentada por Mendes e Grau, o Supremo estará, via interpretação. redistribuindo competências originariamente atribuídas, bem como, redefinindo, ressalte-se sem legitimação popular, o princípio da separação dos poderes, passando este à categoria de ‘poder constituinte permanente’, portando, a questão não se cinge única e tão-somente à extensão dos efeitos da decisão.

Para Lênio Streck et al, os ministros do STF estariam advogando “em última análise uma concepção decisionista da jurisdição e contribui para a compreensão das cortes constitucionais como poderes constituintes permanentes”[28].

A separação dos poderes um dos principais fundamentos do regime democrático de direito, possibilita a convivência harmônica entre as diversas funções do Estado, v. g., legislativa, executiva e judiciária.

Traduzido no conceito dos checks and balaces, a separação dos poderes, configura-se num complexo sistema de controle, fiscalização e representatividade, bem como, de mecanismos de equilíbrio e harmonia, como garantia da perpetuidade do Estado democrático de Direito.


3.A CONSTITUIÇÃO

Ao longo dos tempos a Constituição foi diferentemente percebida, sendo inicialmente considerada “um dado fático forjado pela história, independente de uma intervenção direta da razão humana”[29], passando à fase de direito (mas ainda político e não jurídico), para finalmente tornar-se uma forma normativa conformante.

No sentido de ordenamento jurídico do Estado, sempre houve uma Constituição, contudo, nos moldes do conceito atual, como bem esclareceu Walber de Moura Agra[30], seu conteúdo remonta-se ao Estado Moderno, sendo ela um contributo ao ocaso do Estado Absolutista e ao opúsculo do Estado Liberal.

A partir de LASSALLE a Constituição foi percebida como um conjunto de fatores reais de poder que regem um país, podendo a descrição de quais eram essas forças estar ou não escrita em uma “folha de papel”[31], de modo que, o texto normativo, como simples manifesto que era, se estivesse em descompasso com a realidade, não teria nenhuma validade. A crítica feita a Ferdinand Lassalle é a de desconhecer a força normativa do texto constitucional.

Konrad Hesse, em clara oposição a Lassale, via na Constituição mais do que um pedaço de papel, enxergando nela a sua “força normativa”[32], a mesma percepção expressou CANOTILHO[33]. Para ambos a Constituição tinha o poder de conformar a sociedade.

Hodiernamente se reconhece a supremacia da Constituição, bem como, a necessidade de conformação a seus preceitos, passando esta a ter a natureza de um conjunto de normas que organiza o Estado em seus elementos essenciais, ou seja, “regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos e os limites de sua ação”[34].

Como ensina SILVA[35]:

A Constituição é algo que tem, como forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas, religiosas etc.); como fim, a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade; e, finalmente, como causa criadora e recriadora, o poder que emana do povo.

Instrumento estruturador do Estado, definidor da formação, limites e atribuições dos poderes, direitos, garantias e deveres dos cidadãos, a Constituição é a “lei fundamental e suprema”[36].

No sentido material, referente à composição e ao funcionamento da ordem política, a Constituição exprime “o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais”[37]. Esse aspecto diz respeito ao seu conteúdo, ou seja, às matérias ditas rigorosamente constitucionais.

Pode, porém, matérias diversas serem inseridas no texto constitucional, passando estas a ter um status de constitucional, pelo fato de estarem enxertadas naquele corpo normativo. Como bem esclarece BONAVIDES[38], estas disposições, aparentemente constitucionais, são inseridas na Constituição de modo impróprio, ‘formalmente’, uma vez que não se reportam aos pontos cardeais de sua existência política, quais sejam: à forma de estado, à natureza do regime, à moldura e competência do poder, à defesa, conservação e exercício da liberdade.

3.1 A rigidez ou flexibilidade do texto Constitucional

A rigidez ou flexibilidade de uma Constituição diz respeito ao estabelecimento ou não de processos e exigências formais especiais, consubstanciando na proeminência, em sua gênese, da estabilidade ou da dinâmica do texto constitucional.

O critério de rigidez constitucional está relacionado com os requisitos necessários para a reforma constitucional, estando essa característica presente, no sentir de grande parte da doutrina, apenas nas Constituições escritas, estando os meios formais de alteração prescritos no texto constitucional. Assim, apenas as constituições rígidas são modificáveis por intermédio de um procedimento especial, que visa, preponderantemente, garantir a supremacia e estabilidade da norma constitucional por meio da imposição de alguns obstáculos à produção de emendas à Constituição e à revisão de seu texto.

Para CANOTILHO, no entanto, o caráter mais ou menos rígido da Constituição, não deve ser averiguado pela análise perfunctória da existência ou não de um processo de revisão estabelecedor de exigências específicas para a sua alteração. Para o constitucionalista português “as normas de revisão não são o ‘fundamento’ da rigidez da Constituição, mas os meios de revelação da escolha feita pelo poder constituinte”[39].

Uadi Lammêgo Bulos[40], ao discorrer sobre a rigidez constitucional destaca as seguites características: a) dificultar o processo reformador da Constituição; b) assegurar a estabilidade constitucional; e c) resguardar os direitos e garantias fundamentais, mantendo estruturas e competências, com vistas à proteção das instituições. Sendo a sua característica primordial impedir a livre modificação da Constituição pelo legislador ordinário através de um o processo agravado de reforma.

Para CANOTILHO a rigidez constitucional é um “limite absoluto” ao Poder Reformador, assegurando, desse modo, a relativa estabilidade da Constituição.

Jorge Miranda ensina que rígida é a Constituição que exige a observância de uma forma particular distinta da foma seguida para a elaboração das leis ordinárias quando se pretende a alteração do texto constitucional.[41]

Diferente da rígida, a Constituição flexível[42], com bem define José Afonso da Silva[43], é aquela que pode ser livremente modificada pelo legislador segundo o mesmo processo de elaboração das leis ordinárias. Neste caso, a própria lei ordinária que contrasta com a norma constitucional é capaz de operar mudanças na Constituição.

Para Celso Bastos[44] a Constituição flexível é aquela que admite a sua modificação por um processo idêntico ao adotado para a produção legislativa, ou seja, por leis ordinárias.

Assim, temos que as Constituições rígidas exigem para sua alteração formalidades e procedimentos específico e mais complexos do que o exigido para a alteração das leis ordinárias. Já as constituições flexíveis não estabelecem maiores obstáculos para a reforma das leis constitucionais, sofrendo estas as modificação que se entender necessárias segundo os mesmos critério que se utiliza para a criação legislativa infraconstitucional.

3.2 A estabilidade constitucional

O princípio da estabilidade constitucional tem direta correlação com o princípio da supremacia da Constituição, que segundo uma visão generalizada do conceito, indica a condição daquilo que goza de total e incontestável superioridade, que tem primazia, preponderância sobre as demais coisas.

A superioridade da Constituição é analizada sob duas perspectivas bem distintas. A primeira refere-se aos fatores intrínsecos à norma, decorrendo sua força da exata correspondência entre suas diretrizes e a realidade do contexto social em que se insere. Aqui importa observar se o conteúdo do texto constitucional é reconhecidamente conformador da ordem estatal e da sociedade à qual se destina, harmonizando-se com um e outro, garantindo, assim, sua eficácia e exeqüibilidade. A segunda perspectiva refere-se aos fatores extrínsecos à Constituição, mais especificamente à defesa de sua superioridade perante as demais normas legais, através do estabelecimento de critérios de controle da constitucionalidade das leis.

Nessa segunda perspectiva, a supremacia constitucional é tratada sob a ótica dos instrumentos garantidores dessa superioridade. Assumindo especial relevância o atributo da imperatividade das normas constitucionais, tendo estas superioridade perante os demais preceitos contidos no mesmo ordenamento jurídico, devendo as demais normar conformar-se àquelas, tanto no que concerne ao processo de elaboração, quanto no que se refere à matéria de que tratam, sob pena de padecerem do vício da inconstitucionalidade.

Neste ponto cabe ressaltar que seja qual for o ângulo sob o qual se analisa o princípio da supremacia da Constituição, deve-se ter em conta que este princípio configura a base do ordenamento jurídico de qualquer sistema, gozando as normas constitucionais, efetivamente, posição superior às demais normas jurídicas em qualquer hipótese, seja a Constituição escrita ou costumeira, seja rígida ou flexível, seja sob o critério fomal ou material, uma vez que é dela que se extraem as normas fundamentais do Estado, e isto basta para evidenciar sua superioridade diante das demais normas legais, tanto em razão das regras garantidoras dessa supremacia, previstas na própria Constituição, quanto pelo fato de que a Norma Fundamental, por representar a vontade e os princípios soberanos da Nação, não pode suportar qualquer sujeição, independentemente da existência de normas de controle de constitucionalidade.

Assim, pode se concluir que a Constituição não representa apenas um limite, é antes o fundamento do poder público e da ordem jurídica, estabelecendo o poder do Estado e regulando a formação das normas jurídicas que, conseqüentemente, devem conformar-se para dotarem-se de validade e legitimidade. Esta posição de superioridade diante de outras manifestações é característica indissociável da norma de natureza constitucional.

A estabilidade das Constituições não deve, porém, ser absoluta, como ensina José Afonso da Silva[45], não pode a estabilidade resultar em imutabilidade da norma, uma vez que, diante da realidade social não existem Constituições imutáveis. A Constituição não é apenas um instrumento da ordem, mas também de progresso social, não podendo manter-se inerte diante da evolução da sociedade.

A rigidez relativa constitui técnica capaz de atender a ambas as exigências, permitindo emendas, reformas e revisões, para adaptar as normas constitucionais às novas necessidades sociais, mas impondo processo especial e mais difícil para essas modificações formais, que o admitido para a alteração da legislação ordinária.

Para CANOTILHO[46]:

[...] se por um lado o texto constitucional não deve permanecer alheio à mudança, também, por outro lado, há elementos do direito constitucional (princípios estruturantes) que devem permanecer estáveis, sob pena de a Constituição deixar de ser uma ordem jurídica fundamental do Estado para se dissolver na dinâmica das forças políticas.

3.3 A dicotomia rigidez-flexibilidade e seus reflexos na estabilidade constitucional

A distinção aqui esborçada entre Cartas rígidas e flexíveis sofre divergências doutrinárias, residindo a controvérsia na existência de Constituições ditas imutáveis, graníticas ou intocáveis, por não estarem estas submetidas a reformas[47] e na existência das denominadas Constituções histórico-costumeiras[48], que apresentam uma estabilidade decorrente “da sua própria natureza, da sua lenta formação, da sua progressiva adaptação às necessidades políticas e sociais e da educação política do povo ao qual se aplicam”[49].

As Constituições ditas imutáveis hoje são apenas ícones pré-historicos de um tempo em que prevalecia o dogma das constituições eternas. As Constituições modernas, frente às constantes transformações da realidade social, são concebidas como verdadeiros organismos vivos, numa tentativa de constante adaptação à essa realidade.

Assim, ao contrário do que se poderia imaginar, não é certa a conclusão de que as Constituições flexíveis são fruto de uma constante modificação no seu texto, sendo a Inglaterra, a Finlândia e a Nova Zelândia, exemplos de estabilidade do Texto Constitucional[50].

A doutrina tem apontado como explicação para essa conformação a existência de dois tipos de estabilidade: a sociologica e a legal.

Assim, Constituições como a brasileira, a americana, a francesa, etc. possuem estabilidade legal, ou seja, força jurídica das normas constitucionais esta relacionada a um modo especial de produção e as dificuldades postas à aprovação de uma nova nomia constitucional.

O paradóxo Constituição flexível-estabilidade, presente por exemplo na Inglaterra, cuja Constituição é flexível, mas no entanto o país apresenta uma notável estabilidade política, se mostraria apenas aparente, uma vez que a estabilidade constitucional decorreria da adequação entre a Constituição e a sua conjuntura social e política.


4.MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL

4.1 Conceito e denominação

Processo informal de mudança da constituição, através do qual se atribui novos sentidos ao texto constitucional, fazendo aflorar conteúdos até então não ressaltados à letra da Constituição. De forma geral é a mudança de sentido da norma sem mudança de texto.

Portanto, mutação constitucional consiste na alteração da Constituição segundo um processo informal, uma vez que não se encontra prevista no próprio texto constitucional, em contraposição aos processos que são ditos formais, expressamente regulados. Numa acepção formal, mutação é o processo de alteração, e na acepção material ou substancial, o resultado mesmo desse processo.

Nas palavras do professor Uadi Lammêgo Bulos[51]:

[...] mutação constitucional o processo informal de mudança da Constituição, por meio do qual são atribuídos novos sentidos, conteúdos até então não ressaltados à letra da Lex Legum, quer através da interpretação, em suas diversas modalidades e métodos, quer por intermédio da construção (construction), bem como dos usos e costumes constitucionais.

Quanto a denominação deste fenômeno, salienta Uadi Lammêgo Bulos[52] inexistir uma terminologia uniforme, colacionando os seguinte cognomes: vicissitude constitucional tácita (Jorge Miranda); mudança constitucional silenciosa, transições constitucionais (Canotilho); processo de fato (Chierchia), mudança material (Pinto Ferreira, Jellinek); processos indiretos, processos não formais, processos informais (Cunha Ferraz).

Observamos, no entanto, que todas as denominações levam em conta o fato de o processo de mudança não estar expressamente previsto na Constituição.

Este fato é bem explicado por CANOTILHO[53]:

[...] considerar-se-á como transição constitucional a revisão informal do compromisso político formalmente plasmado na Constituição sem que haja alteração do texto constitucional. Em termos incisivos: muda o sentido sem mudar o texto.

Tomando as lições de Georges Burdeau, segundo a qual haveria um ‘poder constituinte difuso’ não registrado pelos mecanismos constitucionais, BULOS[54], sugere a utilização da denominação ‘meios difusos’, demarcando, assim, as mutações realizadas fora do exercício do instituído poder reformador.

A solução adotada por BULOS deixa clara a contraposição entre mutação constitucional e reforma constitucional.

4.2 Natureza da mutação constitucional

Numa acepção formal, mutação é o processo de alteração, e na acepção material ou substancial, o resultado desse processo.

Para George VEDEL apud BULOS[55]:

[...] a natureza de um ato ou de uma atividade jurídica pode ser analisada sob dois pontos de vista: o material e o formal. No primeiro, considera-se o objeto em sua substância. No segundo, investiga-se o processo de formação do ato ou da atividade.

Portanto, os meios difusos de mudança constitucional têm natureza informal, ou seja, não seguem formalidades ou procedimentos expressos. Porém, embora seja informal, a mutação é de natureza constitucional, materialmente constitucional[56].

4.3 Tipos de Mutação Constitucional

Com o fito de sistematizar o estudo do tema, a doutrina tem sugerido os mais diversos critérios informadores de uma classificação das mutações constitucionais.

Uadi Lammêgo Bulos[57], ao discorrer sobre os tipos de mutação constitucional destaca as quatro categorias elaboradas por Hsü Dau-Lin e seguida por Pablo Lucas Verdu e Manuel Garcia Pelayo:

1ª) mutação constitucional através de prática que não vulnera a Constituição; 2ª) mutação constitucional por impossibilidade do exercício de determinada atribuição constitucional; 3ª) mutação constitucional em decorrência de prática que viola preceitos da Carta Maior; 4ª ) mutação constitucional através da interpretação.

Paolo Biscaretti Di Ruffia, continua BULOS[58], agrupa tais mutações em dois tipos:

No primeiro, encontramos as modificações operadas em decorrência de atos elaborados por órgãos estatais de caráter normativo (leis, regulamentos etc.) e de natureza jurisdicional (decisões judiciais, principalmente em matéria de controle de constitucionalidade das leis). No segundo ramo, estão as mudanças ocorridas em virtude dos fatos de caráter jurídico (como os costumes); de natureza político-social (normas convencionais ou regras sociais de conduta correta frente à Carta Suprema); ou, simplesmente, as práticas constitucionais (tais como a inatividade do legislador ordinário que, não elaborando normas de execução, logra, substancialmente, impedir a realização efetiva de disposições constitucionais).

Já para Milton Campos e José Horácio Meirelles Teixeira [59] três seriam as hipóteses nas quais se delineariam mutações constitucionais: complementação legislativa, construção judiciária e consenso costumeiro.

Asseverando a imprecisão e vaguidade criteriológica para o estudo dos meios de que podem ocasionar mutações constitucionais, BULOS[60], prosseguindo sua exposição, ressalta a posição de diversos outros doutrinadores de escol:

Para Wheare, tanto a interpretação judicial como usos e costumes podem provocar mutações constitucionais. Em sentido idêntico estão Humberto Quiroga Lavié e Hector Fix Zamudio.

[...]

Já Anna Cândida da Cunha Ferraz examinou a interpretação constitucional, em suas várias modalidades, e os usos e costumes constitucionais, enquanto processos informais de mudança da Constituição, procurando seguir, em essência, a classificação proposta por Biscaretti Di Ruffia.

Ressaltando a dificuldade que a classificação do fenômeno mutação constitucional representa, o procurador federal Ronaldo Guimarães Gallo[61] apresentou interessante solução:

[...] entendemos que o gênero mutação constitucional apresenta apenas duas espécies, que denominamos “puras” e “impuras”. Segundo esse entendimento, esta subdivisão é suficiente para abarcar as possibilidades de alteração do conteúdo do Texto Constitucional sem a mudança formal dos seus artigos.

Prossegue o insigne Procurador[62]:

No nosso entender, as mutações constitucionais puras seriam aquelas que alteram o conteúdo da norma constitucional em virtude da mudança do pensamento, do entendimento, ponto de vista da sociedade como um todo, sobre determinado tema ou assunto.

[...]

Entendemos como sendo mutações constitucionais impuras aquelas que impõem uma alteração no conteúdo do Texto Fundamental, sem alteração do seu dispositivo (que permanece intacto), entretanto não como reflexo das alterações ocorridas nos ideários sociais, mais sim advindas de pressões efetivadas por determinados grupos (ainda que representativos de determinada parcela da sociedade), de práticas governamentais, legislativas ou judiciárias, ou ainda de complementações legislativas.

As modalidades de mutações constitucionais, como se vê, têm sido objeto de diversas formulações doutrinárias, inexistindo uma congruência de entendimentos a respeito. Neste estudo, porém, tomamos por base a classificação sugerida pelo professor Uadi Lammêgo Bulos.

Partindo da premissa de que as mutações constitucionais são uma realidade modificadora do significado e do alcance das normas previstas na Constituição, sugere BULOS[63] a seguinte classificação:

a) as mutações constitucionais operadas em virtude da interpretação constitucional, nas suas diversas modalidades e métodos;

b) as mutações decorrentes das práticas constitucionais;

c) as mutações através da construção constitucional; e

d) as mutações constitucionais que contrariam a Constituição, é dizer, as mutações inconstitucionais.

4.3.1 Mutação constitucional pela via interpretativa

A doutrina é pacifica ao apresentar a interpretação constitucional como uma das mais clássicas formas de Mutação Constitucional.

Cabe ressaltar que o ato de interpretar sempre conduz a uma reconstrução[64], uma vez que atribui ao objeto ou sinal interpretado, um significado. Dessa forma, a norma jurídica somente ganha valor ou sentido, após o ato de interpretação, através do qual se investiga o seu significado exato.

Como ensina BONAVIDES[65] a interpretação das normas jurídicas busca:

[...] estabelecer o sentido objetivamente válido de uma regra de direito. Questiona a lei, não o direito. Objeto da interpretação é, de modo genérico, a norma jurídica contida em leis, regulamentos ou costumes. Não há norma jurídica que dispense interpretação.

Por onde se conclui improcedente o aforismo romano “in claris non fit interpretatio”. Este, pelo menos, é o parecer de Nawiasky, Carbone e Somlo.

Continua o constitucionalista paraibano[66]:

Em verdade, a interpretação mostra o direito vivendo plenamente a fase concreta e integrativa, objetivando-se na realidade. Esse aspecto Felice Battaglia o retratou com rara limpidez: “O momento da interpretação vincula a norma geral às conexões concretas, conduz do abstrato ao concreto, insere a realidade no esquema.

Como visto, a interpretação possui o papel de atribuir vida ao texto legal, o que, em se tratando de norma constitucional, cujo conteúdo é preponderantemente político e social, acabando por exigir do interprete especial atenção.

BONAVIDES[67], com a clareza de sempre, elucida a questão:

As relações que a norma constitucional pela sua natureza mesma costuma disciplinar são de preponderante conteúdo político e social e por isso mesmo sujeitas a um influxo político considerável senão essencial o qual se reflete diretamente sobre a norma, bem como sobre o método interpretativo aplicável.

Não vamos tão longe aqui a ponto de postular uma técnica interpretativa especial para leis constitucionais, nem preconizar os meios e regras de interpretação que não sejam aquelas válidas para todos os ramos do Direito, cuja unidade básica não podemos ignorar nem perder de vista, mas nem por isso devemos admitir se possa dar á norma constitucional, salvo violentando-lhe o sentido e a natureza, uma interpretação de todo mecânica e silogística, indiferente á plasticidade que lhe é inerente, e a única aliás a permitir acomodá-la a fins, cujo teor axiológico assenta nos princípios com que a ideologia tutela o próprio ordenamento jurídico.

O erro do jurista puro ao interpretar a norma constitucional é querer exatamente desmembrá-la de seu manancial político e ideológico, das nascentes da vontade política fundamental, do sentido quase sempre dinâmico e renovador que de necessidade há de acompanhá-la.

Atado unicamente ao momento lógico da operação silogística, o interprete da regra constitucional vê escapar-lhe não raro o que é mais precioso e essencial: a captação daquilo que confere vida á norma, que dá alma ao Direito, que o faz dinâmico, e não simplesmente estático. Cada ordenamento constitucional imerso em valores culturais é estrutura peculiar, rebelde a toda uniformidade interpretativa absoluta, quanto aos meios ou quanto ás técnicas aplicáveis.

Assim, a Mutação Constitucional pela via interpretativa, é a porta de entrada no ordenamento constitucional das mudanças políticas e econômicas e das mudanças sociais, podendo se falar inclusive que tal tipo de mudança é o canal de comunicação entre o Direito e a sociedade, estando o resultado da interpretação constitucional no limite entre a mutação e o desuso constitucional.

Ressalve-se, por oportuno, que a declaração (concretização) através da interpretação é feita a partir da própria Constituição (interpretação autêntica) adaptando o texto original à nova realidade social que impulsiona a Constituição.

Ressalve-se, também, que a há diferença entre a Mutação Constitucional e a mera mudança de opinião dos tribunais, que embora sutis, existem. A principal  é a extensão da alteração, sendo a Mutação Constitucional muito mais extensa e profunda que uma mudança de interpretação.

Em geral, a Mutação Constitucional, é resultado de uma adequação do texto constitucional á nova realidade política, apresentando uma natureza contra-fática em relação à finalidade original da norma, enquanto a mudança de interpretação não tem natureza contra-fática, atuando dentro de uma extensão delimitada.

Podemos dizer que a mudança de interpretação decorre da redação do texto legal, a qual é imprecisa ou omissa permitindo dúvida no momento da sua aplicação.

Não há mudança da realidade social no caso de interpretação, mas sim uma escolha do aplicador da norma dentre uma gama de possibilidades decorrentes da norma, sempre respeitando, contudo, o texto da lei. A escolha e concretização da norma são feitas dentro da realidade social existente, não existindo mudança dessa realidade social como na Mutação Constitucional.

A Mutação Constitucional decorre da alteração da conjuntura política num determinado momento histórico, buscando adequar o texto constitucional á essa nova força normativa. Pode ela, ainda, ampliar ou reduzir a força normativa da norma constitucional original.

Já a alteração de interpretação é uma mera correção pontual não implicando alteração, ampliação ou redução de força normativa do texto constitucional.

Portanto, é no caráter contrafático presente na Mutação Constitucional que a difere de uma mudança de interpretação, ou seja, na Mutação Constitucional há uma divergência entre a norma e a realidade social, surgindo está exatamente para adequar o conteúdo da norma à nova realidade constitucional que está em oposição ao significado do texto original.

O caráter contrafático, ou seja, a contrariedade da norma jurídica aos fatos reais, para DIMOULIS[68], apresenta-se em quatro sentidos:

Primeiro, [...], a norma continua válida mesmo quando está sendo violada. Por tal razão, as autoridades do Estado e os cidadãos devem cobrar seu respeito alegando sua validade, que persiste mesmo quando a norma contraria a realidade. Segundo, a norma jurídica é contrafática porque exprime um dever ser que objetiva mudar a realidade social, transformar o comportamento dos homens e as relações sociais. O direito contraria freqüentemente os fatos sociais porque deseja que estes sejam alterados. Temos aqui a ‘função progressista’ ou transformadora do direito que manifesta-se claramente nos momentos de crise e ruptura, por exemplo, quando acontece uma revolução para instituir uma nova ordem social e jurídica [...]. Terceiro, as normas jurídicas têm uma função contrafática indireta, mas não menos importante. Manifestam a vontade de manutenção da atual situação, ou seja, das instituições políticas, das relações sociais e das posições dos indivíduos. Por isso afirma-se que o direito assume um papel ‘conservador’. Seu objetivo é impedir mudanças sociais, reprimindo as tentativas de alteração da organização social. O elemento mais importante da função contrafática do direito é a ameaça de sanções contra tentativas de mudar a situação social [...]. Quarto, o direito é contrafático porque seus mandamentos valem mesmo quando contrariam a lógica e o senso comum. Isto ocorre com as ficções jurídicas que impõem considerar como verdadeiro algo que não é.

4.3.2 Mutação constitucional pela construção constitucional

A construção representa inestimável veículo de mutação constitucional, através dela há um ajuste das normas da Constituição à sociedade em evolução, à uma realidade ou situação nem sempre disciplinada expressamente pelo texto constitucional.

A doutrina, porém, reconhecendo o valor da construção constitucional para o desenvolvimento da idéia de Constituição, e até mesmo para sua maior legitimidade, pois contribui para a adaptação dos preceptivos constitucionais às exigências da evolução social, atribui a esta um caráter supletivo. O que significa dizer que a construção constitucional só pode ser invocada na ausência de disciplina expressa no texto fundamental que seja capaz de solucionar a questão posta em debate.

Para BULOS[69]:

[...] a construção designa um meio eficiente pelo qual as constituições sofrem mudanças substanciais, no sentido, alcance e conteúdo dos seus preceptivos, sem a necessidade de recurso formal à revisão ou emenda constitucionais e encontra seu fundamento no fato de que o direito é experiência.

4.3.3 Mutação constitucional pela prática constitucional

Esta espécie de mutação parte do pressuposto de que uma Constituição é um ser orgânico, mutável e atualizável, reconhecendo, ainda, que além do poder constitucional dos Estados, há um poder de ação permanente que:

[...] não possui as marcas da iniciatividade, autonomia e incondicionalidade, nem, tampouco, os traços da secundariedade, limitabilidade e condicionalidade. Não está previsto pelos mecanismos instituídos na ordem jurídica, e não advém da linguagem prescrita do legislador constituinte[70].

O que se ressalta nessa hipótese de Mutação Constitucional é o conflito entre o Ser e o Dever-Ser, o qual pode ocorrer entre a Constituição e a realidade social ou entre uma norma constitucional isolada e a mesma realidade.

Prática constitucional, num sentido amplo do termo, abrange, além dos costumes e usos constitucionais, as praxes, os precedentes, as convenções e figuras afins[71].

As praxes são usos a que falta a convicção de obrigatoriedade (o elemento psicológico do costume), destacando-se as praxes parlamentares. Os precedentes (não jurisprudenciais) são as decisões políticas, através das quais os órgãos do poder manifestam o modo como assumem as respectivas competências em face de outros órgãos ou de outras entidades. As convenções são regras informais, que não necessitam estabelecer-se por escrito, mas às vezes também são revestidas desta solenidade.

4.4 Mutação inconstitucional

Este tipo de mutação reflete-se numa adaptação do texto à realidade social, sem modificação do mesmo, por meio de interpretação e costume, sem a observação aos limites impostos pela própria natureza do texto constitucional. São os processos informais de violação da Carta Magna[72]. Dessa forma, pode uma adequação sociológica resultar na violação dos limites impostos pelo texto constitucional, pois, como vimos, a mutação é um processo informal de mudança do sentido da norma.

Para BULOS: “os efeitos provocados por essas deformações variam em grau e em profundidade e podem contrariar a Carta Magna em maior ou menor extensão, sem mudar a letra das suas normas”[73]

Esse tipo de mutação é de fácil detecção por apresentar uma clara incompatibilidade com o sentido da Carta Magna.

A doutrina aponta de forma meramente exemplificativa vários processo inconstitucionais de mudança informal: inércia legislativa; as leis, os atos administrativos de finalidade administrativa ou política e a interpretação judiciária contrários à Constituição; o costume e as práticas inconstitucionais, inclusive os chamados golpes de Estado.

O que se extrai da visualização das espécies de mutação inconstitucional é que todas elas não se coadunam com o caráter integrador e unificado que as normas constitucionais devem ter, sendo resultado de um processo anômalo, que visa a satisfação de uma necessidade setorial, em detrimento da busca do bem comum.

Para melhor esclarecimento dessa questão, trago a lume o posicionamento adotado pelo procurador federal paulista Ronaldo Guimarães Gallo[74], o qual, denominando as mutações inconstitucionais de mutações impuras, assim as define:

[...] advindas de pressões efetivadas por determinados grupos (ainda que representativos de determinada parcela da sociedade), de práticas governamentais, legislativas ou judiciárias, ou ainda de complementações legislativas (dentre outros). [...] O que se tem são transformações daquela concepção jurídica desenvolvida por forte "influência" de setores da sociedade (ou então por órgãos que não a representam na sua totalidade) com suas ações.

Grupos de pressão, explica[75], são:

[...] ‘grupos’ (lobbies, sindicatos, partidos políticos etc.), invariavelmente, esforçam-se por defender interesses setoriais das respectivas classes, que muito embora possam imprimir uma mudança no conteúdo normativo da Lex Legum, tal não é fruto, como insistentemente ressaltado, da alteração do pensamento social como um todo e sim, como o próprio nome diz, da "pressão" exercida por esses grupos.

A inconstitucionalidade das mutações, portanto, reside no fato de que as mesmas atacam fundamentalmente o sentido material da Constituição, que como bem definiu BACHOFF, parafraseando JELLINEK, é o "conjunto das normas jurídicas sobre a estrutura, atribuições e competência dos órgãos supremos do Estado, sobre as instituições fundamentais do Estado e sobre a posição do cidadão no Estado"[76].

Vale ressaltar que, se o Poder Judiciário é o último intérprete da norma constitucional, tem o dever de detectar mutações que ultrapassem os limites da Carta Magna.

O ressaltou Uadi Lammêgo Bulos: “as mutações, quando constitucionais, promovem mudanças necessárias e perfeitamente, sem necessidade de se recorrer àquelas reformas despropositadas, sem previsibilidade técnica e sem visão de futuro”[77].

O mesmo conclui Anna Cândida da Cunha Ferraz apud Glauco Salomão Leite[78]:

[...] os processos de mutação manifestamente inconstitucional alteram, transformam, mudam, substituem e até mesmo destroem normas constitucionais, ou a Constituição por inteiro (...) Inadmissíveis teoricamente diante da concepção de Constituição, obra de um poder mais alto, reflexo de uma idéia de direito na comunidade, decisão política fundamental positivada, dotada de caráter impositivo que deve prevalecer sobre todo o sistema jurídico e político, abarcando, a um só tempo, todos os atos dos governantes e governados, perduram, todavia, na prática. Combatê-los e repeli-los é, pois, imperativo indiscutível.

4.1 Limites da mutação constitucional

Para Uadi Lammêgo Bulos é impossível traçar os limites das mutações constitucionais:

[...] Diante de tudo isso, as mudanças informais da Constituição não encontram limites em seu exercício. A única limitação que pode existir - mas de natureza subjetiva, e até mesmo, psicológica - seria a consciência do interprete de não extrapolar a forma plasmada na letra dos preceptivos supremos do Estado, através de interpretações deformadoras dos princípios fundamentais que embasam o Documento Maior.[79]

O fenômeno da mutação, continua, “é, em essência, o resultado da atuação de forças elementares, dificilmente explicáveis, que variam conforme exigências e situações sempre novas, em constante transformação“[80].

Resultado do reflexo teórico e prático dos ‘fatores sociais cambiantes’, as normas constitucionais são modificadas pelo influxo de acontecimentos que não alteram a sua forma, porém, transmutam o seu conteúdo, portanto, a mutação é um fenômeno ‘involuntário’, embora, seja ‘intencional’.

Dessa forma, é na ação subjetiva do intérprete que poderemos encontrar limites às mutações constitucionais, na medida em que, este possua consciência e evite “extrapolar a forma plasmada na letra dos preceptivos supremos do Estado, mediante interpretações deformadoras dos princípios fundamentais que embasam o Documento Maior”[81].

Paulo BONAVIDES, admitindo a força normativa da realidade e do meio social, definida como: “a facticidade que transforma as Constituições e as rejuvenesce”[82]. Este poder teoriza BONAVIDES[83]:

[...] não desampara a Constituição depois de feita, antes a acompanha e modifica, posto que não tenha titularidade definida, ou careça da racionalidade do momento constituinte ou haja tomado ocasionalmente configuração difusa. Diante da lentidão com que atua, só é possível perceber-lhe a presença invisível quando se constatam as transformações já operadas na Constituição sem a interferência do poder constituinte derivado.

Corroborando as palavras de BULOS, afirma BONAVIDES que este poder, que acompanha e modifica o texto constitucional, “não se sujeita à disciplina jurídica, porquanto, [...] pertence às categorias sociais que atuam à margem do quadro normativo formal”[84].

Portanto, o limite das mutações constitucionais encontra-se na ‘ponderação do intérprete’ tendo, pois, uma natureza ‘subjetiva’, “consubstanciado no elemento psicológico a consciência do interprete em não desbordar os parâmetros jurídicos, através de interpretações ‘maliciosas’ ou ‘traumatizantes’”[85].


5.CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

5.1 Introdução, conceito e generalidade

O pressuposto da ordem e unidade é a principal característica de qualquer sistema, pois, através deles se obtém uma convivência harmoniosa[86].

Para a manutenção e preservação da harmonia do sistema são criados mecanismos de controle através do qual, identificada a ruptura, “o sistema provê um conjunto de medidas que visam a sua superação, restaurando a unidade ameaçada”[87].

Como ressaltou BARROSO, normalmente duas premissas são necessárias à existência desse mecanismo de controle num sistema constitucional: a supremacia e a rigidez constitucionais.

Destarte, ressalta BONAVIDES ser necessário estabelecer uma distinção entre Constituição e sistema constitucional, de modo a retirar da primeira o seu sentido clássico: “[...] a Constituição se continha toda no texto, como se fora o livro sagrado da liberdade, a bíblia de uma nova fé democrática, o alcorão dos princípios liberais, tendo por finalidade precípua limitar ou enfrear o exercício do poder”[88]-[89].

Assim, concluiu BONAVIDES[90]:

O sistema constitucional teria por conteúdo, ‘primeiro’, a Constituição propriamente dita, ‘segundo’, as leis complementares previstas pela Constituição, ‘terceiro’, todas as leis ordinárias que, do ponto de vista material, se reputar constitucionais, embora não estejam no texto da Constituição formal, e a seguir, com o máximo relevo, o conjunto de instituições e poderes [...], a saber, os partidos políticos e correntes de interesses.

A supremacia revela a hierarquia, uma vez que o sistema se estrutura de forma escalonada, inexistindo validade se houver desconformidade frente à Constituição. Para BONAVIDES[91] a hierarquia tem como conseqüência o reconhecimento de uma ‘superlegalidade constitucional’, fazendo da Constituição a lei das leis, a lex legum.

Por força da hierarquia não se aplica, em sede de apuração de constitucionalidade, o princípio básico de hermenêutica jurídica de que a lex posterior derogat priori, pois, a lei que apresente desconformidade com a Constituição será dita inconstitucional. Assim, pode a inconstitucionalidade ser originária ou superveniente. Na originária a norma dita inconstitucional é mais recente do que a constituição. Já na superveniente a edição da norma precede no tempo a promulgação da constituição a ser considerada.

A premissa da supremacia, como bem lembrou CAPPELLETTI, foi utilizada por John Marshall para reconhecer o “poder e o dever dos juízes de negar aplicação às leis contrárias à Constituição mesma”[92].

Já a rigidez constitucional, requisito para que a lei ou ato normativo possa servir de paradigma de validade das demais normas, consiste na exigência de um processo de elaboração mais complexo do que o utilizado para gerar a norma objeto do controle.

Temos que o controle de constitucionalidade é um meio indireto de aplicação da Constituição, uma vez que esta serve de referência na atribuição de sentido a uma norma ou de parâmetro para a sua validade.

Ensina Alexandre de Morais[93], que o controle de constitucionalidade consiste numa verificação da adequação ou compatibilidade de uma lei ou ato normativo, no tocante aos seus requisitos formais e materiais, em face da Constituição.

Paulo Bonavides[94] diz que este se “assenta numa distinção primacial entre poder constituinte e poderes constituídos”, característica das constituições rígidas, em que a necessidade de um processo especial de revisão estabelece uma hierarquia jurídica entre normas.

MORAES[95] afirma ser possível identificar três grandes modelos de justiça constitucional: o francês, o austríaco e o norte-americano. Desses, somente o francês não é jurisdicional[96], sendo eminentemente político, decorrente do dogma da soberania da lei, segundo o qual, só os próprios corpos legislativos poderiam manifestar-se sobre a sua validade.

Do sistema francês o Brasil importou o seu controle preventivo e político, v. g., Comissão de Constituição e Justiça dos parlamentos e o veto presidencial. O mesmo poderia se afirmar quanto à necessidade do pronunciamento do Senado Federal de modo a suspender a execução da lei dita inconstitucional em controle abstrato.

No modelo austríaco, originário do pensamento kelseniano, o controle da constitucionalidade é concentrado e atribuído a um único órgão jurisdicional, a Corte ou Tribunal Constitucional. É realizado de forma abstrata, decisão em tese, tendo esta eficácia erga omnes e efeito ex tunc , sendo a lei ou ato normativo impugnado expurgado do ordenamento.

No modelo norte-americano, por sua vez, tendo como precedente histórico o caso Marbury versus Madison[97]-[98], a constitucionalidade é tida como mera questão prejudicial ao exame do mérito. Os tribunais são chamados a resolver uma lide e, incidentalmente, solucionam a questão constitucional. A inconstitucionalidade é alegada por via de exceção, como meio de defesa, a decisão, pois, opera inter partes, não desaparecendo do ordenamento jurídico a lei ou ato normativo impugnado.

Porém, por força dos precedentes, no modelo americano, a decisão de qualquer Corte vincula as decisões de Cortes que lhe sejam funcionalmente inferiores. Assim, a decisão da Suprema Corte americana sobre constitucionalidade é respeitada por todas as demais cortes e juízes do país.

O modelo adotado no Brasil é misto, como disse Alexandre de Moraes “esta espécie de controle existe quando a constituição submete certas leis e atos normativos ao controle político e outras ao controle jurisdicional”[99].

Aqui a constitucionalidade pode ser aferida preventivamente pelo Poder Legislativo e pelo Poder Executivo mediante as comissões de constituição e justiça e o veto jurídico (controle preventivo). Também o controle de constitucionalidade pode ser efetuado de modo repressivo, sendo este em regra jurídico e realizado pelo Poder Judiciário (controle repressivo).

Como exceção, à exclusividade do controle repressivo pelo Judiciário, há a possibilidade deste ser realizado pelo Poder Legislativo, podendo este, “sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa”[100].

Outra exceção é a prevista no art. 52, inciso X da Constituição Federal de 1988, que segundo a nova tese, teria sofrido uma mutação constitucional, de modo a não mais persistir.

5.2O Controle concentrado e o controle difuso de constitucionalidade

5.2.1 Controle concentrado

Tendo como antecedente a representação interventiva[101] criada na Constituição de 1934. Nela condicionou-se a eficácia de lei interventiva, de iniciativa do Senado (art. 41, §3º), ao reconhecimento de sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (art. 12, §2º), provocada por representação do Procurador Geral da República.

Conforme indica Luis Roberto Barroso, “o controle de constitucionalidade só viria a sofrer inovação radical com a Emenda Constitucional n. 16, de 26 de novembro de 1965, na vigência ainda da Constituição de 1946, mas já sob o regime militar”[102].

Com a mudança aqui reportada, foi atribuído poder ao Supremo Tribunal Federal para declarar em via principal, concreta e abstrata a inconstitucionalidade de lei, mediante representação do Procurador Geral da República.

5.2.2 Controle difuso

Introduzido na Carta republicana de 1891, sob influência de Ruy Barbosa, o controle difuso de constitucionalidade atribuiu, a partir dali, a todo órgão jurisdicional competência para declarar, nos litígios sob exame, a inconstitucionalidade de alguma norma, tendo esta decisão efeitos circunscritos às partes do processo.

Embora tenha sido a judicial review norte-america a fonte de inspiração para a criação do controle difuso brasileiro, a adaptação, porém não trouxe para o nosso sistema o mecanismo do precedente obrigatório ou stare decisis.

O controle difuso ou aberto, também é conhecido como controle por via de exceção ou defesa[103], tendo como característica permitir a qualquer juiz ou tribunal realizar num caso concreto a compatibilidade da norma à Constituição Federal[104]. Recebendo essa denominação pelo fato de ser exercido por qualquer juiz ou tribunal, sendo, no Brasil, sempre incidental e concreto.

No controle difuso a questão constitucional é meramente de fundo, apresentando-se como prejudicial ao mérito, operando, pois, efeitos apenas entre as partes em litígio.

Portanto, o efeito da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso é ex tunc (retroativo) apenas entre as partes, podendo a esta decisão operar efeitos para os demais por força do previsto no art. 52, X da Constituição Federal, nesse caso os efeitos serão ex nunc.

Tal mecanismo representa uma “ampliação dos efeitos da declaração incidental de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal”. Como visto o sistema constitucional brasileiro optou por uma adoção incompleta do sistema difuso americano, pela falta de vinculação ao precedente (decorrente, no sistema da common law, da regra do stare decisis).

5.2.2.1. Os efeitos do controle difuso de constitucionalidade

Como dito a pronúncia do judiciário, sobre a inconstitucionalidade, nesse tipo de controle não é feita enquanto manifestação sobre o objeto principal da lide, mas sim sobre questão prejudicial, indispensável ao julgamento do mérito.

Nessa via, esclarece MORAES[105], outorga-se ao interessado a declaração de inconstitucionalidade somente para o efeito de isentá-lo, no caso concreto, do cumprimento da lei ou ato produzido em desacordo com a Constituição, permanecendo, entretanto, tal ato ou lei válidos no que se refere à sua força obrigatória com relação a terceiros.

O efeito da declaração no controle difuso adstringe-se ao caso concreto, ou seja, é inter partes (atinge apenas as partes do litígio em exame). Sua eficácia é ex tunc (retroativa), atingindo a lei ou ato normativo inconstitucional desde o seu nascimento, frise-se, apenas no que concerne à aplicação naquela lide especifica.

O sistema brasileiro, no entanto, permite a extensão dos efeitos de uma decisão operada em controle difuso de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, desde que, para tanto, o Senado Federal promova a suspensão da sua execução mediante resolução suspensiva. Nesse caso a resolução senatorial só poderá emprestar à decisão efeitos ex nunc, ou seja, para ofuturo.

5.3.A suspensão da execução de lei ou ato inconstitucional pelo legislativo

A suspensão pelo Poder Legislativo, da execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário foi introduzida no sistema constitucional brasileiro pelo constituinte de 1934. Naquele tempo o controle da constitucionalidade das leis era feito apenas em sede de controle difuso, funcionando a Corte Suprema como última instância recursal.

A previsão veiculada no art. 91, IV, decorreu, portanto, do fato de inexistir o controle concentrado de constitucionalidade no ordenamento então vigente, passando ao Senado Federal a competência para atribuir efeito erga omnes às decisões da Corte Suprema[106].

Competia, ainda ao Senado Federal “examinar, em confronto com as respectivas leis, os regulamentos expedidos pelo Poder Executivo, e suspender a execução dos dispositivos ilegais”[107]. Tal disposição, no entanto, não se repetiu nas constituições posteriores.

Com o golpe de Getúlio Vargas e a criação do Estado Novo foi outorgada a Constituição de 1937, inspirada na Carta ditatorial Polonesa de 1935, ficando conhecida como ‘a Polaca’. Vargas dissolveu o Senado Federal e criou o Conselho Federal.

No art. 101, inciso III, alíneas “b” e “c”, foi mantida a competência recursal do STF[108] para declarar inconstitucional lei ou ato governamental em julgamento de recurso extraordinário. No entanto, caso o Presidente da República entendesse conveniente, poderia submeter esta decisão ao Parlamento Nacional[109], formado pela Câmara dos Deputados e pelo Conselho Federal, que por 2/3 de votos de cada uma das casas poderia tornar sem efeito a decisão do Supremo, como prevê o art. 96, parágrafo único[110].

Com a redemocratização, após a queda de Getúlio Vargas e fim do Estado Novo, foi promulgada a Constituição de 1946, sendo restabelecido o Senado Federal.

Nos moldes da Constituição de 1934, atribuiu-se ao Senado competência privativa para suspender a execução de lei ou decreto declarados inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (art. 64).

Em 26 de novembro de 1965, através da Emenda nº 16 à Constituição de 1946, foi instituído o controle abstrato de normas estaduais e federais. No entanto, foi rejeitada[111] a proposta de atribuição de eficácia erga omnes à declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

[...] pedimos, todavia, uma formulação mais singela e mais eficiente do que a do art. 64 da nossa Constituição, para tornar explicito, a partir da declaração de ilegitimidade, o efeito erga omnes de decisões definitivas do Supremo Tribunal, poupando ao Senado o dever correlato de suspensão da lei ou do decreto.

O texto rejeitado dava ao art. 64 da Constituição a seguinte redação[112]:

Art. 64. Incumbe ao Presidente do Senado Federal, perdida a eficácia de lei ou ato de natureza normativa (art. 101, §3º), fazer publicar no Diário Oficial e na Coleção das leis, a conclusão do julgado que lhe for comunicado.

A Constituição de 1967/69[113] manteve a sistemática introduzida na Carta de 1946 pela Emenda nº 16, competindo ao Senado Federal a suspensão da execução de lei ou ato declarados inconstitucionais por decisão definitiva do STF (art. 45, IV).

Percebesse, pois, que no período anterior a 1988, o sistema difuso de controle de constitucionalidade mostrava-se dominante.

Com a promulgação da Constituição de 1988, o constituinte, ao ampliar o círculo de entes e órgãos legitimados a provocar o Supremo Tribunal Federal a um controle abstrato de constitucionalidade, restringiu a amplitude do controle difuso de constitucionalidade, uma vez que as questões constitucionais passam a ser veiculadas, fundamentalmente, mediante ação direta de inconstitucionalidade.

O constituinte, porém, continuou a exigir resolução do Senado Federal para a suspensão da execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo em controle difuso de constitucionalidade (art. 52, X).

Portanto, a Constituição de 1988 manteve o seguinte paradoxo: ao Supremo Tribunal Federal cabe a guarda da Constituição (art. 102), porém, as suas decisões em sede de controle de constitucionalidade só terão efeitos erga omnes e vinculante se proferidas em tese, ou seja, em controle concentrado de constitucionalidade.

Como assevera Regina Ferrari[114] ao Senado Federal cabe o exame da conveniência e oportunidade de retirar o dispositivo legal ou regulamentar do ordenamento jurídico. Sendo tal competência, portando, uma atividade discricionária de natureza política.

Demonstrando essa discricionariedade Luís Roberto Barroso[115], cita o caso do art. 9º da Lei n. 7.689, de 15 de dezembro de 1988, que instituiu contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas, declarado inconstitucional no RE 150.764/PE, onde a Comissão de Constituição e Justiça, após recebida a comunicação da decisão pelo Senado Federal, manifestou-se pela não-suspensão da norma.

A manifestação do Senado não se reveste de caráter necessário, não se podendo impugnar ou recorrer quanto a uma eventual inércia deste, pois ubi non est actio, ibi non est jurisdictio.

Assim, chegamos à esdrúxula configuração hermenêutica na qual uma lei inconstitucional num caso concreto, não necessariamente o seria numa análise em tese.

Destarte, a suspensão da eficácia da decisão do STF vinculada à uma atuação do Senado, representa uma solução rudimentar, na medida em que, configura uma limitação das garantias ‘judiciárias’ (independência e imparcialidade), transcurando o caráter necessariamente dinâmico e evolutivo da jurisprudência.

5.4Controle difuso e a transcendência dos motivos determinantes

Em regra eficácia preclusiva da coisa julgada abrange apenas a parte dispositiva das decisões e das deliberações colegiadas.

A transcendência dos motivos determinantes consistiria, em juízo de constitucionalidade, no entendimento de que a eficácia vinculante das deliberações não se cinge somente à parte dispositiva do julgado, mas abrange também os próprios fundamentos determinantes da decisão, com base no princípio da supremacia formal e material das normas constitucionais.

O fenômeno consiste no reconhecimento da eficácia que transcende o caso singular, não se limitando à parte dispositiva da decisão, de modo a se aplicar aos próprios fundamentos determinantes do julgado que o Supremo Tribunal Federal venha a proferir em sede de controle abstrato, especialmente quando consubstanciar declaração de inconstitucionalidade[116].

Na prática, os fundamentos da decisão do STF, ou seja, a ratio decidendi, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade vinculam o Poder Judiciário e Administração Pública à sua observância.

Ocorre, porém que o STF vem reconhecendo em sede de controle difuso de constitucionalidade a transcendência dos motivos determinantes.

Tal se deu no julgamento do Recurso Extraordinário 197.917, que definiu os critérios da proporcionalidade da fixação do número de vereadores por município.

Embora o Ministro Gilmar Ferreira Mendes tenha afirmado que a declaração de inconstitucionalidade efetuada no Recurso Extraordinário não necessitaria do referendo do Senado Federal, como prescreve o art. 52, X, da CF/1988, pois, para ele houve um reconhecimento expresso de que ali não haveria efeito transcendente.

No entanto, os critérios da proporcionalidade na fixação do número de vereadores presentes no Recurso Extraordinário 197.917 embasaram a formulação de ato normativo do Tribunal Superior Eleitoral que reduziu o número de vereadores de todo o país.

Contra a resolução do TSE, foi proposta a ADI 3345/DF, entendendo, o Pleno do STF haver transcendência dos fundamentos da decisão no RE 197.917, julgando constitucional o ato normativo editado pelo TSE.

Ou seja, o Supremo em sede de ADI reconheceu a transcendência dos motivos determinantes no julgamento do RE 197.917. Por essa razão, vinculou a decisão da ADI aos motivos que determinaram a decisão no controle difuso de constitucionalidade, em razão da existência em ambos os casos do mesmo fundamento jurídico.

Destarte, o Supremo ao conceder efeitos transcendentes à decisão que declarará a inconstitucionalidade de uma norma em controle difuso, aproximou os efeitos deste aos do controle concentrado, já que os fundamentos daquela decisão, aparentemente utilizados apenas na fronteira do processo inter partes, passaram a transcender o próprio processo, aplicando-se a outros casos.

Portanto, com base na teoria da transcendência dos motivos determinantes é possível requerer diretamente ao STF a manutenção da autoridade de seu julgado através do instituto processual da reclamação[117].


6A RECLAMAÇÃO 4335/AC: SURGIMENTO DE UMA NOVA PERSPECTIVA SOBRE O CONTROLE DIFUSO

Como leciona Humberto Theodoro Júnior[118], a Reclamação visa denunciar atos ou decisões ofensivas à competência ou autoridade da Cortes Superiores. Assim, procedente a reclamação, a decisão reclamada pode ser anulada, sendo dela passíveis as decisões de outros tribunais ou juízes, ou mesmo atos administrativos.

Este instituto foi fruto do reconhecimento e aplicação da Teoria dos Poderes Implícitos, traçada, como conta PACHECO[119], por Alexander Hamilton, John Jay e James Madison, na obra “O Federalista”:

[...] desde que um fim é reconhecido necessário, os meios são permitidos; todas as vezes que é atribuída uma competência geral para fazer alguma coisa, nela estão compreendidos todos os particulares poderes necessários para realizá-la.

A Reclamação é um instrumento de garantia da efetividade dos julgados e da preservação da competência dos tribunais superiores[120]. Afirma MORATO que a Reclamação Constitucional é “um meio pelo qual se pode provocar o Estado para que, em se garantido a sua autoridade, mais precisamente a autoridade do Poder Judiciário, sejam preservados o Estado de Direito, as liberdades públicas e a soberania popular”[121].

No âmbito do Supremo Tribunal Federal o instituto está previsto no art. 102, I, alínea “l”, da Constituição Federal, nos artigos 156 a 162 do seu Regimento Interno e nos artigos 13 a 18 da Lei Federal n° 8.038/90. in verbis:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

[...]

l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

A Constituição Federal e a Lei 8.038/90 delimitam os casos em que é cabível a Reclamação, quais sejam: a preservação de competência, a garantia da autoridade das decisões e o respeito às súmulas vinculantes.

Foi contra o descumprimento a um julgado e visando garantir a autoridade da decisão proferida pelo STF ao julgar o HC 82959/SP que a Defensoria Pública da União no Acre propôs a Reclamação n. 4335. No HC 82959/SP o Supremo declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/90, que vedava a progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos.

O inusitado nesta reclamação é o fato de que através dela a Defensoria busca atribuir à decisão proferida na análise de um caso concreto, em controle difuso de constitucionalidade, eficácia erga omnes e vinculante, resultarando na cassação das decisões impugnadas, de modo a que uma decisão consentânea com o decidido pelo STF fosse proferida pelo juízo reclamado.

Ao julgar esta reclamação os Ministros Gilmar Mendes, relator, e Eros Grau demonstraram uma tendência ao reconhecimento da abstração das decisões do STF em sede de controle difuso de constitucionalidade, para tanto afirmaram que o art. 52, X da Carta Constitucional de 1988 sofreu mutação de modo ao Senado, competir privativamente, dar publicidade à suspensão da execução de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo.

Esse entendimento apresenta-se lógico e razoável, pois como ressalta BARROSO, “seria uma demasia, uma violação ao princípio da economia processual, obrigar um dos legitimados do art. 103 a propor ação direta para produzir uma decisão que já se sabe qual é!”[122].

A nova perspectiva permitiria ao Supremo aceitar reclamação contra “tese” e não contra julgado. Lembre-se, aqui, que o julgamento “em tese” é feito em controle abstrato de constitucionalidade, não em controle concreto.

Para Lênio Streck et al[123], tal solução careceria de legitimação, pois, diferente do que ocorre no controle difuso, no concentrado:

[...] poderá existir [...], a participação da sociedade civil. A decisão do Supremo Tribunal estará, então, legitimada não somente porque emanou da corte que possui em última instância a complexa responsabilidade da guarda da Constituição. Principalmente, a decisão estatal estará legitimada por ser o resultado de um processo jurisdicional em que a sociedade poderá vir a ter participação.

A Constituição de 1988, em seu art. 103, elencou os legitimados para a propositura das ações do controle abstrato de constitucionalidade. Para o constituinte este tipo de ação não poderia ser deflagrada por qualquer do povo. Assim, admitindo-se a abstração dos efeitos da decisão no controle difuso, teríamos um desrespeito a esta regra de legitimação, na medida em que, qualquer pessoa que tenha capacidade processual genérica poderá ensejar a declaração de inconstitucionalidade de uma lei.

Diferente ocorre no controle difuso, pois nele o modelo de participação democrática se dá, de forma indireta, pela atribuição constitucional deixada ao Senado Federal. O papel do Senado neste caso diz respeito apenas aos efeitos da decisão.

Como afirmou Lênio Streck et al[124]:

Excluir a competência do Senado Federal – ou conferir-lhe apenas um caráter de tornar público o entendimento do Supremo Tribunal Federal – significa reduzir as atribuições do Senado Federal à de uma secretaria de divulgação intra-legistativa das decisões do Supremo Tribunal Federal; significa, por fim, retirar do processo de controle difuso qualquer possibilidade de chancela dos representantes do povo deste referido processo, o que não parece ser sequer sugerido pela Constituição da República de 1988.

A solução veiculada nos votos aqui mencionados, em que pese aqui se reconhecer consentâneo com o sistema constitucional brasileiro, por certo conduzirá a uma crise institucional, pois, estará o STF usurpando uma competência privativa do Senado Federal. Agravada, por certo, pelo fato de que tal solução, qual seja, a desnecessidade de participação do Senado para a extensão dos efeitos da decisão de constitucionalidade em controle difuso foi objeto de deliberação pelos constituintes originários sendo na oportunidade rejeitada.

Do ponto de vista doutrinário a proposta também não encontra sustentáculo, pois, como visto a doutrina rejeita a possibilidade de mutação constitucional com alteração de texto. Esse tipo de mutação constitucional é ilegítima por ultrapassar os limites da atuação da jurisdição constitucional no que tange à interpretação do texto constitucional.

O Ministro Eros Grau[125] em seu voto mostrou conhecer a posição doutrinária, no entanto a rejeitou afirmando:

[...] estamos aqui não para caminhar seguindo os passos da doutrina, mas para produzir o direito e reproduzir o ordenamento. Ela nos acompanhará, a doutrina. Prontamente ou com alguma relutância. Mas sempre nos acompanhará, se nos mantivermos fiéis ao compromisso de que se nutre a nossa legitimidade, o compromisso de guardarmos a Constituição. O discurso da doutrina [= discurso sobre o direito] é caudatário do nosso discurso, o discurso do direito. Ele nos seguirá; não o inverso.

Assevera GRAU que o próprio conceito de mutação deveria ser adequado, pois para o Ministro “na mutação constitucional caminhamos não de um texto a uma norma, porém de um texto a outro texto, que substitui o primeiro”[126].

Verdade que o intérprete é quem constrói a norma diante do caso concreto, o processo hermenêutico, porém, não deve ocorrer de forma absolutamente livre, como parece propor o ministro.

Como sabemos interpretar o Direito não significa apenas interpretar textos, sendo evidente, como afirma STRECK[127], mais verdadeira ainda é o fato de que os textos não são meros enunciados lingüísticos, assim, entendemos, como ensina João Maurício Adeodato apud LEITE que, “[...] o texto limita a concretização e não permite decidir em qualquer direção, como querem as diversas formas de decisionismo”[128].

Afirma LEITE[129]:

[..] quanto mais preciso for o texto normativo, menor será o espaço de discricionariedade judicial, o que reduz, conseqüentemente, o leque de interpretações válidas. De modo inverso, quanto menos preciso for o enunciado, maiores são a liberdade do intérprete e as chances de divergência interpretativa.


7.A SÚMULA VINCULANTE: SOLUÇÃO FRENTE À INÉRCIA DO SENADO FEDERAL

A súmula vinculante foi criada com o objetivo de atribuir força vinculante às decisões reiteradas do Supremo em controle difuso de constitucionalidade. Assim, estas decisões devem ser observadas em casos futuros por terceiros que não fizeram parte do processo no qual foi editada, in verbis:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

A Súmula Vinculante cumpre papel fundamental, notadamente nos processos de massa, uma vez que a tese subjacente é a mesma. O novel instituto representa supedâneo ao princípio da segurança jurídica, pois, em semelhantes causas, fixada a compreensão de uma norma pelo STF, todos os demais órgãos do poder judiciário, isso inclui o exercício do controle de constitucionalidade incidenter tantum por tais órgãos judicantes, ficam obrigados a seguir a orientação expendida.

O instituto da Súmula Vinculante confere, ainda, efetividade ao princípio da celeridade e da economia processual, agilizando e aperfeiçoando a resposta jurisdicional a estes casos, poupando aos juízes singulares e demais tribunais, e ao próprio Supremo Tribunal, o retrabalho.

Na prática a súmula vinculante, atende a outro reclamo do judiciário brasileiro, qual seja, a diminuição da quantidade de demandas repetidas, concedendo, a par disso, segurança às relações jurídicas, evitando os julgamentos contraditórios.

Com a sumula vinculante o sistema brasileiro de constitucionalidade, na prática, afastou o art. 52, X da Constituição Federal, evitando que teses superadas atravanquem o judiciário e retirando do Supremo as amarras resultantes da inércia do Senado em suspender a eficácia de normas declaradas inconstitucionais pelo STF.

O mesmo entendimento expressou Glauco Salomão Leite, para quem, “[...] a partir da criação do mecanismo da súmula vinculante pela EC n° 45/2004, verifica-se uma interferência na competência do Senado prevista no art. 52, X, da CF”[130].

Pelo que concluiu[131]:

Considerando que a súmula vinculante acabou realizando um trânsito da jurisdição constitucional difuso-concreta para o concentrado-abstrato, o entendimento do STF acaba se generalizando.

Assim, apesar de a EC 45/04 não ter revogado expressamente o ar. 52, X, da CF, nos casos em que o STF editar súmula vinculante baseada em decisões que reconheceram a inconstitucionalidade, em concreto, de uma determinada norma, o exercício da competência do Senado consistente na suspensão de sua eficácia será despiciendo, pois a súmula tem o condão de eliminar tal norma do sistema jurídico. Para essas situações, é possível afirmar que a EC 45/04 realizou uma revogação tácita do art. 52, X, da CF. No entanto, nos casos em que o STF simplesmente declarar a inconstitucionalidade de uma norma na via difusa, sem criar, após as reiteradas decisões, uma súmula vinculante, a competência do Senado não foi afetada, podendo ser exercida regularmente.

Um ponto é necessário dar relevo, pois se por um lado teremos uma acentuada economia processual, evitando que sejam manejados recursos em ações idênticas às já sumuladas pelo STF, por outro lado teremos uma exacerbada concentração de poderes num único órgão.


CONCLUSÃO

Com a Constituição de 1988 o controle concentrado de constitucionalidade recebeu significativa ênfase, a presente monografia buscou compreender a mudança de paradigma proposto pelo Supremo Tribunal Federal, segundo a qual, toda e qualquer decisão por ele exarada em matéria constitucional, quer em controle difuso quer em concentrado, conteria efeitos erga omnes e força vinculante.

No controle concentrado as decisões de inconstitucionalidade do STF, de pronto, nulificam o ato inconstitucional, possuindo força obrigatória geral, não havendo necessidade de intervenção do Senado Federal.

Porém, a extensão desse efeito às decisões em controle difuso esbarra na reserva constitucional de competência privativa do Senado Federal (art. 52, X, da CF). No sistema brasileiro essa é uma das principais distinções entre controle difuso e controle concentrado de constitucionalidade. Em que pese ser o STF o órgão precipuamente incumbido da guarda da Constituição, em controle difuso, somente o Senado pode estender a eficácia da decisão tomada pela via da exceção.

No entanto, ao proferir voto na Reclamação n. 4335/AC alguns Ministros do STF entenderam obsoleta e ultrapassada a solução prevista no texto constitucional de 1988, propondo, por conseguinte, uma interpretação conforme o sistema constitucional brasileiro. Dessa forma, em vez de o Senado atribuir caráter geral às decisões do STF em controle incidental, restaria a ele conferir-lhes apenas publicidade na imprensa oficial.

Na verdade o que o Supremo está propondo é uma reforma constitucional transfigurada de mutação, até porque tal solução conduz a uma interpretação contrária à letra do texto. Devemos, no entanto, reconhecer também que com a promulgação da Constituição de 1988 e a criação da súmula vinculante e do requisito da repercussão geral, através do qual se possibilita uma filtragem das diversas ações, que em controle difuso, costumeiramente entulhavam o STF, houve uma mudança de paradigma no sistema processual constitucional brasileiro que não se coaduna com a fórmula prevista no art. 52, X, do texto constitucional.

O entendimento revelado pelo Ministro Gilmar Mendes, relator da Reclamação 4.335 e atual Presidente do STF, caso seguido pela da maioria dos que compõe aquela Corte, resultará numa concentração de poder nas mãos do Judiciário, passando este à condição de poder constituinte originário e como tal estará promovendo, pois em tese legitimado, uma auto-extensão dos seus poderes e alterando a função do Senado Federal.

Se hoje cabe ao Supremo a última palavra em interpretação constitucional, desprovido de limites, passará este, também, a reescrever o texto constitucional como se fosse um verdadeiro poder constituinte originário.

Como adverte HABERMAS[132] ao assim agir o STF se transformará numa ‘instância autoritária’, na medida em que:

[...] ao interpretar as normas constitucionais, a justiça determina para a concretização de cada direito ou liberdade individual um valor a ser encontrado por ela própria. Advêm dai duas conseqüências. A primeira delas é que a justiça adquire a forma de um “legislador concorrente” do Legislativo. A segunda é o abandono da posição de defensora da constituição pela justiça, já que com a exclusividade da interpretação constitucional, a justiça se reveste de uma “instância autoritária” na medida em que é ela quem determinará os valores das normas, inclusive daquelas garantidoras dos direitos e liberdades.

Mais grave se torna a solução veiculada na Reclamação 4.335/AC, pois contrária à mens legis e à mens legislatore, haja vista que além de contrária à dicção literal do texto, tal solução foi proposta ao legislativo em 1965, na tentativa de reformar o art. 64 da Carta de 1946, e rejeitada.

Assim, a solução propugnada além de desrespeitar a legitimação popular, pois, contrária a decisão expressa do constituinte originário, tira do instituto da mutação constitucional o seu ponto de validade, haja vista a exegese proposta não possuir o necessário ponto de contato com o texto da Constituição.

Tal solução além de resultar numa concentração de poder no Supremo Tribunal Federal vai de encontro à vontade soberana do povo, uma vez que o STF passaria a promover mutações constitucionais segundo seus julgamentos morais, tornado-se ao mesmo tempo fiscal da lei, legislador ordinário e constitucional.

Lembremos que o Poder Judiciário também está submetido à Constituição e a soberania popular. De sorte que a Corte Suprema ao permitir-se alterar pela interpretação uma competência constitucional originária, ao invés de garantir a supremacia e rigidez do texto constitucional, via de conseqüência, o estaria fragilizando, afirma seus críticos.

Destaca o professor Uadi Lammêgo Bulos, em face do princípio da rigidez constitucional, dentre os cinco aspectos que considera fundamentais à vida constitucional dos Estados, a “indelegabilidade de competências constitucionais”[133].

Para tanto, assevera que[134]:

[...] se as Cartas rígidas só podem ser alteradas por meio de processos difíceis e complicados, estabelecidos nelas mesmas, não é possível haver delegação de competências, exceto na hipótese de reforma constitucional que, modificando a forma dos preceitos relativos à matéria, atribua a uma certa entidade função que antes não era sua.

Ao proceder assim o STF estará se constituindo o “superego da sociedade”, de que mencionou Ingeborg Maus[135]:

A ‘excepcional personalidade de jurista’ criada por uma ‘formação ética’ atua como indício da existência de uma ordem de valores justa: ‘uma decisão justa só pode ser tomada por uma personalidade justa’. Nesta fuga da complexidade por parte de uma sociedade na qual a objetividade dos valores está em questão não é difícil reconhecer o clássico modelo de transferência do superego. A eliminação de discussões e procedimentos no processo de construção política do consenso, no qual podem ser encontradas normas e concepções de valores sociais, é alcançada por meio da centralização da “consciência” social na Justiça.

Não cabe, pois, ao Alto Pretório ‘reescrever’ o texto constitucional através da aplicação do conceito de ‘mutação constitucional’.


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Notas

[1] Reclamação n. 4.335/AC (notícia publicada nos Informativos STF n. 454 e 463). Brasília, 07 fev. 2007. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acessado em: 18/03/2008.

[2] Controle de constitucionalidade em HC divide o STF. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 19 abr. 2007. Disponível em: <http://www.profpito.com/controleHCstf.html>. Acessado em 31/03/2008.

[3] Idem, nota 2.

[4] Habeas Corpus n. 82959/SP, Rel. Min. Marco Aurélio. Brasília, julgamento em 23.02.2006, publicado no DJU de 1º.9.2006.

[5] MENDES, Gilmar Ferreira. O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 41, n. 162, out./dez 2004, p. 155.

[6] Gilmar Ferreira Mendes, ob. cit., p. 155.

[7] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26° ed., (revista e atualizada). São Paulo: Malheiros, 2006, p. 53.

[8] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Vade Mecum. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 45.

[9] BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 3. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 119.

[10] BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 54.

[11] SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 291.

[12] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6 ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2002, p. 1215.

[13] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 22 ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 187.

[14] Paulo Bonavides, ob. cit., p. 187.

[15] Paulo Bonavides, ob. cit., p. 187.

[16] Reclamação n. 4.335/AC. Voto-vista Min. Eros Roberto Grau, cit., p. 9.

[17] Reclamação n. 4.335/AC. Voto-vista Min. Eros Roberto Grau, cit., p. 9-11.

[18] J. J. Gomes Canotilho, ob. cit., p. 1214.

[19] ARRUDA, Paula. Efeito vinculante: ilegitimidade da jurisdição constitucional, estudo comparado com Portugal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 112-113.

[20] Luís Roberto Barroso, ob. cit., p. 122.

[21] Vade Mecum, ob. cit., p. 56.

[22] Vade Mecum, ob. cit., p. 56.

[23] MORAES, Alexandre de.  Direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 709.

[24] Luís Roberto Barroso, ob. cit., p. 122.

[25] Reclamação n. 2.363/PA, Rel. Min. Gilmar Mendes. Brasília, julgamento em 23.10.03, publicado no DJU de 1º-4-05.

[26] Gilmar Mendes, Reclamação n. 4.335/AC, apud Eduardo Francisco de Souza, A abstração do controle difuso de constitucionalidade. Revista Jurídica, Brasília, v. 9, n. 89, p. 16, fev./mar, 2008. Disponível em: < www.presidencia.gov.br/revistajuridica> Acessado em: 02/05/2008.

[27] Como lembra Luís Roberto Barroso, a teoria da nulidade da norma inconstitucional foi amplamente acolhida pelo Direito brasileiro desde o início da República, tendo como precursor Ruy Barbosa, para quem “toda medida legislativa, ou executiva, que desrespeitar precedentes constitucionais, é, de sua essência, nula”. (O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, 3.ed. rev. e atual., 2008, p.18).

[28] STRECK, Lênio Luiz et al. A nova Perspectiva do Supremo Tribunal Federal sobre o Controle Difuso: Mutação constitucional e Limites da Legitimidade da Jurisdição Constitucional. Ob. cit., p. 19.

[29] SOUZA JÚNIOR, Cezar Saldanha. O Tribunal Constitucional como poder. Uma nova teoria divisão dos poderes. São Paulo: Memória Jurídica, 2002, p. 103.

[30] Fraudes à constituição: um atentado ao poder reformador. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2000, p. 31.

[31] LASSALE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Tradução de Walter Stöner adaptada por Aurélio Wander Bastos. 6ª. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 23 e 27.

[32] HESSE, Konrad. A força normativa da constituição (die normative Kraft der Verfassung). (Tradução de Gilmar Ferreira Mendes). Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991.

[33] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra, 1994.

[34] José Afonso da Silva, ob. cit., p. 38.

[35] José Afonso da Silva, ob. cit., p. 39.

[36] Alexandre de Morais, ob. cit., p. 6.

[37] Paulo Bonavides, ob. cit., p. 80.

[38] Paulo Bonavides, ob. cit., p. 82.

[39] J. J. Gomes Canotilho, ob. cit., p. 1129.

[40] Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p. 54.

[41] MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. T. II, 2º ed. rev., Coimbra: Coimbra Editora, 1988, p. 127.

[42] Também chamadas de plásticas.

[43] José Afonso da Silva, ob. cit., p. 46.

[44] Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002, p. 18.

[45] José Afonso da Silva, ob. cit., p. 46.

[46] J. J. Gomes Canotilho, ob. cit., p. 152.

[47] Exemplo de Constituições imutáveis são a Constituição espanhola de 1976 e a italiana de 1848.

[48] A Constituição inglesa é o maior exemplo.

[49] Meirelles Teixeira apud Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p. 76.

[50] AGRA, Walber de Moura. Fraudes à constituição: um atentado ao poder reformador. Ob. cit, p. 68.

[51] Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p 57

[52] Uadi Lammêgo Bulos, ibidem, p. 57 e 58.

[53] J. J. Gomes Canotilho, ob. cit., p. 152.

[54] Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p. 58.

[55] Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p. 60.

[56] Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p. 61.

[57] Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p. 63.

[58] Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p. 63 e 64.

[59] Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p. 64.

[60] Uadi Lammêgo Bulos, ob.cit., p. 65.

[61]  GALLO, Ronaldo Guimarães. Mutação constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 63, mar. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3841>. Acesso em: 10 set. 2008, p. 12.

[62] Ronaldo Guimarães Gallo, ob. cit., p. 12 e 13.

[63] Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p. 71.

[64] Para Savigny, como bem lembrou Paulo Bonavides, a interpretação “é a reconstrução do conteúdo da lei, sua elucidação, de modo a operar-se uma restituição de sentido ao texto viciado ou obscuro”. Curso de direito constitucional, p. 437.

[65] Paulo Bonavides, ob. cit., p. 437 e 438.

[66] Paulo Bonavides, ob. cit., p. 438.

[67] Paulo Bonavides, ob. cit., p. 461.

[68] DIMOULIS, Dimitri. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 2. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 69 et seq.

[69] Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p. 142.

[70] Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p. 57.

[71] Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p. 172.

[72] Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p. 322.

[73] Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p. 322.

[74] Ronaldo Guimarães Gallo, ob. cit., p. 13

[75] Ronaldo Guimarães Gallo, ob. cit., p. 13

[76] BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Tradução de José Manuel M. Cardoso da Costa. Portugal: Almedina, 1994, p. 39

[77] Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p. 91.

[78] LEITE, Glauco Salomão. A extensão da eficácia erga omnes e do efeito vinculante às decisões de inconstitucionalidade em controle difuso pelo Supremo Tribunal Federal: Hipótese de mutação (in) constitucional. Instituto de Hermenêutica Jurídica, Rio Grande do Sul, 2008. Disponível em: < http://www.ihj.org.br/pdfs/Artigo_Mutacao_Glauco.pdf>. Acessado em: 18/10/2008.

[79] Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p. 323.

[80] Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p. 321.

[81] Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p. 322.

[82] Paulo Bonavides, ob. cit., p. 186.

[83] Paulo Bonavides, ob. cit., p. 187.

[84] Paulo Bonavides, ob. cit., p. 187.

[85] Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p. 322.

[86] Luís Roberto Barroso, ob. cit., p. 1.

[87] Luís Roberto Barroso, ob. cit., p. 1.

[88] Paulo Bonavides, ob. cit., p. 94.

[89] Lembra BONAVIDES que: “Constituição e Direito Constitucional se apresentavam coincidentes. Estabelecido o divórcio entre a Sociedade e o Estado, a Constituição exprimia apenas o lado jurídico do compromisso do poder com a liberdade, do Estado com o indivíduo. Era a Constituição do Estado liberal, a Constituição folha de papel, a que se reportava sarcasticamente Lassalle”. (Curso de direito constitucional, p. 94 e 95)

[90] Paulo Bonavides, ob. cit., p. 99.

[91] Paulo Bonavides, ob. cit., p. 296.

[92] CAPPELLETI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Tradução de Aroldo Plínio Gonçalves. 2. ed. reimp., Porto Alegre: Fabris, 1999, p. 47.

[93] MORAES, Alexandre de.  Direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 701.

[94] Paulo Bonavides, ob. cit., p. 297.

[95] MORAES, Alexandre de.  Direito constitucional, cit., p. 704.

[96] Para CAPELLETI no sistema de controle francês a natureza política se revela na escolha e no status dos membros que dele fazem parte, bem como pela inexistência de recurso ou impugnação (O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Ob. cit., p. 29)

[97] Nesse julgamento, foi reconhecida a supremacia da Constituição Mauro Capelleti, ressalvando caráter pioneiro e original do precedente americano, aponta a existência de outros casos de reconhecimento da supremacia constitucional citando como exemplo o ateniense. (O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Ob. cit., p. 49)

[98] A idéia do judicial review já era pensada desde o processo constituinte americano. Essa idéia chegou a ser claramente esboçada no caso Marbury versus Stuart, nele foi debatido a possibilidade de se ampliar as atribuições dos juízes da Suprema Corte americana, constitucionalmente prevista, mediante lei ordinária. Bruce Ackerman. Marbury versus Stuart in Fundamentos Cuadernos Monográficos de Teoría del Estado, Derecho Público e Historia Constitucional, Astúrias, Espanha, n. 4, ano 2006. Disponível em: <http://constitucion.rediris.es/fundamentos/indice.html>. Acessado em: 31/03/2008.

[99] Alexandre de Morais, ob. cit., p. 706.

[100] Alexandre de Morais, ob. cit., p. 707.

[101] Declaração de inconstitucionalidade para evitar a intervenção federal, nas palavras de Bandeira de Mello (apud MARTINS, Ives Gandra da Silva e MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade. Ob. cit. p. 24).

[102] Luís Roberto Barroso, ob. cit., p. 1.

[103] André Ramos Tavares salienta a impropriedade da denominação “controle via de defesa”, notando o referido autor que este controle “pode ser apresentado na petição inicial como na defesa técnica, tanto pelo autor quanto pelo réu, portanto” (Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 216).

[104] Alexandre de Morais, ob. cit., p. 709.

[105] Alexandre de Morais, ob. cit., p. 709.

[106] Os então ministros do Supremo Tribunal Federal passaram a constituir a Corte Suprema.

[107] Art. 91, II da Constituição de 1934.

[108] A constituição de 1937 voltou a denominação Supremo Tribunal Federal.

[109] O Senado Federal foi dissolvido pelo regime ditatorial de Getúlio Vargas quando da outorga da Constituição de 1937.

[110] Para Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes tal disposição constituiu um retrocesso no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, instituindo uma peculiar modalidade de revisão constitucional, uma vez que a lei assim confirmada passaria a ter a força de uma emenda à Constituição (Controle concentrado de constitucionalidade, p. 26 e 27)

[111] Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes, ob. cit., p. 41.

[112] Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes, ob. cit. p. 42.

[113] Alguns autores consideram a Emenda Constitucional nº 1 de 17 de outubro de 1969 uma nova Constituição.

[114] FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

[115] Luís Roberto Barroso, ob. cit., p. 120.

[116] Reclamação nº. 2.363, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 23-10-03, DJ de 1º-4-05.  

[117] Sobre o tema reproduzo o voto do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, na Reclamação 2.363/PA, defendendo o caráter transcendente e vinculante dos fundamentos determinantes de decisão do Supremo Tribunal Federal: “[...] a aplicação dos fundamentos determinantes de um ‘leading case’ em hipóteses semelhantes tem-se verificado, entre nós, até mesmo no controle de constitucionalidade das leis municipais. Em um levantamento precário, pude constatar que muitos juízes desta Corte têm, constantemente, aplicado em caso de declaração de inconstitucionalidade o precedente fixado a situações idênticas reproduzidas em leis de outros municípios. Tendo em vista o disposto no ‘caput’ e § 1º-A do artigo 557 do Código de Processo Civil, que reza sobre a possibilidade de o relator julgar monocraticamente recurso interposto contra decisão que esteja em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, os membros desta Corte vêm aplicando tese fixada em precedentes onde se discutiu a inconstitucionalidade de lei, em sede de controle difuso, emanada por ente federativo diverso daquele prolator da lei objeto do recurso extraordinário sob exame”. (Rcl 2.363, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 23-10-03, DJ de 1º-4-05)

[118] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 733.

[119] PACHECO, José da Silva. O Mandado de Segurança e outras Ações Constitucionais Típicas. 4. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 603.

[120] A Constituição e a legislação infraconstitucional só prevêem a reclamação no âmbito do STF e do STJ. Recentemente julgando o Recurso Extraordinário (RE 405031) o STF declarou inconstitucionais os artigos 190 a 194 do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho que dispõe sobre o instituto da reclamação.

[121] MORATO, Leonardo L. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 30.

[122] Luís Roberto Barroso, ob. cit., p. 122.

[123] STRECK, Lênio Luiz et al. A nova Perspectiva do Supremo Tribunal Federal sobre o Controle Difuso: Mutação constitucional e Limites da Legitimidade da Jurisdição Constitucional. Ob. cit., p. 6.

[124] Lênio Luiz Streck et al, ob. cit., p. 6.

[125] Reclamação n. 4.335/AC. Voto-vista Min. Eros Roberto Grau. Idem, p. 14.

[126] Idem, p. 9.

[127] STRECK, Lênio Luiz. Diferencia (ontológica) entre texto y norma: alejando el fantasma del relativismo. Lênio Luiz Streck, Rio Grande do Sul, 2008. Disponível em: <http://leniostreck.com.br/index.php?option=com_docman&Itemid=40>. Acessado em: 18/10/2008. p. 1.

[128] LEITE, Glauco Salomão. A extensão da eficácia erga omnes e do efeito vinculante às decisões de inconstitucionalidade em controle difuso pelo Supremo Tribunal Federal: Hipótese de mutação (in) constitucional. Instituto de Hermenêutica Jurídica, Rio Grande do Sul, 2008. Disponível em: < http://www.ihj.org.br/pdfs/Artigo_Mutacao_Glauco.pdf>. Acessado em: 18/10/2008. p. 9.

[129] Glauco Salomão Leite, ob. cit., p. 9.

[130] Glauco Salomão Leite, ob. cit., p. 16.

[131] Glauco Salomão Leite, ob. cit., p. 17.

[132] LIMA, Martônio Mont’Alveme Barreto. Justiça Constitucional e Democracia: Perspectivas para o Papel do Poder Judiciário. Revista da Procuradoria Geral da República. São Paulo: RT. vol. 08. p. 81/101. jan/jun. 1996. p. 97.

[133] Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p. 80.

[134] Uadi Lammêgo Bulos, ob. cit., p. 83.

[135] MAUS, Ingeborg. Judiciário como Superego da Sociedade: O Papel da Atividade Jurisdicional na Sociedade Órfã. Tradução Martônio Lima e Paula Albuquerque. Revista Novos Estudos CEBRAP. São Paulo: CEBRAP. vol. 58. p. 53/102. ago/nov. 2000. p. 186.


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SANTOS, Carlos Henrique dos. Controle difuso de constitucionalidade: atribuição de eficácia erga omnes e vinculante às decisões do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3406, 28 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22897. Acesso em: 23 abr. 2024.