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Tutelas inibitórias coletivas: reflexões sobre as razões ideológicas e científicas sobre a extinção sem julgamento de mérito de ACPs com fundamentação fática individual e pedido inibitório genérico

Tutelas inibitórias coletivas: reflexões sobre as razões ideológicas e científicas sobre a extinção sem julgamento de mérito de ACPs com fundamentação fática individual e pedido inibitório genérico

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Alguns fatos individuais aqui estudados não poderiam ser elevados à categoria de direitos homogêneos, mas se transformam em coletivos sem nenhuma das características exigidas pelo inciso II do artigo 81 do CDC, segundo as iniciais de ACPs promovidas pelo Ministério Público do Trabalho.

Resumo: Partindo-se do exame de julgados que rejeitam pedidos em Ações Civis Públicas promovidas pelo Ministério Público do Trabalho, especialmente em questões referentes a horas extraordinárias e  intervalos intra e entrejornadas, embasadas em prova particularizada e individual observou-se que os Tribunais Regionais do Trabalho, ora extinguem sem julgamento de mérito tais ações, ora as julgam improcedentes. Analisam-se as divergências reinantes a respeito da questão nos próprios órgãos superiores do MPT para justificar a possibilidade de ser firmados TACs para a formação de títulos executivos com eficácia genérica. Todavia, se ajuizada ações coletivas com prova de fatos não qualificados pelos incisos do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor, ainda que o fato subjacente individual fique escondido com a fundamentação diante de o pedido ser genérico, o que levaria à inépcia, ilegitimidade de parte ativa ou falta de interesse, é possível a superação das máculas processuais e prolação de um juízo meritório de improcedência. Embasam as conclusões o  “Princípio do interesse jurisdicional do conhecimento de mérito do processo coletivo” e no “Princípio da presunção da legitimidade ad causam ativa pela afirmação do direito” e também  na regra da proporcionalidade como controladora da solução judicial diante do caso concreto.   

Palavras-chave: Ação Civil Pública; tutela inibitória coletiva; fato subjacente; causa de pedir; pedido genérico.

Sumário: Introdução- Alguns motivos da resistência judicial à disseminação desmesurada da Ação Civil Pública Trabalhista- Tutela inibitória pela autoridade administrativa na seara trabalhista - Tutela inibitória pelo MPT, na fase pré-processual Inquérito Civil e Termo de Ajuste de Conduta (TAC)- A Jurisprudência da Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público do Trabalho em confronto com os Precedentes do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho- Tutela inibitória judicial via ACP- Superação das Questões Processuais e necessidade de um julgamento de mérito- Conclusões.


Introdução

No plano processual, a grande novidade das chamadas técnicas inibitórias voltadas para o futuro visualizando só o  ilícito  com o fim de evitá-lo ou impedir a sua repetição, independentemente da ocorrência do dano, consiste na generalização da probabilidade da aplicação de astreintes , como permitido pelo artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor, para as lides coletivas e 287 e 461 do Código de Processo Civil para as lides individuais com caráter coercitivo.

Na verdade, pontualmente, o sistema já permitia, de há muito, a prevenção do ilícito, sem considerar a ocorrência do dano. São exemplos da técnica da coerção indireta as antigas ações cominatórias (com as limitações da Súmula 500/STF) e as ações de interdito proibitório e de nunciação de obra nova (artigos 932 e 934 do atual CPC.)  

Também a Administração, através do Poder de Polícia sempre praticou tutelas inibitórias e inclusive a remoção do ilícito, e é permitido, inclusive, ao particular preventivamente, socorrer-se do desforço necessário, em determinadas questões ligadas à posse (mantido no artigo 1210 do CC atual) ou no Direito do Trabalho socorrer-se do jus resistentiae, estas como meios de coação direta, ou autotutelas tendentes a impedir a violação da norma.

Ademais a chamada multa diária, com fins coercitivos mais eficientes do que o simples temor da conseqüência normativa (sanção), cremos, em breve, poderá ser aplicada na esfera administrativa, em determinados casos, inclusive pelos Procons[1] e pelas SRTEs tanto para forçar a remoção como inibir determinados ilícitos, e até evitar as suas continuações, sem a consideração de que na verdade, ao prevenir o ilícito, no mais das vezes evita-se o provável dano a particulares ou à sociedade. Aliás, a probabilidade do dano particular, social ou coletivo é que move a edição de toda norma proibitiva e evitando-se o ilícito, conseqüentemente, evita-se o dano.

A largos traços, pode- se dizer que a Ação Civil Pública com pedidos de imposição de fazer ou não fazer, seguidos de aplicação de astreintes, tem na tutela inibitória a almejada busca a efetividade e presteza do provimento jurisdicional. Sua utilização como técnica processual de prevenir a prática do ilícito, independente de visualizar-se o possível dano futuro a direitos que a norma considera-os absolutamente invioláveis[2], tem como suporte constitucional a letra do inciso XXXV, do artigo 5º da Constituição Federal (garantidor do acesso ao judiciário na defesa de lesão perpetrada ou mesmo a séria ameaça de lesão).

Como o artigo 129, inciso III da Carta Magna prevê que a Ação Civil Pública, para a tutela de quaisquer direitos ou interesses difusos ou coletivos pode ser promovida pelo Ministério Público, segue-se que a ameaça a lesão a direitos, ainda que coletivos, estão abarcados por aquela previsão constitucional.

A lei nº 8078/90 no artigo 90, determinou que seu título III, (que trata do processo coletivo comum coletivo) fosse totalmente aplicado, à lei nº 7347/85 (lei da ação civil pública) passando ela, textualmente a prever no artigo 21 que “aplicam-se à defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III, da lei nº 8078 de 11 de setembro de 1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”.

Bem de ver, que o artigo 83 da mesma lei 8078/90, diz que todas as espécies de ações são admitidas, inclusive para a proteção de direitos individuais homogêneos, e se lido em conjunto com o inciso III, do artigo 81, conforma o chamado “subsistema de processo coletivo”.  

Esse aparato legislativo, considerando-se ainda o inciso III, do artigo 83 da Lei Complementar nº 75/93, que atribui a legitimação do Ministério Público do Trabalho para a promoção da Ação Civil Pública Trabalhista para fazer respeitar os direitos sociais constitucionalmente garantidos (igualmente são habilitados os outros legitimados já constantes do artigo 82 da lei 8078/90 e 5º da lei nº 7347/85) é que deu azo ao razoável sucesso dessas ações preventivas que, todavia, em alguns casos merecem ser usadas com extrema cautela pelos membros do Ministério Público do Trabalho[3].

Propondo pretensões temerárias, pode comprometer o próprio instrumento. As críticas de advogados e magistrados advêm do uso indiscriminado da ação civil pública quer para demandas tipicamente voltadas para a reparação de direitos individuais homogêneos, quer com pedidos cujo atendimento pode inviabilizar o funcionamento da empresa ou setor produtivo[4].

Os limites do presente trabalho, com base na preocupação acima decorrem, principalmente, da atuação do Ministério Público do Trabalho como órgão agente nas denúncias provindas do Ministério do Trabalho e Emprego respeitantes a autuações individualizadas por descumprimento da jornada do trabalho legal e descansos intra e interjornadas, mas poderia abranger também todo o espectro de ações com pedido genérico, sem a menção, no exórdio da lesão ou da ameaça de lesão, também genérica.   

Em síntese, refletiremos se é possível o sucesso da Ação Civil Pública, nesses casos em que são descritos fatos individuais constantes dos autos de infração, postulando providência genérica a toda coletividade de empregados vinculada à empresa, com pedidos de natureza inibitória dirigidos ao empregador para abster-se de exigir trabalho em desacordo com a lei, sob pena de astreintes, que incidirão “por empregado em situação irregular.”

Na seqüência, tentaremos justificar que no caso de insucesso dessas ações (o que vem sendo correntio em julgados dos Tribunais Regionais do Trabalho) a questão pertinente à análise judicial se o interesse defendido é ou não difuso, coletivo ou individual homogêneo, deve conduzir a uma sentença de mérito e não de extinção por inépcia, carência da ação ou por ilegitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho.


Alguns motivos da resistência judicial à disseminação desmesurada da Ação Civil Pública Trabalhista.

É certo que a incumbência do Ministério Público do Trabalho em defender a ordem jurídica, regime democrático e interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127 da Constituição Federal), em princípio, autorizaria a condenação das empresas acionadas em obrigações positivas ou negativas de fazer ou não fazer para dar efetividade à lei social protetiva, no mais das vezes após constatação de seu descumprimento pelo Ministério do Trabalho e Emprego, ainda que a inicial não traga argumento algum sobre a probabilidade iminente de lesão a direitos coletivos, tal como definidos pelo inciso II, do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor.

Há ações civis públicas, todavia, em que a fundamentação fática é o evento que autorizou o auto de infração lavrado pelo MTE ao aferir descumprimento de normas em relação a trabalhadores determinados e nominados, por infrações pontuais e não genéricas; a fundamentação jurídica (no mais das vezes, legal) repete, em alguns casos, a norma individual constante da CLT e o pedido de abstenção ou imposição de comportamento genérico, para o futuro. No mais das vezes o pedido, novamente, é mera repetição de cumprimento da regra celetizada ou Normas Regulamentadoras de Portarias do Ministério do Trabalho e Emprego.

Além disso, há pedidos de aplicação de astreintes exorbitantes e condenação em danos morais coletivos em importâncias, completamente imponderadas.

Alguns julgados, todavia, vozes doutrinárias e discussões em listas de juízes do trabalho são arredios à condenação genérica em pedidos que repitam o próprio texto da lei, carentes de fundamentação fática clara e fundamentação jurídica explícita, ainda que respeitantes à segurança e medicina do trabalho, porquanto se a lesão a direitos ou interesses coletivos fosse iminente, grave e amplo, atingindo um número considerável de titulares a inibição deveria se dar pelo embargo ou interdição, no momento da diligência requerida pelo próprio MPT cujo relatório junta como prova. Justificam que, se o caso fosse de interesse grupal ou categorial, a solução se daria, incontinenti pela própria atividade da SRTE, como permite a própria CLT, de forma muito mais rápida e eficiente, pela coerção direta: o artigo 161 da CLT diz que “O Delegado Regional do Trabalho, à vista do laudo técnico do serviço competente que demonstre grave e iminente risco para o trabalhador, poderá interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obra, indicando na decisão, tomada com a brevidade que a ocorrência exigir, as providências que deverão ser adotadas para prevenção de infortúnios de trabalho”.

Ademais, dizem outros, que não havendo lesão séria e iminente, não cabe ao judiciário determinar previamente o que o sujeito de direito deva ou não fazer no futuro ou determinar o modo e tempo que deva cumprir a lei.

A rejeição, inclusive, com acerbas críticas, se dá não só pela antipatia a pedidos em valores completamente irreais e também pela falta de fundamentação sobre a probabilidade de lesão coletiva futura ou ofensa à legislação de ordem pública, por ato ou omissão decorrente do poder diretivo de forma reiterada para que o magistrado afira a gravidade e a necessidade de um provimento de procedência.

Dizem esses críticos que a averiguação de existir ou não dano a direito ou interesse subjetivo, bem como possíveis riscos causadores de lesões a trabalhadores e decorrentes da própria atividade e falhas do poder diretivo do empregador é, primordialmente, matéria afeta à fiscalização pelo órgão do Ministério do Trabalho e Emprego, que exerce poder de polícia, cujos atos são dotados de autoexecutoriedade e, por isso, talvez, a ação administrativa, se sobreponha em urgência e eficácia, em casos graves, ao próprio provimento jurisdicional inibitório.

Nesta análise, como já dito, intentamos, na verdade, concordar que no plano processual o Ministério Público do Trabalho, ainda que descreva no exórdio fatos respeitantes a titulares individuais elevando, todavia, per saltum, o pedido- para obter possível vantagem de titulares indeterminados ou determináveis que mantiverem uma relação jurídica entre si ou com a parte contrária, como querem os incisos do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor- podem ser superadas as alegações de possível inépcia do exórdio, por incongruência entre a narratio e a médium concluendi, ou ilegitimidade ativa do autor ideológico, pela aferição preambular, no plano da ação que o direito defendido não é metaindividual.

É que, nos parece, ao decidir o mérito da causa que o juiz poderá avaliar, sem prejuízo algum, se o provimento jurisdicional mandamental postulado, se deferido, seria razoável, adequado, necessário e útil à sociedade considerada em sua totalidade[5], diante dos poderes amplos que lhe conferem o artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor, aplicável ao Processo Coletivo do Trabalho. Poderes estes não só utilizáveis quando condena como quando absolve, demonstrando e justificando as razões do decisum de procedência ou improcedência  

Selecionamos- como apoio às reflexões posteriores- e as transcrevemos abaixo, três ementas de julgados ainda recentes, que extinguiram sem julgamento de mérito as Ações Civis Públicas, ou julgaram improcedentes os pedidos meritórios por fundamentos semelhantes, quais sejam: descrição de fatos subjacentes individuais puros, na causa de pedir remota; fundamentação jurídica (causa de pedir próxima) com transcrição de normas individuais; tentativa de fazer bastar o fato individual como argumento suficiente para a afirmação do possível ferimento a direitos coletivizados e pedidos a uma sentença genérica.

EMENTA-

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PEDIDO DE ABSTENÇÃO DE CONDUTA - NÃO CABIMENTO - A finalidade da ação civil pública é, precipuamente, segundo a melhor doutrina, obter um provimento jurisdicional que faça cessar a lesão existente. Incabível, destarte, a pretensão de que o sindicato-réu se abstenha de exigir contribuição assistencial de trabalhador não associado, salvo prévia e expressa anuência individual, pois não cabe ao judiciário determinar previamente o que o sindicato pode ou não fazer, pois tais limites são de atribuição do ordenamento jurídico e não do judiciário. TRT 9- 4ª Turma TRT-PR-00632-2010-655-09-00-1 (RO)

EMENTA:

“Não há que se confundir pluralidade de pessoas com interesses difusos ou coletivos. Neste há indivisibilidade e naquele a individualidade, pouco importando o seu número, eis que não perdem suas identidades próprias”. (TRT 2ª. Região, AD 497/95, Rel. Juiz Argemiro Gomes, in DOE 05/10/98).

EMENTA:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ILEGITIMIDADE DO MPT. JORNADA DE TRABALHO. Nos termos do art. 81, inciso III, do CDC, são direitos individuais homogêneos aqueles decorrentes de origem comum. Verificada em certa hipótese não haver circunstância única - comum - de fato e de direito da qual decorram as pretensões individuais, não há falar na implementação da figura. É o que ocorre na ação que visa impedir a prestação de horas extraordinárias além dos limites legais, bem como a observação dos intervalos intrajornada de uma hora e entrejornada de onze horas. Isso porque a causa de pedir remota, fática, diz respeito, em verdade, à suposta situação experimentada, individualmente, por cada um dos trabalhadores da empresa. – Processo nº 088700.29.2009.5.04.0024/TRT4 - Relator Des. José Cesário Figueiredo Teixeira. Pub. 20.07.2011.


Tutela inibitória pela autoridade administrativa na seara trabalhista.

O Código Tributário Nacional, no artigo 78 traz o conceito de poder de polícia:

Considera-se poder de polícia atividade administrativa pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

É o poder de polícia parcela da função administrativa disciplinadora da liberdade e propriedade individuais interferindo no campo que lhe é próprio mediante imposição de limites (deveres de não fazer) e encargos (deveres de fazer) de modo preventivo ou repressivo, com o fim de adequar a conduta à vida em sociedade.[6]

Os chamados atos administrativos e operações materiais de aplicação da lei ao caso concreto compreendem também no que se refere ao Direito Administrativo do Trabalho: a) Medidas preventivas com o objetivo de adequar o comportamento individual à lei (fiscalização, vistoria, notificação, autorização, licença);  b) Medidas repressivas com a finalidade de coagir o infrator a cumprir a lei (interdição de atividade, aplicação de multas, apreensão de documentos, etc...).

É sabido que a fiscalização do trabalho verifica o cumprimento da legislação e aplica as sanções pertinentes, independentemente da possível ocorrência de dano.  Basta para o exercício da atividade vinculada exercida pelos Auditores Fiscais do Trabalho, quanto à aplicação das sanções ou expedição de notificação para adequação, o descumprimento da norma, sem qualquer averiguação pertinente a ocorrência efetiva de danos individuais ou coletivos aos direitos dos trabalhadores.

A asseguração do cumprimento das leis trabalhistas pela fiscalização está espraiado pela CLT, como exemplificativamente, constam dos artigos 626, 627-A e 628, que são consonantes com a Recomendação nº 5 da OIT (1919) Recomendação 20 da OIT (1923) e Convenções da OIT 81, 82, 110 e 150 todas aprovadas entre 1947 e 1978.

O Regulamento de Inspeção do Trabalho (Decreto nº 4.552/2002) deixa antever que a fiscalização trabalhista além de ter a atribuição de autuar e multar e até interditar estabelecimentos, orienta e no mais das vezes, regulariza, inibindo condutas feridoras da legislação trabalhista.

Observa-se ainda que o referido Regulamento traz certa gradação quanto às gravidades dos fatos, tanto que só obriga a comunicação por relatório circunstanciado ao Ministério Público do Trabalho, quando frustrado o chamado Procedimento Especial, quer pelo não atendimento da convocação formal, recusa de firmar termo de compromisso naquele órgão (artigos 27 e§ 5º do artigo 28 do Decreto nº 4.552/2002). É natural que assim seja, eis que só se frustrada a ação do Poder de Polícia é que pode haver necessidade de instauração de inquérito civil pelo Ministério Público, ou ajuizamento imediato de Ação Civil Pública em defesa de direitos individuais homogêneos, coletivos ou difusos, mas não quando se tratar de direitos individuais puros.

Decorre então, que, seguramente o Poder de Polícia na seara trabalhista age, notifica, orienta, multa e interdita estabelecimentos, não pela ofensa a qualquer ato ilícito, que requer a prova do dano e culpa por parte do fiscalizado (como consta do artigo 186 do Código Civil), implicando, todavia, a possível sanção punitiva, ou atos de coação direta por simples descumprimento de dever jurídico, em certa similaridade com a doutrina da tutela judicial inibitória judicial[7], tal como desenvolvida, qual seja: se é possível evitar-se preventivamente o ato contrário à lei pelo simples atendimento dela, inibindo a prática de ilicitude, essa inibição com a ameaça de aplicação de sanções ou coerções[8] também deve ser admitida pela via judicial, mesmo porque o inciso XXXV do artigo 5º da Carta Magna prevê expressamente que a ameaça de lesão a direito, não pode ser excluída por lei. Então se persistir a lesão ao direito, com a não eficiência da atividade administrativa, impossível o impedimento da cognição da ação que, eventualmente, seja ajuizada. É que a ação judicial pode ser ajuizada antes, durante, ou depois da fiscalização pela SRTE. Todavia, se ajuizada quando não existe mais o ilícito, se inibido pela ação fiscalizadora, faltaria interesse processual, a olhos vistos, e nesse caso, impossível seria superar a mácula processual, excepcionalmente.


Tutela inibitória pelo MPT, na fase pré-processual Inquérito Civil e Termo de Ajuste de Conduta (TAC)

A atuação fiscalizatória do Ministério Público pelo Inquérito Civil é atribuição decorrente da dicção do artigo 8º, § 1º da Lei nº 7347/85, depois repetido pelo artigo 129, III da Constituição Federal e mais especificamente para o que nos interessa, no inciso II do artigo 84 da Lei Complementar nº 75/93, que prescreve incumbir ao Ministério Público do Trabalho “instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos, sempre que cabíveis, para assegurar a observância dos direitos sociais dos trabalhadores”.   

A finalidade precípua do Inquérito Civil e “outros procedimentos” é a colheita de elementos necessários para a propositura da Ação Civil Pública ou Ação Coletiva – para quem entenda necessária essa discriminação- ou não se convencendo o parquet da inexistência de fatos genéricos ofensivos a direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos dos trabalhadores sob a visualização do artigo 81 e incisos do Código de Defesa do Consumidor, proceder ao arquivamento, consoante determina o artigo 9º da Lei nº 7347/85 e remeter à Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público do Trabalho, para homologação ou não, da proposição de arquivamento.

A competência da Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público do Trabalho (CCR) está prevista no artigo 103 da Lei Complementar 75/93 e para fins de homologação de arquivamentos de procedimentos e Inquéritos Civis, lhe foi outorgada pelo § 2º do artigo 10 da Resolução nº 69/2007 do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho.

Referida Resolução é o instrumento de procedibilidade do Procedimento Preparatório e do Inquérito Civil pelos Procuradores do Trabalho, trazendo desde o conceito de Inquérito Civil, pressupostos para a sua instauração, prazos de conclusão, condições para o arquivamento, recurso pelos interessados dentre outros.

Enfim, dentre as principais regras da Resolução 69/2007, destacam-se, exemplificativamente, para o estudo que estamos empreendendo, as seguintes: 1) Há de ser indeferido o pedido de instauração do Inquérito (artigo 5º) se os fatos narrados na representação não configurarem lesão a direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos 2) os fatos apresentados já houverem sido solucionados e, 3) Esgotadas todas as possibilidades e não firmado TAC ou proposta a Ação Civil Pública, os autos deverão ser arquivados e remetidos a CCR, para que homologue o arquivamento a qual poderá determinar novas diligências ou o prosseguimento do Inquérito (§ 4º do artigo 10).

Para os membros do Ministério Público do Trabalho, firmar TAC é o melhor dos mundos, daí a insistência e até atemorizações aos jurisdicionados por parte de alguns Procuradores do Trabalho, como se tem notícia.

Com efeito, firmado o TAC, ele torna-se título executivo, não mais havendo de perquirir-se se a obrigação genérica a que se submeteu o compromissário se originou de fatos genuinamente individuais ou heterogêneos. E muitas vezes, o são como constataria o judiciário, na esteira das jurisprudências que inserimos alhures.

Principalmente os novos Procuradores, ainda que convictos de que os fatos que originaram a denúncia não são de índole coletiva e ofensiva a direitos metaindividuais, não se arriscam a promover o arquivamento, eis que a praxe é continuar a investigação e insistir na assinatura do TAC para evitar lides judiciais atomizadas, como justificam os doutos, e ainda que o ilícito praticado seja isolado (e não autorizaria, portanto o sucesso da Ação Civil Pública, ou Ação Civil Coletiva[9], que porventura fosse ajuizada), nada impede que o investigado se obrigue genericamente, para o futuro, com a promessa de cumprir a legislação por inteiro, sob pena de astreinte diária, ainda que um só, ou poucos empregados sejam flagrados em situação dita irregular.


A Jurisprudência da Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público do Trabalho em confronto com os Precedentes do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho.      

No feito PGT/CCR/ICP/Nº 14719/2011 o Procurador do Trabalho da 7ª Região, Francisco José Parente Vasconcelos, investigando um grande Magazine, por denúncia da SRTE, determinou a ela própria que fizesse novas diligências, a respeito do tema “intervalos intrajornadas”. A SRTE, que já havia multado uma das lojas apurou que seis ou sete empregados não ultrapassaram o tempo de onze horas entre uma jornada e outra, constatou na segunda diligência que outra loja também continha um número mínimo de empregados que não cumpriam integralmente os intervalos determinados pelo artigo 66 da CLT.

O Douto Procurador oficiante determinou o arquivamento dos autos, com argumentos jurídicos, em princípio, irrespondíveis[10], diante da análise do caso concreto, por entender não configurada a hipótese de ferimento de direito coletivo, in verbis:

Da análise criteriosa dos autos, no momento processual, infere-se que não há notícia de que a irregularidade apontada tenha atingido uma coletividade de trabalhadores, de sorte que se pressupõe que a matéria reportada se trata de natureza de cunho individual, não atingindo uma quantidade maior de trabalhadores, o que motivaria a intervenção enérgica do Ministério Público do Trabalho.

Entende-se, portanto, que o objeto envolvido no vertente procedimento, no momento, não demanda a intervenção do Ministério Público do Trabalho, tendo em vista que este está legitimado a resguardar direitos ou interesses de cunho difuso, coletivo ou individual homogêneo, não se confundindo com o direito individual puro sem repercussão coletiva. Anote-se, ainda que a atuação do Ministério Público do Trabalho no tocante às questões individuais se restringe àquelas que possam ter repercussão de natureza coletiva, tais como discriminação no âmbito das relações de trabalho, normas de segurança e saúde do trabalho, trabalho infantil, trabalho análogo às condições de escravo, dentre outros. Por conseguinte, não vislumbro repercussão coletiva quanto ao objeto do vertente procedimento preparatório.

Todavia a CCR, através da Relatora VERA REGINA DELLA POZZA REIS, em deliberação que foi seguida pelos seus pares, não concordou com o arquivamento, e em seu voto que parcialmente transcrevemos assim se pronunciou:  

Ora, s.m.j, a conduta atribuída à denunciada não pode ser considerada socialmente irrelevante. Com efeito, tratam os autos da não concessão integral do intervalo mínimo de onze horas entre duas jornadas de trabalho consecutivas, fato este que pode acarretar graves conseqüências à saúde e à integridade psíquica e física dos empregados envolvidos.

Do mesmo modo, o número presumido de trabalhadores atingidos pelas lesões imputadas à empresa Lojas Insinuante Ltda., ora representada, não consubstancia circunstância que retire o caráter coletivo do possível dano e, principalmente, não afasta o dever de o Ministério Público do Trabalho empenhar-se na tarefa persecutória que lhe é cometida por lei. O que efetivamente é relevante para a questão numérica de trabalhadores lesados pela inobservância às regras trabalhistas são a extensão, a profundidade e a importância do direito atingido.

Assim, considerando a falta de constatação da regularidade da empresa investigada, bem como a magnitude da lesão perpetrada ao ordenamento jurídico trabalhista, tenho que a ausência de mais apurada investigação neste feito não autoriza o seu arquivamento, e, muito menos a superveniente homologação.

No Processo PGT/CCR/16573/2012, após a CCR, ter rejeitado o arquivamento promovido pela Procuradora do Trabalho ROSINEIDE MENDONÇA MOURA, sob o fundamento que infrações de cunho patrimonial e tuteláveis pela via individual, bem como a ausência de relevância social, não ensejam a atuação do Ministério Público do Trabalho, o voto proferido pelo Relator ANTONIO LUIZ TEIXEIRA MENDES, citou uma curiosa ementa da lavra da Procuradora MARIA APARECIDA GUGEL, que extraiu do Processo PGT/CCR/ICP Nº 10229/2011, ad litteram:

O fundamento para a promoção de arquivamento de que não há justificativa para persistir na investigação em decorrência da lesão poder ser sanada com a fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego não autoriza seu arquivamento. Se assim fosse não existiria razão para a existência do Ministério Público do Trabalho, pois a esmagadora maioria das irregularidades a nós endereçada pode ser corrigida pelo ato da fiscalização.[11]

Todavia, da análise das soluções dadas pela CCR/MPT, nota-se que em nenhum momento foi contestado o fato de que os arquivamentos foram promovidos por não se tratarem as investigações de direitos sujeitos à propositura de Ação Civil Pública, mas sim, que deveriam ser “melhor investigados”.  Ora, tais conclusões levam a crer, que caso apurados outros casos individuais, apesar de manterem essas naturezas, poderia ser obtido o TAC, tido como solução de todos os males, ainda que as irregularidades já tivessem sido corrigidas pelo ato da fiscalização, como disse a d. relatora de cuja pena brotou a ementa retro transcrita, no mínimo estranha, por pretender, segundo interpretação aceitável, que ainda que resolvido o conflito, e estando claro que a questão tratada não se refere a direito coletivo ou difuso, mesmo assim a investigação deva continuar, até que seja firmado TAC com a clássica menção de que “o investigado se compromete a continuar cumprindo a norma tal, sob pena de astreintes por infração individualizada e danos morais coletivos!”

E as razões de qualificarmos como estranha aquela injurídica argumentação constante da Ementa, é o fato de existir o Precedente nº 12 do Egrégio Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho que, logicamente, deve ser interpretado no sentido de que se constatada que a irregularidade denunciada é individual, deve ser considerada inexistente, por não ser irregularidade coletiva.

Ad litteram:

PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO-INEXISTÊNCIA OU CORREÇÃO DAS IRREGULARIDADES-HOMOLOGAÇÃO POR DESPACHO. Nos casos de procedimentos investigatórios onde restar comprovada a correção ou a inexistência das irregularidades denunciadas, atestadas pelo Procurador oficiante, poderá o Conselheiro Relator homologar, por despacho, a promoção de arquivamento, devolvendo os autos à origem.  

Também em ambos os casos, ainda que se pudesse elevar aqueles direitos individuais puros a homogêneos, com argumentação não muito fácil, pareceria ter sido ofendido o Precedente nº 17, do mesmo Conselho Superior, que de forma didática e esclarecedora determina:

VIOLAÇÃO DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS-ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO-DISCRICIONARIEDADE DO PROCURADOR OFICIANTE- Mantém-se por despacho, o arquivamento da Representação quando a repercussão social da lesão não for significativamente suficiente para caracterizar uma conduta com conseqüências que reclamem a atuação do Ministério Público do Trabalho em defesa de direitos individuais homogêneos. A atuação do Ministério Público do Trabalho deve ser orientada pela “conveniência social”. Ressalvados os casos de defesa judicial dos direitos e interesses de incapazes e população indígena.


Tutela inibitória judicial via ACP- Superação das Questões Processuais e necessidade de um julgamento de mérito.

Pensa-se que quem melhor contribuiu para a sistematização do Processo Coletivo, cuja obra é de utilidade ímpar foi Gregório Assagra de Almeida[12].

Ao comentar o “Princípio do interesse jurisdicional do conhecimento de mérito do processo coletivo”, convence-nos o argumento impecável que empreende aquele jurista, mesmo porque é o escopo símile com o princípio da informalidade e da simplicidade da petição trabalhista, ditada pelo artigo 840 da CLT[13], onde a fundamentação jurídica é desnecessária, mas tão somente a fundamentação fática e o pedido:

Ressalta-se que o interesse em conhecer o mérito do processo coletivo não significa que o Poder Judiciário estaria propenso a julgar a favor de “A” ou “B”, mas tem interesse na resolução do conflito coletivo, de sorte a atender os fundamentos e os objetivos do Estado Democrático de Direito estabelecidos nos artigos 1º e 3º da CF. Não é mais admissível que o Poder Judiciário fique preso em questões formais, muitas delas colhidas em uma filosofia liberal individualista já superada e incompatível com o Estado Democrático de Direito, deixando de enfrentar o mérito, por exemplo, de uma ação coletiva cuja causa de pedir se fundamente em improbidade administrativa ou em dano ao meio ambiente. Portanto, na orientação dessa diretriz principiológica o Poder Judiciário, em vez de ficar procurando questão processual para extinguir, sem julgamento de mérito, o processo coletivo, deverá flexibilizar os requisitos de admissibilidade processual, a fim de que, na resolução do conflito coletivo, efetive o comando jurídico esperado socialmente.[14]

Sustenta ainda o mesmo autor existir no processo coletivo o “Princípio da presunção da legitimidade ad causam ativa pela afirmação do direito”, consistindo este princípio, decorrência lógica de inferir-se que a dicção do artigo 127, caput, da Constituição Federal ao estabelecer que o Ministério Público é instituição permanente, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais individuais indisponíveis, fazer com que a sua leitura juntamente com o artigo 129 da Carta (onde estabelece a legitimação daquela instituição para a defesa pela ACP de todo e qualquer direito difuso ou coletivo) leve à certeza de que a simples afirmação in abstrato de estar defendendo aqueles direitos, “não pode ter questionada a real titularidade do direito coletivo defendido para se aferir a legitimidade” [15].

Pois bem, ainda que se visualize a regra do artigo 840 da CLT, para dar suporte aos doutos ensinamentos de ASSAGRA DE ALMEIDA, não há como fugir-se do princípio que a prova da constituição do direito incumbe ao autor. Nas ações que estamos tratando e que deram origem a esse artigo, quando o Ministério Público do Trabalho aponta fatos individuais, para pedir obrigações de fazer ou não fazer genéricas, atingindo titulares vinculados a fatos genuinamente individuais[16], ainda que seja impossível a extinção sem julgamento do mérito (por inépcia ou ilegitimidade de parte ativa) deve justificar a possibilidade de que aqueles fatos apontados são prova indiciária de que a conduta empresarial, possa se tornar genérica e atingir a totalidade dos trabalhadores, no futuro[17].

Se assim não argumentar o Ministério Público do Trabalho, evidentemente, que a petição além de defeituosa e inepta se sujeitaria a juízo de carência, não fosse conter o processo coletivo princípios próprios, e apesar de não ser a ACP uma reclamatória trabalhista, deve sempre ser vista como uma ação em que o atingimento do mérito é sempre aconselhável, pela qualificação transcendente do direito, ainda que abstratamente alegado.

Assim, com essas facilidades para a ultrapassagem das questões processuais ao mérito, nele é, s.m.j.  que o juiz deve dizer se há contra o demandado indícios fortes através de atos ou ações preparatórias, engendrados pela parte passiva para exigir o descumprimento da lei protetiva com cariz genérico. Com efeito, a prova individual produzida, por si só, não é indício de que aquela ofensa possa, no futuro, ser por presunção hominis ampliada para formar coisa julgada ampla, tornando então, no nosso sentir, impossível atender o pleito generalizante, tão só com embasamento em lesões fáticas subjacentes individuais, por guardarem a suas respectivas individualidades, enquanto não alargadas para a coletividade por alheia àquelas exigências decorrentes de lesões ainda que ilícitas, mas que permanecem individuais. A transposição daqueles possíveis ilícitos individuais, para justificarem receio de lesão coletiva genérica é quase impossível, mas imprescindível, como justifica ARENHART[18]

Por isso, o titular da ação inibitória, cujo objeto é evitar a lesão do direito, deve apresentar elementos razoáveis hábeis a formar o convencimento do julgador de que é plausível e efetiva a ameaça de violação do direito invocado. Essa é a tendência do direito comparado, tanto em países da civil law, como nos sistemas jurídicos da common law.

Com efeito, sabe-se que o objeto de uma ação inibitória com pedido genérico- que abrangerá sujeitos indeterminados ou determináveis, pelo cumprimento de obrigação indivisível- é impedir que um ato violador de direito difuso ou coletivo seja praticado, repetido ou reiteradamente renovado.

Diante desse caráter inibidor,

mostra-se imprescindível a demonstração da existência da ameaça da prática do ato violador do direito para que o magistrado possa prolatar um provimento inibitório, prevenindo a prática da conduta vedada, por meios coercitivos ou sub-rogatórios. [19]

Despreocupamo-nos em explicitar, o que seriam direitos individuais homogêneos, coletivos e difusos, por impecáveis os conceitos constantes dos incisos do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor e não haver divergências doutrinais ou melhor clareza, ainda que com o esforço dos doutos, que seja superior aos seus conteúdos.

Justifica-se ainda a omissão indicativa e pontuais afora os casos de pedidos em ações civis públicas aqui tratados, -aos quais também, se enumerados, se amoldariam ao presente estudo- justamente porque doutrinadores de escol, pertencentes ao Ministério Público do Trabalho divergem sobre diversos aspectos, inclusive sobre casos que para uns seriam direitos homogêneos e para outros coletivos.[20]

A divergência é importante, porquanto se com razão BEZERRA LEITE, só caberia Ação Coletiva, de índole condenatória genérica, sujeita a futura execução nos moldes dos artigos 91 a 100 do Código de Defesa do Consumidor que beneficiaria os reais titulares do direito, mediante responsabilização do réu pelos danos causados, ao passo se com razão SIMÃO DE MELO, aquelas ações teriam natureza e eficácia mandamental com a coercibilidade autorizada pela aplicação de astreintes, sem necessidade de execução tendente à reparação dos danos aos seus titulares, mas os valores decorrentes da execução das astreintes seriam dirigidos ao Fundo de Amparo do Trabalhador.

Uma das maiores obras do ramo especial, a respeito da proteção coletiva dos direitos dos trabalhadores, da pena do também Procurador Regional do Trabalho MANOEL JORGE E SILVA NETO, sempre consultada, mas nem sempre mencionada por Procuradores do Trabalho, nas Ações Civis Públicas, traz uma afirmação que talvez seja contestada tanto por BEZERRA LEITE, como por SIMÃO DE MELO, vejam:

Apenas para melhor demonstrar os fatos que ensejam ou não a providência ministerial, pense-se numa situação em que determinada empresa dispensa um número considerável de trabalhadores sem o pagamento das respectivas parcelas rescisórias. Nesse contexto, não veríamos como admitir a ação coletiva (art. 91 do CDC) do Ministério Público, mas ainda porque caracterizada a disponibilidade dos interesses individuais homogêneos trabalhistas (tanto que sobre eles os podem os empregados celebrar acordo) “[21]

Ora, se a própria doutrina nascida no seio do próprio sujeito ideológico diverge sobre o que pedir e como pedir, e nem clarificado por ela como utilizar o instrumento adequado, havendo ainda, divergências entre o Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho e a Câmara de Coordenação e Revisão da mesma instituição e entre outros doutrinadores também pertencentes aos quadros do Ministério Público do Trabalho, torna possível que ainda devamos conviver com decisões, ainda que raras, mas preocupantes, porquanto se não bem pensada a questão, dependendo da argumentação, a primeira instância trabalhista se torna suscetível de decisões polêmicas e muitas vezes injurídicas, que fomentariam outras se os tribunais, rapidamente, não as consertassem.

Abaixo transcreve- se um deferimento de antecipação de tutela, onde embora os fatos da causa fossem individuais, a partir de auto de infração com nominação dos titulares dos direitos lesados, em ACP cuja inicial continha quase todos os defeitos que neste trabalho procuramos retratar, tanto que foi cassada pelo TRT da Quarta Região, via Mandado de Segurança impetrado pela demandada.[22]

A documentação juntada (destaco, por exemplo, os autos da Fiscalização do Trabalho às fls. 34/35) demonstra a plausibilidade da alegação da petição inicial, bem como a gravidade da situação vivenciada pelos trabalhadores. Além disso, o deferimento da liminar não causa prejuízo à reclamada porquanto decorre de mero cumprimento da legislação. Assim com base nos artigos 11 e 12 da Lei 7347/85, c.c. art. 273 do CPC, defiro a antecipação de tutela, a fim de determinar que a requerida cumpra as obrigações de fazer arroladas nos itens 1/a.6, das folhas 16/17 dos autos sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, por infração e por trabalhador encontrado em situação irregular. Expeça-se mandado com urgência, com cópia da inicial.” (Ação Civil Pública nº 0000238-39.2012.5.04.0009, 9ª Vara Trabalhista da 4ª Região). [23]


Conclusões:

Os receios esposados pelo Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho de que falamos alhures, sobre o mau uso das ações coletivas pelo Ministério Público do Trabalho ainda demonstram-se atuais.

Nas Ações Civis Públicas promovidas, nos casos específicos estudados, nota-se que o Procurador do Trabalho, é sabente que o fato subjacente individual, apurado em autos de infração, guardará essa natureza, para sempre, e não atinge ou atingirá o grupo, categoria ou classe.  

Outros fatos futuros também, ainda de assemelhados àqueles, não poderiam, só por isso, dar margem a ferimento de direito ou interesse coletivo (transindividuais de natureza indivisível, como diz o inciso II do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor) por serem individuais as situações jurídicas de cada um deles, a partir do descumprimento da lei e, portanto, jamais adquiriam a qualidade da indivisibilidade. Isso é tão evidente, que há a necessidade de inserção em todos os TACs de cláusula em que a astreinte incidirá “por trabalhador em situação irregular!”

Quando muito, dependendo do caso concreto, poderiam ser aglutinados aqueles direitos individuais, se decorrentes de uma origem comum (inciso III, do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor) para ajuizamento da chamada Ação Civil Coletiva pelo rito dos artigos 91 a 100 do Código de Defesa do Consumidor. Mas esse rito não permite pedidos de obrigação de fazer e não fazer com aplicação de astreintes, por ter natureza eminente reparatória, além de que se reduzida  a quantidade de titulares do direito, não justificar nem mesmo a atuação ministerial  para tentar a feitura de TAC, como deixa antever o Precedente nº 17 do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho.

Todavia, a Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público (CCR), encarregada do controle dos arquivamentos, incentiva a continuidade das investigações de casos individuais para que sejam forçados Termos de Ajustamento de Conduta com obrigação genérica, havendo receio dos Procuradores do Trabalho, principalmente, dos recém empossados, em contrariar a posição daquele órgão. Resta então a eles obter- às vezes até com certa truculência, o que amiúde redunda em denúncias pelos investigados à Corregedoria Geral- o TAC, remédio para todos os males.

Não obtendo sucesso, e resistindo o investigado, só resta a propositura da Ação Civil Pública, e com alguma criatividade é possível deixar escondido o fato puramente individual, argumentar que há ou haverá risco de repetição de outros fatos individuais- sem qualquer prova da ameaça a direitos coletivos, que é imprescindível, como demonstrado- e postular providência genérica cuja eficácia será para sempre e para todos. É a passagem mágica de ofensa individual- às vezes gerada por culpa do próprio empregado, que se atrasou no banheiro, por exemplo, e marcou a saída após dez horas de trabalho ou corrompeu o porteiro para que marcasse o cartão antes de sua entrada na empresa- para ser considerada ofensiva a direito coletivo, mas a astreinte continua a incidir, bastando que nova situação jurídica individual ocorra. Vale dizer, ocorrência de novo fato individual.

Evidentemente, que raras vezes, esses defeitos não são percebidos pelo Judiciário, pois é óbvio que a sentença de procedência que proferisse- sem considerar se o direito vindicado foi provado ou havendo certeza que está ameaçado seriamente, é difuso, coletivo ou individual homogêneo- se assemelharia em menor espaço geográfico, mas com a mesma eficácia aos titulares, à genérica decisão punitiva de Deus, a partir da desobediência individual de Eva que ludibriou Adão a comer uma fruta proibida, mas, ainda assim impôs a todos os homens que já viviam ou que viveriam no futuro que para comerem pão é necessário suar o rosto.

Definitivamente, nos casos aqui tratados, os fatos individuais subjacentes, não poderiam sequer ser elevados à categoria de direitos homogêneos, mas se transformam em coletivos sem nenhuma das características exigidas pelo inciso II do artigo 81 do CDC, segundo as iniciais de ACPs promovidas pelo Ministério Público do Trabalho. Seriam  elas então,  pelo processo tradicional, ineptas ou sujeitas a carência por ilegitimidade de parte ativa, falta de interesse e até impossibilidade jurídica do pedido. Defende-se, todavia, com embasamento “Princípio do interesse jurisdicional do conhecimento de mérito do processo coletivo” e no “Princípio da presunção da legitimidade ad causam ativa pela afirmação do direito” que devam ser evitadas as extinções sem julgamento de mérito e proferir-se sentença meritória de improcedência[24], observando-se caso concreto “por meio da regra hermenêutica da proporcionalidade ”[25] como quer Luiz Guilherme Marinoni. Tal desfecho de cunho meritório, por o fato descrito no exórdio, ainda que ilícito, não ser lesivo aos titulares do direito pertencente ao “grupo, categoria ou classe”, responderia à dúvida de Rodolfo de Camargo Mancuso,observando o rito da Ação Popular, reportando-se a estudos de Cândido Rangel Dinamarco pergunta:

Ainda, valendo-nos do exemplo da ação popular, se o ato impugnado, apesar de ilegal, não se revelou lesivo, o caso configura falta de condição da ação (ausência de interesse ou de possibilidade jurídica) ou se trataria, já de “requisito de procedência” / “prejudicial de mérito”, hipóteses justificadoras de improcedência da ação? [26]


REFERÊNCIAS:       

ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo Brasileiro: um novo ramo do direito processual (princípios, regras interpretativas e a problemática de sua interpretação e aplicação). São Paulo: Saraiva, 2003.

ANDRADE, Letícia Queiroz de. Regulação do poder de polícia: distinções concentuais juridicamente relevantes. In: PIRES. Luiz Manoel Fonseca; ZOCKUN Maurício (Coord.). Intervenção do Estado. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003 (Temas atuais de direito processual civil, v. 6).

MANCUSO. Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 6. ed. 1999.

MARINONI, Luis Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004.

MARTINS FILHO, Ives Gandra. A importância da ação civil pública no âmbito trabalhista. Disponível em  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_25/artigos/Art_MinistroIves.htm. Acesso em 25 de março de 2013.

MELO.  Raimundo Simão de.  Ação civil pública na justiça do trabalho. São Paulo. Editora LTr, 2002.

SILVA NETO. Manoel Jorge. Proteção constitucional dos interesses trabalhistas- difusos, coletivos e individuais homogêneos. São Paulo: Editora LTr. 2001.

SPADONI, Joaquim Felipe. Ação inibitória: a ação preventiva no art. 461 do CPC 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007 (Coleção estudos de direito de processo. Enrico Túlio Liebmam, v. 49)

ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.


Notas

[1]Disponível em: http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2013/03/noticias/dinheiro/1419105-proconpodera-multar-empresas-que-nao-cumprem-a-lei.html. Acesso em 25 de março de 2013.

[2] MARINONI, Luis Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p.222. Poderíamos entender como absolutamente invioláveis todas as normas que se espraiam na Carta Magna e mesmo as infraconstitucionais que tem como suporte os valores protegidos a partir dos artigos 5º e 6º da Carta Magna Esse autor, para fins didáticos, exclui a necessidade de refletir-se sobre prevenção do dano para incidir a norma de natureza inibitória do ilícito nas obrigações de fazer e não fazer. E de certa forma, deixa antever que não é o ato ilícito-que depende da culpa do agente para que o dano efetivado seja reparado gerando a obrigação (artigo 186 do CC)- mas sim a simples probabilidade de descumprimento de um dever jurídico já habilita o aproveitamento da técnica da tutela inibitória preventiva ou de remoção do “ilícito”. Faz, nessa importante obra,  incursões sobre os artigos 273 e 461 do CPC, além do artigo 84 do CDC, para justificar os poderes alargados do juiz em dar solução ao caso concreto não ficando nessas ações ,  adstrito ao pedido. Deve, diz, conformar o processo segundo as necessidades do caso concreto, podendo escolher a melhor forma de tornar efetiva a tutela jurisdicional. Esclarece que esse poder do juiz (chamamos de ultrapetição da sentença), que antes era controlado pela lei abstratamente, pelas novas regras que o habilitam a utilizar de meios e soluções variados para tornar efetivo o julgado, o controle do exercício do poder jurisdicional, deve ser feito pela observância da regra da proporcionalidade, requerendo justificação de que a técnica processual foi utilizada de maneira justa e racional.

[3] Não se quer com isso, dizer que a atuação do Ministério Público como órgão agente, deva se restringir com a marca da transindividualidade, ao combate ao trabalho escravo; combate à discriminação e busca da igualdade no trabalho; combate a exploração de crianças e adolescentes; defesa do meio ambiente do trabalho; combate às irregularidades trabalhistas na Administração pública; combate às fraudes nas relações de trabalho e exploração do trabalho portuário e aquaviário. Há, realmente, outras questões, ainda pertinentes a direito disponível que por conveniência social, devam ser tratadas coletivamente, ainda que o interesse ofendido não se encontre dentre aqueles valores fundamentais constitucionalmente previstos na Carta Magna, dentre os quais, a vida, saúde, liberdade, dignidade, igualdade que são transpostos dos artigos, 1º 3º, 5º e 6º da Constituição Federal, para as especificações do artigo 7º da mesma Carta.

[4]  MARTINS FILHO. Ives Gandra. A importância da ação civil pública no âmbito trabalhista. Disponível em  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_25/artigos/Art_MinistroIves.htm. Acesso em 25 de março de 2013.

[5] Sustentaremos ao final- com base nos princípios do “interesse jurisdicional no conhecimento do mérito do processo coletivo” e” presunção da legitimidade ad causam ativa, pela afirmação do direito “- que se o pedido (objeto) genérico em ACP, para a tutela inibitória preventiva ou de remoção do ilícito se embasa em fato individual (fundamentação fática incongruente com o pedido) podem ser superadas a inépcia e ilegitimidade (esta pela presunção da legitimidade ativa ditada pelo artigo 129, III da Constituição Federal), e no mérito avaliar se o pedido é adequado, proferindo um julgamento de procedência ou improcedência, de acordo com o princípio da razoabilidade, ao verificar se os fatos individuais narrados são decorrentes de conduta genérica, repetida e de grave ofensividade aos demais trabalhadores ou não.   Queremos dizer que, independente de o autor afirmar que os direitos defendidos são individuais homogêneos, coletivos ou difusos, se a causa de pedir fática descreve fatos individuais puros (que em tese levaria a extinção do processo sem julgamento de mérito), a sentença de improcedência se justificaria, justamente, por não haver prova suficiente que esses direitos metaindividuais pudessem ser ameaçados ou feridos.  

[6] ANDRADE. Letícia Queiroz de. Regulação do poder de polícia: distinções concentuais juridicamente relevantes. In: PIRES. Luiz Manoel Fonseca; ZOCKUN Maurício (Coord.). Intervenção do Estado. São Paulo: Quartier Latin, s008. p.56.

[7] MARINONI, Op. Cit. P.327, concorda que a tutela inibitória para a proteção de direitos qualificados é exercida pela lei, abstratamente, e pela Administração, pelo poder de polícia, através da fiscalização e repreensão quanto às práticas nocivas a direitos fundamentais e os protegidos por normas de ordem pública.

[8] A ciência do Direito esclarece que a norma jurídica, exerce coação psíquica sobre os jurisdicionados, ou seja, uma coerção, de maneira que a preocupação do sujeito não é tanto com a norma, mas com conseqüências de sua transgressão. Na ordem trabalhista a coerção da norma para inibir o ilícito ou sua repetição, no plano administrativo, é efetivada pela ameaça da utilização de medidas preventivas e repressivas, estas, através de multas, interdições etc., pela atividade do Ministério do Trabalho e Emprego; no plano da autonomia privada coletiva, através das multas a favor do empregado pelo descumprimento de cláusulas de Convenções Coletivas e, através do próprio Judiciário, seja qual for a natureza da eficácia da sentença que proferir. 

[9] Note-se que se nesses casos de ferimento a direitos individuais divisíveis, com poucos ofendidos, se o fundamento utilizado na ACP fosse respeitante a direitos homogêneos (defensáveis pela Ação Civil Coletiva, segundo o sistema) como às vezes até o são, por sua natureza reparatória, não poderiam constar pedidos de obrigações positivas ou negativas de fazer ou não fazer e aplicação de astreintes. Na prática, o Ministério Público, chama de ACP essas verdadeiras ações que deveriam ser individuais, por, no mais das vezes tais direitos violados aos nominados, nem mesmo serem homogêneos- por não terem nascido de uma origem comum (inciso III, do artigo 81 do CDC) e pedem providência obstativa de atos, ou imposição de fazer em relação a todos os empregados e às vezes, até condenação em dano moral coletivo. 

[10] É sabido que na atividade de custos legis em processos individuais, que tratam de horas extras, intervalos e até pedidos de insalubridade e periculosidade, ou mesmo de pedidos de indenização por danos acidentários e até casos envolvendo menores, o Ministério Público, não emite, na condição de custos legis, parecer circunstanciado, por entender a maioria não existir interesse público primário. Paradoxalmente, quando há denúncia com o mesmo objeto, a CCR, contra posições do próprio CNMPT, adota entendimento rígido, como se dissesse, que o mesmo interesse individual, a respeito de horas extraordinárias e jornadas, não é público para a atividade de custos legis, mas torna-se público e deve ser investigado se sujeito à atividade de ministerial de órgão agente.   Antes, na 15ª Região, onde atuamos como Procurador Regional do Trabalho, a maioria dos procuradores devolvia cerca de 90 por cento dos processos chegados do tribunal, através de uma bem elaborada cota, depois por simples colagem de etiquetas informando que por não haver interesse público, não seria emitido parecer, tudo isso com o beneplácito e incentivo do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho e mesmo da Corregedoria Geral, nada obstante, alguns recebessem cerca de 300 processos por mês e, em alguns meses, emitiam tão só cerca de 20 pareceres.   Essas incongruências deixam a própria magistratura em dúvida, pois se o Ministério Público do Trabalho, não emite parecer sobre determinada questão sobre fatos individuais por não haver interesse público ou social, como poderia dizer que há esses interesses nas Ações Civis Públicas que propõe, submetidas à mesma fundamentação fática, ainda que escondida, pela fundamentação jurídica ? . 

[11] A olhos vistos, como se sabe, ao contrário daquela decisão, o Ministério Público do Trabalho deve atuar, precipuamente, quando se torna impossível ou difícil a solução de questões graves pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que não deve ser leniente, pena de a União sofrer Ação Civil Pública, por não cumprir a atividade fiscalizatória a contento. A Constituição Federal e as leis infraconstitucionais são suficientes, para chegar-se a conclusão que há casos que só a instituição a que pertence a Relatora Maria Aparecida Gugel pode defender para tornar efetivos os direitos sociais que transcendem a esfera individual, principalmente os indisponíveis tais como: liberdade (incluindo-se aqui o trabalho escravo e o assédio sob suas diversas nuanças), intimidade, acessibilidade às funções públicas, proteção do meio ambiente do trabalho, proteção do trabalho indígena, discriminação no trabalho (em suas diversas nuanças), inserção no mercado de trabalho de portadores de necessidades especiais e aprendizes, dentre outras.

[12] ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo Brasileiro: um novo ramo do direito processual (princípios, regras interpretativas e a problemática de sua interpretação e aplicação). São Paulo: Saraiva 2003.

[13] Na realidade, por outra perspectiva, nas Ações Civis Públicas de que estamos tratando, o Autor, descreve na inicial o fato subjacente individual, mas ele fica obnubilado e obscurecido pela fundamentação jurídica embasada no processo de índole coletiva e no pedido genérico. O defeito processual, se bem investigado é grave, mesmo porque, já vimos alguém defender até tutelas antecipadas, sem análise do fato -ao final deste artigo inseriremos a fundamentação de um julgado de primeira instância nesse sentido, após cassado por aviamento de Mandado de Segurança- que possível condenação definitiva e até tutelas antecipadas em ACP, possam ser deferidas independentemente de o fato ser incongruente com a fundamentação e o pedido, por não haver prejuízo algum ao réu se a condenação repete os textos da lei, como geralmente consta do pedido. Sob esse prisma, absurdamente, qualquer autuação individualizada da SRTE, comunicada ao Ministério Público do Trabalho, ensejaria de pronto a promoção da Ação Civil Pública, independente da tentativa anterior de assinatura do TAC, com a finalidade de coibir ou prevenir ofensa coletiva com objeto indivisível, como querem os incisos I e II, do artigo 81 do CDC. 

[14] ALMEIDA. Ob. Cit., p. 572

[15] ALMEIDA. Ob. Cit., p. 574.

[16]  Inexistindo a indeterminação dos titulares do direito, impossível pensar- se que o simples pedido com escopo genérico, possa dar suporte a argumentação de que só a pretensão esposada no exórdio, pelo MPT ou sindicato, habilite condenações fulcradas no conceito legal de direito coletivo que considera não só uma pluralidade de sujeitos indeterminados, ainda que determináveis, mas também a indivisibilidade da obrigação e por conseqüência, da própria prestação que deverá também ser indivisível. Evidentemente, que tais ações no plano abstrato, trazem a informação do fato individual subjacente ocorrido, mas ele fica escondido com a fundamentação jurídica extraída do processo coletivo e do pedido só embasado na causa próxima. Se no plano do direito abstrato de ação isso seja tolerável, como já sustentamos, no plano do mérito não há condições de o autor produzir prova do fato de que há risco para a coletividade, tão só a partir do fato isolado descrito, mesmo porque a prova, simplesmente indiciária em relação ao pedido, se embasa em fatos jurídicos afetos a sujeitos determinados e, então, nova prova deveria ser produzida para que o judiciário pudesse inferir haver riscos sérios de que o réu pretenda impor a todos os empregados aquela conduta. A condenação se adviesse, s.m.j, implicaria em presunção sobre uma espécie de reserva mental inversa por parte da empresa, considerando que todo descumprimento de deveres individuais é uma preparação para o descumprimento de deveres jurídicos coletivos.

[17] Na nota anterior pontuou-se a determinabilidade dos sujeitos do fato subjacente, como elemento determinante para a descaracterização do pedido de ações com provimento genérico, mas se alargarmos o raciocínio, infere-se que nos casos tratados por esse trabalho, tampouco há a característica da indivisibilidade do objeto, que é também critério limitativo da qualificação de direitos coletivos. Na realidade os interesses do “todo” indivisível que sofre a ação ilícita, não pode ser afetado tão só pela lesão individualizada a interesses e direitos de alguns de seus integrantes.

[18]  ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003 (Temas atuais de direito processual civil, v. 6). p. 230.  Realmente, a jurisprudência do mundo ocidental, mencionada pelo d. autor, é irrespondível, se os fatos forem individuais e constam da causa de pedir, como justificar um pedido genérico sem outros elementos razoáveis e hábeis, para que o julgador se convença da possível violação genérica que habilita o pedido amplo?

[19]SPADONI, Joaquim Felipe. Ação inibitória: a ação preventiva no art. 461 do CPC.2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007 (Coleção estudos de direito de processo. Enrico Túlio Liebmam, v. 49). p. 50.

[20] MELO.  Raimundo Simão de.  Ação civil pública na justiça do trabalho. São Paulo. Editora LTr, 2002.p.35, critica a posição adotada por Carlos Henrique Bezerra Leite, o qual na p. 110 de sua obra -O ministério público do trabalho-doutrina, jurisprudência e prática. São Paulo: Ltr. 1998, por este autor entender, ao contrário daquele, serem casos típicos de direitos homogêneos: a exigência de atestados de esterilização; procedimento lesivo do empregador contra empregados que contra si tenham ajuizado reclamação trabalhista; permissão de trabalho perigoso ou insalubre a menores de 18 anos; tratamento discriminatório do empregador no tocante ao trabalho manual, técnico ou intelectual.

[21] SILVA NETO. Manoel Jorge. Proteção constitucional dos interesses trabalhistas- difusos, coletivos e individuais homogêneos. São Paulo: Editora LTr. 2001. P. 206.

[22]Disponívelem:http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/consulta_lista/ConsultaProcessualWindow?svc=consultaBean&action=e&windowstate=normal&mode=view, Acesso em 25.03.2013.

[23] A R. decisão monocrática, se vê, apoiou-se em fatos individuais e proferiu decisão inibitória genérica, quando na verdade, se o pedido foi genérico aquela prova anterior quando muito, serviria de indício sobre a probabilidade de ocorrência de outro fato mais amplo do que aquele ser praticado, e esse novo fato para aferir-se a ameaça a direitos coletivos, logicamente deveria ser provado na instrução, como deixou antever no V. Acórdão proferido no Mandado de Segurança.

[24]  É a única solução possível segundo nos parece- afora a extinção sem julgamento de mérito, como vem julgando alguns Tribunais Regionais - se não provada a ameaça a direitos transindividuais de natureza indivisível, cujos sujeitos são de difícil determinação, a partir dos fatos individuais subjacentes, ainda que repetidos por outros sujeitos de direito, se forem os únicos fundamentos dos pedidos mandamentais, inibitórios e até de responsabilização por danos morais coletivos.

[25]  MARINONI. Op. Cit. P. 297.

[26] MANCUSO. Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 6. ed. 1999. P. 46.


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VALÉRIO, J. N. Vargas. Tutelas inibitórias coletivas: reflexões sobre as razões ideológicas e científicas sobre a extinção sem julgamento de mérito de ACPs com fundamentação fática individual e pedido inibitório genérico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3607, 17 maio 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24457. Acesso em: 19 abr. 2024.