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A mudança de destinação de radiofrequência e o instituto do direito adquirido

A mudança de destinação de radiofrequência e o instituto do direito adquirido

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Não há que se falar em direito adquirido dos autorizados à exploração espectro, nem à exploração do espectro pelo prazo restante de sua autorização nem à manutenção da destinação da faixa de radiofrequência.

Resumo: O presente trabalho busca analisar a natureza da autorização de uso de radiofrequência e verificar se os autorizados têm direito adquirido ao uso desse bem público diante de novas razões de interesse público, especialmente a necessidade de mudança de destinação das faixas de radiofrequências.

Palavra-chave:  Telecomunicações – Autorização de uso de radiofrequência – Mudança de destinação – Direito adquirido.

Sumário: 1. Introdução. 2. Natureza jurídica do espectro radioelétrico. 3. Autorização de uso de radiofrequência; 3.1. Formalização. 3.2. Vinculação e discricionariedade. 3.3. Precariedade. 4. O instituto do direito adquirido. 5. Direito adquirido e os autorizados ao uso de radiofrequência; 5.1. Inexistência de direito adquirido ao término do prazo da autorização de uso de radiofrequência. 5.2. Inexistência de direito adquirido à manutenção da destinação da faixa de radiofrequência. 6. Conclusão. 7. Referências bibliográficas.


1.Introdução.

O espectro de radiofrequências é considerado um bem público escasso, sendo necessário, pois, que sua administração se dê pelo Poder Público. Nesse sentido é que a Lei nº 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações – LGT), em seu art. 19, inciso VIII, confere competência à Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel para administrar o espectro de radiofrequências e o uso de órbitas, expedindo as respectivas normas.

A LGT ainda impõe, nos arts. 127, inciso VII, e 160, o uso eficiente do espectro de radiofrequências, cabendo ao órgão regulador eventualmente restringir o emprego de determinadas radiofrequências ou faixas, considerado o interesse público.

Nesse contexto é que surge a tarefa de administrar o espectro numa época de constante evolução tecnológica e convergência digital, esta última mais diretamente responsável pela criação, em vários países, das chamadas licenças multi-serviços. Com o surgimento de novas tecnologias, portanto, as faixas de radiofrequências podem passar por mudanças em sua destinação, em prol do uso eficiente do espectro. Por sua vez, é possível ser necessária a devolução e/ou realocação de faixas, inclusive eventualmente com a elaboração de novo processo licitatório.

Assim, o presente estudo propõe-se a delimitar as consequências jurídicas de todo esse processo de mudança de destinação de faixas de radiofrequência, em busca do uso eficiente do espectro, e eventuais realocações e/ou devoluções de faixas, processo este que pode ser essencial para o desenvolvimento do setor de telecomunicações no Brasil.

Nessa esteira, o presente trabalho funda-se em duas premissas.

A primeira passa pela análise jurídica do instituto da autorização de uso de radiofrequência, comparando seu regime jurídico com outros institutos tradicionais do Direito Administrativo e abordando os direitos que dela surgem e a natureza destes, especialmente no contexto de eventuais modificações de destinação das faixas de radiofrequência.

A segunda premissa busca investigar o conceito de direito adquirido, abordando a doutrina mais moderna e a jurisprudência mais recente sobre o assunto, de modo a aplicá-lo à situação jurídica dos autorizados.

Com base nessas premissas, a proposta específica deste trabalho é estudar a natureza dos direitos oriundos da autorização de uso de radiofrequência, investigando se é possível considerar que os autorizados à exploração do espectro possuem, em razão da autorização outorgada, direito adquirido ao uso desse bem público, sobretudo frente a novas necessidades de interesse público.

Em outras palavras, procura-se saber quais consequências da outorga da autorização em tela surgem tanto para os administrados quanto para a Administração Pública, focando na existência ou não de direito adquirido dos autorizados frente a eventuais modificações na destinação de faixas de radiofrequência.


2.Natureza jurídica do espectro radioelétrico.

Primeiramente, é preciso tecer algumas considerações sobre o espectro de radiofrequências, de modo a deixar assentadas algumas premissas sobre o assunto.

O espectro de radiofrequências é o meio físico utilizado para a transmissão de ondas eletromagnéticas, que, por sua vez, servem à efetivação dos serviços de comunicação sem fio. Por esse mecanismo é que funcionam, por exemplo, as transmissões de rádio, TV e celular, dentre outros. Juridicamente, o espectro consubstancia um bem público, administrado pelo Estado, in casu, pela Anatel. É o que dispõe o art. 157 da LGT:

Art. 157. O espectro de radiofreqüências é um recurso limitado, constituindo-se em bem público, administrado pela Agência[1].

Muito se discute atualmente sobre o grau de controle estatal que deve ser exercido sobre o espectro. Especialistas como o professor de direito norte-americano Yohai Benkler e o fundador do Supernova Group e ex-consultor do Federal Communication Commission – FCC, agência reguladora dos Estados Unidos, Kevin Werbach, defendem um espectro livre, acessível a todos que cumpram certas regras de convivência na transmissão de sinais radioelétricos.

Esse movimento de dimensões globais, conhecido como Open Spectrum, busca uma democratização no acesso ao espectro, permitindo que todos que respeitem determinadas regras previamente estabelecidas possam dele fazer uso. Contrapõe-se ao modelo atual, que exige que cada interessado possua um ato de autorização de uso do espectro. No modelo proposto por esse movimento, os órgãos reguladores teriam apenas que definir regras para que as ondas radioelétricas não gerassem interferências prejudiciais umas nas outras.

Faz-se um paralelo do espectro com as ruas das cidades, que são livres para a circulação de todos que tenham interesse em nelas trafegar. A única exigência é o respeito às regras de trânsito. Nesse sentido, o movimento Open Spectrum advoga em favor de um espectro aberto a todos os interessados, bastando que as ondas radioelétricas emitidas trafeguem dentro das regras estipuladas.

Tal abertura do espectro, contudo, parece por certo ainda depender de tecnologia em massa suficientemente capaz de atender a tais requisitos, ou seja, é preciso que os todos os equipamentos emitam e recebam sinais capazes de obedecer às tais regras estabelecidas.

Deve-se deixar claro, nesse ponto, que a proposta desse movimento não se confunde com a ausência de regulação do espectro por parte do Estado. Ao contrário, parte do pressuposto de que é fundamental a existência de regras para o bom aproveitamento do espectro.

A necessidade de regulação do espectro, como se vê, é, em maior ou menor grau, necessária. Primeiramente, porque consubstancia bem público limitado, ou seja, em princípio não há espaço para todos os interessados em usá-lo[2]. Dessa forma, se o bem público é escasso e há mais interessados do que ele comporta, há de haver licitação para a outorga de autorização de uso de radiofrequência, conforme se depreende do art. 164 da LGT[3]. Na verdade, a exigência de licitação decorre do próprio princípio da impessoalidade previsto no art. 37 da Constituição Federal.

Em segundo lugar, porque a regulação propicia um uso mais eficiente do espectro, na esteira do que impõe o art. 127, inciso VII, da LGT, ao aduzir que a Anatel deve garantir o uso eficiente do espectro de radiofrequências[4]. O uso eficiente do espectro, nessa esteira, amplia o número de prestadores e associa as faixas de radiofrequências aos serviços mais adequados, implicando um melhor aproveitamento dessa espécie de recurso.

Com isso, busca-se o mister da regulação do espectro, qual seja, o de propiciar à população em geral uma comunicação de qualidade, livre de interferências prejudiciais.

Tecidas essas considerações, já estando patente a necessidade de regras para o uso do espectro, passa-se a analisar o regime jurídico ao qual esse uso está submetido.

Pois bem.

A LGT, ao impor à Anatel a administração do espectro, conferiu a competência para conceder aos particulares o direito de uso desse bem público. Esse é o teor do seu art. 163, in verbis:

Art. 163. O uso de radiofreqüência, tendo ou não caráter de exclusividade, dependerá de prévia outorga da Agência, mediante autorização, nos termos da regulamentação.

§ 1° Autorização de uso de radiofreqüência é o ato administrativo vinculado, associado à concessão, permissão ou autorização para prestação de serviço de telecomunicações, que atribui a interessado, por prazo determinado, o direito de uso de radiofreqüência, nas condições legais e regulamentares.

A legislação, como se vê, trata a autorização de uso do espectro como um direito de uso de bem público. O dispositivo ainda reza que a autorização é associada à concessão, permissão ou autorização para prestação de serviço de telecomunicações. Faz, portanto, a clara distinção entre a outorga para uso do bem público e a outorga para a prestação do serviço.

No caso do serviço público, diz-se ser a titularidade da União, que transfere ao particular apenas a execução. Já no caso do bem público, a propriedade é da União, que outorga ao particular o direito de uso. De bom alvitre destacar, nessa seara, que os bens públicos, categoria na qual se insere o espectro, possuem, como regra, as seguintes características: inalienabilidade, impenhorabilidade e não oneração.


3.Autorização de uso de radiofrequência.

Nesse contexto, é preciso dizer que a doutrina do Direito Administrativo aponta três formas tradicionais para se conceder o direito de uso de um bem público, a saber: (i) autorização; (ii) permissão; e (iii) concessão.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello[5], a autorização de uso é o ato unilateral pelo qual a autoridade administrativa faculta o uso de bem público para utilização episódica e de curta duração. Já a permissão de uso seria o ato também unilateral, precário e discricionário quanto à decisão de outorga, pelo qual se faculta a alguém o uso de um bem público. Por fim, a concessão de uso seria um contrato administrativo pelo qual a Administração trespassa a alguém o uso de um bem público.

José dos Santos Carvalho Filho[6], por sua vez, afirma ser a autorização de uso o ato administrativo pelo qual o Poder Público consente que determinado indivíduo utilize bem público de modo privativo, atendendo primordialmente a seu próprio interesse (é ato unilateral, discricionário e precário). A permissão de uso, apesar de também ser o ato administrativo pelo qual a Administração consente que certa pessoa utilize privativamente bem público, difere da autorização por atender, simultaneamente, aos interesses público e privado (é ato unilateral, discricionário e precário). Já a concessão de uso é, para o autor, contrato administrativo por intermédio do qual o Poder Público confere a pessoa determinada o uso privativo de bem público, independentemente do maior ou menor interesse público da pessoa concedente (é contrato, discricionário e não precário).

Maria Sylvia Zanella di Pietro[7], ainda em busca dessa distinção, comenta que na concessão de uso de bem público, o concessionário assume obrigações perante terceiros e encargos elevados, que somente se justificam se ele for beneficiado com a fixação de prazos mais prolongados, que assegurem um mínimo de estabilidade no exercício de suas atividades.

Diante dos ensinamentos doutrinários trazidos à baila, percebe-se que, embora a LGT trate o uso do espectro como uma autorização, supostamente consubstanciada por meio de ato administrativo, tal fenômeno jurídico se aproxima mais ao instituto da tradicional concessão de uso de bem público.

Essa discussão merece ser analisada em cotejo com o sistema a que se submetem os interessados em explorar os serviços de telecomunicações. Ocorre que, de acordo coma LGT, a obtenção da outorga para prestação do serviço aparece como um processo mais simplificado, quando prestado no regime privado (autorização de serviço de telecomunicações). Até porque, como regra, o art. 136 da LGT aduz não haver limite ao número de autorizações de serviço, salvo em caso de impossibilidade técnica ou, excepcionalmente, quando o excesso de competidores puder comprometer a prestação de uma modalidade de serviço de interesse coletivo.

Na verdade, portanto, as grandes licitações, que arrecadam vultosas quantias aos cofres públicos, assim o são em razão da disputa pelo uso do espectro, sobretudo de faixas de radiofrequências consideradas nobres, e não em virtude da disputa pela autorização para exploração do serviço. Esta, em razão da ausência, em princípio, de limite ao número de autorizações de serviço, é obtida mediante o pagamento de preços apenas simbólicos, se comparados ao volume de investimentos do setor.

Nesse contexto, é de se perquirir sobre as características da autorização de uso de radiofrequência, ou seja: (i) se é formalizada por meio de ato ou contrato; (ii) se é vinculada ou discricionária; e (iii) se é ou não precária.

3.1. Formalização.

Quanto à formalização, a LGT é clara ao dispor que o uso do espectro depende de prévia autorização da Anatel, que se materializará por me meio de ato administrativo. De fato, a Agência expede um ato de autorização de uso de radiofrequência. Ocorre que, concomitantemente, há a figura do termo de autorização de uso de radiofrequência, assinado pela Anatel e pelo autorizado. Na minuta desse termo consta, inclusive, que se trata de termo de outorga de autorização de uso de radiofrequência, associada a determinado(s) serviço(s), que entre si celebram a Anatel e o particular.

Ora, só o fato de haver um termo celebrado entre as parte já denota que a natureza não é a de mero ato administrativo, unilateral, portanto. A formalização se dá pelo ato e pela assinatura bilateral de um termo, que possui a feição jurídica de verdadeiro contrato.

Além desse aspecto, destaca-se a existência de prazo determinado para o uso do bem público, o que, em princípio, guarda mais relação com a figura dos contratos. É espécie de garantia, dada pela Administração, de que o particular poderá explorar o bem durante aquele período, sinalizando para um aporte de investimentos. Essa característica, aliás, se contrapõe ao tradicional entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello de que a autorização de uso de bem público serve apenas para utilização episódica e de curta duração.

3.2. Vinculação e discricionariedade.

Já quanto à questão da vinculação ou discricionariedade, é preciso deixar claro que, quando a doutrina do Direito Administrativo menciona que a autorização, a permissão e a concessão de uso de bem público são discricionárias, há referência à decisão de se conferir o uso ao particular. Ou seja, a discricionariedade implica que a Administração deve decidir se é ou não conveniente e oportuno conferir a utilização privativa do bem ao particular.

No caso do espectro, a autorização de uso é vinculada porque a própria lei já realizou esse juízo de valor. Até porque o espectro, pelas suas características singulares, só serve de meio para a exploração dos serviços de telecomunicações (lato sensu). Difere, portanto, dos demais bens físicos, que também podem ser úteis à sociedade de outra forma, enquadrando-se, por exemplo, como bem de uso comum do povo ou de uso especial.

De fato, o uso do espectro é sempre associado à outorga para a prestação de um ou mais de um serviço específico. Sem a outorga do serviço, o espectro perde sua finalidade, que é a de servir de meio à exploração do serviço. Um está umbilicalmente ligado ao outro, no caso de serviços prestados via uso do espectro[8]. A Anatel, por meio do Regulamento de Uso do Espectro de Radiofrequências, aprovado pela Resolução nº 259/2001, chegou a definir os objetivos do espectro[9].

Dessa forma, em razão da sua peculiaridade, tem-se que o espectro será usado necessariamente para a exploração dos serviços de telecomunicações e radiodifusão. Esse é o viés a que diz respeito a vinculação trazida pelo § 1º do art. 163 da LGT.

Contudo, não parece adequado parar a análise por aí e concluir que a autorização para uso do espectro não possui um aspecto discricionário. Pois bem. Entre a certeza de que o espectro será usado para a prestação dos serviços e a efetiva outorga da autorização existem várias etapas que merecem ser examinadas.

Primeiro, o Poder Público tem que estabelecer quais faixas de radiofrequências estarão disponíveis para uso dos particulares, porquanto, em princípio, devem ser destacadas algumas faixas para uso pelas Forças Armadas. É o que se depreende do § 2º do art. 163 da LGT, que dispensa até mesmo a outorga da autorização em determinados casos[10].

Em segundo lugar, deve-se definir qual serviço é o adequado para cada faixa de radiofrequência, ou seja, é preciso destinar adequadamente os serviços às diferentes faixas existentes, de modo a assegurar um uso eficiente do espectro. Nessa definição, também se levam em consideração as recomendações da União Internacional de Telecomunicações – UIT, que traça diretrizes a serem seguidas pelos países. Com base nessas premissas, a Anatel define, discricionariamente, um plano de destinação de faixas, como determina o art. 158 da LGT[11].

Terceiro, a Anatel irá definir as especificações técnicas que deverão ser seguidas pelos particulares no uso do espectro, de modo a garantir a inexistência de interferências prejudiciais mútuas entre eles (ou, mais precisamente, entre os sinais radioelétricos emitidos por eles).

Por fim, o uso do espectro possui certa complexidade, de modo que, havendo mais de um interessado, cabe à Agência definir, respeitado o interesse público, o momento em que se dará a licitação, o regramento desse certame e a existência ou não de compromissos de interesse da coletividade, definindo os critérios de julgamento, isolada ou conjuntamente: maior oferta de preço público pela concessão, permissão ou autorização, tarifa ou preço máximo do serviço que será praticado junto aos usuários, melhor qualidade dos serviços ou, ainda, melhor atendimento da demanda[12].

Enfim, a referência a que a LGT faz ao aspecto da vinculação da autorização do uso de radiofrequências diz respeito, apenas, à obrigatoriedade de, estando disponível e não havendo mais interessados, a Anatel autorizar o uso da faixa de radiofrequência, observando, obviamente, a sua destinação e os demais aspectos técnicos.

3.3.Precariedade.

Quanto ao aspecto da precariedade, percebe-se uma vertente da doutrina do Direito Administrativo que identifica a precariedade com a posição de prevalência existente em favor da Administração. Sobre o assunto, de bom alvitre colacionar o entendimento de José dos Santos Carvalho Filho[13]:

Dizer-se que o uso é precário tem o significado de admitir posição de prevalência para a Administração, de modo que, sobrevindo interesse público, possa ser revogado o instrumento jurídico que legitimou o uso. Essa revogação, como regra, não rende ensejo a qualquer indenização, mas pode ocorrer que seja devida pela Administração em casos especiais, como, por exemplo, a hipótese em que uma autorização de uso tenha sido conferida por tempo certo, e a Administração resolva revogá-la antes do termo final.

O autor parece considerar as autorizações e as permissões de uso de bem público como precárias e, por outro lado, considerar as concessões de uso como não precárias. Essa diferença se imporia, segundo o autor, em razão da forma contratual das concessões de uso e da estabilidade necessária para esse tipo de uso. Afirma o que segue[14]:

Se o concessionário ficasse à mercê do concedente, sendo totalmente precária a concessão, não se sentiria decerto atraído para implementar a atividade e fazer os necessários investimentos, já que seriam significativos os riscos do empreendimento. Isso não quer dizer, porém, que a estabilidade seja absoluta. Não o é, nem pode sê-lo porque acima de qualquer interesse privado sobrejaz o interesse público. Mas ao menos milita a presunção de que, inexistindo qualquer grave razão superveniente, o contrato se executará no tempo ajustado pelas partes.

Carvalho Filho parece estabelecer graus de precariedade, quando defende que a concessão de uso não pode ser totalmente precária, dando a entender que seria apenas um pouco precária. Parece haver certa confusão entre a pouca precariedade e as possibilidades advindas das implícitas cláusulas exorbitantes em favor da Administração Pública.

É que a identificação da precariedade com a posição de prevalência da Administração faria com que todos os contratos administrativos fossem precários, já que, em tese, em todos eles há posição de prevalência da Administração. É da natureza dos contratos celebrados entre a Administração e os particulares a existência dessa prevalência, que se traduz, como se sabe, na existência de cláusulas exorbitantes, ainda que implícitas. Sempre há, portanto, uma submissão do contrato a um regime público (ou ao menos misto, como dizem alguns). Sob outro ângulo, é certo que os contratos celebrados entre particular e Administração nunca são regidos exclusivamente pelo regime privado.

Nos contratos administrativos previstos na Lei nº 8.666/93 por óbvio também há essa prevalência da Administração. Basta citar a possibilidade de a Administração rescindir unilateralmente o contrato por razões de interesse público. O art. 79 da citada Lei aduz que a rescisão do contrato poderá ser determinada por ato unilateral e escrito da Administração quando existirem razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato, situação esta considerada motivo para a rescisão, conforme dispõe o art. 78.

Poder-se-ia concluir, então, que os contratos administrativos em questão são precários? Parece-nos que não. Segundo as lições de José dos Santos Carvalho Filho, eles seriam precários, embora não totalmente precários.

Ora, parece-nos que a questão da precariedade deva referir-se, primeiro, à possibilidade ou não de se revogar o ato e, depois, com a obrigatoriedade ou não de se conceder uma indenização, o que, por sua vez, guarda relação com a existência ou não de prazo para o uso do bem público.

Assim, no caso da autorização do uso de radiofrequência, tem-se que não é ato precário, porquanto deve haver respeito ao prazo estipulado e, caso não haja, deve haver indenização se comprovados prejuízos decorrentes diretamente desse desrespeito.

Sobre o prazo, vale chamar atenção para o fato de que ele não é estipulado nem apenas em favor da Administração nem apenas em favor do particular. Serve de segurança aos dois, tal como ocorre num contrato.

Veja-se o exemplo da renúncia à autorização para uso do espectro. O art. 142 da LGT dispõe que a renúncia é o ato formal unilateral, irrevogável e irretratável, pelo qual a prestadora manifesta seu desinteresse pela autorização. O seu parágrafo único, em complemento, reza que a renúncia não será causa para punição do autorizado, nem o desonerará de suas obrigações com terceiros.

Ora, a renúncia é, de fato, um ato unilateral. Em linhas gerais, impossível a imposição de obrigação de fazer a uma pessoa, por mais que ela tenha contratualmente se obrigado a fazer algo. Contudo, do rompimento da obrigação a que se tinha comprometido surge o dever de indenizar, isto é, a obrigação de fazer se converte em perdas e danos.

No caso do uso do espectro, o particular, com a assinatura do termo de autorização, que possui feição contratual, se compromete, em alguns casos, perante a Anatel e a sociedade, a cumprir certos compromissos de abrangência. Tanto é que o particular pode ter que apresentar, no curso da licitação, garantias de que irá cumprir tais compromissos de abrangência.

Essa garantia demonstra para a Anatel e para a sociedade que, durante o prazo da autorização de uso do espectro, a população estará sendo atendida e os compromissos de abrangência estarão sendo cumpridos. Tudo isso, ressalte-se, está inserido numa política pública de ampliação da oferta dos serviços de telecomunicações, mesmo daqueles prestados em regime privado.

Nesse contexto, registra-se que o espectro deve ser usado em consonância com a sua função social, sobretudo porque consubstancia bem público. Ora, até mesmo a propriedade privada (ou bem privado) tem que atender à sua função social[15]. Dessa forma, não pode o particular simplesmente renunciar e deixar a sociedade a ver navios.

A renúncia, na verdade, tem implicações tanto na sociedade quanto no Estado (Anatel). Na sociedade porque ficará, de forma abrupta, sem o serviço, e na Anatel porque terá que licitar novamente aquela faixa de radiofrequência, o que certamente demanda tempo e custos. O ideal seria que a renúncia, caso venha a ocorrer, fosse comunicada à Anatel com certa antecedência, de modo a permitir que a Agência já preparasse nova licitação, visando ao restabelecimento mais rápido do serviço por outro particular.

A própria LGT, como destacado acima, ao mesmo tempo em que dispõe que a renúncia não pode ser causa de punição do renunciante, também determina que não o desonerará de suas obrigações com terceiros. Por esse motivo o particular deve arcar com os ônus da sua renúncia, lembrando, novamente, que o prazo estipulado para o uso do espectro não é apenas em favor do particular, ou seja, não é apenas para protegê-lo de eventual retomada do espectro pela Administração. Concomitantemente, o prazo também é estipulado em favor da Administração, tendo como finalidade a garantia, para o Estado, de que durante aquele período a sociedade estará obtendo proveito da exploração do bem público pelo particular. Se há quebra do prazo, compensações têm que surgir, sobretudo para garantir o cumprimento das obrigações assumidas em prol de terceiros, como determina a LGT.

Entende-se que essas eventuais compensações não se enquadram como punição, o que afasta o argumento de descumprimento da LGT. Representam, ao contrário, forma de garantir que a renúncia não desonerará a prestadora de suas obrigações assumidas perante terceiros. Embora a base para que as compensações ocorram já exista na legislação, maiores detalhes sobre a forma como elas se darão poderiam vir nos editais de licitação e na própria regulamentação do órgão regulador.


4. O instituto do direito adquirido.

Para que as pessoas vivam em paz, mister se conferir estabilidade às relações jurídicas. Daí surge o princípio da segurança jurídica, valor tido como fundamental na sociedade democrática moderna.

Ingo Sarlet acertadamente destaca que “a segurança jurídica coincide com uma das mais profundas aspirações do ser humano, viabilizando, mediante a garantia de uma certa estabilidade das relações jurídicas e da própria ordem jurídica como tal, tanto a elaboração de projetos de vida, bem como a sua realização”[16]. Dessa forma, para a concretização dos demais valores constitucionais, imperioso que se garanta a segurança jurídica.

É nesse sentido que a Constituição Federal assegura, em seu art. 5º, inciso XXXVI, que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Como se vê, o texto constitucional não dá os contornos do que se deva entender, de maneira clara e objetivo, por direito adquirido.

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, consubstanciada pelo Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, antes denominada Lei de Introdução ao Código Civil[17], que traz alguns conceitos sobre o conflito de leis no tempo, dispõe, em seu art. 6º, §2º, que se consideram adquiridos os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem[18].

A definição trazida pela LINDB para o direito adquirido, contudo, serve apenas de norte ao intérprete, sobretudo em razão de datar de 1957, bem anterior à atual Constituição Federal, de 1988. Além disso, sabe-se que, pela hierarquia normativa, as leis devem ser interpretadas, primeiramente, sob a ótica da Constituição Federal, e não o contrário. É o que se chama de princípio hermenêutico da interpretação conforme a Constituição (ou a partir da Constituição).

Sobre a definição legal trazida pela LINDB sobre o direito adquirido, de bom alvitre colacionar as ponderações feitas por Marcelo Novelino[19]:

Duas orientações podem ser adotadas em face desta definição legal. A primeira é no sentido de que não existindo definição constitucional, caberia à lei formular o seu conceito e definir os seus limites. Desse modo, ficaria a cargo do legislador ordinário a prerrogativa de definir, em termos normativos, o conteúdo da ideia de situação jurídica definitivamente consolidada.

A segunda orientação, que nos parece a mais correta, parte da premissa de que a lei deve ser interpretada conforme a Constituição e não o contrário. Assim, apesar da possibilidade de uma definição legal auxiliar na interpretação de normas constitucionais, não pode vincular esta atividade de forma a aprisionar o intérprete aos limites por ela estabelecidos.

De fato, a definição trazida pela LINDB serve de auxílio ao intérprete constitucional, mas sem fechar suas possibilidades. Portanto, diante da falta de parâmetros constitucionais, resta aos intérpretes (doutrinadores, legisladores e/ou aplicadores da lei) traçar os parâmetros. Nesse viés, destacam-se os critérios apontados por Celso Ribeiro Bastos[20] para a determinação da ocorrência do direito adquirido:

I – expressa referência que a lei possa fazer a essa circunstância, como ocorre quando ela deixa claro o seu caráter perpétuo ou utiliza o termo incorporação;

II – análise de sua finalidade ou racionalidade. Deve-se perguntar: teria sentido esta norma sem o caráter de perdurabilidade do benefício criado por ela? Se a resposta for negativa, estaremos diante de um direito adquirido.

O Supremo Tribunal Federal – STF, em julgamento de 1999, também trata do assunto, deixando assente, contudo, sua posição de que caberia ao legislador ordinário trazer os contornos do direito adquirido[21].

Celso Ribeiro Bastos afirma ainda que “o direito adquirido no campo publicístico surge toda vez que o legislador isola um fato (gesto de bravura, tempo de serviço...) e o considera, de per si, apto para ser fonte geradora de um direito. Nestas hipóteses o direito não pode ser senão da natureza dos adquiridos”[22].

Em outra ocasião, Celso de Bastos ensina que o direito adquirido:

(...) constitui-se num dos recursos de que se vale a Constituição para limitar a retroatividade da lei. Com efeito, esta está em constante mutação; o Estado cumpre o seu papel exatamente na medida em que atualiza as suas leis. No entretanto, a utilização da lei em caráter retroativo, em muitos casos, repugna porque fere situações jurídicas que já tinham por consolidadas no tempo, e esta é uma das fontes principais da segurança do homem na terra[23].

Deve-se lembrar, nesse ponto, que o direito adquirido é garantia do administrado em face do Estado. Pode a lei eventualmente retroagir se for para beneficiá-lo[24].

José Afonso da Silva, também registrando que não há contornos claros sobre o conceito de direito adquirido, ensina que a noção desse instituto ainda é balizada pela opinião de Francesco Gabba, senão vejamos:

A doutrina ainda não fixou com precisão o conceito de direito adquirido. É ainda a opinião de Gabba que orienta sua noção, destacando como seus elementos caracterizadores: (1) ter sido produzido por um fato idôneo para a sua produção[25]; (2) ter se incorporado definitivamente ao patrimônio do titular.[26]

Tecidas essas considerações, vale dizer que, embora a Constituição Federal tenha resguardado o direito adquirido do advento de uma lei nova, ou, mais precisamente, da retroatividade de uma lei nova, o seu mandamento se aplica a todos os Poderes da União, quais sejam, Legislativo, Executivo e Judiciário.

Admitir-se o contrário seria o mesmo que proteger o direito adquirido da retroatividade de uma lei nova, mas deixá-lo à mercê de um ato administrativo ou de uma decisão judicial. Na verdade, todos os Poderes da União devem respeito ao direito adquirido, de modo que o dispositivo constitucional em referência (art. 5º, inciso XXXVI), deve ser lido da seguinte forma: a lei, a decisão judicial ou o ato administrativo não prejudicarão o direito adquirido[27].

Nesse mesmo contexto, outra discussão surgiu na doutrina no que pertine às espécies objeto de alcance do inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal. Doutrinadores há que, fazendo distinção entre leis de cunho privado e de cunho público, defendem que só haveria direito adquirido frente às primeiras, porquanto as últimas, por consubstanciarem leis de interesse público e/ou coletivo, não poderiam se curvar aos interesses privados de um indivíduo que possuísse direito adquirido. Prevalece, contudo, em linhas gerais, que, por não ter feito qualquer distinção, o dispositivo constitucional consagra o direito adquirido tanto frente às leis de cunho privado quanto frente às leis de cunho público. É essa, inclusive, a posição do STF[28].

Há quem ainda defenda que, mesmo com a existência de direito adquirido, este poderia ser relativizado, numa ponderação axiológica, caso sobreviessem razões de interesse público que justificasse. Essa é a posição de Daniel Sarmento, ao advogar a tese que o direito adquirido, assim como os outros direitos consagrados no ordenamento jurídico, não é absoluto[29].

Tem-se, portanto, pelo exposto, que o direito adquirido guarda relação primordialmente com a consolidação de situações no tempo e com a incorporação definitiva do direito ao patrimônio do titular. É o que se observa dos julgados do STF sobre o assunto, mormente quando menciona que “a lei nova não pode revogar vantagem pessoal já incorporada ao patrimônio do servidor, sob pena de ofensa ao direito adquirido”[30], quando aduz ter havido “incorporação segundo a lei do tempo”[31] ou, ainda, quando pacifica seu entendimento no sentido de que inexiste direito adquirido a regime jurídico[32], justamente por não haver incorporação.

A discussão surge, às vezes, sobre o momento em que se dá a incorporação ao patrimônio jurídico do titular do direito. No caso da aposentadoria, por exemplo, o STF também possui posição pacífica no sentido que a incorporação ao patrimônio do titular já ocorre com o preenchimento dos requisitos para tanto, e não só com a formalização do pedido de aposentadoria. Basta, então, o preenchimento dos requisitos[33].

Tecidas essas considerações sobre o direito adquirido, vê-se que ele realmente guarda relação com a consolidação de situações no tempo e com a incorporação definitiva do direito ao patrimônio do titular, impedindo que o Estado possa suprimir tal direito do administrado.


5. Direito Adquirido e os autorizados ao uso de radiofrequência.

Tecidas as considerações acima sobre a autorização de uso de radiofrequência e sobre o direito adquirido, passa-se a estudá-las em conjunto. Deve-se analisar, precisamente, os contornos abstratos do direito adquirido em cotejo a autorização de uso do espectro.

Na verdade, o tema necessita ser desmembrado em duas vertentes, quais sejam: (i) eventual direito adquirido ao término do prazo estabelecido para o uso do espectro; e (ii) eventual direito adquirido à manutenção da destinação da faixa de radiofrequência durante o prazo da autorização de uso da radiofrequência.

5.1.Inexistência de direito adquirido ao término do prazo da autorização de uso de radiofrequência.

Como já dito alhures, a autorização de uso de radiofrequência é concedida por prazo determinado. Não que a Administração assim escolha. A existência de prazo determinado para o uso do espectro é imposição legal (art. 163, § 1º, da LGT). Além disso, comporta altos investimentos, tendo feição de contrato e formalizado por meio da celebração, entre particular e Administração, de Termo de Autorização de Uso de Radiofrequência.

A questão que se põe, então, é saber se há direito adquirido do particular de usar o espectro durante todo esse prazo. É saber se, mesmo diante do advento de novas razões de interesse público devidamente comprovadas, ficaria a Administração Pública impedida de reaver o bem para lhe dar nova destinação.

É preciso, primeiramente, fazer uma distinção entre situações consolidadas no tempo e direitos advindos da celebração de contratos. Na primeira hipótese, o direito já está consumado, devidamente integrado no patrimônio do titular, não havendo como desfazê-lo. Não depende mais de faciere da Administração. Esta já produziu todos os atos necessários à incorporação do direito ao patrimônio do titular. A relação entre o particular e o Estado decorre da relação usual existente entre administrado e Administração, ou seja, entre o administrado e o Estado enquanto ente simultaneamente representante e organizador da sociedade.

Na segunda hipótese, os direitos são decorrentes unicamente de um contrato celebrado entre o particular e a Administração. Ainda há prestações a serem cumpridas por ambas as partes. No caso em comento, cabe à Administração permitir o uso do bem, não opondo obstáculos e, até mesmo, impedindo que os obstáculos surjam[34]. A relação, portanto, é contratual ou específica. Não decorre, pois, da genérica relação entre administrado e Administração.

Na verdade, situações consolidadas também podem surgir de relações específicas, como ocorre no caso de servidores públicos e Administração. O fato é que nesses casos – e a distinção que se quer enfatizar reside aqui – todos os requisitos já foram preenchidos. A Administração já praticou todos os atos para consolidar a situação do administrado e incorporar determinado direito ao seu patrimônio.

No caso dos contratos celebrados com a Administração, outra observação merece ser feita: inexistem contratos por prazo indeterminado no âmbito da Administração Pública. O que existem são atos precários conferindo alguns direitos por prazo indeterminado (como ocorre, por exemplo, com a autorização para porte de arma ou com a tradicional autorização para uso de bem público).

Assim, ou a precariedade dos atos/contratos por prazo indeterminado impede a formação do direito adquirido ou a estabilidade do prazo determinado dos atos/contratos assim firmados deve ser respeitada apenas durante esse tempo.

Ocorre que o Direito não está inserido no mundo do ser. Neste mundo, “A é B”. O Direito, como ciência das normas, faz parte do mundo do dever-ser, segundo o qual “A deve ser B”. Assim, há possibilidade de A não ser B, apesar de dever sê-lo. Para o caso de não sê-lo, por sua vez, deve haver sanção pelo descumprimento da norma.

Quando se estudam os contratos, compactua-se a premissa de que ele deve ser cumprido em todos os seus termos. Ocorre que, havendo descumprimento, impõe-se a aplicação de alguma sanção e/ou consequência. Não há direito adquirido da parte em ver o contrato cumprido pela outra parte. O que existe é o direito de se ver ressarcido em caso de prejuízo provocado pelo ato da outra parte. Como já dito alhures, o direito ao cumprimento do contrato converte-se em perdas e danos, se estes existirem.

Sobre esse ponto, vale registrar que, por óbvio, não se tolera que a Administração descumpra seus contratos, devendo, portanto, apresentar motivos justos para tanto. Em outras palavras, só se admite o descumprimento do pactuado se existirem razões de interesse público que justifiquem tal medida.

Dessa forma, caso existam razões de interesse publico que assim exijam, é possível que a Administração Pública retome o uso do bem público – in casu, da faixa de radiofrequência – antes do prazo estipulado no Termo de Autorização.

Ora, a destinação de um bem público deve sempre atender ao interesse público, cabendo ao Administrador garantir, por meio de constante acompanhamento, que assim o seja. Até os bens privados têm que cumprir a sua função social.

O princípio da supremacia do interesse público impõe ao administrado, dentro dos limites legais, sua sujeição aos interesses da coletividade. É com base nessa premissa, por exemplo, que o Estado desapropria, suplantando o antes absoluto direito de propriedade, e impõe restrições às atividades individuais no exercício do seu poder de polícia. Veja-se, a respeito a lição de José dos Santos Carvalho Filho:

Se é evidente que o sistema jurídico assegura aos particulares garantias contra o Estado em certos tipos de relação jurídica, é mais evidente ainda que, como regra, deva respeitar-se o interesse coletivo quando em confronto com o interesse particular. A existência de direitos fundamentais não exclui a densidade do princípio. Este é, na verdade, o corolário natural do regime democrático, calcado, como por todos sabido, na preponderância das maiorias[35].

Merece atenção, nessa esteira, a questão da desapropriação. Embora o tema remeta mentalmente aos bens imóveis, é preciso deixar claro que são passíveis de desapropriação quaisquer bens, móveis ou imóveis, e até mesmo direitos, desde que justificadamente úteis ao interesse público, entendendo-se utilidade em sentido amplo, ou seja, abarcando todas as formas de desapropriação (por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social)[36].

Perceba-se que a desapropriação não decorre necessariamente de descumprimentos de obrigações por parte do particular. A desapropriação como espécie de sanção é a exceção, como ocorre, por exemplo, quando a propriedade deixa de cumprir sua função social (desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária)[37].

Assim, mesmo que o particular esteja regularmente fazendo uso da propriedade de seu bem, ainda assim, em prol do interesse público, o ordenamento jurídico permite que haja a desapropriação. Esta, aliás, consubstancia intervenção supressiva (e não meramente restritiva) da propriedade. Por meio dela, o particular perde a propriedade em favor do Estado.

Ora, se um bem privado pode ser desapropriado em favor do Estado para atender ao interesse público, quanto mais o direito de uso de um bem público. Explica-se: quando se permite o uso de um bem público exclusivamente por um particular, a titularidade do bem não lhe é transferida. Ao contrário, a titularidade do bem público, embora em uso por particular, permanece com o Estado, seu proprietário. O que o particular detém é apenas o direito de uso do bem público, e não sua propriedade.

Infere-se, portanto, que o particular não tem direito adquirido a usar o bem público até o término de sua autorização. O que ele tem é direito de usá-lo até o final do prazo. Possui, enfim, direito não adquirido. É direito, mas não direito adquirido. É o mesmo direito que qualquer particular tem de manter consigo a propriedade de seu determinado bem ou de ver cumprido, pela outra parte, determinado contrato. Tem direito, mas não frente a razões de interesse público comprovadas.

Essa distinção é fundamental, pois ter direito não se confunde com ter direito adquirido. Neste último caso, o direito do particular impede ações do Estado. Já no caso de se ter direito não adquirido o Estado pode agir em prol do interesse público, promovendo o ressarcimento dos prejuízos comprovadamente sofridos decorrentes de sua ação.

Ademais, na linha do exposto, sobrevindo razões de interesse público, o próprio Regulamento de Uso do Espectro de Radiofrequências consagra essa hipótese de extinção da autorização de uso da radiofrequência:

Art. 61. A autorização de uso de radiofreqüências extinguir-se-á:

(...)

IV. por interesse público, a juízo da Agência;

E o art. 62 afasta, inclusive, o direito de indenização em razão da extinção da autorização antes do término do prazo:

Art. 62. A extinção da outorga de autorização de uso de radiofreqüências, antes do prazo estipulado, não ensejará, em qualquer hipótese, direito à indenização ao interessado

Vale mencionar, por fim, que mesmo que exista eventual indenização decorrente de eventuais prejuízos comprovados, o fato é que inexiste direito adquirido, que impossibilitaria a ação do Estado. Aliás, o pagamento de indenização afasta a violação de eventual direito adquirido. Esse foi o entendimento do STF, ao julgar caso que envolvia o Estatuto do Desarmamento[38].

Breves considerações sobre a questão da indenização, embora não seja o tema do trabalho, serão tecidas ao final do tópico seguinte.

5.2.Inexistência de direito adquirido à manutenção da destinação da faixa de radiofrequência.

Um segundo desafio diz respeito a saber se há direito adquirido dos autorizados frente a eventuais mudanças de destinação da faixa de radiofrequência.

Para iniciar o tema, interessante lembrar que a Anatel, por força do art. 158 da LGT, deve manter plano com a atribuição, distribuição e destinação de radiofrequências, e detalhamento necessário ao uso das radiofrequências associadas aos diversos serviços e atividades de telecomunicações, atendidas suas necessidades específicas e as de suas expansões.

O Regulamento de Uso do Espectro de Radiofrequência define a destinação de radiofrequência como a inscrição de um ou mais sistemas ou serviços de telecomunicações – segundo classificação da Agência – no plano de destinação de faixas de radiofreqüências editado pela Agência, que vincula a exploração desses serviços à utilização de determinadas faixas de radiofreqüências, sem contrariar a atribuição estabelecida.[39]

Em suma, a Agência, por meio de atos normativos (resoluções), destina determinadas faixas de radiofrequência a determinado(s) serviço(s)[40]. Assim, as faixas ou subfaixas só podem ser usadas para a prestação daquele(s) serviço(s) específico(s) para as quais foram destinadas. De fato, o § 2º do art. 18 do Regulamento de Uso do Espectro de Radiofrequências aduz que, havendo destinação de faixas de radiofrequências a determinados serviços de telecomunicações, o direito de uso de radiofreqüências, faixa ou canal de radiofrequências só poderá ser outorgado às exploradoras destes mesmos serviços.

A definição dessa destinação é consubstanciada por uma decisão discricionária da Anatel, considerando as diversas razões de interesse público envolvidas. O Regulamento de Uso do Espectro de Radiofrequências arrola, inclusive, em seu art. 9º, objetivos a serem levados em conta quando da elaboração do plano de atribuição, destinação e distribuição das faixas de radiofrequências, tais como: (i) emprego racional, econômico e eficiente de radiofrequências, (ii) evitar interferências prejudiciais; (iii) viabilizar o surgimento de novos serviços e aplicações; e (iv) promover a justa competição no setor de telecomunicações.

Vê-se que, pelos critérios a serem empregados para a definição da destinação, podem surgir razões de interesse público que imponham à Anatel a mudança de destinações previamente definidas. Na verdade, a avaliação de tais critérios certamente muda ao longo do tempo, o que é da essência das ações regulatórias. Num dia determinada ação faz-se necessária e, no dia seguinte, pode não mais fazer sentido, a depender do novo contexto em que se insere, sobretudo no mundo das telecomunicações, de constantes e rápidas mutações, influenciadas na maioria das vezes pelo avanço da tecnologia.

A necessidade de viabilizar o surgimento de novos serviços e aplicações bem ilustra essa constante transformação do setor, pois a destinação certamente deve se adequar ao novo, às novas tecnologias, o que fatalmente implica a necessidade de modificar as destinações definidas no passado.

Destarte, é de inferir que não pode a Administração engessar suas ações regulatórias em virtude de suposto direito adquirido do autorizado de ver aquela destinação eternamente (ou pelo menos durante o prazo de sua autorização) estática, sem quaisquer alterações. É óbvio que a Administração pode modificar a destinação das faixas de radiofrequência, sobretudo porque o uso do espectro deve ser racional e adequado em cada contexto da história, ou seja, pode-se dizer que a própria definição da destinação de uma faixa é uma decisão de momento, no sentido de que precisa ser constantemente revista com o fito de estar sempre atendendo ao interesse púbico. A possibilidade de modificação da destinação das faixas de radiofrequência faz parte, enfim, da essência da regulação e da administração do espectro.

O art. 5º do Regulamento de Uso do Espectro de Radiofrequências permite expressamente essa modificação, como se observa:

Art. 5º A Agência, no exercício da função de administração do uso de radiofreqüências, pode modificar motivadamente a atribuição, destinação e distribuição de radiofreqüências ou faixas de radiofreqüências; bem como suas consignações e autorizações; e as respectivas condições de funcionamento da estação.

Parágrafo único. A Agência deve fixar prazo adequado e razoável para a efetivação da mudança prevista no caput, observado o disposto no art. 15 deste Regulamento.

Duas exigências são feitas pela regulamentação: (i) a modificação deve ser devidamente motivada, ou seja, não se admite que se dê por mera arbitrariedade, sendo necessário que o Poder Público apresente as razões técnicas de interesse público que motivaram tal medida; e (ii) deve-se estabelecer um prazo razoável para a efetivação da modificação.

A própria regulamentação da Anatel já exclui a possibilidade de se falar em direito adquirido do autorizado à não modificação da destinação das faixas de radiofrequências. De fato, a destinação é decisão regulatória discricionária da Administração, que obrigatoriamente deve se adequar aos novos contextos que se apresentem.

Indo mais além, a destinação de uma faixa é definida, como já dito, por meio de ato normativo da Agência, submetendo-se, inclusive, ao procedimento da consulta pública. Representa, pois, o regime jurídico daquela faixa.

Dessa forma, admitir a existência de direito adquirido por parte do autorizado seria o mesmo que admitir a existência de direito adquirido frente a regime jurídico, o que já foi rechaçado pelo próprio STF[41]. Não é possível que um suposto direito do administrado impeça o Poder Público de modificar, motivadamente e por razões de interesse público, regras abstratas que dizem respeito a determinada faixa.

Não há de prevalecer, ainda, o argumento de que as regras têm efeitos concretos para os autorizados. Ora, as regras de destinação em si são, sem sombra de dúvidas, abstratas, aplicáveis a todos que um dia vão fazer uso da faixa de radiofrequência. É óbvio, contudo, que elas têm efeitos concretos para os autorizados. Ocorre que toda regra abstrata é feita justamente para incidir sobre os fatos e atos concretos do mundo empírico. Assim, as regras de destinação realmente consubstanciam regime jurídico da faixa, ao qual os autorizados não possuem direito adquirido.

Por fim, vale dizer que eventual indenização ao administrado, se houver, guarda relação umbilical com a comprovação de prejuízo diretamente decorrente da medida adotada pela Administração Pública. Assim, observadas as exigências da regulamentação, só há que se falar em indenização se o administrado comprovar prejuízo efetivo diretamente causado pelo Poder Público.

Sabe-se, ainda, que o prazo da autorização de uso de radiofrequência pode ser prorrogado uma única vez por igual período. Nesse contexto, de bom alvitre registrar que eventual indenização não deve considerar o período da prorrogação, uma vez que esta representa mera expectativa de direito do autorizado.


6.Conclusão

Após o desenvolvimento do tema, passa-se a apresentar as considerações conclusivas que dele advieram.

O espectro radioelétrico, formado por faixas e subfaixas de radiofrequência, é bem público escasso que, por necessitar ser submetido à regulação estatal, é administrado pela Anatel, a quem compete expedir as respectivas normas, editar os atos de outorga e extinção de uso de radiofrequência, fiscalizando e aplicando sanções, definir o plano de destinação de faixas de radiofrequências e, enfim, garantir o uso eficiente do espectro.

Destarte, os particulares que tiverem interesse em fazer uso do espectro devem necessariamente obter da Anatel uma autorização de uso de radiofrequências, definida pela LGT como o ato administrativo vinculado, associado à concessão, permissão ou autorização para prestação de serviço de telecomunicações, que atribui a interessado, por prazo determinado, o direito de uso de radiofrequência, nas condições legais e regulamentares.

Embora haja uma definição legal para tal autorização, verifica-se que ela não se enquadra com precisão nos conceitos tradicionais existente no âmbito do Direito Administrativo para a outorga do direito de uso de um bem público (concessão, permissão e autorização de uso de bem público).

Ao mesmo tempo em que a lei trata a autorização de uso de radiofrequência como um ato administrativo vinculado, nota-se que tal vinculação mais se refere à decisão já estabelecida pela lei para que o espectro seja explorado por particulares. Ou seja, não cabe ao Poder Público fazer juízo de valor acerca da decisão de conceder ou não o uso do espectro aos particulares. A lei já determinou que o espectro será utilizado por particulares. Assim, havendo possibilidade técnica e inexistindo competição, a outorga do direito de uso de radiofrequência é vinculada.

Por outro lado, há discricionariedade por parte da Anatel para definir: (i) quais faixas de radiofrequências estarão disponíveis para uso dos particulares – já que algumas subfaixas devem ser alocadas para uso pelas Forças Armadas; (ii) qual serviço é o adequado para cada faixa de radiofrequência, levando em consideração as recomendações da UIT; (iii) as especificações técnicas que deverão ser seguidas pelos particulares; e (iv) o momento em que se darão as eventuais licitações e o regramento destas.

Outro ponto diz respeito à precariedade da autorização de uso de radiofrequência, uma vez que, ao mesmo tempo em que é outorgada por meio de ato administrativo por prazo determinado – o que dá certa estabilidade ao autorizado e à Administração –, é seguida de Termo de Autorização, assinado por ambas as partes. Ademais, registra-se que tal Termo impõe obrigações tanto ao autorizado quanto à Administração, o que confere uma feição contratual ao instituto.

Assim, infere-se que a autorização de uso de radiofrequência, apesar de consubstanciada por meio de ato administrativo, possui feição contratual, tendo prazo determinado e, portanto, não possuindo a precariedade de uma autorização de uso de bem público tradicional. Além disso, apesar de tratada pela LGT como ato vinculado, possui vários aspectos que dependem da discricionariedade da Administração Pública.

Quanto ao direito adquirido, vê-se que realmente guarda relação com a consolidação de situações no tempo e com a incorporação definitiva do direito ao patrimônio do titular, impedindo que o Estado possa suprimir tal direito do administrado. É, pois, incompatível com o instituto da desapropriação, apesar de haver julgado do STF no sentido de que o pagamento de indenização afasta a alegação de ofensa ao direito adquirido.

No que tange ao bem público, por óbvio que seu uso deve sempre atender ao interesse público, mesmo que indiretamente. Ora, até os bens privados têm que cumprir a sua função social. Dessa forma, é plenamente possível que o Estado, caso haja necessidade de mudar a destinação de faixas de radiofrequências, assim o proceda mesmo diante do direito do autorizado a explorar o espectro durante determinado tempo. É que este possui direito ao uso do bem público, conferido pelo Ato e pelo Termo de Autorização, direito este que, porém, não é adquirido. É direito, mas não é direito adquirido, sobretudo porque este impediria o Estado de atuar para adequar o uso do bem ao interesse público.

Registra-se, ainda, para corroborar tal afirmação, que o direito de uso de bem público pode, se for o caso, ser desapropriado pelo Estado, o que afasta a tese de haver direito adquirido por parte dos autorizados, sobretudo frente a mudanças de destinações necessárias para cumprir as determinações legais.

Dessa forma, conclui-se que realmente não há que se falar em direito adquirido dos autorizados à exploração espectro, nem à exploração do espectro pelo prazo restante de sua autorização nem à manutenção da destinação da faixa de radiofrequência. Uma vez outorgado o direito de uso, existe o direito, que, porém, como dito, não é adquirido.

Por fim, deve-se consignar que só há que se falar em indenização caso se comprove prejuízo diretamente decorrente da medida adotada pela Administração Pública, indenização esta que não pode levar em consideração eventual prorrogação da autorização, por representar mera expectativa de direito.


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Notas

[1] O Regulamento de Uso do Espectro de Radiofrequência, editado pela Anatel por meio da Resolução nº 259/2001, traz, em seu art. 4º, a definição de espectro de radiofrequência e de faixa de radiofrequência: Art. 4º. (...) XXI. espectro de radiofreqüências: bem público, de fruição limitada, cujo uso é administrado pela Agência, que corresponde a uma parte do espectro eletromagnético abaixo de 3000 GHz, que se propaga no espaço sem guia artificial e que é, do ponto de vista do conhecimento tecnológico atual, passível de uso por sistemas de radiocomunicação; (...) XXIII. faixa de radiofreqüências: segmento do espectro de radiofreqüências;

[2] Há quem diga que o espaço não é finito ou limitado. O que ocorreria é que, tecnologicamente, o homem ainda não consegue utilizar todo o seu potencial.

[3] Art. 164. Havendo limitação técnica ao uso de radiofreqüência e ocorrendo o interesse na sua utilização, por parte de mais de um interessado, para fins de expansão de serviço e, havendo ou não, concomitantemente, outros interessados em prestar a mesma modalidade de serviço, observar-se-á:

I - a autorização de uso de radiofreqüência dependerá de licitação, na forma e condições estabelecidas nos arts. 88 a 90 desta Lei e será sempre onerosa;

[4] Art. 127. A disciplina da exploração dos serviços no regime privado terá por objetivo viabilizar o cumprimento das leis, em especial das relativas às telecomunicações, à ordem econômica e aos direitos dos consumidores, destinando-se a garantir:

(...)

VII - o uso eficiente do espectro de radiofreqüências;

[5] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direto Administrativo. 19ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 858 a 860.

[6] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manuel de Direito Administrativo, 17ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 899 a 904.

[7] PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo, 16ª ed., São Paulo: Atltas, 2003, p. 564 a 569.

[8] Os serviços também podem ser prestados sem o uso do espectro, o que se dá, por exemplo, quando se faz uso dos tradicionais fios.

[9] Art. 3º O uso de radiofreqüências tem como objetivos principais:

I.      o desenvolvimento da exploração de serviços de telecomunicações no território brasileiro;

II.     o acesso de toda população brasileira aos serviços de telecomunicações;

III.    estimular o desenvolvimento social e econômico;

IV.   servir à segurança e à defesa nacionais;

V.    viabilizar a exploração de serviços de  informação e entretenimento educacional, geral e de interesse público; e

VI. permitir o desenvolvimento de  pesquisa científica.

[10] Art. 163. (...) § 2° Independerão de outorga:

I - o uso de radiofreqüência por meio de equipamentos de radiação restrita definidos pela Agência;

II - o uso, pelas Forças Armadas, de radiofreqüências nas faixas destinadas a fins exclusivamente militares

[11] Art. 158. Observadas as atribuições de faixas segundo tratados e acordos internacionais, a Agência manterá plano com a atribuição, distribuição e destinação de radiofreqüências, e detalhamento necessário ao uso das radiofreqüências associadas aos diversos serviços e atividades de telecomunicações, atendidas suas necessidades específicas e as de suas expansões.

§ 1° O plano destinará faixas de radiofreqüência para:

I - fins exclusivamente militares;

II - serviços de telecomunicações a serem prestados em regime público e em regime privado;

III - serviços de radiodifusão;

IV - serviços de emergência e de segurança pública;

V - outras atividades de telecomunicações.

[12] Regulamento de Licitação para Concessão, Permissão e Autorização de Serviço de Telecomunicações e de Uso de Radiofrequência, anexo à Resolução nº 65, de 29 de outubro de 1998: Art. 37. Respeitado o princípio da objetividade e em conformidade com este Regulamento, poderão ser adotados, isolada ou conjuntamente, os fatores maior oferta de preço público pela concessão, permissão ou autorização, tarifa ou preço máximo do serviço que será praticado junto aos usuários, melhor qualidade dos serviços ou ainda melhor atendimento da demanda.

[13] Obra citada, p. 899.

[14] Obra citada, p. 903.

[15] Constituição Federal, art. 5º, inciso XXIII: a propriedade atenderá a sua função social;

[16] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica: Dignidade da Pessoa Humana, Direitos Fundamentais e Proibição do Retrocesso Social no Direito Constitucional Brasileiro. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Org.). Constituição e Segurança Jurídica. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 94

[17] A mudança de nomenclatura veio com o advento da Lei nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010, que teve apenas esse propósito.

[18] Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1º.8.1957)

§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. (Parágrafo incluído pela Lei nº 3.238, de 1º.8.1957)

§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. (Parágrafo incluído pela Lei nº 3.238, de 1º.8.1957).

[19] NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional, 3ª ed., São Paulo: Método, 2009, p. 438.

[20] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 201 e 202.

[21] AI 135.632-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-10-1995, Primeira Turma, DJ de 3-9-1999.

[22] Obra citada, p. 201 e 202.

[23] BASTOS, Celso Ribeiro, Dicionário de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 43.

[24] Nesse sentido já decidiu o STF: “O princípio insculpido no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição (garantia do direito adquirido) não impede a edição, pelo Estado, de norma retroativa (lei ou decreto) em benefício do particular.” (RE 184.099, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgamento em 10-12-1996, Primeira Turma, DJ de 18-4-1997.)

[25] Nesse sentido, o STF já deixou claro que se o direito tiver se originado de ato ilegal resta impossível sua proteção pelo manto do direito adquirido: “Mostra-se relevante observar, neste ponto, considerada a estrita disciplina jurídica que a Loman impôs à remuneração judiciária, que a percepção, por magistrados, de vantagens pecuniárias (como a ajuda de custo, para moradia), em desacordo com a própria Loman, por implicar transgressão à lei, não legitima a invocação de direito adquirido, pois, como se sabe, não há situação configuradora de válida aquisição de direitos, quando resultante de violação ao ordenamento normativo do Estado (RDA 24/57 – RDA 54/215 – RDA 62/93 – RF 166/181 – RF 188/110 – RF 188/117, v.g.).” (MS 28.135-MC, Rel. Min. Ellen Gracie, decisão monocrática proferida pelo Min. Celso de Mello, no exercício da presidência, julgamento em 17-7-2009, DJE de 5-8-2009.)

[26] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 20ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 432.

[27] Há discussão, ventilada aqui apenas para enriquecimento do trabalho, sobre a existência ou não de direito adquirido frente a emendas constitucionais, pois o dispositivo constitucional faz referência apenas a “lei”. Para uma primeira corrente, não haveria direito adquirido, pois o inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal teria se referido à lei em sentido estrito, o que não englobaria as emendas constitucionais. Para uma segunda corrente, haveria sim direito adquirido frente às emendas constitucionais, pois “lei” seria entendida em sentido amplo.

[28]  ADI 493, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 25-6-1992, Plenário, DJ de 4-9-1992.

[29] “Sob este prima, não vemos o que justifica, ao ângulo dos valores albergados pela Constituição, que se aceite a dessacralização do direito de propriedade, em face de imperativos sociais impostergáveis ditados pelo texto magno, mas não a do direito adquirido. Não entendemos porque a categoria do direito adquirido, forjada no apogeu do Estado Liberal, tenha de ser mantida no interior de uma redoma, alheia à mudança dos tempos e protegida de toda sorte de compressões e relativizações decorrentes de conflitos com outros bens jurídicos revestidos de estatura constitucional”. SARMENTO, Daniel, Direito Adquirido, Emenda Constitucional, Democracia e Justiça Social. Disponível em : http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-12-DEZEMBRO-2007-DANIEL%20SARMENTO.pdf.

[30] “O STF fixou entendimento no sentido de que a lei nova não pode revogar vantagem pessoal já incorporada ao patrimônio do servidor sob pena de ofensa ao direito adquirido.” (AI 762.863-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 20-10-2009, Segunda Turma, DJE de 13-11-2009.) Vide: RE 538.569-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 3-2-2009, Segunda Turma, DJE de 13-3-2009.

[31] “Servidor público. Aposentado. Proventos. Gratificação. Incorporação segundo a lei do tempo. Supressão por norma posterior. Inadmissibilidade. Direito adquirido. (...) Gratificação incorporada aos proventos por força de norma vigente à época da inativação não pode ser suprimida por lei posterior.” (RE 538.569-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 3-2-2009, Segunda Turma, DJE de 13-3-2009.) Vide: AI 762.863-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 20-10-2009, Segunda Turma, DJEde 13-11-2009.

[32] "Servidor público: é da jurisprudência do Supremo Tribunal que não há direito adquirido a regime jurídico, no qual se inclui o nível hierárquico que o servidor ocupa na carreira." (AI 598.229-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 13-12-2006, Primeira  Turma, DJ de 16-2-2007.) No mesmo sentidoAI 720.887-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 15-12-2009, Primeira Turma, DJE de 5-2-2010; AI 703.865-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 24-11-2009, Segunda Turma, DJE de 11-12-2009.

[33] “Art. 2º e expressão '8º' do art. 10, ambos da EC 41/2003. Aposentadoria. Tempus regit actum. Regime jurídico. Direito adquirido: não ocorrência. A aposentadoria é direito constitucional que se adquire e se introduz no patrimônio jurídico do interessado no momento de sua formalização pela entidade competente. Em questões previdenciárias, aplicam-se as normas vigentes ao tempo da reunião dos requisitos de passagem para a inatividade. Somente os servidores públicos que preenchiam os requisitos estabelecidos na EC 20/1998, durante a vigência das normas por ela fixadas, poderiam reclamar a aplicação das normas nela contida, com fundamento no art. 3º da EC 41/2003. Os servidores públicos, que não tinham completado os requisitos para a aposentadoria quando do advento das novas normas constitucionais, passaram a ser regidos pelo regime previdenciário estatuído na EC 41/2003, posteriormente alterada pela EC 47/2005. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente." (ADI 3.104, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 26-9-2007, Plenário, DJ de 9-11-2007.)

[34] No caso da autorização de uso de radiofrequência, caberia à Anatel garantir ao autorizado o uso regular do espectro, impedindo, inclusive, que terceiros não autorizados – ou autorizados em diferentes faixas – causem interferência prejudicial nos seus sinais radioelétricos.

[35] Obra citada, p. 35.

[36] A esse respeito, seguem as lições de Carvalho Filho (Obra citada, p. 891): “como regra, a desapropriação pode ter por objeto qualquer bem móvel ou imóvel dotado de valoração patrimonial. É com esse teor que se pauta o art. 2º do Decreto-lei nº 3.365/41, no qual se contra consignado que “todos os bens podem ser desapropriados” pelas entidades da federação. Deve-se, por conseguinte, incluir nessa expressão os bens móveis ou imóveis, corpóreos ou incorpóreos. Em razão dessa amplitude, são também desapropriáveis ações, cotas ou direitos relativos ao capital de pessoas jurídicas”.

[37] Outro exemplo seria a expropriação de glebas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas. Boa parte da doutrina, contudo, não considera tal medida como uma desapropriação, porquanto dispensa a indenização ao proprietário da gleba. De fato, é verdadeiro confisco decorrente da prática de crime.

[38] Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 10.826/2003. Estatuto do desarmamento. O direito do proprietário à percepção de justa e adequada indenização, reconhecida no diploma legal impugnado, afasta a alegada violação ao art. 5º, XXII, da CF, bem como ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido.” (ADI 3.112, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 2-5-2007, Plenário, DJ de 26-10-2007.)

[39] A destinação não se confunde com a atribuição.

[40] Por exemplo, o Regulamento sobre Condições de Uso das Subfaixas de Radiofrequências de 1.880 MHz a 1.885 MHz, de 1.895 MHz a 1.920 MHz e de 1.975 MHz a 1.990 MHz dispõe que o seu uso se dará para a prestação do Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC, em aplicações de acesso fixo sem fio, em caráter primário e sem exclusividade. Por meio da Resolução nº 537/2010, a Anatel manteve a destinação da Faixa de Radiofrequências de 3.400 MHz a 3.600 MHz, em caráter primário, para prestação do Serviço de Comunicação Multimídia – SCM e do STFC e resolver destiná-la, adicionalmente, em caráter primário, para prestação do Serviço Móvel Pessoal - SMP

[41] EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA 287 DO STF. REGIME JURÍDICO. DIREITO ADQUIRIDO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. I - As razões do agravo regimental não infirmam os fundamentos da decisão agravada, o que atrai a incidência da Súmula 287 do STF. II - A jurisprudência do Tribunal é no sentido de que não há direito adquirido a regime jurídico, no qual se inclui o nível hierárquico que o servidor ocupa na carreira. Precedentes. III - Agravo regimental improvido. [AI 608441 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 17/03/2009, DJe-071 DIVULG 16-04-2009 PUBLIC 17-04-2009 EMENT VOL-02356-16 PP-03273]

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. PROVENTOS. PRESERVAÇÃO DO VALOR NOMINAL. PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. ANÁLISE. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. Não há direito adquirido a regime jurídico, sendo possível, portanto, a redução ou mesmo a supressão de gratificações ou outras parcelas remuneratórias, desde que preservado o valor nominal da remuneração. 2. Para afirmar que não houve redução da remuneração seria necessária a análise dos fatos e provas. Incide no caso a Súmula n. 279 deste Tribunal Agravo regimental a que se nega provimento. [RE 591230 AgR, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 17/03/2009, DJe-071 DIVULG 16-04-2009 PUBLIC 17-04-2009 EMENT VOL-02356-14 PP-02892]


Abstract: This study analyzes the nature of the authorization to use radio frequencies and verifies if the authorized companies have acquired right to use this public property even in the face of new reasons of public interest, specially the need to change the destination of radio frequencies.

Key words: Telecommunications – Authorization to use radio frequencies – Change of destination – Acquired right.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Paulo Firmeza. A mudança de destinação de radiofrequência e o instituto do direito adquirido. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3408, 30 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22916. Acesso em: 25 abr. 2024.