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Análise do instituto da tutela antecipada e as propostas do projeto de novo Código de Processo Civil

Análise do instituto da tutela antecipada e as propostas do projeto de novo Código de Processo Civil

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O Projeto de Lei do novo CPC pretende a unificação do tratamento das tutelas de urgência, sejam elas satisfativas ou assecuratórias, abolindo o livro do processo cautelar e instituindo a tutela da evidência como espécie de tutela antecipada.

Resumo: O instituto da tutela antecipada generalizou-se após 1994, sendo possível sua concessão em praticamente todos os tipos de procedimentos. Exige-se a cumulação de requisitos para a sua concessão, fundando-se ora na urgência, ora na inconsistência da defesa do réu. Repousa seus fundamentos no direito à ordem jurídica justa, com vistas à obtenção, em prazo adequado, de uma decisão justa e com potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos. Difere-se da medida cautelar, sendo que após 2002 e, especialmente no Projeto do novo Código de Processo Civil, em trâmite no Congresso Nacional desde 2010, tutela cautelar e antecipada recebem o mesmo tratamento e disciplina.

Palavras-chave: Tutela antecipada. Efetivação. Projeto de lei do novo Código de Processo Civil.


1 INTRODUÇÃO

Apesar do instituto da tutela antecipada ter sido inserido no ordenamento processual civil pátrio, em regra, aplicável a todos os procedimentos, há mais de quinze anos, não perdeu sua atualidade, nem tampouco sua importância.

Ao contrário, o anseio por um processo célere e eficaz em que possa realizar o direito material de forma útil ao seu titular, traduz a importância da tutela antecipada.

É que o tempo que o processo leva para produzir seus efeitos pode ser prejudicial ao direito que ele mesmo visa proteger. A par disso, a atual dinâmica das relações sociais não mais tolera que aquele que tem direito, tenha que esperar para ver seu pleito atendido, nem mesmo pelo tempo ordinariamente necessário para que o processo atinja seu termo.

Portanto, para afastar os efeitos indesejáveis da demora do desenrolar processual a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela é, sem dúvida, ferramenta útil e necessária à serviço das partes e também do julgador, revelando-se como a única possibilidade do autor vislumbrar a realização provisória de seu direito.

Nesse passo, renomada doutrina já reconheceu a importância do instituto da tutela antecipada para a efetividade do processo, direito constitucionalmente garantido.

A seguir serão explicitadas as generalidades do instituto da tutela antecipada, percorrendo seus pressupostos, ponderando sua importância no processo civil atual e debatendo as propostas de alteração sobre a matéria no Projeto de Lei no novo Código de Processo Civil, em trâmite no Congresso Nacional.


2 GENERALIDADES

Em um determinado momento o processualista acordou e observou que a Justiça Civil era elitista – porque estava afastada da grande maioria da população, que por várias razões evitava de recorrer ao Poder Judiciário – e inefetiva, já que não cumpria aquilo que prometia, principalmente em virtude da sua lentidão. (MARINONI, 2009).

À luz dos valores e das necessidades contemporâneas, entende-se que o direito à prestação jurisdicional (garantido pelo princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, previsto na Constituição da República de 1988) é o direito a uma proteção efetiva e eficaz, que tanto poderá ser concedida por meio de sentença transitada em julgado, quanto por outro tipo de decisão judicial, desde que apta e capaz de dar rendimento efetivo à norma constitucional. (ALMEIDA; TALAMINI; WAMBIER, 2007).

O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional decorre o direito à prestação da tutela jurisdicional. Assim, a antecipação da tutela pretendida pela parte (que, em princípio, somente ao final, com a sentença, é que seria deferida) consiste em fenômeno processual de raízes nitidamente constitucionais, já que, para que seja plenamente aplicado o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional é necessário que a tutela prestada seja efetiva e eficaz. (ALMEIDA; TALAMINI; WAMBIER, 2007).

A função da antecipação da tutela é a de permitir que a proteção jurisdicional seja oportuna, adequada e efetiva. Garantir a efetividade de suas decisões é a contrapartida que o estado tem que conferir à proibição da autotutela. (ALMEIDA; TALAMINI; WAMBIER, 2007).

Na clássica definição de Chiovenda, tem-se que o processo será efetivo se for capaz de proporcionar ao credor a satisfação da obrigação, como se ela tivesse sido cumprida espontaneamente e, assim, dar-se ao credor tudo aquilo a que ele tem direito. (ALMEIDA; TALAMINI; WAMBIER, 2007).

As alterações introduzidas no Código de Processo Civil pela reforma de 1994 – contexto em que foi inserida no sistema processual brasileiro a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela – envolveram, sem dúvida, certa dose de risco. Mas, segundo Almeida, Talamini e Wambier (2007), era um risco que precisava ser corrido, em prol de um processo apto a gerar resultados mais adequados. Reputou-se ser maior o risco de injustiças derivadas de uma resposta jurisdicional intempestiva do que o risco de injustiças advindo da incorreta antecipação de tutela. Ademais, para diminuir esse segundo risco, estabeleceram-se precisos pressupostos e condições para a antecipação da tutela.

Marinoni e Arenhart (2008) aduzem, ainda, que é necessário que o juiz compreenda que não pode haver efetividade sem riscos. A tutela antecipatória permite perceber que não só a ação (o agir, a antecipação) que pode causar prejuízo, mas também a omissão. O juiz que se omite é tão nocivo quanto o juiz que julga mal. E arrematam, lecionando que o remédio surgiu para eliminar um mal que já está instalado, uma vez que o tempo do processo sempre prejudicou o autor que tem razão.

Verifica-se uma considerável valorização da efetividade, atribuindo-se ao juiz o poder de deferir medidas tipicamente executivas no curso do processo de conhecimento. Antecipam-se providências executórias que decorreriam da futura sentença de procedência, mediante atos tipicamente executivos. (ZAVASCKI, 2005). Têm-se, assim, ações sincréticas, mesclando cognição e execução em uma mesma demanda, mitigando a segmentação total que havia entre processo de conhecimento e processo de execução, em que, primeiro haveria de se esgotar a atividade cognitiva para, somente após, adentrar às providências executivas. (PAIM, 2012).

Paim (2012) relembra, ainda, que a antecipação de tutela, por ser uma tutela provisória, deve ser utilizada de forma excepcional, adequada, em observância às normas constitucionais, não podendo se constituir na panaceia de todos os males, sob pena de grave violação a garantias tão ou mais caras que a efetividade. De toda sorte, a sua correta utilização constitui ferramenta de ótima valia para a concretização do valor efetividade no processo civil.

A possibilidade de antecipação da tutela jurisdicional pretendida pelo autor está prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil. E, em que pese a matéria ser ampla e rica, não se pretende esgotar o tema neste trabalho, mas trazer as linhas mestras do instituto para a compreensão do tema posto em debate.

Antes de prosseguir, porém, cumpre definir o instituto em debate.

Para Bueno (2007), a tutela antecipada é antecipada justamente porque os efeitos da sentença que, como regra, fica sujeita a um recurso que tem efeito suspensivo podem vir a ser sentidos antes disso, antecipadamente disso. Assim, prossegue o jurista, a tutela antecipada é, decididamente, mecanismo para tirar o efeito suspensivo da apelação fora daqueles casos em que o próprio legislador, genérica e abstratamente, já assumiu, expressamente, o risco processual dessa iniciativa.

A antecipação dos efeitos da tutela, portanto, consiste em técnica processual capaz de transportar para antes de seu tempo os efeitos que somente a sentença com trânsito em julgado poderia produzir, sendo exequível desde logo e permeando o processo de efetividade, ainda que efetividade apenas jurídica.


3 FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

A tutela antecipada gera um conflito entre garantias constitucionais, pois acarreta uma limitação do contraditório, da ampla defesa e da própria segurança jurídica, mas garante a efetividade. Dessa forma, somente seria admissível a antecipação da tutela, com a consequente mitigação de um direito constitucional, caso necessário, para a salvaguarda de outra garantia constitucional tão ou mais relevante no caso concreto. Haverá, pois, um conflito entre garantias constitucionais quando da análise, pelo julgador, do deferimento ou não do pedido de tutela antecipada. Assim, esse conflito de interesses deve ser resolvido com uma necessária ponderação, a fim de proteger um direito superior no caso concreto. (PAIM, 2012).

Em regra, com a antecipação da tutela, estar-se-á garantindo o direito constitucional à efetividade, que é o direito atribuído ao jurisdicionado, impedido de fazer justiça de mão própria, de que seja garantida a utilidade da sentença, assegurando, em caso de vitória, a efetiva e prática concretização da tutela. Trata-se de um direito à ordem jurídica justa, compreendendo o direito de provocar o estado, mas também e principalmente o de obter, em prazo adequado, uma decisão justa e com potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos. (PAIM, 2012).

Nesse sentido, aduzem Marinoni e Mitidiero (2010) que o direito de acesso à justiça, albergado no art. 5º, inciso XXXV, da CR/88, não quer dizer apenas que todos têm direito a recorrer ao poder judiciário, mas também quer significar que todos têm direito à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva.

Dessa forma, a decisão que concede a antecipação de tutela deverá possuir uma fundamentação constitucional, a justificar a violação à ampla defesa, ao contraditório e à segurança jurídica. Por óbvio que a decisão de conceder ou não a tutela deverá sempre ser motivada, seja por força do dispositivo constitucional positivado no art. 93, inciso IX, seja em razão do § 1º do art. 273, do CPC. Mencionada motivação deve repousar em elementos constitucionais, tendo em vista o conflito de garantias fundamentais que deve se estabelecer. (PAIM, 2012).

Em apertada síntese, a solução para o conflito de garantias constitucionais é a regra da proporcionalidade, ou seja, a decisão deverá sacrificar o mínimo necessário da garantia violada, utilizando-se a antecipação de tutela com observância da necessidade, da adequação e da proporcionalidade em sentido estrito, em busca da menor restrição possível e a salvaguarda do núcleo essencial da garantia mitigada no caso concreto. (PAIM, 2012).

Além da motivação constitucional, existem requisitos que deverão estar presentes para que se utilize da antecipação dos efeitos da tutela.


4 REQUISITOS

Preleciona Paim (2012) que para a concessão da antecipação da tutela, mister é a configuração de dois requisitos indispensáveis, quais sejam, a prova inequívoca e a verossimilhança. Ademais, é necessária a presença da urgência ou da evidência. A tutela antecipada estribada na urgência tem como fundamentos o perigo de dano e o perigo de ilícito, seja pelo fundamento do receio de dano irreparável ou de difícil reparação, seja pelo justificado receio de ineficácia do provimento final. A tutela de evidência justifica-se pelo abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, ou pela existência de parte incontroversa da demanda. Além dos requisitos necessários e de um dos requisitos alternativos, existe um requisito negativo, não podendo, em regra, haver antecipação de tutela quando os efeitos práticos antecipados forem irreversíveis.

A urgência pode decorrer tanto do perigo de dano (arts. 273, inciso I, e 461, § 3º, do CPC), quando do perigo de ilícito (art. 461, § 3º, do CPC). Já a tutela de evidência pode decorrer do abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu (art. 273, inciso II, do CPC), bem como da existência da parte incontroversa da demanda (art. 273, § 6º, do CPC). (PAIM, 2012).

Apenas a tutela de urgência é matéria em debate nessa monografia, razão pela qual somente dela se tratará a seguir.

4.2.1 Requisitos indispensáveis

Para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, o caput do art. 273 do CPC exige a presença de dois requisitos cumulativos: a prova inequívoca que convença o julgador da verossimilhança da alegação.

Nery Jr. citado por Paim (2012) salienta que para conciliar as expressões prova inequívoca e verossimilhança, aparentemente contraditórias, exigidas como requisitos para a antecipação da tutela de mérito é preciso encontrar um ponto de equilíbrio entre elas, o que se consegue com o conceito de probabilidade, mais forte do que verossimilhança, mas não tão peremptório quanto o de prova inequívoca.

4.2.1.1 Prova inequívoca

Deve-se entender a prova inequívoca como uma prova robusta, que, embora no âmbito da cognição sumária, aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo de verdade. (ZAVASCKI, 2005).

Para Watanabe, citado por Paim (2012) prova inequívoca não é a mesma coisa que fumus boni iuris do processo cautelar. O juízo de verossimilhança ou de probabilidade, como é sabido, tem vários graus, que vão desde o mais intenso até o mais tênue. O juízo fundado em prova inequívoca, uma prova que convença bastante, que não apresente dubiedade, é seguramente mais intenso que o juízo assentado em simples fumaça, que somente permite a visualização de mera silhueta ou contorno sombreado de um direito. Está nesse requisito uma medida de salvaguarda, que se contrapõe à ampliação da tutela antecipatória para todo e qualquer processo de conhecimento. Bem se percebe, assim, que não se trata de tutela que possa ser concedida prodigamente, com mero juízo baseado em “fumaça do bom direito”, como vinha ocorrendo com a ação cautelar inominada.

Conforme assevera Theodoro Júnior, citado por Paim (2012), a prova inequívoca haverá de apoiar-se em prova preexistente, que, todavia, não precisa ser necessariamente documental. Terá, no entanto, de ser clara, evidente, portadora de grau de convencimento tal que a seu respeito não se possa levantar dúvida razoável.

De toda sorte, não resta dúvida de que se está no contexto de cognição sumária, devendo-se obtemperar o requisito da prova inequívoca, tratando-se de um juízo de verossimilhança[1].

4.2.1.2 Verossimilhança

A partir da relativa certeza quando à alegação dos fatos, decorrente do requisito da prova inequívoca, o julgador deverá se convencer da verossimilhança referente ao fundamento de direito, a fim de conceder a antecipação da tutela. (ZAVASCKI, 2005).

O juízo de verossimilhança é aquele que permite chegar a uma verdade provável sobre os fatos, a um elevado grau de probabilidade da versão apresentada pelo autor. (BEDAQUE apud DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2009).

Entende Theodoro Júnior, citado por Paim (2012), que a verossimilhança somente se configurará quando a prova apontar para uma probabilidade muito grande de que sejam verdadeiras as alegações do litigante.

Ademais, o jurista prossegue aduzindo que a verossimilhança da alegação refere-se a um juízo de convencimento a ser feito em todo o quadro fático invocado pela parte que pretende a antecipação da tutela, não apenas quanto à existência de seu direito subjetivo material, mas também e, principalmente, no relativo ao perigo de dano e sua irreparabilidade, bem como ao abuso dos atos de defesa e de procrastinação praticados pelo réu.

Destacam Marinoni e Arenhart (2008) que a verossimilhança a ser exigida pelo juiz, contudo, deve considerar: (i) o valor do bem jurídico ameaçado, (ii) a dificuldade de o autor provar a sua alegação, (iii) a credibilidade da alegação, de acordo com as regras de experiência, e (iv) a própria urgência descrita. Quando se fala em antecipação da tutela, pensa-se em uma tutela que deve ser prestada em tempo inferior àquele que será necessário para o término do procedimento. Como a principal responsável pelo gasto de tempo no processo é a produção da prova, admite-se que a tutela seja concedida antes que as prova requeridas pelas partes tenham sido produzidas (tutela antecipada). Em casos como estes, prova inequívoca somente pode significar a prova formalmente perfeita, cujo tempo para produção não é incompatível com a imediatidade em que a tutela deve ser concedida.

Didier Jr., Braga e Oliveira (2009) arrematam prelecionando que a prova inequívoca de verossimilhança das alegações é exigência mais rigorosa que o fumus boni iuris, pressuposto da tutela cautelar. Isso porque a tutela antecipada implica juízo cognitivo mais profundo do que o exigido para a tutela cautelar – malgrado seja mais superficial do que o exigido para a tutela definitiva (cognição exauriente). Enquanto a tutela antecipada exige verossimilhança fundada em prova, a cautelar só demanda mera plausibilidade/probabilidade, independente de prova.

4.2.2 Requisitos alternativos

Além dos dois requisitos indispensáveis – prova inequívoca e verossimilhança -, para que se conceda a tutela antecipada, faz-se mister a urgência ou a evidência. Assim, deve estar presente, também, um dos requisitos alternativos relativos ao perigo, tanto de dano quanto de ilícito, ou à evidência, seja em razão do abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, seja quando presente o fundamento do § 6º do art. 273 do CPC, introduzido pela Lei nº. 10.444/2002, que trata do pedido incontroverso.

4.2.2.1 Perigo de dano e perigo de ilícito

No que tange à urgência, pode-se fazer a distinção entre o perigo de dano e o perigo de ilícito. Em relação ao perigo de dano, a tutela antecipada pode ser postulada tanto com fundamento no art. 273, inciso I, do CPC, quanto no art. 461, § 3º, do CPC. Já o perigo de ilícito fundamenta-se exclusivamente no art. 461, § 3º, do CPC. (MARINONI; MITIDIERO, 2010).

Salientam os juristas:

Obviamente parte-se do pressuposto de que ato ilícito não se confunde com fato danoso. O ilícito é um ato contrário ao direito. O dano é um prejuízo juridicamente relevante e constitui consequência meramente eventual do ato ilícito. É por esta razão que doutrina reserva a hipótese de tutela antecipatória contra o perigo de ilícito tão-somente ao art. 461, § 3º, do CPC. (MARINONI; MITIDIERO, 2010, p. 427).

Zavascki (2005) relembra que o art. 273, inciso I, do CPC traz, como hipótese autorizadora da antecipação de tutela, o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, evidenciando a ideia de urgência. Trata-se de uma antecipação assecuratória, devendo o risco de dano irreparável ou de difícil reparação ser concreto, e não, hipotético, além de ser atual e grave.

Para que haja fundado receio, deve-se ter em conta dados concretos, e não, mero temor subjetivo da parte. Nesse sentido, ressalta Theodoro Júnior que:

Receio fundado é o que não provém de simples temor subjetivo da parte, mas que nasce de dados concretos, seguros, objeto de prova suficiente para autorizar o juízo de verossimilhança, ou de grande probabilidade em torno do risco de prejuízo grave (...). É indispensável a ocorrência do risco de dano anormal, cuja consumação possa comprometer, substancialmente, a satisfação do direito subjetivo da parte. (THEODORO JUNIOR, 1997, p. 196).

Para Marinoni e Mitidiero (2010) há irreparabilidade quando os efeitos do dano não são reversíveis. Entram aí os casos de direito não patrimonial (direito à imagem, por exemplo) e de direito patrimonial com função não patrimonial (soma em dinheiro necessária para aliviar um estado de necessidade causado por um ilícito, por exemplo). Mas, há irreparabilidade, ainda, no caso de direito patrimonial que não pode ser efetivamente tutelado através da reparação em pecúnia. Ou seja, existe irreparabilidade quando o direito não pode ser restaurado na forma específica. Já o dano será de difícil reparação se as condições econômicas do réu não autorizam supor que o dano será efetivamente reparado. O dano também é de difícil reparação se dificilmente poderá ser individualizado ou quantificado com precisão.

4.2.2.2 Pedido incontroverso

A Lei nº. 10.444/2002 acrescentou mais uma possibilidade de antecipação da tutela, que se encontra disposta no § 6º do art. 273 do CPC, “quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”. A mens legis, de antecipar a tutela quando o pedido for incontroverso, é de evitar o retardo da prestação jurisdicional de um direito manifestamente evidente que, por circunstâncias meramente processuais, está atrelado a outro direito, controvertido. (ZAVASCKI, 2005).

Logo, prossegue Zavascki (2005), além da ausência de controvérsia entre as partes, somente poderá ser tido como incontroverso o pedido que, na convicção do juiz, for verossímil. Nesse sentido, incontroverso não seria o indiscutido, mas sim, o indiscutível.

Conforme explicita Marinoni (2010), incontroverso é o direito que se torna evidente no curso do processo, exigindo, em razão disso, imediata tutela. É nesse sentido que se diz que o § 6º é a base para a tutela dos direitos evidentes.

Destaque-se que a incontrovérsia não se confunde com a inconsistência da defesa, visto que esta estaria ligada à ideia de sumariedade de cognição, enquanto que aquela se referiria à cognição exauriente. (PAIM, 2012).

Assim preleciona Mitidiero:

Caracterizando-se o direito a um processo com duração razoável como um direito a um processo sem dilações indevidas, resta claro que qualquer ato processual posterior à incontrovérsia fáctico-jurídica constitui uma dilação indevida no curso da causa, sendo, pois, desautorizada pela nossa Constituição. Com efeito, se a incontrovérsia denota um juízo de certeza (e, portanto, tomado sob cognição exauriente), não há como sustentar, na perpectiva da teoria dos direitos fundamentais (que é precisamente a perspectiva do Estado Constitucional), que o art. 273, § 6º, CPC, dá azo a uma simples antecipação (provisória) dos efeitos da sentença. De modo nenhum. Rigorosamente, o art. 273, § 6º, CPC, tem de ser interprestado em conformidade com o direito fundamental a um processo com duração razoável. Daí deflui naturalmente a sua impostação como um julgamento definitivo da parcela incontroversa da demanda... (MITIDIERO, 2007, p. 47).

Nesse contexto, vale destacar, ainda, o ensinamento de Marinoni:

Se um dos pedidos apresentados pelo autor está maduro para julgamento – seja porque diz respeito apenas à matéria de direito, seja porque independe de instrução probatória -, o direito fundamental à duração razoável do processo, ao incidir sobre a estrutura técnica do processo civil, não pode admitir a prevalência do princípio da “unità e unicità della decisione[2]” (...). O § 6º d art. 273 do CPC, ao admitir a tutela antecipatória no caso em que o pedido ou um dos pedidos se tornou incontroverso no curso do processo, viabiliza a cisão do julgamento de mérito, representando a quebra do princípio da unidade e da unicidade do julgamento no direito processual brasileiro. (MARINONI, 2007, p. 176).

4.2.3 Requisito negativo: irreversibilidade

Por fim, além da presença dos requisitos da prova inequívoca e da verossimilhança da alegação, agregados a um dos requisitos alternativos dentre o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu e o pedido incontroverso, o art. 273, § 2º do CPC dispõe que “não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”. (PAIM, 2012).

De imediato, percebe-se a imprecisão terminológica do requisito negativo, visto que o provimento antecipado sempre será reversível, eis por que a tutela antecipada é provisória e precária, podendo ser revogada ou modificada a qualquer tempo. Em verdade, a irreversibilidade que a legislação processual não permite para a concessão da tutela antecipada é a irreversibilidade do efeito prático do provimento antecipatório, e não a irreversibilidade do provimento em si. (PAIM, 2012). A irreversibilidade diz com as consequências fáticas decorrentes do cumprimento da decisão, e não, com a decisão em si mesmo, pois esta será sempre reversível. (ZAVASCKI, 2005).

Leciona Zavascki que

Antecipar irreversivelmente significa a antecipar a própria vitória definitiva do autor, sem assegurar ao réu o exercício do seu direito fundamental de se defender, exercício este que, ante a irreversibilidade da situação de fato, tornar-se-ia absolutamente inútil, como inútil seria, nesses casos, o prosseguimento do próprio processo. (ZAVASCKI, 2005, p. 100).

A vedação à antecipação dos efeitos da tutela irreversíveis deve ser relativizada, sob pena de inviabilizar o próprio instituto. Sempre que houver um confronto entre o risco de dano irreparável ao direito do autor e o risco de irreversibilidade da medida antecipatória, deverá o juiz formular a devida ponderação entre os bens jurídicos em confronto. Nos casos em que o direito do autor for de manifesta verossimilhança e que for igualmente claro o risco de seu dano iminente, não terá sentido algum sacrificá-lo em nome de uma possível, mas improvável, situação de irreversibilidade. Não se pode sacrificar o direito provável do autor em benefício do improvável direito do réu. (PAIM, 2012).

O irreversível, muitas vezes, é a única resposta ao risco do irreparável, e o direito positivo não pode ser privado dos meios necessários para reagir às situações de fato inesperadas. (PAIM, 2012).

De acordo com Yarshell,

A irreversibilidade,como se tem sustentado com acerto, é fato que pode atuar tanto para a concessão, quanto para a denegação da tutela antecipada. Em casos de conflito de valores, portanto, será preciso confrontar os benefício e malefícios da concessão e da denegação, recorrendo ao denominado “princípio da proporcionalidade”; o que, se não resolve inteira e satisfatoriamente essa complexa questão, representa, pelo menos, a busca de um critério atento à preservação da efetividade dos provimentos jurisdicionais. (YARSHELL, 1997, p. 178).

Nesse sentido, tem-se entendido necessária uma ponderação dos valores em conflitos no caso concreto, utilizando-se, também no ponto atinente ao requisito negativo da irreversibilidade, o princípio da proporcionalidade.

Deve-se atentar, contudo, para o fato de que a antecipação de tutela que produza efeitos práticos irreversíveis deve ser absolutamente excepcional, quando indispensável para que, no caso concreto, não pereça um direito constitucional considerado de maior relevância. (ZAVASCKI, 2005).


5 Tutela antecipatória e tutela cautelar

Na busca pelo princípio da efetividade e da duração razoável do processo, sob o prisma dos direitos fundamentais, o papel das tutelas de urgência é de suma importância. A doutrina processual civil traz três espécies de tutela de urgência: tutela cautelar, tutela antecipada e tutela inibitória. Fora os requisitos gerais exigidos para a concessão de qualquer tutela de urgência (fumus boni iuris e periculum in mora), cada tutela tem seus requisitos específicos, que não serão abordados nesse trabalho.

Cumpre, no entanto, ressaltar que a tutela cautelar vem tratada em livro próprio no CPC, podendo ser tanto incidental quanto preparatória. Diz-se cautelar incidental quando é ajuizada nos autos de um processo principal, onde é apensada. Por outro lado, diz-se preparatória a cautelar proposta em nenhum processo principal, que visa preparar ou assegurar alguma situação imprescindível para a propositura da ação competente. Como se verifica, o processo cautelar, tem, por natureza, caráter de referibilidade, ou seja, sua existência está intimamente ligada à existência, presente ou futura, de um processo principal. (MARINONI, 1997).

No que tange à tutela antecipada, disciplinada no art. 273, do CPC, esta representa verdadeira antecipação do mérito da demanda, ao contrário da tutela cautelar, que visa apenas garantir o bem da vida em discussão. Assim, enquanto a tutela cautelar apenas proporciona a segurança de acautelar-se, antes ou durante a demanda, a tutela antecipatória proporciona efetivo gozo do bem da vida solicitado na inicial, ainda que parcialmente. (MARINONI, 1997).

Segundo Nery Jr. citado por Paim (2010) a tutela antecipada dos efeitos da sentença de mérito não é tutela cautelar, porque não se limita a assegurar o resultado prático do processo, nem a assegurar a viabilidade da realização do direito afirmado pelo autor, mas tem por objetivo conceder, de forma antecipada o próprio provimento jurisdicional pleiteado ou seus efeitos. Ainda que fundada na urgência (artigo 273, inciso I do CPC), não tem natureza cautelar, pois sua finalidade precípua é adiantar os efeitos da tutela de mérito, de sorte a propiciar sua imediata execução, objetivo que não se confunde com o da medida cautelar (assegurar o resultado útil do processo de conhecimento ou de execução ou, ainda, a viabilidade do direito afirmado pelo autor).

Para Almeida, Talamini e Wambier (2007), o traço distintivo predominante reside na finalidade da medida cautelar: precipuamente, a de evitar ou de minimizar o risco de eficácia do provimento final. A tutela antecipada pressupõe direito que, desde logo, aparece como evidente e que por isso deve ser tutelado de forma especial pelo sistema. No entanto, frequentemente a antecipação da tutela também tem a função de preservar a eficácia do provimento final.

Derradeiramente, note-se que o art. 273, § 7º do CPC[3], acrescentado pela Lei nº. 10.444/02 imprimiu nova revolução na técnica da concessão das chamadas tutelas provisórias de urgência ao consagrar a denominada fungibilidade das medidas urgentes (cautelar e antecipada satisfativa). (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2009).

O processualista adverte que não se trata rigorosamente, de um caso de fungibilidade entre a tutela cautelar e a tutela antecipada, até porque possuem naturezas distintas: a primeira é um tipo de tutela e a segunda uma técnica de tutela. O que se admite é que a tutela cautelar seja concedida em processo não cautelar.


6 EFETIVAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA

A efetivação coercitiva da decisão que antecipa os efeitos da tutela, dada a sua reversibilidade e provisoriedade, seguirá os moldes da execução provisória prevista nos artigos 475-I, § 1º e 475-O, ambos do CPC e do processo de ação de obrigação de fazer, não fazer e de dar coisa diversa de dinheiro, previsto artigos 461 e 461-A do Código de Processo Civil (ressalte-se que os processos, nesses casos, são sincréticos, pois além de certificar, no mesmo processo também se efetiva direitos, não sendo necessário um outro processo para tal).

Assim dispõe o § 1º do artigo 475-I do CPC:

Art. 475-I [...]

§ 1º. É definitiva a execução da sentença transitada em julgado e provisória quando se tratar de sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo. (BRASIL, Lei n.5.869, de 11 de janeiro de 1973).

Registre-se que o termo “sentença” utilizado no citado dispositivo legal é empregado em seu sentido amplo de decisão judicial, de modo a abarcar qualquer decisão judicial de 1º ou 2º grau de jurisdição, decisões interlocutórias antecipatórias de juízos ou monocráticas de membro de tribunal (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2009).

Cite-se, por oportuno, interessante questão a respeito da responsabilidade objetiva em sede de tutela antecipada. Sabe-se que a efetivação da tutela corre por conte e risco do exequente, mas se a tutela for revogada, este responderá objetivamente pelos prejuízos que tiver causado à parte contrária.


7 A TUTELA ANTECIPADA NO PROJETO DO NOVO CPC

O Projeto de Lei nº. 166/2010, em trâmite no Congresso Nacional, tem por escopo a promulgação de um novo Código de Processo Civil. Referido projeto revela inúmeras modificações e novidades referentes a institutos atualmente previstos ou não no Código de Processo Civil em vigor (CPC de 1973).

No tocante ao instituto da tutela antecipada, entretanto, o Projeto do novo CPC apresenta modificações apenas formais.

De início, a principal e notória modificação trazida consiste no tratamento dispensado à tutela antecipada e à tutela cautelar. O Projeto trata os dois tipos de tutela como tutelas de urgência, não mais contando com um livro destinado ao processo cautelar e nem mais disciplinando procedimentos cautelares específicos.

Assim, no Projeto do novo CPC, a tutela antecipada fundada na urgência e a tutela cautelar são tratadas no mesmo título, juntamente com a novel (apenas no nome) tutela da evidência.

A partir de 2002, com a previsão legal da fungibilidade das tutelas de urgência, traduzida no outrora novel § 7º, do artigo 273, do CPC, sendo uma via de mão dupla, passou-se a dar tratamento semelhante às duas espécies de tutelas de urgência, fato este consolidado no Projeto. É o que se pode observar na leitura do art. 283 do Projeto, abaixo transcrito:

Art. 283. Para a concessão de tutela de urgência, serão exigidos elementos que evidenciem a plausibilidade do direito, bem como a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação. (BRASIL, Projeto de Lei nº. 166, de 08 de junho de 2010).

Com efeito, tanto a tutela satisfativa (antecipada) como a tutela assecuratória (cautelar) estão disciplinadas conjuntamente em um mesmo dispositivo. Apesar de ter abolido o livro sobre as medidas cautelares, há no Projeto previsão de dois tipos de procedimentos para as tutelas de urgência: o das medidas requeridas em caráter antecedente, semelhante ao processo cautelar preparatório, mas com algumas modificações relativas à estabilização dos efeitos da medida de urgência concedida, e o das medidas requeridas em caráter incidental.

Com relação às tutelas requeridas em caráter antecedente, destaca-se a previsão de maior força e estabilidade da tutela de urgência concedida quando o requerido, após a efetivação integral da decisão liminar, deixar de impugná-la, acarretando inclusive a extinção do processo antecedente, mantendo-se a eficácia da medida deferida após a extinção. 

Assim é a redação do art. 288 e seus parágrafos do Projeto:

Art. 288. Não sendo contestado o pedido, os fatos alegados pelo requerente presumir-se-ão aceitos pelo requerido como verdadeiros, caso em que o juiz decidirá dentro de cinco dias.

§ 1º Contestada a medida no prazo legal, o juiz designará audiência de instrução e julgamento, caso haja prova a ser nela produzida.

§ 2º Concedida a medida em caráter liminar e não havendo impugnação, após sua efetivação integral, o  juiz extinguirá o  processo, conservando a sua eficácia.(BRASIL, Projeto de Lei n.166, de 08 de junho de 2010).

Cumpre destacar que a liminar deferida não terá força de coisa julgada material, apenas formal, pois poderá ser revogada por outra decisão proferida em processo ulterior instaurado por qualquer das partes.

Essa é a inteligência do parágrafo 2º do artigo 290 do Projeto:

§ 2º Nas hipóteses previstas no art. 289, §§ 2º e 3º, as medidas de urgência conservarão seus efeitos enquanto não revogadas por decisão de mérito proferida em ação ajuizada por qualquer das partes. (BRASIL, Projeto de Lei nº. 166, de 08 de junho de 2010).

Impende, outrossim, registrar o “novo” instituto da tutela da evidência, que nada mais é do que uma tutela antecipada não fundada na urgência, mas sim na maior evidência do direito veiculado por uma das partes.

A tutela da evidência não é instituto realmente novo, pois já previsto, ao menos parcialmente, na sistemática atual sem a nova nomenclatura, como se verá abaixo.

Estabelece o artigo 285 do Projeto as hipóteses de concessão da chamada tutela da evidência, em que será dispensada a demonstração de urgência para a concessão de tutela antecipada.

Segue abaixo a transcrição do citado dispositivo sobre a tutela da evidência:

Art. 285. Será dispensada a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação quando:

I - ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do requerido;

II - um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva;

III - a inicial for instruída com prova documental irrefutável do direito alegado pelo autor a que o réu não oponha prova inequívoca; ou

IV - a matéria for unicamente de direito e houver jurisprudência firmada em julgamento de casos repetitivos ou súmula vinculante.

Parágrafo único. Independerá igualmente de prévia comprovação de risco de dano a ordem liminar, sob cominação de multa diária, de entrega do objeto custodiado, sempre que o autor fundar seu pedido reipersecutório em prova documental adequada do depósito legal ou convencional. (BRASIL, Projeto de Lei nº. 166, de 08 de junho de 2010).

Como se pode constatar pela leitura do artigo 285, todos os seus incisos, com exceção do II, tratam de hipóteses de tutelas de cognição sumária, precárias, pois. O inciso II trata de caso de julgamento final de parte do pedido ou dos pedidos em sede de cognição exauriente, não sendo caso de decisão precária e provisória, e sim de decisão definitiva de mérito.

O restante dos casos tratados no artigo dependem de participação do réu para a sua ocorrência, praticando atos meramente protelatórios, abusando do direito de defesa, tornando evidente o bom direito do autor.

Para Marinoni e Mitidiero, à exceção do inciso II, os demais incisos do artigo 285 traduzem uma defesa inconsistente ou previsivelmente inconsistente:

Os demais casos podem ser agrupados sem maiores dificuldades sob o conceito de defesa inconsistente. A diferença está em que as situações dos incisos I e III requerem a participação do réu para as suas configurações, ao passo que aquela descrita no inciso IV pode ser configurada inaudita altera parte, já que é possível aferir liminarmente a existência de julgamento de casos repetitivos ou de súmula vinculante a favor da posição jurídica do autor. Em todos estes casos, a defesa ou mostra-se inconsistente ou é previsivelmente inconsistente. (MARIONI; MITIDIERO, 2010, p. 109).

E continuam os referidos autores:

A hipótese do art. 285, I, é a mesma presente no art. 273, II, Código vigente. Rigorosamente, por si só dá conta das demais hipóteses, já que abusa do direito de defesa ou age com manifesto propósito protelatório quem oferece defesa inconsistente.  (MARIONI; MITIDIERO, 2010, p. 109).

É desnecessário verificar se há ou não urgência. Considerou-se, por exemplo, que a insistência da União em recorrer, caracterizaria abuso do direito de defesa e manifesto propósito protelatório do réu[4]. (MEDINA, 2011).

Como se pode observar, a denominada tutela da evidência, em que pese mais especificada e mais detalhada no Projeto do novo CPC, nada mais é do que a tutela antecipada não fundada na urgência já prevista no atual Código de Processo Civil, em seu art. 273, inciso II, como hipótese genérica de defesa inconsistente.


8 CONCLUSÃO

O instituto da antecipação dos efeitos da tutela, com a reforma processual de 1994, tornou-se possível em qualquer procedimento comum. Como se pode constatar, hodiernamente o julgador possui o poder geral de antecipação, consubstanciado no art. 273, do CPC, devendo-se valer da regra da proporcionalidade ao aplicar o dispositivo citado, evitando prejuízos desnecessários a qualquer das partes do processo.

Não se olvide que a solução para o conflito de garantias constitucionais encontra assento na regra da proporcionalidade, é dizer, a decisão deverá sacrificar o mínimo necessário da garantia violada, utilizando-se a tutela de urgência com observância da necessidade, da adequação e da proporcionalidade em sentido estrito, em busca da menor restrição possível e a salvaguarda do núcleo essencial da garantia mitigada no caso concreto.

Ademais, a demora do procedimento ordinário pode ser controlada pela antecipação dos efeitos da tutela, desde que presentes os seus requisitos legais insculpidos no art. 273, do CPC. Dessa forma, a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela com base em cognição sumária atenua a ideia que norteia o procedimento ordinário, pois pretere a segurança em favor da celeridade.

O Projeto de Lei do novo CPC pretende a unificação do tratamento das tutelas de urgência, sejam elas satisfativas ou assecuratórias, abolindo o livro do processo cautelar e instituindo a tutela da evidência como espécie de tutela antecipada, visando uma maior celeridade e efetividade no procedimento das medidas de urgência, no entanto, sem apresentar alterações substanciais no sistema vigente.


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Notas

[1]  O Projeto de novo Código de Processo Civil, em seu artigo 276, traz, como requisito para a concessão das tutelas de urgência,a plausibilidade.

[2] Da unidade e da unicidade da decisão.

[3]  Art. 273, § 7º do CPC: Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.

[4] Nesse sentido, conferir: STJ, REsp. 194.193/CE. 5ª turma. Rel. Ministro Gilson Dipp. DJe 23.03.1999.


Autor

  • Natália Hallit Moyses

    Natália Hallit Moyses

    Procuradora Federal. Chefe do Serviço de Orientação e Análise em Demandas de Controle da PFE-INSS. Especialista em Direitos Humanos, Teoria e Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOYSES, Natália Hallit. Análise do instituto da tutela antecipada e as propostas do projeto de novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3477, 7 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23397. Acesso em: 25 abr. 2024.